“É sobre um sujeito
que foi importante na vida de Nietzsche. Quando li, anos atrás, o livro de
Daniel Alevy sobre Nietzsche, e que é muito bonito, fiquei fascinado pela
personalidade de Peter Gast. Fiquei sabendo que ele foi músico e compositor a
vida toda, que foi morar em Veneza e foi um amigo que, até o fim, não abandonou
Nietzsche, que foi ficando louco e era intratável.
Mas o trabalho de
Peter Gast não ficou, ele não produziu nada de importante como músico e que o
fizesse conhecido por isso. Peter Gast era como Nietzsche o chamava.
O nome dele era
Heinrich Köselitz. Gast quer dizer o hóspede, ou o visitante, ou o convidado. Então,
eu não pude deixar de escrever a música, que veio inteira na minha cabeça.
Fiz, mas depois
pensei que era um negócio meio ridículo. Achava que era interessante, mas tinha
vergonha, achava que ia ficar só para mim. Mas os meninos da banda acharam a
música bonita, tocaram bonito, então eu gravei. Mas eu não falava muito no
assunto, não dava muita atenção, pois continuava meio envergonhado por ser uma
letra que falava algo que eu simplesmente li num livro. Mas também eu me
lembrava de Jorge Ben, que começa a letra de “As rosas eram todas amarelas”,
uma música incrível, com uma lista de personagens de Dostoïevski: o
adolescente, o ofendido, o jogador, o ladrão honrado (“todos sabiam mas ninguém
falava, esperando a hora de dizer, sorrindo, quer as rosas eram todas
amarelas”), depois cita as Cartas ao
jovem poeta, de Rilke (‘basta eu saber que poderei viver sem escrever mas
podendo fazê-lo quando quiser’).
Resolvi, então,
considerar que eu estava na tradição do Jorge Ben, que, sem dar explicação,
colocava na letra algo vindo de uma leitura, referências da alta cultura,
usadas de uma maneira intelectualmente não autorizada.
Mas, no meu caso,
achava que não ficava muito bem por eu ser um cara com formação universitária,
e pensava que podia ficar meio cabotino. Bem, deixei pra lá, não liguei; pensei
um pouco no exemplo de Jorge Ben mas depois esqueci. Até que fui à Argentina e,
durante uma entrevista minha à televisão, uma moça, que se chama Silvina Garret,
cantou “Peter Gast”, em portugués, com um pianista amigo dela acompanhando. E
ela cantou tão bonito, tão bem, que a música ficou, pra mim, salva para
sempre.”
[Caetano
Veloso, Sobre as letras, pág. 60-61. 2003]
6/11/1984 - TV Argentina |
6/11/1984 - Programa Cordialmente |
Música y letra: Caetano Veloso
© 1983 © Gapa/Saturno
para Rosa
Sou um homem comum
Qualquer um
Enganando entre a dor e o prazer
Hei de viver e morrer
Como um homem comum
Mas o meu coração de poeta
Projeta-me em tal solidão
Que às vezes assisto a guerras
E festas imensas
Sei voar e tenho as fibras tensas
E sou um
Ninguém é comum
E eu sou ninguém
No meio de tanta gente
De repente vem
Mesmo eu no meu automóvel
No trânsito vem
O profundo silêncio
Da música límpida de Peter Gast
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Peter Gast, o hóspede do profeta sem morada
O menino bonito, Peter Gast
Rosa do crepúsculo de Veneza
Mesmo aqui no samba-canção do meu rock'n'roll
Escuto a música silenciosa de Peter Gast
Sou um homem comum
6199 2917 / 3:44
Álbum "Uns"
Philips LP 812.747-1 8, A-4.
CD 812.747-2, Track 4.
1992 - VANIA BASTOS
6446 5101 / 3:54
Álbum "Cantando Caetano"
Columbia LP 231.276/1-464279, A-2.
CD 850.160/2-464279, Track 2.
Velas CD 112, Track 11. [1995]
2012 - SEU JORGE / TONINHO HORTA / ARISMAR ESPÍRITO SANTO
BR-UM7-12-00898 / 3:55
Álbum “Um tributo a Caetano Veloso / A tribute to Caetano Veloso”
[Varios intérpretes]
Universal Music CD 60252789042, Track 15.
2020 – CAETANO
VELOSO & IVAN SACERDOTE
Álbum “Caetano Veloso & Ivan Sacerdote”
Plataformas digitais: 16/1/2020
Bibliografía
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche e a Música. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994. 155 páginas.
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