2012
Revista do Itaú
Personnalité
n° 20 | Ano 6
setembro |
outubro | novembro
Gal Costa
“Minha voz não sou eu. Minha voz vem”
Produção de moda: Bárbara Achoua e Satomi Maeda
Fotos: André Schiliró
Styling: Drica Cruz (Abá MGT)
Beleza: Carlos Carrasco
Gal Costa passeia por canções icônicas dos 32 discos da
carreira, detalha a relação com Caetano Veloso e tenta explicar o dom de (en)cantar
em shows como Recanto, considerado o melhor do ano
Paulo Vinicius
Coelho pergunta:
Quando
um time pequeno luta por título, as reportagens tocam “Festa do Interior”. O
que acha disso?
Gal Costa responde:
Que curioso... Eu nem sabia disso. Talvez seja porque
essa música de Moraes Moreira é animada, pulsante, vigorosa... Lembra
movimentos, alegrias. E animar as pessoas para vitórias sempre é bom, não?
Aliás, Moraes me enviou naquela época cinco composições. Por acaso, escolhi
essa para gravar. “Festa no interior” acabou se tornando um megassucesso,
graças também ao maravilhoso arranjo da gravação.
Gal,
seu público é formado por muitos jovens. Uma façanha entre os artistas da sua
geração. O que você pensa disso?
Olha, eu já sabia que a garotada andava
ouvindo músicas dos meus primeiros discos, como Meu nome é Gal, Gal 68, Fa-Tal,
LeGal, Índia, Cantar... Sabia que adoravam minha coragem, os gritos, as
guitarras, os cabelos, os arranjos radicais... Até me ocorria fazer algo
voltado às novas gerações, na intenção de rever partes da minha história. Mas
precisaria ser algo bem pensado. Então, veio esse disco atual com Caetano, e o
público jovem adorou e se identificou. Percebo que tem tudo a ver com a minha
história, com a minha carreira de rupturas. Hoje, digo até que me sinto
roqueira no show, principalmente em “Cara do mundo”. Caetano, ao me ver no
palco cantando essa música, disse: “Está maravilhoso! É rock! Está rock!”.
Em 1969, plena
ditadura militar, Danuza Leão, entrevistada pelo semanário carioca O Pasquim,
provocava o regime: “Gal Costa é a mulher mais elegante do Brasil, porque não
combina sapato com bolsa”.
No mesmo período, o compositor baiano Tom Zé, um dos
mentores da Tropicália, declarava na TV outra sentença curiosa sobre aquela
cantora descabelada que se tornara o emblema da oposição musical do país. “Sabe
uma faca me rasgando, um mundo se acabando? Gal Costa cantora, a mulher, a
mulher terrível, a mulher linda, a noiva, a morta, a viúva, a maravilha: é
muito difícil falar, Gal Costa sempre me trata com choques elétricos. Chego pra
vê-la e me arrebento e me desarrumo, é sempre surpreendente.”
Quatro décadas se
passaram. E que mulher foi essa, que artista é essa, que importância ela
continua a ter? No mínimo, Gal Costa é a matriz do canto moderno no Brasil. Seu
estilo, seu jeito, as escolhas que fez exploraram limites. Ela já reinventou
canções de Gil (“Barato total”), Roberto e Erasmo (“Meu nome é Gal”), Adoniran
Barbosa (“Trem das onze”), Jorge Ben Jor (“Que pena”), Jards Macalé e Waly
Salomão (“Vapor barato”) e, claro, composições de seu grande parceiro, Caetano
Veloso. Essas, aos magotes. “London, London”, “Baby”, “Coração vagabundo”…
No
ano passado, ela reassumiu o cume da vanguarda da MPB. Seu último CD, Recanto,
foi produzido por Caetano Veloso a partir de composições inéditas do baiano.
Calcado em bases eletrônicas, foi destacado pela imprensa como um dos melhores
de 2011. O novo show de Gal, com canções icônicas dos 32 discos de sua
carreira, acaba de ser eleito pelo canal Multishow como o melhor de 2012.
Pois
é. Agora mãe coruja de Gabriel, 7, ela ainda mantém certo jeito de garota
rebelde – mesmo aos 67 anos. E tem mais: Gal conseguiu a proeza de conquistar
em pouco tempo públicos novos e, de quebra, manter contentes os seus fiéis
seguidores. A MTV, que a indicou para três premiações no VMB realizado em
setembro, encontrou uma definição para o atual momento da cantora:
“Tropicalista, baiana e – por que não? – rock’n’roll”. Esse novo tempero pode
ter algo a ver com sua mudança este ano para São Paulo, depois de décadas entre
Salvador e Rio de Janeiro, cidade em que recebeu a Revista Personnalité para
uma tarde de conversa.