martes, 31 de mayo de 2022

1996 - VENHA CÁ

 

Música e letra: Caetano Veloso

© Uns Produções Artísticas (Natasha Records)

 

Venha cá, não morra

Venha amar, oi, socorra

Quem lhe dá doçura

Quem no ar, oi, segura

Seu olhar.

Tudo embaixo do céu

Tudo envolta do mar

Vadeia

Venha cá, oi, na areia

Vem dormir na cama

Bem-te-vi, oi, lhe chama

Maturi gostoso

Sapoti, oi, meu gozo

Chegue aqui.

Lua nos coqueirais

Mas você é bem mais bonito

Venha cá, oi, cabrito

Vem me ver, meu nêgo

Vem trazer, oi, sossego

vem dendê, vem coentro

Vem que o sol, oi, é dentro

Vem viver.

 




1996 – GAL COSTA
Participación Especial: Didá Banda Feminina
6625 4221
Álbum "Tieta do Agreste"
Trilha original do filme de Carlos Diegues
UNS Natasha Records CD NAT 055-2, Track 7.
 


lunes, 30 de mayo de 2022

2018 - CONVERSA INFINITA // CONVERSACIÓN INFINITA


Entrevista realizada no Rio de Janeiro, em 6 de novembro de 2018, por Mariano Horenstein. A transcrição da gravação foi feita por Karen Garcia Delamuta, Aline Wageck. 
A tradução para o espanhol foi realizada por Gastón Sironi.



Entrevista realizada en Rio de Janeiro, el 6 de novembro de 2018, por Mariano Horenstein. La transcripción fue hecha por Karen Garcia Delamuta, Aline Wageck. 
La traducción al español, por Gastón Sironi.


Fonte: www.marianohorenstein.com




Foto: Leo Aversa



CAETANO VELOSO, O HOMEM QUE SONHOU A PSICANÁLISE


Caetano Veloso é, por qualquer ângulo que se olhe, mestiço. Basta ver sua biblioteca e escutá-lo sustentar discussões sobre teoria crítica, filosofia ou literatura com quem quer que seja para saber que estamos frente a um verdadeiro intelectual. Também é um poeta, para quem a música das palavras conta. É, logicamente, um artista incrível, um ícone da música brasileira –no mínimo, dos últimos cinquenta anos– que sempre soube sustentar um espírito ao mesmo tempo vanguardista e popular. Também é um homem político, consciente do peso de sua voz nas discussões contemporâneas em que se joga o destino da América Latina. É um artista local, leal às paisagens baiana e carioca em que se formou e onde ainda mora. É, ao mesmo tempo, uma estrela global. 

E também é, em uma faceta pouco conhecida, um amante da psicanálise. Alguém que fez da psicanálise parte de sua vida, a ponto de escolher onde fixar residência em função da presença de psicanalistas no local. Alguém com fineza perceptiva suficiente para poder sustentar uma discussão teórica em psicanálise como se fosse psicanalista, e, ao mesmo tempo, alguém que soube aproveitar o que um dispositivo como o nosso tem para oferecer. Como ocorre com muitos outros artistas e intelectuais de renome, a vida de Caetano pode ser rastreada a partir de seu itinerário analítico. 

E, de algum modo, foi isto que procurei fazer nesta entrevista, decantada de uma longa conversa que mantivemos em seu apartamento de Ipanema, no Rio de Janeiro. Na contramão das dilações e entraves que costuma ser necessário superar para entrevistar um artista de seu calibre, Caetano tinha respondido meu convite imediatamente, com um caloroso e-mail escrito do norte do mundo, em meio a uma turnê. 

Entrevistar alguém da estatura e sensibilidade de Caetano Veloso obriga quem o escuta a desaparecer ainda mais do que costumamos fazer como psicanalistas. Obriga a renunciar a qualquer veleidade narcisista, à tentação do fã ou do caçador de autógrafos, e reduzir a presença a tornar possível que quem vai falar, fale. E o faça do modo mais íntimo e fiel a sua experiência possível. Foi o que procurei nesse caso, e ouvir Caetano Veloso falar sobre suas crises e suas análises, em uma entrevista atípica, foi uma verdadeira delícia.

 

Mariano Horenstein

 

Você teve várias experiências com a psicanálise em sua vida, não? 

Quatro. A primeira vez foi em Londres. Talvez, em algum lugar, eu tenha contado uma pré-história da minha relação com a psicanálise. Eu era menino e tinha muitas questões de saúde física, eu era o filho mais fraco, doentio. Minha garganta estava sempre inflamada, eu era fraquinho, e aí me levavam aos médicos e tudo. Apareceu um médico em Santo Amaro [1] e foi curioso porque ele conversou comigo, o jeito dele eu gostei. E ele preguntava coisas da minha vida, um pouquinho, e com a conversa vinha examinando: “Abre a boca. Você dorme? Como é?” Me deu uma sensação, eu fiquei gostando muito dele. Fiquei imaginando que devia ter um médico assim, que tratasse do estado emocional da gente. Entendeu? E que pudesse conversar. Eu sonhei realmente que houvesse um médico para isso, que pela conversa pudesse ir resolvendo os nós de dentro da pessoa, da estrutura da pessoa. 

E passado algum tempo, eu vi um filme americano em que uma personagem, uma menina fala para a outra assim: “Você devia falar com um psicólogo”. Um negócio assim. Psicólogo, foi o que apareceu escrito na legenda, né? E a outra pergunta: “Mas o que é um psicólogo?”. “É uma pessoa que trata dos seus problemas emocionais”. Eu pensei: “Então, existe isso!” É engraçado, eu criança em Santo Amaro, eu ficava imaginando! Depois eu fiquei sabendo da existência da psicanálise, na adolescência, achei que era uma coisa que me fascinava. 

Depois, li Freud um pouco, mas não fiz logo psicanálise. Eu fui crescendo. Eu vim para o Rio porque uma prima minha me trouxe e, passei um ano aqui, para ver meus problemas de saúde. Ao mesmo tempo foi dos treze aos quatorzes que eu morei no Rio, lá na zona norte, parte pobre… aos quatorze anos você vai ficando grande, saí da infância. Não gosto muito de infância. Hoje eu gosto, mas demorei muito. Quando eu era jovem eu tinha certeza que não queria ter filhos de jeito nenhum, porque ter criança era uma coisa muito chata e depois também achava que ser criança era uma coisa muito chata, … e vem do escuro e você não se lembra direito, e depois vai ficando mais claro. 

Eu tenho uma impressão da adolescência… muito diferente da que em geral as pessoas têm. Existe um mito… parece que o adolescente é angustiado, é um momento que começam os problemas… eu vejo sempre ao contrário (risos). Eu vejo que muitos adolescentes têm problemas, mas a impressão que me dá é que esses conflitos que aparecem na adolescência, eles justamente aparecem, porque a pessoa está melhor, está mais livre… é muito mais alegre, muito mais interessante. Pode criar conflitos, isso é outra coisa, mas é porque pode mais, entendeu? Eu não tive uma infância desagradável, meus pais eram maravilhosos, meus irmãos também. Mas a situação de ser criança… me parecia desvantajosa… há uma certa felicidade em sair da infância… isso é uma coisa, para mim, curiosa, porque o mito geral é que parece que a infância é uma maravilha. E que depois você tem que aguentar as responsabilidades da vida adulta, que é chato que é difícil, mas que a infância é uma delícia… E eu não queria ter filho porque achava um negócio desinteressante a criança. Mas quando eu já tinha trinta anos, eu tive… uma necessidade… um desejo de ter filho. 

 

Necessidade e desejo de ter filhos. 

Necessidade e desejo… era como se eu fosse… era como se eu fosse até uma mulher, que o relógio biológico começa a exigir… a pessoa fica tendo desejo de ter filho. Eu, eu sou homem e tive isso…. Eu tinha muita curiosidade a respeito da sexualidade da mulher, porque parecia que não existia. No ginásio os meninos todos falavam em masturbação… aí eu aprendi: aquilo foi uma descoberta deslumbrante para mim. Eu ouvia uma sugestão, umas falas… depois fui entendendo, e aquilo foi uma descoberta… eu tenho a impressão que foi a descoberta mais importante da minha vida, a masturbação, o orgasmo. Parece que a vida ganhou sentido, parece que agora eu sei porque vale a pena viver. 

Mas aí, mas as meninas, não falavam nisso… Eu tive muitas mulheres na vida, e conversei muito com muitas… e aprendi muito, né? Tive dois casamentos, longos, mas também muitas outras mulheres assim… de encontros casuais, ou de curta duração, e conversei muito com elas, e elas confirmam que realmente a gente não fala sobre isso. Algumas, conheciam a masturbação, tinham descoberto sozinhas, mas não tinham a coragem de falar disso… 


E, com tantas mulheres, o que você descobriu sobre os mistérios da mulher? 

Eu comecei a transar com vinte anos… transar mesmo, né? Eu tive um negócio com uma menina em Salvador, que não tinha penetração porque ela era judia, e muito bonita, e virgem, e não queria… não queria deixar de ser virgem. As meninas não entravam no bar, nunca saiam sozinhas de noite… Era muito difícil, e a meninas… E a menina por quem eu me apaixonei… Era impensável ter sexo com essas pessoas, porque seria como um desrespeito total…, como se fosse um desastre para a própria vida delas e para a família. Então não havia essa possibilidade que hoje há, né? Felizmente isso foi melhorando. 

 

Aprendeu coisas com estas mulheres? 

Nos livros da Simone de Beauvoir (risos), em Memórias de uma moça bem-comportada e em O segundo sexo. Algumas coisas me levaram a isso. Uma coisa era o cinema francês, porque o cinema americano não tinha sexo; mas no cinema francês tinha… 

Em Santo Amaro tinha dois cinemas e cada filme passava dois dias, porque aí você podia ir em um e no outro. Eu ia em todos, era louco por cinema e os filmes franceses apresentavam cenas assim de cara beijando a mulher na cama e o peito da mulher aparecendo. Todos os meninos do ginásio falavam: “Têm filme francês!”. Os meninos achavam meio chato, mas adoravam algumas partes e ficavam esperando aparecer um peito, uma mulher nua. E as mulheres ali demonstravam tesão. Entendeu? E prazer! Porque a gente não sabia, como as meninas nunca falavam, e as mães da gente e irmãs tinham que ser respeitadas, as mulheres eram criadas para… E o assunto sexo não entrava. Entendeu? 

Nos filmes franceses eu via essa revelação da sexualidade das mulheres. Eu ficava fascinado: então quer dizer que as mulheres têm também… ficava misterioso, mas depois eu via que era uma repressão cultural e comecei a ficar meio feminista assim, achando que as mulheres deveriam ter mais liberdade de se expressar no mundo, de ser, e achava triste que elas não tivessem essa abertura. E aí tinha uns primos meus que moravam em Salvador que eram pessoas mais velhas e liam muitos livros, eram uma família meio intelectual, então eu ouvi falar. Tinha uma prima minha que falou dos existencialistas, então isso tinha ficado uma coisa pop, Sartre e Simone de Beauvoir, e caíram nas minhas mãos Memórias de uma moça bem-comportada e O segundo sexo. 

Eu ficava pensando: “Será que a mulher sente também?” Me perguntava se ela tinha orgasmo. Pelos filmes franceses parecia que sim (risos), e depois eu li na Simone de Beauvoir. E, finalmente, em Salvador, eu tive contato com uma menina que era muito linda; ela que tomou a iniciativa e me chamou para ir ao cinema, eu pensei que era para ver um filme… o filme não importava muito, e foi uma descoberta maravilhosa. Depois fomos para a praia. 

Teve algumas coisas com uns meninos, com uns rapazes, mais ou menos neste período em Salvador também, alguma coisa de masturbação mútua, ou pelo menos presencial, assim. Isso aí tem a ver com psicanálise porque é sexo. 

 

Sim, a descoberta da sexualidade. 

Então eu fiquei fascinado com um negócio de Freud, um negócio que batia com a minha experiência pessoal, que era o sexo ter este lugar central. 

 

O lugar central do sexo na experiência. 

É, na experiência do ser. 

 

Sim. Aí um ponto de sintonia com Freud. 

Eu senti uma sintonia total. Ainda sinto essa sintonia, porque eu acho que isso é uma intuição bastante profunda, isso é a grande força do negócio de Freud. 

Eu sempre tive muitos questionamentos na cabeça, tinha angustia, tinha medos. Eu era um tipo hipocondríaco e tinha medo de ter uma doença que me matasse ou que… eu tinha medo de estar doente e ficava apavorado. Tinha medo também, porque eu vi uma mulher ter um ataque epilético e eu pensei que ela estava sendo possuída por um orixá do candomblé, e era numa festa religiosa católica. Fiquei um tempo enorme com medo daquilo. 

Eu tenho uma resistência a dormir, minha mãe fala: “Você era um bebê insone” Porque todo mundo ia dormir e eu não queria dormir, queria continuar puxando conversa, mesmo quando tinha dois anos, três anos de idade. Eu sou assim até hoje. Dormir é sempre um pouco problemático, a ideia de dormir. Porque como eu estou aqui, conversando com você, vendo as coisas… e daqui a pouco vou estar apagado? Eu não aceito, e a passagem de me entregar ao sono é difícil. 

Então eu tinha uma porção de coisas assim e uma visão de mundo muito curiosa, porque a minha casa era muito pacífica. Meus paIs, eles se amavam muito e eram muito harmônicos. Estavam sempre juntos, nunca brigaram e eram pessoas muito dignas, muito carinhosas entre si. Isso dava um ambiente… 

Então, ao mesmo tempo, eu sentia a casa dentro de uma redoma. Eu olhava para o mundo, recebia notícias do mundo. Nossa casa era uma família estendida, por meu pai ter filhas de irmãs mais velhas dele vivendo com ele desde que minha mãe se casou. Ele tinha três irmãs morando com ele e seis sobrinhas quando minha mãe se casou com ele e entrou nessa casa cheia de mulheres. O que é estranho é que elas nunca brigaram, nós nunca vimos briga. 

 

Você cresceu rodeado de mulheres. 

Muitas mulheres, a casa era cheia de mulheres e depois eles tiveram a primeira filha mulher, a segunda filha mulher, finalmente veio o terceiro, que é meu irmão Rodrigo, homem; depois Roberto, homem; depois eu, homem; e depois, Bethânia. Eles tomaram duas meninas para criar, a mais velha antes da primeira [filha] e a última, Irene, depois de Bethânia. São mais duas mulheres… O modo feminino dominava a casa toda. Meu pai era o único homem da casa até nascer o primeiro dos filhos homens, mas a gente não ficou muito masculino não, porque o ambiente… talvez por isso também…. Enfim. Mas meu pai era inacreditavelmente aberto para o que acontecesse naturalmente, com um respeito por nós, assim de acompanhar. Ele exigia só honestidade, mas não exigia masculinidade, não exigia definição sexual. Meu pai era incrível, era um homem que tinha uma capacidade muito grande, porque ele é que deu o tom para essas mulheres todas dentro daquela casa não brigarem, porque é muito difícil isso. 

 

Tem que haver um homem que ordene. 

É quase impossível que não houvesse, que não fosse um ambiente de muitas brigas, mas não havia. E é curioso que Bethânia, minha irmã, que afinal foi quem me trouxe para essa vida profissional em música popular, porque ela se tornou famosa quando tinha dezessete para dezoito anos, e o meu pai pediu que eu viesse tomar conta dela. Bethânia quebrou um pouco esse mundo de não-conflito, porque ela individualmente tinha uma coisa que vem de dentro dela… a gente achava um pouco de graça… até hoje é um pouco assim. A gente ria um pouco. Era “gracioso” que… ela dramatizasse assim as relações. Ela às vezes ficava de mal com um membro da família sem ninguém saber por quê. Aí tem gente que diz que é porque ela é do signo de Gêmeos, e é a única que é do signo de Gêmeos. Então, mais tarde quando esse tema da astrologia entrou no imaginário o fato dela ser geminiana explicava. 

Então minha formação mais ou menos foi essa. Eu tive muita curiosidade, muito interesse pela psicanálise, mas não tinha sentido, até um determinado momento, necessidade. 

 

E esse determinado momento qual foi? 

Foi o seguinte, em 1968… O golpe foi em 64, o golpe militar. Aí ficou difícil, mas não foi tão terrível. Foi um susto, eu deixei a faculdade, porque o ambiente ficou ruim. Teve professor que foi preso, alunos que desapareceram, e Bethânia foi chamada para o Rio para substituir a Nara Leão num espetáculo. Como Bethânia veio, eu vim para cá. Ela cantou uma música minha, a música já fez sucesso e terminei entrando nesse negócio de música popular, que eu já fazia, mas que para mim era uma coisa secundária. 

Eu pintava, eu queria fazer filmes e escrever. A canção era uma coisa de que eu gostava assim, fiz uns espetáculos com meus amigos em Salvador. Depois Gil teve a ideia tomar uma atitude diferente em relação à música popular e deu no negócio do tropicalismo. Aí precisou muito do meu contributo intelectual para acompanhar, para produzir junto, e finalmente para teorizar mesmo, para articular o sentido do movimento. Então eu pensava: eu faço isso e depois deixo o negócio de música popular e vou fazer filme, que eu quero fazer e vou fazer outra coisa. Mas aí, em 68, dentro já da ditadura, veio um golpe dentro do golpe, o AI-5 [2], que deu poderes ilimitados à repressão e endureceu muito o regime. 

Aí em 68, Gil e eu fomos presos. Ficamos dois meses na cadeia, foi um período terrível, porque eles nos prenderam sem explicação. A gente morava em São Paulo, tinha residência, eu era casado com Dedé que era minha namorada desde Salvador, com quem eu vivia e havia combinado de nunca ter filhos. 

Então começou assim o negócio, fazendo música… o tropicalismo, com a explosão da contracultura no mundo, coincidia com o que a gente estava fazendo, né? E foi em 67 que nós fizemos o tropicalismo. Aí em 68 eles prenderam a gente, foi um susto, porque a esquerda não apoiava o que a gente fazia. Ao contrário a esquerda vaiava, os estudantes de esquerda – como a gente admirava os Beatles e admitia o uso de guitarras elétricas, ou seja, tinha uma abertura para o rock – achavam que estávamos vendidos ao imperialismo (risos). 

Era assim mesmo, vaiavam e reagiam contra. Os meninos alienados é que gostavam da gente. Eles eram alienados, mas estavam querendo se engajar em uma coisa diferente, eram uns meninos que deixaram o cabelo crescer e começaram a aderir à contracultura. Mas os militares encontraram um meio – alguma denúncia falsa de que a gente teria feito um espetáculo no Rio desrespeitando a bandeira nacional e o hino nacional –, não houve isso, mas eles nos prenderam. Ficamos dois meses presos, só no meio do segundo mês que fizeram um primeiro interrogatório comigo. A primeira semana eu fiquei numa solitária, Gil em outra, eu não via ninguém. Ninguém me perguntava nada, não havia explicação, eu dormia no chão. Fiquei sem conseguir comer me sentindo mal e angustiado, porque ali eu não sabia… a impressão que eu tinha, vou lhe dizer, é que a vida era aquilo e que todo o resto de que eu me lembrava era uma fantasia minha, um sonho, não era real. 

Fiquei muito mal mentalmente e, bom, isso durou dois meses. Depois fomos levados em aviões da Força Aérea para Salvador. Eles disseram que iria ser nossa soltura. Era tudo muito arbitrário, porque nós morávamos em São Paulo, eles prenderam a gente em casa sem dizer que era prisão e dizendo que nós íamos responder um interrogatório formal, e o carro veio para o Rio, e depois levaram a gente para Polícia Federal, e de lá para o quartel do Exército, e de lá para o quartel da Polícia do Exército (PE), na vila militar na Tijuca, e de lá para a vila militar e depois para os paraquedistas. Isso tudo durou dois meses e a soltura foi para Salvador, porque nós somos da Bahia. Porém, quando o avião da FAB chegou em Salvador, a força aérea em Salvador prendeu a gente e o cara da Polícia Federal brigou com um cara da Força Aérea e levou a gente e prendeu de novo! Eu quase morro, porque eles tinham na verdade a ordem de dois meses antes para prender, caso a gente fugisse para a Bahia. Eles nunca avisaram que nós já tínhamos sido presos e nem deram a contraordem, uma desorganização. 

 

É tão latino americano isso… 

Muito latino-americano, é um caos. E, bom, o sujeito levou a gente e os caras da Polícia Federal brigaram e saíram dali zangados. A gente foi presa. Eu fiquei arrasado olhando para Gil e dizendo: “Gil o que vai ser da gente agora?”. Agora a gente foi presa pela Aeronáutica, vai começar tudo de novo, uma coisa terrível. Enquanto isso, os caras da Polícia Federal telefonando para o Rio, para Brasília para resolver a questão. Afinal esclareceram e de noite eles foram lá e soltaram a gente. Mas a soltura foi o seguinte, os policiais federais levaram a gente para o chefe da Polícia Federal em Salvador, que era um coronel do exército. Ele olhou para nós: “Você chegou aqui, mas não tem processo, não tem nada”. Ele reclamando do caos da organização deles (risos). “Bom, o negócio é o seguinte: a ordem que eu tenho é que vocês têm de vir aqui todos os dias, não podem sair do perímetro urbano da cidade de Salvador. Tem que vir todos os dias assinar aqui o papel, nesse caderno”. Aí assinamos nessa hora e ele disse: “Amanhã, aqui.” E assinamos todos os dias. Nós ficamos quatro meses nessa situação. Não pode dar entrevista, se apresentar em público, nada. 

Gil já tinha duas filhas. Aí começou a reclamar, que já estávamos há seis meses sem trabalhar, que tinha duas filhas. Aí a solução que eles encontraram foi o exílio. Eles resolveram os papéis, mas nós compramos a passagem. 

 

E terminaram em Londres? 

Terminamos depois em Londres, mas fomos para Lisboa. Porém Lisboa… Portugal nessa época, ainda estava sob o salazarismo (risos). 

 

De um inferno a outro. 

É, de um inferno a outro, tudo dentro da língua portuguesa! E aí, nós fomos para Paris. Nosso empresário estava lá, na Europa, Guilherme Araújo, porque Gil ia ser a primeira apresentação de um artista moderno, brasileiro tropicalista, fora do Brasil, que ia ser no Festival Midem [3], em Cannes. Mas, quando fomos soltos… fomos exiliados, os caras da Polícia Federal foram me botar dentro do avião, e o cara ainda me disse: “não volte… e se voltar se entregue logo para nos poupar de ter o trabalho de passar um dia lhe procurando; porque mais de um dia não fica.” Foi exatamente o que o cara me disse. Então eu saí do Brasil amargurado. Eu tenho horror a morar fora do Brasil, só gosto de viver no Brasil… e aí eu tive umas coisas esquisitas: primeiro eu tinha tomado ayahuasca… essa bebida, em 68. É um alucinógeno muito forte. E tive uma angústia muito grande. Tive uma viagem com visões muito bonitas, mas depois de algumas horas, minha cabeça ficou cansada, eu queria desfazer aquilo, e fiquei louco. Foi terrível, fiquei apavorado, mas foi passando. Mas aí veio essa prisão e depois o exílio. E no dia em que a gente foi solto, Gil e eu chegando em minha casa na Bahia, olhando a casa, as fotografias na sala, fiquei tão louco quanto no dia da ayahuasca. Pensei que eu tinha ficado louco e não tinha jeito, porque não tinha nem tomado droga, então era um desespero total. Gil, me vendo assim, começou a chorar, eu olhava para Gil, entendia que ele estava chorando, ao mesmo tempo eu sabia que eu não sabia mais quem era Gil. Queria me olhar no espelho para ver se eu me reunia comigo mesmo, e foi horrível porque não é que eu não sabia quem era, eu não sabia o que era aquilo que eu estava vendo! Meu pai bateu o olho em mim e disse: “Não me diga que esses filhos da puta te deixaram nervoso!”. Fiquei bom! 

 

Te apaziguou isto! … A palavra de seu pai… 

Ele falou “filhos da puta” na frente de minha mãe. Ele nunca falou um palavrão na frente de minha mãe. Aí eu chorei… fiquei… 

Então, isso tudo contribuiu para que quando a gente saiu fosse… De Lisboa para Paris. Era 1969 e tinha acabado de ter o 68 em Paris, foi bonito, mas terminou voltando… De Gaulle voltou, dominou a situação…. As ruas ficavam muito policiadas, era uma sensação de opressão. 

Uma coisa sensata é ir pra Londres, disse nosso empresário. Em Londres tem paz, a música… é a música que mais interessa, lá não tem esse negócio de polícia ficar parando ninguém…. Aí em Londres, com tudo isso que eu estou contando, eu fiquei muito angustiado, eu fiquei meio deprimido, fiquei meio mal. E aí fiquei procurando um psicanalista… E aí me disseram que tinha um psicanalista brasileiro que atuava em Londres, era um cara judeu muito bacana ele. E aí foi a primeira… 

 

E te ajudou? 

Eu gostei muito. Ele era muito lacônico assim, daqueles analistas que ouviam muito e não falavam quase nada, com horário certo, né? Mas aquilo mexeu muito comigo… me ajudou…, mas aí eu comecei toda uma coisa com a psicanálise que é curiosa, porque quando eu sonhava com a psicanálise, eu achava que você chegava lá e…. com aquela ideia de livre associação…. Eu imaginava uma soltura… Nada disso acontece: você chega lá, você tem uma pessoa, entendeu? Tem um cara e você. Você tem que falar, não sabe por onde começar, e também… as amarras sociais se mantém todas ali… embora você vá criando uma relação, que é uma relação especial: ela é diferente das outras, né? Você tem, ao mesmo tempo, uma grande abertura de sua intimidade para uma pessoa que não faz parte da sua vida. Realmente você cria uma instância especial. E eu vi que isso, apesar de tudo, acontece, mas tinha uma decepção de não ver as coisas acontecerem assim como eu sonhara…. Mas caiu muito bem, e ele… O nome dele era Abrahão Brafman; eu quero muito bem a ele. 

 

Quando você voltou foi quando pensou em procurar novamente? 

Quando eu voltei… eu fui para a Bahia e fiquei tão feliz de ter voltado, nunca mais pensei em psicanálise, durante um tempo. Fiquei três anos. Nesse período eu comecei com, coincidiu com esse período da psicanálise, – eu nunca liguei uma coisa com a outra, mas agora a gente é obrigada a ligar – esse desejo de ter filho.  

Começou em Londres, mas cresceu mais quando eu comecei a vislumbrar, porque no princípio era uma angustia total, uma depressão por causa da ideia de que eu não sabia quando eu poderia voltar ao Brasil e nem se poderia voltar. Eu me lembro que conheci, fiz amizade com Cabrera Infante, um escritor cubano, e ele temia, com razão, que iria morrer sem voltar a Cuba, e ele morreu sem voltar a Cuba. Para mim isso era uma coisa insuportável. 

Quando eu comecei a ver esboços de possibilidades de vir ao Brasil, eu comecei a ter vontade de ter filho. Então teve a psicanálise e a promessa de voltar ao Brasil, aí foi uma coisa muito grande, porque eu comecei a querer ter filho e comecei a dizer a minha mulher e ela falou: “O que é isso?” Porque a gente sempre teve a decisão de nunca ter filho, para ser livre, criança a gente não gostava. 

Mas quando a gente voltou para o Brasil e chegou na Bahia e ela ficou feliz também porque a gente voltou. Quando voltei mesmo, aí Dedé disse: “Caetano vou lhe dizer uma coisa, eu topo a ideia de ter filho, agora eu quero, aqui na Bahia.” Aí ficamos três anos na Bahia, Moreno nasceu, foi o maior acontecimento da minha vida adulta. E até hoje eu adoro ter filho, eu tenho três filhos, é uma coisa espetacular. 

Mas aí depois de três anos em Salvador, Moreno já com três anos eu comecei a ter a necessidade de fazer psicanálise de novo. Aí eu queria resolver, entrar mais, resolver mais minha pessoa dentro da coisa psicanalítica, mas Salvador não tinha psicanalista, nessa altura. Eu lembro até que falei com João Gilberto que em Salvador não tem psicanalista…. “Não precisa Caetas…” (risos). 

 

Está bem assim… (me rindo). 

Era uma maravilha (risos). Aí eu queria ir para São Paulo, mas Dedé dizia: “Se for para São Paulo eu não vou, não, para o Rio eu vou.”, e aí viemos para o Rio e por isso eu estou no Rio até hoje.  

 

Havia psicanalistas no Rio?

Sim, eu vim procurar uma psicanalista específica, porque a Clarice Lispector tinha dedicado um livro dela a Inês Besouchet, que é um dos primeiros nomes da psicanálise no Brasil, já era uma mulher mais velha.

 

Algo ela teria que ter… 

Fui falar com ela, tive duas entrevistas, e ela disse que não tinha tempo, mas que queria arranjar um psicanalista para mim e deu três sugestões. A primeira não deu certo, a segunda eu não quis ir por causa do endereço, eu tinha uma superstição com o endereço, que ficava na rua do cemitério. Ela sorriu um pouco e depois disse: “Então você vai em um jovem, um psicanalista jovem, eu acho que vai dar certo”. Me deu esse terceiro nome, eu fui, e eu adorei, de primeira teve muita sintonia. A chamada transferência aconteceu, aconteceu em Londres, mas com esse muito mais e durante todo o tratamento. Foi o psicanalista com que mais senti que fiz psicanálise e que… fiz durante muitos anos e depois ele estava caminhando para me dar alta. Estava me preparando para gente se afastar, mas aí ele próprio foi se modificando porque ficou interessado em um grupo, que era, na base lacaniano mas que tinha se tornado uma coisa independente, diferente, que era o grupo de MD Magno. Hoje eu faço análise com MD Magno. Porque este analista de quem eu estava falando, eu fiquei anos fazendo análise com ele e ele começou a se encantar com o grupo de Magno e começou a mudar e aí me disse que… A gente, na verdade, ia recomeçar e mudar tudo e fazer um negócio diferente. E a Inês Besouchet apareceu num show meu, foi ao camarim e daquele jeito dela, porque ela era uma mulher quase evanescente, quase etérea, muito fascinante, e ela foi e disse: “Então, gostei muito, acho que está na hora, não é?”. Eu disse: “Como?”. Ela disse: “Na hora de você ir lá”, de eu finalmente fazer análise com ela. Ela era como uma supervisora do meu analista, né?  

Ela então acompanhou essa mudança… eu suponho, que coincidiu, não é que coincidiu, acho que foi isso. Ela vendo ele… – porque ela estava acompanhando possivelmente até esse caminho da alta, né – e de repente essa mudança dele…, ele mudou muito, foi mudando, ele ficou fascinado pelo neolacanismo de Magno, porque Magno criou um negócio dele. 

 

Não era uma ortodoxia lacaniana, era uma cosa nova? 

Ele foi um introdutor de Lacan no Brasil, muito importante, mas ele se tornou uma nova coisa, entendeu? Com teoria própria, com sugestões. Ele tem uma obra muito interessante. Um amigo foi assistir umas palestras do Magno e me chamou pra ver. Vi que tinha coisa interessante ali, mas eu pessoalmente não gostei muito não, porque tinha um negócio que eu vejo também em Lacan e que eu estava vendo ali, que é um negócio… é…. tem algo de mistificação. É um problema grande aí, porque entra todo um problema da psicanálise, né?

Eu sou um apaixonado da psicanálise por tudo o que eu já lhe contei, desde o sonho até a eleição por parte de Freud do sexo como coisa central da experiência humana, tudo isso eu tenho… isso para mim tem um valor, muito profundo, muito grande, mas aquelas críticas terríveis da história do movimento psicanalítico e o que é a psicanálise hoje. A própria ideia de Popper que a psicanálise é uma superstição moderna. 

 

Bom, mas um de teus analistas defendia a superstição, não? Mais que a religião.

Esse de que eu gostava muito… 

 

Sim. Então não é uma “má palavra” que seja uma superstição do século XX? 

Pois é. Não é necessariamente uma má palavra, porque o analista me dizia assim: “Superstição é melhor do que religião” 

 

Foram 4 análises, então? Abrahão Brafman, Rubens Molina… 

Eu continuava ainda com ele quando Inês Besuchet foi me dizer “está na hora de você ir para lá” – para o consultório dela. Eu disse, então: “Eu vou lá conversar com a senhora”. Aí contei ao meu analista e ele disse: “Muito bom, Inês é maravilhosa, vai lá”. Eu fiquei indo aos dois. 

 

Ao mesmo tempo? 

Sim, ao mesmo tempo, durante um período, e eu dizia tanto para um quanto para o outro o que acontecia, como estava sendo. 

Teve um episódio peculiar, em meio a tudo isso, é interessante para você saber. A grande artista brasileira Lygia Clark [4], ela achou que a arte não só devia sair do quadro, como começar a ser vivida pelo autor tanto quanto pelo espectador. O espectador e a arte, e às vezes o artista, né? 

Ela é muito pioneira e achou que a arte dela estava caminhando para uma terapia, e ela transformou numa terapia. E ela deixou de fazer objetos e fazia uma terapia. Aí ela me convidou… eu fazia análise com o Rubens Molina, e fazia também com a Lygia Clark, porque era Lygia Clark. Ela era minha amiga e eu tinha uma grande admiração por ela e eu fui lá fazer. Era muito interessante, muito curioso porque era a Lygia Clark, ela usava umas coisas que tinham a ver com a arte dela, uns sacos com diferentes tipos de texturas dentro, areia, pedaços de pedras, coisas grossas, coisas suaves, água…e também uns canudos que ela soprava, o ar batia em certos pontos do corpo, a gente ficava só de cueca e assim deitado, e ela fazia essas coisas e falava muito pouco e perguntava muito pouco. E com as conversas ela ia nuns pontos do corpo e fazia… eu não senti nenhum resultado propriamente. 

 

Preferia a análise tradicional? Preferia a outra psicanálise? 

É, eu preferia mais a psicanálise verbal, mas era curioso. É curioso que uma artista tenha ido radicalizando o sentido de sua arte até o ponto da interação com o espectador e que ela descobriu que, na verdade, era uma terapia, e ela até o fim da vida ficou fazendo essa terapia. Ela me despediu um dia, ela disse: “Caetano, olha, vamos parar aqui, você não está respondendo”. “Está bom, continuamos amigos” (risos). Não nos víamos muito, mas ela era uma pessoa que gostava de mim e eu a respeitava enormemente. Então, até morrer ela fez esse negócio. Ela achou que a arte, a arte dela pelo menos, se levada até as últimas consequências, virava uma terapia. 

 

Em que medida te parece que tuas distintas psicanálises fizeram com que você seja quem é? Há algum fio comum? Qual seria a marca que você vê da psicanálise em sua vida? 

Cara, como eu mais ou menos previa a psicanálise, eu acho que está tudo sempre interligado, o que eu sou, o que eu faço com a experiência da psicanálise, mas eu tenho a psicanálise sempre sob uma suspeita.

É, mas, isso é uma questão… Magno, uma vez ele disse assim: “Não é ciência, é outra coisa”, mas depois disse: “É ciência!” (risos). Mas esse é outro maluco, é outro tipo de figura, é especial. E para mim é curioso, hoje em dia eu faço análise com ele, e, diferentemente do Rubens Molina, com quem eu tinha essa identificação muito grande e achava que ele entendia tudo…. Eu tive um desentendimento… Ele teve comigo, brutal, o Rubens rompeu comigo… porque a doutora Inês morreu, e eu fiquei 14 anos sem fazer psicanálise. Entendeu? Porque eu fui deixando o Rubens que estava mudando, e eu não estava conseguindo acompanhar. E de fato, fiquei fazendo com Inês, a quem Clarice tinha dedicado um livro, então eu, adorava ela. Mas aquilo não rendeu muito. É curioso, é curiosíssimo. 

 

Não te ajudou muito essa análise?

Não rendeu muito. 

 

Mas, porque aí houve algo… ela te procurou… foi ao camarim te chamar. 

É, foi me buscar… 

 

Não pode funcionar assim. 

Ela foi porque eu tinha ido buscá-la, e ela foi me chamar: “Acho que chegou a hora, você foi me pedir, e agora acho que dá”, entende? 

 

Entendo. Entendo que não tenha funcionado. 

Mas funcionava…, como assim… era bonito e agradável o negócio com ela. E tem uma coisa estranha e interessante o fato dela ser mulher. Era muito velha já, mas curiosamente com ela, eu tinha fantasias sexuais. Isso é um pouco estranho, porque eu não diria para você que eu me considere ou me sinta uma pessoa definidamente heterossexual. Mas foi assim, com esses caras com que eu fiz análise, com que eu faço hoje, nunca tive nenhuma fantasia sexual… isso não me vem à cabeça. 

Com ela, toda vez, eu estava lá, dentro daquele lugar, deitado, e ela sentada me ouvindo… e eu ficava pensando que tinha um clima… eu tinha fantasias… eu não tinha coragem de dizer a ela…. Curioso…, eu tinha vergonha porque ela era muito velha, e respeitada e tudo. E eu comecei a esboçar um dia, mas ela desfez assim, mas eu não…. Tentei dizer, mas não consegui dizer direito. É curioso. Isso é uma coisa a se registrar. 

Com os psicanalistas esse aspecto que poderia aparecer com a transferência, incluir coisa amorosa ou sexual, não aconteceu; mas com ela aconteceu. Mas a parte, assim, de entendimento das minhas coisas, de ir aclarando coisas, com ela não houve. Ela parecia quase uma coisa sobrenatural… É gozado! Ela terminou se ligando a um cara brasileiro que fazia milagres, e que a salvou… ela era muito frágil de saúde. Ela tinha sido considerada à beira da morte desde muito jovem por causa do coração. Mas ela morreu velha…, mas teve crises, e esse cara apareceu quando ela ia morrer, e quando apareceu ele… a salvou, fez ela ficar boa de repente…, e ela ficou muito impressionada com isso, então. É (risos). É, são coisas…

 

E você leu psicanalistas posteriores? 

Li Klein, é muito bacana. Li um pouco de Bion. Lacan, eu li um pouco, mas eu me irrito um pouco com aquela coisa. E olha, é curioso porque eu adoro o jogo de palavras, adoro. Eu sou fã da poesia concreta, e adoro Joyce…. Eu acho bacana, mas tem uma hora que as pessoas ficam enredadas numa fascinação… Eu vejo aqueles vídeos dele na internet, acho ele muito mistificador… tem umas coisas fascinantes. O mais bonito que eu vi dele, dessas que tem na internet, é um programa de televisão que ele começa dizendo: Je ne dis que la vérité: pas toute…uma coisa assim, né? 

 

Porque não se pode dizer toda a verdade.

É, eu não digo senão a verdade… não toda (risos). 

 

Escutar-te, me faz pensar que não se pode dizer toda a verdade, sempre se diz às meias, como diz Lacan, mas se pode dizer bastante, Caetano, não é?! Realmente se pode dizer muito.

É. Se pode dizer muito.

  

 

 

 

______________________

 

[1] N. da E.: Santo Amaro da Purificação, pequena cidade da Bahia, terra natal de Caetano Veloso.

[2] N. da E.: O Ato Institucional Nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968 durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.

[3] N. da E.: O Mercado Internacional do Disco e da Edição Musical (Midem, por suas siglas em francês) é o maior encontro mundial de empresas ligadas à música. 

[4] N. da E.: Lygia Pimentel Lins, mais conhecida como Lygia Clark (Belo Horizonte, 1920 – Rio de Janeiro, 1988) foi pintora e escultora, trabalhou com instalações e body art e destacou-se por trabalhar no campo da arte-terapia. Propôs a desmistificação da arte e do artista e a desalienação do espectador, que compartilhava a criação da obra.

 

 

 



CAETANO VELOSO: EL HOMBRE QUE SOÑÓ EL PSICOANÁLISIS


Un encuentro con el inmenso artista brasileño, en su casa de Ipanema, Rio de Janeiro, a principios de noviembre de 2018.

 

Comenzó a analizarse durante su exilio en Londres y luego tuvo varias experiencias con diversos terapeutas brasileros. En esta entrevista, Caetano Veloso habla de su familia, del descubrimiento del sexo, de la femineidad, de la persecución política y finaliza desconfiando, y mucho, de Lacan.

 

Caetano Veloso es, por donde se lo mire, mestizo. Basta ver su biblioteca y escucharlo capaz de sostener discusiones acerca de teoría crítica, filosofía o literatura con cualquiera para saber que estamos ante un intelectual verdadero. También es un poeta, alguien para quien la música de las palabras cuenta. Es, por supuesto, un artista tremendo, un ícono de la música brasileña de al menos los últimos cincuenta años, que ha sabido sostener siempre un espíritu a la vez vanguardista y popular. Es también un hombre político, consciente del peso de su voz en las discusiones contemporáneas donde se juega el destino de Latinoamérica. Es un artista local, leal al paisaje bahiano y carioca en el que se ha formado y vive, y al mismo tiempo una estrella global. 

Y también es, en un costado apenas conocido, un amante del psicoanálisis. Alguien que ha hecho del psicoanálisis parte de su vida al punto de decidir un lugar de residencia en función de si había o no psicoanalistas allí. Alguien con la fineza perceptiva suficiente como para poder sostener una discusión teórica en psicoanálisis como si fuera psicoanalista, y a la vez alguien que ha sabido aprovechar lo que un dispositivo como el nuestro tiene para ofrecer. Como sucede con muchos otros artistas e intelectuales de renombre, puede rastrearse la vida de Caetano a partir de su itinerario analítico. 

Y, de algún modo, eso he procurado hacer en esta entrevista, decantada de una larga conversación que sostuvimos en su departamento de Ipanema, en Río de Janeiro. A contramano de las dilaciones y los escollos que suele ser necesario sortear para entrevistar a un artista de su calibre, Caetano había respondido a mi invitación inmediatamente, con un cálido correo escrito desde el norte del mundo, en medio de una gira. 

Entrevistar a alguien de la talla y la sensibilidad de Caetano Veloso obliga a quien lo escuche a desaparecer, incluso a desaparecer aún más de lo que acostumbramos desaparecer los psicoanalistas. Obliga a renunciar a cualquier veleidad narcisista, a la tentación del fan o el cazador de autógrafos, y reducir la presencia a hacer posible que quien va a hablar hable. Y lo haga del modo más íntimo y fiel a su experiencia posible. Eso he procurado en este caso, y oír hablar a Caetano Veloso acerca de sus crisis y sus análisis, en una entrevista atípica, ha sido una verdadera delicia. 

 

Mariano Horenstein


Has tenido varias experiencias con el psicoanálisis en tu vida, ¿verdad? 

Cuatro. La primera vez fue en Londres. Tal vez, en algún lugar, haya contado una prehistoria de mi relación con el psicoanálisis. Era niño y tenía muchos problemas de salud física; era el hijo más flaco, enfermizo. Tenía la garganta siempre inflamada, era flaquito, me llevaban al médico y todo eso. Apareció un médico en Santo Amaro [1], y fue curioso porque conversó conmigo, esa manera suya me gustó. Me preguntó cosas de mi vida, un poquito, y en la charla fue examinándome: “Abre la boca. ¿Duermes? ¿Cómo?”. Me dejó una sensación que me gustó mucho. Me quedé pensando que debía tener un médico así, que tratase el estado emocional de la gente. ¿Se entiende? Y que pudiese conversar. Soñé realmente que hubiese un médico para eso, que a través de la conversación fuera resolviendo los nudos del interior de la persona, de la estructura de la persona. Pasado algún tiempo, vi una película estadounidense en la que un personaje, una niña, le dice a otra: “Tendrías que hablar con un psicólogo”. Algo así. Psicólogo fue lo que apareció escrito en los subtítulos, ¿no? Y la otra le pregunta: “Pero ¿qué es un psicólogo? “Es una persona que trata tus problemas emocionales”. Y pensé: “¡Entonces, eso existe! Es gracioso, ¡de niño en Santo Amaro me la pasaba imaginándolo!”. Después supe de la existencia del psicoanálisis, en la adolescencia, y sentí que era algo que me fascinaba.

Después leí un poco a Freud, pero no hice psicoanálisis. Y fui creciendo. Vine a Río porque una prima me trajo, y pasé un año aquí para atenderme por mis problemas de salud. Fue entre los trece y los catorce que viví en Río, en la zona norte, la parte pobre… A los catorce uno se va haciendo grande, salí de la infancia. No me gusta mucho la infancia. Hoy me gusta, pero demoré mucho. Cuando era joven tenía la certeza de que de ninguna manera quería tener hijos, sentía pena por mis amigos con hijos, porque, mi Dios, tener niños era una cosa muy molesta y además pensaba que ser niño también era algo muy molesto… y nace en la oscuridad y uno no recuerda directamente, y luego va haciéndose más claro. 

Tengo una impresión de la adolescencia… muy diferente de la que tienen las personas en general. Existe un mito. Parece que el adolescente es un ser angustiado, es el momento en el que comienzan los problemas… Yo siempre veo lo contrario… [risas] Veo que muchos adolescentes tienen problemas, pero la impresión que me da es que esos conflictos que aparecen en la adolescencia justamente aparecen porque la persona está mejor, es más libre… es mucho más alegre, mucho más interesante. Puede crear conflictos, eso es otra cosa, pero es porque puede más, ¿se entiende? Yo no tuve una infancia desagradable, mis padres eran maravillosos, también mis hermanos. Pero la situación de ser niño… me parecía desventajosa… hay una cierta felicidad en salir de la infancia… Eso es algo, para mí, curioso, porque el mito general es que parece que la infancia es una maravilla. Y que después uno tiene que soportar las responsabilidades de la vida adulta, que es molesto, que es difícil, pero que la infancia es una delicia… Y yo no quería tener hijos porque no me parecía algo interesante. Pero cuando tuve treinta años, tuve… una necesidad… un deseo de tener hijos. 

 

Necesidad y deseo de tener hijos. 

Necesidad y deseo… Era como si fuese… Era como si fuese incluso una mujer para quien el reloj biológico comienza a existir… Uno se ve sintiendo el deseo de tener hijos. Yo soy hombre y sentí eso. Sentía mucha curiosidad y respeto por la sexualidad de la mujer, porque parecía como si no existiera. En el colegio todos los chicos hablaban de la masturbación… Ahí aprendí: fue un descubrimiento deslumbrante para mí. Escuchaba consejos, dichos… Después fui entendiendo, y fue un descubrimiento… Tengo la impresión de que fue el descubrimiento más importante de mi vida, la masturbación, el orgasmo. Parece que la vida cobró sentido, parece que ahora sé por qué vale la pena vivir. Pero allí, las chicas, no hablaban de eso. Tuve muchas mujeres en la vida, y conversé mucho con muchas… y aprendí mucho, ¿eh? Tuve dos matrimonios, largos, pero también muchas otras mujeres así… de encuentros casuales o de corta duración, y conversé mucho con ellas, que confirmaron que realmente la gente no habla de eso. Algunas conocían la masturbación, la habían descubierto solas, pero no se animaban a hablar de eso… 

 

Y con tantas compañeras, ¿qué has descubierto de los misterios de la mujer? 

Debuté a los veinte años… Debutar de verdad, ¿no? Tuve un asunto con una chica en Salvador, sin penetración porque ella era judía, muy bonita, y virgen, y no quería… no quería dejar de ser virgen. Las chicas no entraban al bar, nunca salían solas de noche. Era impensable tener sexo con esas personas porque habría sido una total falta de respeto como si fuese un desastre para su propia vida y para la familia. Entonces no había las posibilidades que hay hoy, ¿no?  Felizmente, eso fue mejorando. 

 

¿Has aprendido cosas de las mujeres? 

En los libros de Simone de Beauvoir [risas], en Memorias de una joven formal y en El segundo sexo. Algunas cosas me llevaron a eso. Una era el cine francés, porque en el cine estadounidense no había sexo, pero en el cine francés había…

En Santo Amaro había dos cines y pasaban cada película durante dos días para que se pudiera verla en uno y en otro. Yo iba a todas, me volvía loco el cine, y las películas francesas mostraban escenas de hombres besando a mujeres en la cama y se veían los pechos. Todos los chicos del colegio decían “¡Hay una película francesa!”. Los chicos las encontraban algo aburridas, pero adoraban algunas partes y vivían esperando que apareciera un pecho, una mujer desnuda. Y las mujeres ahí demostraban excitación. ¿Se entiende? ¡Y placer! Porque yo no sabía, como las chicas nunca hablaban, y las madres y las hermanas tenían que respetarse, Y el asunto sexo no entraba. ¿Se entiende? 

En los filmes franceses veía esa revelación de la sexualidad de las mujeres. Me quedaba fascinado: entonces quería decir que las mujeres también tenían… Era misterioso, pero después veía que era una represión cultural y comencé a sentirme medio feminista, pensaba que las mujeres debían tener más libertad de expresarse en el mundo, de ser, y me parecía triste que no tuviesen esa apertura. Tenía unos primos que vivían en Salvador, mayores que yo, leían muchos libros, eran una familia medio intelectual, y entonces oí hablar de todo eso. Tenía una prima que habló de los existencialistas, que entonces era algo pop, Sartre y Simone de Beauvoir, y cayeron en mis manos Memorias de una joven formal y El segundo sexo.

Me quedaba pensando: “¿Será que la mujer siente también?” .Me preguntaba si tenían orgasmos. Por las películas francesas parecía que sí [risas], y después lo leí en Simone de Beauvoir. Y, finalmente, en Salvador, tuve contacto con una chica muy linda, ella tomó la iniciativa y me invitó al cine, pensé que era para ver una película… La película no importaba mucho, y fue un descubrimiento maravilloso. Después fuimos a la playa. 

Tuve algunos asuntos con unos chicos, casi unos niños, también más o menos en ese período en Salvador, alguna masturbación mutua o, por lo menos presencial. Eso tiene que ver con el psicoanálisis porque es sexo. 

 

Sí, el descubrimiento de la sexualidad.

Entonces quedé fascinado con Freud. Tocaba mi experiencia personal, que era el sexo en este lugar central. 

 

Sí. Ahí hay un punto de sintonía con Freud. 

Sentí una sintonía total. Aún siento esa sintonía, porque pienso que esa es una intuición bastante profunda, es la gran fuerza del tema de Freud. 

Yo siempre tuve muchos cuestionamientos en la cabeza: sentía angustia, miedos. Era un tipo hipocondríaco y tenía miedo de tener una enfermedad que me matase o que… Tenía miedo de estar enfermo y estaba aterrado. Tenía miedo también porque había visto a una mujer en un ataque epiléptico y había pensado que estaba poseída por un orixá del candomblé, pero era en una fiesta religiosa católica. Durante mucho tiempo tuve miedo de eso.

Tengo resistencia a dormir; mi madre dice que era un bebé insomne. Porque todos se iban a dormir y yo no quería dormir, quería seguir charlando, aun cuando tenía dos, tres años. Soy así hasta hoy. Dormir es siempre un poco problemático, la idea de dormir. Porque, así como estoy ahora acá, conversando con vos, viendo las cosas y… ¿en un rato más voy a estar apagado? No lo acepto, y el pasaje de entregarme al sueño es difícil.

Entonces vivía muchas cosas así y una visión del mundo muy curiosa, porque mi casa era muy pacífica. Mis padres se amaban mucho y eran muy armoniosos. Estaban siempre juntos, nunca se peleaban y eran personas muy dignas, muy cariñosas entre sí. Eso propiciaba un ambiente… 

Entonces, al mismo tiempo, sentía la casa dentro de una campana de cristal. Yo observaba el mundo, recibía noticias del mundo. Nuestra casa era una familia ampliada, porque mi padre vivía con las hijas de sus hermanas mayores desde antes de casarse con mi madre. Tenía tres hermanas viviendo con él y seis sobrinas cuando mi madre se casó con él y entró en esa casa llena de mujeres. Lo extraño es que nunca se peleaban. 

 

Creciste rodeado de mujeres. 

La casa estaba llena de mujeres y ellos después tuvieron la primera hija, mujer, la segunda hija, mujer, y finalmente vino el tercero, que es mi hermano Rodrigo, hombre; después Roberto, hombre, después yo, hombre y después, Bethânia. Se ocuparon de criar a otras dos niñas, la mayor antes de la primera [hija] y la última, Irene, después de Bethânia. Dos mujeres más. El modo femenino dominaba la casa toda. Mi padre fue el único hombre de la casa hasta que nació el primero de los hijos varones, pero yo no fui muy masculino, por el ambiente… Tal vez por eso también… En fin. Pero mi padre era increíblemente abierto a lo que aconteciese naturalmente, con un respeto por nosotros, acompañándonos. Él solo exigía honestidad, no exigía masculinidad, no exigía definición sexual. Mi padre era increíble, un hombre que tenía una capacidad muy grande; fue quien generó el tono para que todas esas mujeres de la casa no se pelearan. Es muy difícil eso. 

 

Tenía que haber un hombre que ordenara… 

Es casi imposible que no lo hubiese, que no fuese un ambiente de muchas peleas, pero no las había. Y es curioso que Bethânia, mi hermana, fuera finalmente quien me trajera a esta vida profesional en la música popular, porque ella se hizo famosa entre sus diecisiete y sus dieciocho años, y mi padre me pidió que la cuidara. Bethânia quebró un poco ese mundo sin conflictos porque ella individualmente tenía algo que venía de su interior. A mí me daba gracia… Hasta hoy es un poco así. Yo me reía. Era “gracioso” que ella dramatizara así las relaciones. A veces se quedaba mal con un miembro de la familia sin que nadie supiera por qué. Algunos dicen que es porque es de Géminis, y es la única de Géminis. Cuando más tarde ese tema de la astrología entró en el imaginario, eso lo explicaba el hecho de que fuera geminiana. 

Entonces mi formación más o menos fue esa. Tuve mucha curiosidad, mucho interés por el psicoanálisis, pero no había sentido, hasta un determinado momento, necesidad. 

 

¿Y ese determinado momento cuál fue? 

Fue en 1968. El golpe fue en el 64, el golpe militar. Se puso difícil, pero no fue tan terrible. Fue un susto, dejé la facultad porque el ambiente se puso sórdido. Un profesor mío fue detenido, desaparecieron alumnos. Convocaron a Bethânia a Río para reemplazar a Nara Leão en un espectáculo. Como Bethânia se vino, yo me vine para acá. Ella cantó una canción mía, que tuvo éxito, y terminé entrando en esta historia de la música popular, que ya hacía pero era para mí algo secundario. 

Yo pintaba, quería hacer películas y escribir. La canción era algo que me gustaba, hice unos espectáculos con mis amigos en Salvador. Después [Gilberto] Gil tuvo la idea de una actitud diferente en relación con la música popular, y desembocó en el tropicalismo. Ahí necesitó mucho mi contribución intelectual para acompañar, para producir juntos, y finalmente también para teorizar, para articular el sentido del movimiento. Entonces yo pensaba: “Hago esto y después dejo esta historia de la música popular y me pongo a hacer una película. Es lo que quiero hacer, y voy a hacer otra cosa”. Pero ahí, en el 68, ya en la dictadura, vino un golpe dentro del golpe, el AI-5 [2], que dio poderes ilimitados a la represión y endureció mucho el régimen.

Ahí, en el 68, Gil y yo caímos presos. Estuvimos dos meses en prisión. Fue un período terrible, nos detuvieron sin explicación. Yo vivía en San Pablo, tenía domicilio allí, estaba casado con Dedé, que era mi novia desde Salvador, con ella vivía y había acordado no tener hijos nunca. 

Así comenzó la cosa, haciendo música. El tropicalismo con la explosión de la contracultura en el mundo, coincidía con lo que yo estaba haciendo, ¿no? Y fue en el 67 que creamos el tropicalismo. Y en el 68 me detuvieron, fue un susto, porque la izquierda no apoyaba lo que yo hacía. Al contrario, la izquierda abucheaba; como yo admiraba a los Beatles y admitía el uso de guitarras eléctricas, es decir, tenía una apertura para el rock, los estudiantes de izquierda pensaban que estábamos vendidos al imperialismo [risas]. Era realmente así, abucheaban y reaccionaban en contra. Yo les gustaba a los chicos alienados. Eran alienados, pero querían involucrarse en algo diferente, eran chicos que se dejaban crecer el pelo y comenzaban a adherir a la contracultura. 

Pero los militares encontraron un medio, una denuncia falsa de que habría hecho un espectáculo en Río faltando el respeto a la bandera y al himno nacional; nada de eso hubo, pero nos detuvieron. Estuvimos dos meses presos; recién a mediados del segundo mes me interrogaron por primera vez. La primera semana estuve en una celda solitaria, Gil en otra, no veía a nadie. Nadie me preguntaba nada, no había explicación, dormía en el suelo. No lograba comer, me sentía mal y angustiado, porque no sabía… La impresión que tenía era que la vida era eso y que todo lo demás que recordaba era una fantasía mía, un sueño, no era real. 

Estuve muy mal mentalmente y, bueno, eso duró dos meses. Después nos llevaron en aviones de la Fuerza Aérea a Salvador. Dijeron que allí nos soltarían. Era todo muy arbitrario, porque nosotros vivíamos en San Pablo, ellos me detuvieron en casa diciéndome no que iba a prisión, sino que íbamos a responder un interrogatorio formal, y el coche policial vino para Río, y después me llevaron a la Policía Federal, y de allí al cuartel del Ejército, y de allí al cuartel de la Policía del Ejército, PE, en la villa militar de Tijuca, y de allí a la villa militar, y de ahí a la base de los paracaidistas. Todo eso duró dos meses y la liberación será en Salvador porque somos de Bahía. Pero cuando el avión de la FAB [3] llegó a Salvador, la Fuerza Aérea de Salvador me detuvo y un tipo de la Policía Federal discutió con uno de la Fuerza Aérea y me llevó otra vez detenido. Casi me muero, porque en realidad tenían una orden de dos meses atrás para detenerme en caso de que huyese a Bahía. Nunca avisaron que ya habíamos sido detenidos ni dieron una contraorden, era una desorganización. 

 

Es tan latinoamericano eso… 

Muy latinoamericano, es un caos. Y bien, el sujeto me llevó y los tipos de la Policía Federal discutieron y salieron de ahí irritados. Y yo fui preso. Quedé arrasado, mirando a Gil y diciendo: “Gil, ¿qué va a ser de nosotros ahora?”. Entonces me detuvo la Aeronáutica; todo comenzaba otra vez, una cosa terrible. Mientras tanto, los tipos de la Policía Federal telefoneando a Río, a Brasilia, para resolver el asunto; al final lo aclararon y de noche fueron hasta allá y nos liberaron. Pero la liberación fue así: los federales nos llevaron ante el jefe de la Policía Federal en Salvador, que era un coronel del Ejército. Él nos miró y nos dijo: “Ustedes llegaron acá, pero no tienen proceso, no tienen nada”. Él, reclamando por el caos de su propia organización [risas]. “Bien, la cosa es así: la orden que tengo es que ustedes tienen que presentarse acá todos los días, no pueden salir del perímetro de la ciudad de Salvador”. Entonces fijamos una hora y él dijo: “Mañana, acá”. Y nos presentamos todos los días. Estuvimos cuatro meses en esa situación. No podíamos dar entrevistas, presentarnos en público, nada.

Gil ya tenía dos hijas, y empezó a reclamar que ya estábamos hacía seis meses sin trabajar. Yo no tenía hijos. La solución fue el exilio. Compramos los pasajes. 

 

¿Y terminaron en Londres?

Después terminamos Londres, primero fuimos a Lisboa. Pero en esa época Portugal estaba bajo el salazarismo [risas]. 

 

De un infierno a otro… 

De un infierno a otro, ¡todo dentro de la lengua portuguesa! Y, ahí, fuimos a París. Nuestro representante estaba ahí, en Europa, Guilherme Araújo, porque la de Gil iba a ser la primera presentación de un artista moderno, brasileño, tropicalista, fuera de Brasil; sería en el Festival Midem [4], en Cannes. Pero cuando nos soltaron, salimos exiliados; los tipos de la Policía Federal fueron a meterme dentro del avión, y uno de ellos incluso me dijo: “No vuelva, y si vuelve, entréguese de inmediato para ahorrarnos el trabajo de pasarnos un día buscándolo, porque no pasará más de un día”. Fue exactamente eso lo que el tipo me dijo. Entonces, salí de Brasil amargado. Me horroriza vivir fuera de Brasil, solo me gusta vivir en Brasil. Y ahí me pasaron cosas extrañas: primero, había tomado ayahuasca, esa bebida, en el 68. Es un alucinógeno muy fuerte. Y sentí una angustia muy grande. Tuve un viaje con visiones muy bonitas, pero después de algunas horas, mi cabeza quedó agotada, quería deshacer aquello, quedé loco. Fue terrible, quedé aterrado, pero fue pasando. Pero ahí nomás vino esa detención y después el exilio. Y el día en que nos soltaron, Gil y yo llegando a mi casa en Bahía, viendo la casa, las fotos del living, quedé tan loco como el día de la ayahuasca. Pensé que me había vuelto loco y no había manera, porque no había tomado drogas, era una desesperación total. Gil, viéndome así, comenzó a llorar; yo lo miraba, entendía que él estaba llorando, al mismo tiempo sabía que no sabía más quién era Gil. Quería verme al espejo para ver si me reunía conmigo mismo, y fue horrible porque no era que no sabía quién era, ¡no sabía qué era eso que estaba viendo! Mi padre me miró y me dijo: “¡No me digas que esos hijos de puta te han puesto nervioso!”. Me puse bien. 

 

¡Eso te calmó! La palabra de tu padre… 

Él dijo “hijos de puta” delante de mi madre. Él nunca había pronunciado una mala palabra delante de mi madre. Ahí lloré. Entonces, todo eso contribuyó para que al momento de salir fuese… de Lisboa a París. Era 1969 y recién había pasado el 68 en París; fue bonito, pero De Gaulle volvió, dominó la situación… Las calles estaban llenas de policías, era una sensación de opresión. 

Una cosa sensata era ir a Londres, dijo nuestro representante. En Londres había paz, música… Es la música que más interesa, y ahí no hay policías deteniendo a nadie… Y ahí, en Londres, con todo esto que estoy contando, estaba muy angustiado, medio deprimido, medio mal. Me puse a buscar a un psicoanalista… Me dijeron que había un psicoanalista brasileño que atendía en Londres; era un tipo judío muy agradable. Y esa fue la primera vez… 

 

¿Y te ayudó? 

Me gustó mucho. Él era muy lacónico, de aquellos analistas que oían mucho y no decían casi nada, con tiempo fijo, ¿no? Pero aquello anduvo muy bien conmigo…me ayudó. Pero ahí comencé toda una cosa curiosa con el psicoanálisis, porque cuando soñaba con el psicoanálisis pensaba que uno llegaba allí y… esa idea de la asociación libre…Yo imaginaba una soltura… Nada de eso sucedió: uno llega, se encuentra con una persona, ¿se entiende? Hay una persona y uno. Uno tiene que hablar, no sabe por dónde empezar, y también… las amarras sociales se mantienen todas allí… mientras uno va creando una relación, que es una relación especial: es diferente de las demás, ¿no? Uno hace al mismo tiempo una gran apertura de su intimidad a una persona que no forma parte de su vida. Uno realmente crea una instancia especial. Y yo vi que eso, a pesar de todo, sucede, pero sentía decepción por ver que las cosas no acontecían como las había soñado, como si fuese… Pero le caí muy bien a él… Su nombre era Abrahão Brafman; le tengo mucho afecto. 

 

¿Fue cuando volviste que pensaste en consultar de nuevo? 

Cuando volví fui a Bahía, y estaba tan feliz de haber vuelto que no pensé en el psicoanálisis por un tiempo. Me quedé tres años. Ese período coincidió con ese período del psicoanálisis; nunca vinculé una cosa con otra, pero ahora estoy obligado a hacerlo– con ese deseo de tener un hijo. Comenzó en Londres, pero creció cuando comencé a vislumbrar, porque en el principio era una angustia total, una depresión causada por no saber cuándo podría volver a Brasil ni si podría volver. Recuerdo que conocí a Cabrera Infante, el escritor cubano, y entablé amistad con él. Él temía, con razón, morirse sin volver a Cuba, y de hecho murió sin volver a Cuba. Para mí eso era una cosa insoportable. 

Cuando comencé a ver esbozos de posibilidades de volver a Brasil, empecé a sentir ganas de tener un hijo. Entonces hice psicoanálisis y la promesa de volver a Brasil fue algo muy grande, porque empecé a querer tener un hijo y empecé a decírselo a mi mujer y ella dijo: “¿Y eso?” Porque yo siempre había tenido la decisión de no tener hijos nunca para ser libre; no me gustaban los niños. 

Pero cuando volví a Brasil y llegué a Bahía, ella se sintió feliz también por mi regreso. Hubo muchas cosas en el medio y dos viajes antes del regreso definitivo. Apenas volví, Dedé dijo: “Caetano, voy a decirte algo, acepto la idea de tener un hijo; ahora, quiero, aquí en Bahía”. Estuvimos tres años en Bahía; nació Moreno, fue el mayor acontecimiento de mi vida adulta. Y hasta hoy adoro tener hijos, tengo tres hijos, es una cosa espectacular. 

Pero después de tres años en Salvador, con Moreno ya de tres años, comencé a sentir la necesidad de hacer psicoanálisis de nuevo. Quería resolver, entrar más, resolver más mi persona dentro de la cosa psicoanalítica, pero en Salvador no había psicoanalistas en ese entonces. Recuerdo que hasta hablé con João Gilberto, le dije que en Salvador no había psicoanalistas. “No hacen falta, Caetas…” [risas]. 

 

Está bien. Me rindo. 

Era una maravilla [risas]. Yo quería ir a San Pablo, pero Dedé decía: “Si vas a San Pablo, yo no voy, no; a Río sí voy”. Fuimos a Río, y por eso estoy en Río hasta hoy. 

 

¿Había psicoanalistas en Río? 

Sí, busqué a una psicoanalista específica, porque Clarice Lispector le había dedicado un libro a Inés Besouchet que es uno de los primeros nombres del psicoanálisis en Brasil. Ya era una mujer mayor. 

 

Algo tenía que tener. 

Fui a hablar con ella y me dijo que no tenía tiempo, pero que conseguiría un psicoanalista para me hizo tres sugerencias. La primera no resultó. La segunda no me convenía por la ubicación: tenía una superstición con su dirección, en la calle del cementerio. Y ella sonrió y dijo: “Entonces usted irá a un psicoanalista joven. Creo que va a resultar”. Me dio ese tercer nombre, fui y me encantó de entrada, sentí mucha sintonía. La llamada transferencia se dio; se había dado en Londres, pero con este mucho más, y durante todo el tratamiento. Fue el psicoanalista con el que más sentí hacer psicoanálisis y que… lo hice durante muchos años, y él ya se preparaba a darme el alta. Estaba preparándome para alejarme, pero ahí él mismo fue cambiando porque se interesó en un grupo básicamente lacaniano, pero que se había vuelto independiente, diferente; era el grupo de MD Magno. Hoy hago análisis con MD Magno. Porque este analista de quien estaba hablando… Estuve años haciendo análisis con él, y comenzó a encantarse con el grupo de Magno y empezó a cambiar, y ahí me dijo que… En realidad, yo iba a recomenzar y cambiar todo, hacer algo diferente. E Inês Besouchet se apareció en un show, en el camarín, con su manera de ser, una mujer casi evanescente, casi etérea. Muy fascinante, muy agradable, fue y me dijo: “Me gustó mucho… Pienso que llegó la hora, ¿no? .Yo dije: “¿Cómo?” Ella dijo: “La hora de ir a verme”, de que finalmente hiciera análisis con ella. Ella era como una supervisora de mi analista, ¿se entiende? Ella entonces acompañó ese cambio; supongo que coincidió…no es que coincidió, pienso que fue eso. Ella viéndolo a él, porque ella estaba acompañando posiblemente ese camino hacia el alta, ¿no? Y de repente ese cambio de él; él cambió mucho, se fascinó con el neolacanismo de Magno.. 

 

¿No era ortodoxia lacaniana, era una cosa nueva?

Él fue el introductor de Lacan en Brasil, muy importante, pero se convirtió en algo nuevo, ¿se entiende? Con teoría propia, con consejos. Tiene una obra muy interesante. Un amigo fue a unas clases de Magno y me llamó. Vi que había algo interesante allí, pero personalmente no me gustó mucho porque había una cuestión que veo también en Lacan y que veía ahí, que tiene algo de mistificación. Aquí entra toda una problemática del psicoanálisis, ¿verdad? Yo soy un apasionado del psicoanálisis por todo lo que ya conté, desde el sueño hasta la elección por parte de Freud del sexo como cosa central de la experiencia humana. Todo eso para mí tiene un valor muy profundo, muy grande, pero aquellas críticas terribles de la historia del movimiento psicoanalítico y lo que es el psicoanálisis hoy… La misma idea de Popper de que el psicoanálisis es una superstición moderna. 

 

Bueno, pero uno de tus analistas defendía la superstición, ¿no? Antes que la religión.

Ese que a mí me gustaba mucho. 

 

Sí. ¿Entonces no es una mala palabra que sea una superstición del siglo XX? 

Eso. No necesariamente una mala palabra, porque el analista me decía eso, superstición es mejor que religión.

 

¿Fueron cuatro análisis, entonces? Abrahão Brafman, Rubens Molina… 

Yo seguía todavía con él cuando Inés Besuchetv vino a decirme: “Llegó el momento de ir”, al consultorio de ella. Entonces, dije: “Voy. Voy a conversar con la señora”. Le conté a mi analista y él dijo: “Muy bien, Inés es maravillosa, vaya a verla”. Y seguí yendo a los dos. 

 

¿Al mismo tiempo? 

Sí, al mismo tiempo, durante un período, y le decía tanto a una como al otro lo que pasaba. 

Tuve un episodio peculiar en medio de todo eso. Es interesante que lo sepas. La gran artista brasileña Lygia Clark [5] pensaba que el arte no solo debía salir del cuadro, sino también comenzar a ser vivido tanto por el autor como por el espectador. El espectador y el arte, y a veces el artista, ¿no?

Ella es una pionera, y pensó que su arte se encaminaba a una terapia, lo transformó en una terapia. Dejó de hacer objetos y empezó a hacer una terapia. Entonces, me invitó. Yo hacía análisis con Rubens Molina y también con Lygia Clark, porque era Lygia Clark. Era mi amiga y sentía una gran admiración por ella y fui. Era muy interesante, muy curioso, porque era Lygia Clark, usaba cosas que tenían que ver con su arte, unas bolsas con distintos tipos de texturas dentro, arena, pedazos de piedras, cosas ásperas, cosas suaves, agua… y también unos canutos que soplaba: el aire incidía en ciertos puntos del cuerpo, yo me quedaba en calzoncillos, sentado, y ella hacía esas cosas y hablaba muy poco y preguntaba muy poco. Y junto con la conversación, ella se dirigía a algunos puntos del cuerpo y hacía… Yo no sentí ningún resultado propiamente. 

 

¿Preferías el análisis tradicional? ¿Preferías el otro psicoanálisis? 

Sí, prefería el psicoanálisis verbal, pero era curioso. Es curioso que una artista haya radicalizado el sentido de su arte hasta el punto de la interacción con el espectador, que ella descubrió como una terapia en verdad, y hasta el final de su vida siguió haciendo esa terapia. Me despidió un día; me dijo: “Caetano, mira –ella hablaba así−, vamos a parar aquí, tú no estás respondiendo”. “Está bien, seguimos siendo amigos” [risas]. No nos veíamos mucho, pero ella era una persona que gustaba de mí, y yo la respetaba enormemente. Entonces, hasta su muerte se dedicó a eso. Ella pensaba que el arte ‒su arte, al menos‒; si se llevaba hasta las últimas consecuencias, se volvía una terapia. 

 

¿En qué medida te parece que tus distintos psicoanálisis han hecho que seas quien eres? ¿Hay algún hilo común? ¿Qué marca ves del psicoanálisis en tu vida? 

Inês murió, y pasé catorce años sin hacer psicoanálisis, ¿se entiende? Porque fui dejando a Rubens, que estaba cambiando, y yo no lograba acompañarlo. Y, de hecho, seguí haciendo análisis con Inés, a quien Clarice le había dedicado un libro; yo la adoraba, pero aquello no rindió mucho. Es curioso, es curiosísimo. 

 

¿No te ha ayudado mucho ese análisis?

No rindió mucho. 

 

Pero porque ahí hubo algo… Ella te buscó a ti… Fue al camarín a buscarte.

Sí, me fue a buscar. 

 

No puede funcionar así. 

Ella fue porque yo había ido a buscarla, y ella fue a llamarme: “Creo que llegó la hora, usted fue a buscarme, y ahora creo que da”, ¿se entiende? 

 

Entiendo. Entiendo que no haya funcionado. 

Pero funcionaba… así… Era bonita y agradable la cosa con ella. Y tiene una cosa extraña e interesante el hecho de que fuera mujer. Era muy anciana ya, pero, curiosamente, con ella tenía fantasías sexuales. Es un poco extraño, porque no te diría que me considere o me sienta una persona definidamente heterosexual. Pero fue así, con esos hombres con los que hice, con el que hago hoy, nunca tuve ninguna fantasía sexual… eso no se me viene a la cabeza. 

Con ella, cada vez que estaba ahí, dentro de aquel lugar, sentado, y ella sentada oyéndome… Yo me quedaba pensando que había un clima… y tenía fantasías…Y no me animaba a decírselo a ella… Es curioso, tenía vergüenza porque era muy mayor y respetada y todo. Y comencé a esbozarlo un día, pero ella lo deshizo así, y yo no… Intenté decirlo, pero no conseguí decirlo directamente. Es curioso. Es algo para registrar. Con los psicoanalistas, ese aspecto que podría aparecer con la transferencia, incluir la cosa amorosa o sexual, no sucedió, pero con ella sí. Pero la parte de la comprensión de mis cosas, de ir aclarando cosas, con ella no estuvo. Ella parecía casi algo sobrenatural… ¡Es fantástico! Terminó vinculándose a un tipo brasileño que hacía milagros y que la salvó… Su salud era muy frágil. La habían considerado al borde de la muerte desde muy joven a causa del corazón. Pero murió anciana, aunque tenía crisis, y ese tipo apareció cuando ella iba a morir, la salvó, la hizo ponerse bien de repente…, y ella quedó muy impresionada con eso, entonces. Y bueno[risas] Son cosas… 

 

¿Y has leído a psicoanalistas posteriores?

Leí a Klein; es muy ingeniosa. Leí un poco de Bion. Lacan, leí algo, pero me irrito un poco con todo eso. Es curioso, porque adoro los juegos de palabras, los adoro. Soy fanático de la poesía concreta, adoro a Joyce… Me parece genial, pero llega un momento en el que las personas quedan enredadas en una fascinación… Veo esos videos de él que hay en Internet; lo considero muy mistificador. Tiene unas cosas fascinantes, ¿no? Lo más bonito que vi de él, de lo que hay en Internet, es un programa de televisión en el que comienza diciendo: Je ne dis que la vérité: pas toute… Algo así, ¿no? 

 

Porque no se puede decir toda la verdad…

Sí, yo no digo sino la verdad… no toda [risas]. 

 

Escucharte me hace pensar que no se puede decir toda la verdad. Siempre se dice a medias, como dice Lacan, pero se puede decir bastante, Caetano, ¿verdad? Realmente se puede decir mucho.

Sí, se puede decir mucho.

 

 

 

 

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[1] N. de la E.: Santo Amaro da Purificação, en el estado de Bahía, es la ciudad natal de Caetano Veloso.

[2] N. de la E.: El Acto Institucional Nº 5, AI-5, dictado el 13 de diciembre de 1968 durante el gobierno del general Costa e Silva, fue la expresión más acabada de la dictadura militar brasileña (1964-1985). Estuvo en vigencia hasta diciembre de 1978 y produjo un conjunto de acciones arbitrarias de efectos duraderos. Definió el momento más duro del régimen, dando poder de excepción a los gobernantes para punir arbitrariamente a quienes fuesen enemigos del régimen o considerados como tales.

[3] N. del E.: Fuerza Aérea Brasileña.

[4] N. de la E.: El Mercado Internacional del Disco y la Edición Musical (Midem, por sus siglas en francés) es el mayor encuentro mundial de empresas vinculadas a la música.

[5] N. de la E.: Lygia Pimentel Lins, más conocida como Lygia Clark (Belo Horizonte, 1920-Río de Janeiro, 1988), fue pintora y escultora, trabajó con instalaciones y body art y se destacó por trabajar en el campo de la arteterapia. Propuso la desmitificación del arte y del artista y la desalienación del espectador, que compartía la creación de la obra.



Outubro de 1982 / Revista Manchete