por Caetano Veloso
15/05/2016
RIO
— Parece que há quem queira festejar. Eu, neste primeiro momento do governo
Michel Temer, só tenho mesmo é uma grande queixa a fazer: a extinção do MinC é
ato retrógrado. Depois de já haver, oportunisticamente, desistido de diminuir o
número de ministérios, Temer, premido pela má repercussão da notícia, voltou a
fazer o que a maioria dos brasileiros, acertadamente, quer: enxugar a máquina
administrativa, na crença de que, assim, faz economia e livra-se do
toma-lá-dá-cá. Na verdade, o peso econômico é pífio e as escolhas dos novos
ministros não apontam para um critério técnico e meritocrático. Seria uma
beleza se um presidente peemedebista nos livrasse do vício da distribuição
“política” de cargos. Mas nossa oficialidade não vive de belezas. No entanto, reduzir
o número de ministérios é bom de qualquer jeito. É bom simbolicamente,
formalmente. Mas o desfazimento do MinC é negativo. Só Collor o tinha tentado
antes, com tétricos resultados.
O
Ministério da Cultura mostrou-se necessário ao Brasil. Hoje temos estudos e
projetos brasileiros como referência em organizações internacionais que tratam
dos problemas dos direitos autorais em ambiente digital. Somos (ou tínhamos
sido) pioneiros na luta em defesa dos criadores, que se viram sem saber o quê,
como, quanto e quando receberão pela divulgação de sua obra em plataformas de
streaming. A Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do MinC vinha se tornando
um “think tank” especializado nesses assuntos. Sem falar na situação do
audiovisual, que se tornou uma atividade superavitária; nos Pontos de Cultura,
que buscam acompanhar e proteger centros de criação artística em todo o
território nacional; na atenção ao patrimônio histórico. Sem altas verbas (muito
ao contrário), o MinC tem mostrado que o país passou a dar à produção cultural
o valor que ela merece. Sei que os maluquinhos habituais vão repetir que os
artistas famosos brasileiros vivem do dinheiro do Estado, que querem mais, que
são dependentes do governo. Repetirão todas as bobagens que têm dito sobre a
Lei Rouanet e demonstrarão todo o ressentimento pelo que filmes, peças,
canções, escritos, desenhos, edifícios, estátuas, performances, instalações,
criações artísticas em geral representam quando atingem multidões ou íntimas
sensibilidades. Não. Eu digo NÃO. Os artistas que se sentem atraídos pelo
histórico do PT, o mais duradouro e estruturado partido de esquerda do mundo
contemporâneo, não são dependentes de governo. Eu não sou dependente de governo.
Tenho minhas opiniões próprias e exibo as contradições de minhas buscas. Só
retirarei a afirmação de que baixar o MinC a uma secretaria dentro do
Ministério da Educação (que tem tarefa gigante pela frente) ou a uma Secretaria
Nacional de Cultura ligada à Presidência da República, como se cogita agora, é
retroagir se, uma vez em ação, o novo governo prove que é capaz de dar à
produção cultural a atenção que ela requer. Se os trabalhos da DDI tiverem
continuidade, se os ajustes que se mostrem necessários no uso da Lei Rouanet
servirem para que ela seja mais eficaz no estímulo à inventividade, se outras
áreas da criação forem levadas à condição de superavitárias, se o Estado exibir
que sabe o quanto o apoio à cultura pode resultar em crescimento econômico,
direto e indireto, local ou como estímulo ao turismo internacional. Sem isso,
não quero nem saber de festa.
Artigo de Caetano ecoa
entre a classe artística
Profissionais da cultura apoiam texto do músico
publicado no GLOBO
por Aline Macedo e Paula Lacerda
16/05/2016
RIO - O artigo de Caetano Veloso publicado neste domingo na capa do Segundo
Caderno, em que o cantor e compositor dizia que a extinção do Ministério da
Cultura pelo governo do presidente interino Michel Temer é “um ato retrógrado”,
encontrou eco junto à comunidade artística.
A autora e diretora Karen Acioly
apoia as críticas do cantor:
— O Caetano sempre esteve no lugar de visionário, mostrando para onde
podemos apontar. Muitas vezes ele percebeu o momento antes de nós. O artigo
dele é lúcido, sóbrio, completamente nítido, não tem nada obscuro. Em tempos
sombrios como esses, precisamos olhar para a luz.
O dramaturgo, ator e diretor Domingos Oliveira é enfático:
— Não discordo de nenhum ponto do artigo. De Caetano não se duvida. Acho
apenas suave demais. Diminuir o status político da cultura, antes de tudo é um
desaforo, uma falta de educação. Com quem eles pensam que estão falando?
Para o presidente da combativa Associação dos Produtores de Teatro do
Rio de Janeiro (APTR), Eduardo Barata, Caetano “está corretíssimo”:
— Eu até ampliaria as questões que ele colocou. Cortar o terceiro
orçamento mais baixo da União... Que economia é essa? Acabar com o MinC é um
retrocesso monstruoso. Parece mais uma retaliação ideológica e política —
observa ele, que também comentou o “toma lá dá cá” citado pelo cantor na
formação do ministério. — Não há um notável, são todos parlamentares. Os que
apoiaram o impeachment estão sendo premiados com ministérios e outros cargos.
Para outro militante do teatro, o ator e produtor Tárik Puggina, o que
chamou a atenção no artigo é o fato “de que Caetano reconhece esse governo”.
— E eu e boa parte da classe artística o repudiamos, não acreditamos que
ele (o governo Temer) seja legítimo — diz Puggina. — Como o Caetano,
estou totalmente descrente.
Mesmo não concordando com alguns pontos do artigo, o cantor e compositor
Pedro Luís considera importante que artistas de peso saiam em defesa do Ministério
da Cultura.
— O MinC estava muito perto de conseguir conquistas que são referência
no mundo, como a questão dos direitos autorais — diz ele, referindo-se a um dos
temas comentados no artigo. — Para mim, este é um momento de observação; vejo
uma instabilidade no padrão democrático que acreditávamos ter conquistado.
Produtora de cinema e uma das idealizadoras do Festival do Rio, Walkíria
Barbosa não vê a vinculação da pasta da Cultura ao Ministério da Educação como
uma “desonra”. Para ela, a questão está na condução de políticas públicas de
qualidade por quem quer que venha a assumir a secretaria.
Caetano
Veloso fez uma apresentação histórica na noite desta sexta-feira (20/5) para
protestar contra o fim do Ministério da Cultura.
Foto: Diego Baravelli / Folhapress |
EL PAÍS
23/5/2016
Caetano
Veloso abraça o movimento anti-Temer
Cantor
se apresenta para multidão que protesta contra extinção do Ministério da
Cultura
María Martín
Rio de Janeiro
Armado com um violão
e um cocar de penas brancas, Caetano Veloso aderiu na noite da
sexta-feira ao movimento liderado por artistas que protestam contra a extinção do Ministério da Cultura (MinC) e a chegada
ao poder de Michel Temer. O cantor baiano cantou para uma multidão reunida sob
os pilotes do Palácio Gustavo Capanema no centro do Rio, antiga sede do
ministério e hoje ocupado por coletivos artísticos “a favor da democracia” e da
“proteção da cultura”. O movimento dos artistas é hoje o principal e mais visível foco
de resistência pública contra o novo Governo Temer, iniciado no país após a
aprovação do impeachment de Dilma Rousseff.
"O MinC é uma conquista do Estado
brasileiro, não é de nenhum governo", disse Caetano em uma das poucas falas da
noite, na qual esteve acompanhado por Erasmo Carlos e Seu Jorge. À diferença
dos colegas, Caetano não discursou, não entoou falas políticas, mas as músicas
que ele escolheu para um show gratuito que, previsto para durar 30 minutos, se
estendeu por mais de uma hora, mexeram com o fantasma da ditadura militar. O resto, o público fez. Alegria,
Alegria, Tropicália ou Terra
levantaram os presentes, que acompanharam as canções com gritos de ordem contra
o atual Governo interino.
Em Odeio,
a multidão adicionou um “Temer” após cada "odeio você". Essa mesma
música, cantada junto a Gilberto Gil em um show no Rio em dezembro, já havia
sido adaptada pelos fãs, que, na ocasião, incluíram o nome do presidente
afastado da Câmara, Eduardo Cunha, que autorizou o início do processo de
impeachment. Na vez de A luz de Tieta os presentes conseguiram
se sobrepor à voz do baiano e cantaram, sob sua aprovação: “Eta, Eta, Eta, Eta
/Eduardo Cunha quer controlar minha buceta”, uma crítica ao conservadorismo
evangélico de Cunha.
Entre
o público, um ator que participa da ocupação do antigo MinC, iniciativa que se
repetiu em prédios da pasta em quase duas dezenas de cidades, advertia que sua batalha não ia terminar com
uma potencial ressurreição do Ministério da Cultura. “A essência de este
protesto é a luta contra o Governo golpista. Ele pode devolver o Ministério,
mas só vamos desocupar quando Temer cair”, dizia Pedro Uchoa, de 30 anos.
O
ato serviu de palanque para políticos que hoje encarnam a mais férrea oposição
ao Governo Temer. O próprio Caetano passou a palavra para o deputado estadual
Marcelo Freixo, do Psol, pré-candidato à Prefeitura do Rio.
Saudado pelo público aos gritos de “prefeito”, Freixo disse: "Isso [a ocupação do Capanema] tem que acontecer em todas as ruas, em todas as praças, porque a democracia custou muito caro pra gente". Na mesma linha discursou o deputado federal Jean Willys, também do Psol e contrário ao impeachment: "Não é só a defesa da cultura, é a defesa da democracia".
Saudado pelo público aos gritos de “prefeito”, Freixo disse: "Isso [a ocupação do Capanema] tem que acontecer em todas as ruas, em todas as praças, porque a democracia custou muito caro pra gente". Na mesma linha discursou o deputado federal Jean Willys, também do Psol e contrário ao impeachment: "Não é só a defesa da cultura, é a defesa da democracia".
Caetano
já participou de outros shows que acabaram sendo contagiados pelo clima
político do Brasil. Em 18 de março, o baiano acompanhou Elza Soares durante um show, no mesmo
dia em que uma grande manifestação contra o impeachment de Dilma Rousseff
concentrou-se no centro do Rio. Durante a apresentação, muitos dos presentes,
vestidos de vermelho, cantaram em coro junto a Elza Soares “não vai ter golpe”.
Enquanto a carioca pediu para os fãs lutarem pela democracia, Caetano, em
silêncio, sorriu.
A
sutileza do cantor, no entanto, revoltou colegas do mundo artístico nas redes
sociais que cobraram dele um posicionamento contra o "Governo
ilegítimo".
Embora não seja a escolha de Caetano, suas manifestações públicas não deixaram de revelar o que o baiano, ícone contra a ditadura militar, pensa do momento atual. "A manifestação de domingo, para mim, não foi suficientemente diferente da passeata da Família com Deus [pela Liberdade], que apoiou o golpe de 64″, disse ele em março, ao ser questionado sobre uma das grandes manifestações anti-Dilma que tomou várias cidades brasileiras na ocasião.
Embora não seja a escolha de Caetano, suas manifestações públicas não deixaram de revelar o que o baiano, ícone contra a ditadura militar, pensa do momento atual. "A manifestação de domingo, para mim, não foi suficientemente diferente da passeata da Família com Deus [pela Liberdade], que apoiou o golpe de 64″, disse ele em março, ao ser questionado sobre uma das grandes manifestações anti-Dilma que tomou várias cidades brasileiras na ocasião.
O
clima contestador do show, ao ar livre e no meio de andaimes e tapumes de obra,
espalhou-se nos arredores do Palácio, hoje sede da Funarte, uma instituição
vinculada à pasta da Cultura. Nos restaurantes lotados da Cinelândia, no
coração do Rio, os comensais de dezenas de mesas largaram várias vezes os
talheres para entoar o mesmo canto espontaneamente: "Fora Temer!".
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