"Chico,
eu vi o show pensando o tempo todo que ele tivesse sido feito para mim. Especialmente
para mim".
[10/1/1999,
Caetano Veloso]
São Paulo, quarta,
6 de janeiro de 1999
MÚSICA
Show solo é o primeiro do compositor desde 94
Chico
estréia hoje "As Cidades" no Rio
da Reportagem Local
Chico Buarque estréia hoje, no Rio de Janeiro, seu
primeiro show solo desde 1994.
"As Cidades" marca a apresentação do CD
homônimo, que o cantor e compositor carioca lançou em novembro último.
"As Cidades" teve pré-estréia de
"aquecimento" em Juiz de Fora, Minas Gerais, nos dias 28 e 29 de
dezembro.
A temporada carioca tem duração prevista de cinco
semanas; em 18 de março, o compositor inicia a temporada paulistana no Palace.
O roteiro do show começa com "Paratodos",
canção do disco homônimo lançado em 1993, que encerrava o show correspondente,
que estreou no mesmo Canecão, em 6 de janeiro de 1994, há exatos cinco anos.
Passeio
Além de canções do novo disco, prevê um passeio
pelas três décadas e meia de carreira do artista, incluindo "Quem Te Viu,
Quem Te Vê" (67), "Cotidiano" (71), "Construção" (71),
"A Noiva da Cidade" (76), "As Vitrines" (81), entre outras.
Temática feminina
Chico selecionou, entre as antigas, canções que diz
nunca haver cantado ao vivo, como "O Meu Amor" (78),
"Terezinha" (79), "Sob Medida" (79) e "Aquela
Mulher" (85), que se agrupam num bloco de temática feminina no show.
Show: As Cidades
Artista: Chico Buarque
Onde: Canecão (av. Wenceslau Brás, 215, Botafogo,
zona sul, Rio de Janeiro, tel. 021/543-1241)
Quando: estréia hoje, às 21h30; quintas e domingos,
às 21h30, sextas e sábados, às 22h30; até 7 de fevereiro Quanto: de R$ 20 a R$
40
Jornal do Brasil
08/01/1999
A cidade aos pés de Chico Buarque
É igualzinho Copa do Mundo. Acontece de quatro em
quatro anos, deixa a platéia com o coração na boca e rende assunto para o ano
inteiro. Mas o dono da bola, Francisco Buarque de Hollanda, deixou claro na
quarta-feira - em meio à tribuna de honra em que se transformou o Canecão - que
pode ser ainda mais intransigente do que os velhinhos da Fifa: "Não vou mudar a alternância para dois
anos não. Aí vai perder a graça", brincou o compositor nos bastidores
da estréia carioca do show As cidades.
Enumerar os motivos para a alegria de Chico não é
tarefa difícil. Quase falastrão no fim do primoroso espetáculo, devorando uma
maçã, ele comemorava a disputa pelos ingressos do show e a venda de 300 mil cópias
de seu novo CD. No palco, alternou novas pepitas com antigos sucessos, como Teresinha e O meu amor, do musical A ópera do malandro. "Como tive de retornar às minhas composições por conta do songbook
elaborado pelo Almir Chediak, acho que fiquei mesmo com vontade de cantar estas
velhas canções. Aliás, muitas delas sequer havia gravado", disse
Chico, antes de partir com a família para o restaurante Amarcord, na Lagoa.
Melhor para o público. Que bateu palmas com vontade
em Quem te viu, quem te vê, Construção e Cotidiano. Aliás, a audiência estava mais para Shrine Auditorium do
que para as arquibancadas do Maracanã. Foram os famosos que puxaram a ovação
recebida por Fernanda Montenegro quando a atriz adentrou no Canecão. "Olha só a minha mão, como está gelada!",
mostrava a diva. Emocionada, só conseguiu chegar à mesa que dividiu com o
marido Fernando Torres e a amiga Maria Bethânia depois de acenar para o público
repetidas vezes. Mais Oscar, impossível. "Meus
Deus, eu não tenho nervos de aço não. Ih, agora minhas mãos estão
trêmulas", dizia, satisfeitíssima.
As palmas, que continuaram enquanto os famosos iam
chegando, acabaram gerando situações constrangedoras. O prefeito Luiz Paulo
Conde, tal qual a moça feia que pensava ouvir a banda tocando apenas para ela,
teve por alguns minutos a certeza da consagração. Só então percebeu que a
manifestação era toda para Milton Nascimento, que entrara imediatamente atrás.
Em meio a tantos aplausos e aplaudidos, o público se distraía tentando
adivinhar quem eram os merecedores das honrarias. "Mas os aplausos não eram para o Lula?", perguntava uma
distraída Renée de Vielmond.
A espera de As
cidades só não foi mais animada porque a população que se espremia nas
mesas do Canecão sofreu com a falta de gelo. Só quem pedisse uísque tinha direito ao
acompanhamento on the rocks. "É que o caminhão de gelo não veio. Aí a gente tem de
priorizar", explicou uma funcionária. Mas apesar do gelo, da
chuva e da fila no estacionamento, todo o sacrifício valeu a pena. A socialite
Regina Marcondes Ferraz era das mais animadas. Mesmo depois de esperar longos
minutos para que um abnegado a resgatasse de sua Mercedes, com um enorme
guarda-chuvas que protegia seu vestido vermelho.
Depois de os casais se entreolharem cúmplices em
Cecília e caírem no samba com a homenagem à Mangueira, Chico protagonizou um
dos maiores beija-mãos da história do Canecão. Um platô foi instalado no
camarim e todos tinham de vencer uma escada para agradecer o mestre. Marieta
Severo, que por diversas vezes foi focalizada no telão durante o show - com
destaque nas músicas Samba do grande
amor e Homenagem ao malandro -
jurou que não percebeu nada. "Só
fiquei sabendo disso depois do show. Estava tão atenta ao palco que não vi
estes detalhes", disse.
No camarim houve tempo para tudo. Deborah Colker
confessou que passou quase todo o show com os olhos marejados: "foi muito emocionante". Já
Maria Bethânia reencontrou seu senso de brasilidade. "A palavra da noite foi Brasil e Chico é o que há de mais
brasileiro. Está para a música como a Fernanda está para o teatro. Chega de
caras e caretas! Viva Chico Buarque! Sou, como todas, perdidamente apaixonada
por este homem", exclamava a cantora, empolgadíssima. A colega Zélia
Duncan acrescentou: "neste show
Chico mostrou toda sua generosidade. Ele cantou lindamente tudo o que o público
queria ouvir".
E não foi só. Puderam conferir o sorriso aberto do
tímido notório Marília Pêra, Oscar Niemeyer, Dona Zica, Edu Lobo, Patrícia
Pillar, Zeca Pagodinho, Helena Severo, Paulinho Moska, Benedita da Silva,
Marina Lima, Ferreira Gullar, Andréia Beltrão, Nelson Pereira dos Santos. E
muitos, muitos outros. Sorriso aberto, Chico falou sobre os arranjos das
músicas de As cidades: "São sofisticados, mas despojados. É a
simplicidade, que se encontra depois de longo caminho". Ao público,
extasiado, só restou concordar. E esperar por mais uma copa do mundo.
"Quem sabe com a Fernanda, o Dominguinhos e a Bethânia no palco. Seria o
máximo", arrisca Chico. E que ninguém tenha mais dúvidas: o penta,
definitivamente, será nosso.
7/1/1999 - Foto: Ana Carolina Fernandes / Folhapress |
7/1/1999
– Chico Buarque engata poesia e prosa com Patrícia Pillar nos camarins do
Canecão, no Rio de Janeiro - Foto: Ana Carolina Fernandes / Folhapress
|
1999
Revista
Época
Chico, São Paulo e
Bahia
Uma declaração de
amor pelo show As Cidades
Caetano Veloso
O show do Chico foi uma das coisas mais
maravilhosas que vi nos últimos tempos. Uma das emoções mais inteiras e
impressionantes que já tive. Os anos passando, e Chico, como artista
maravilhoso, foi sedimentando seu talento.
Esse show é uma prova disso. O
público chegava no Canecão, sentava, e aí vinha o Chico, desfiando aquelas
canções belíssimas, com um roteiro extraordinariamente bem-feito. O show é
lindíssimo. É uma catarata de palavras e melodias bem encontradas. Que fluem
com uma naturalidade, que tocam em pontos de muita profundidade e beleza. O
público fica louco. Chorei quando vi o novo show de Chico.
Eu adoro a música "Carioca".
Embora ninguém fale disso, Chico de fato é muito paulista. Ele nasceu no Rio,
mas por mim ele é paulista. Eu o conheci em São Paulo, ele cresceu em São
Paulo, se educou em São Paulo, o pai dele era paulista, a casa dele era em São
Paulo. Ele se mudou para o Rio depois que já era um homem. As canções que
fizeram de Chico Buarque o que ele é foram todas compostas em São Paulo. São
canções paulistas. Mas ele não toca muito no assunto, ele ficou como carioca e
ponto final. E os paulistas, por sua vez, não reivindicam isso. Eu acho isso
uma coisa misteriosa! Isso revela muito sobre São Paulo.
Não quero encher o saco do Chico com essa história.
Já encho muito o saco dele, normalmente, porque sou muito falastrão e ele é
muito calado. Eu falo muito as coisas que penso, e o Chico acha isso um pouco
chato. Mas ele gosta de mim. Quando começaram a sair notícias no jornal sobre o
disco dele, que não por acaso chama-se As Cidades, li que uma das
músicas chamava-se "Carioca". O disco é todo espetacular, mas
essa música resume tudo o que penso sobre o trabalho e o show. Quando ouvi
"Carioca", percebi que a canção tinha uma levada algo baiana,
algo axé. Aquela mistura de marcha-rancho com samba leva para a Bahia.
Vamos voltar no tempo. Quando a Mangueira fez um
desfile em homenagem aos baianos (eu, Bethânia, Gal e Gil), a crítica caiu em
cima, os jornais meteram o pau na escola, e a Mangueira quase caiu do Grupo
Especial. Anos depois a Mangueira homenageou o Chico, e todo mundo achou
maravilhoso. Mas os autores do samba eram paulistas, e eu pensei: "Que
coisa reveladora!"
Isso tudo tem um significado sutil e profundo para
mim. Quando fui ver o show, Chico canta um samba da Mangueira de décadas atrás
que diz mais ou menos o mesmo que a música que fiz para agradecer o desfile em
nossa homenagem. É uma letra que começa a enaltecer as coisas da Mangueira e
termina sempre assim: Até parece que eu estou na Bahia. O Chico incluiu a
música no show e... eu chorei. Fechava toda essa história que penso sobre
Chico, São Paulo, Rio, enfim... Eu fui até ele e disse: "Chico, eu vi o show pensando o tempo todo que ele tivesse sido
feito para mim. Especialmente para mim".
FOLHA DE S.PAULO
São
Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
SHOW
Chico
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião
Editor de Domingo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião
O
compositor fala do show que estréia hoje no Palace, em SP, diz que está
compondo melhor e pergunta, com humor: "Será que FHC acha que eu sou o
Itamar da música?"
"Será que FHC acha que eu sou o Itamar da
música?", perguntou um bem-humorado Chico Buarque de Holanda, durante a
entrevista que concedeu anteontem à noite à Folha. Chico ironizava as críticas
que tem recebido do presidente da República, embora a política já não pareça
ocupar em sua vida o espaço de outros tempos.
A partir de amanhã, durante sete semanas, ele
estará de volta ao palco em São Paulo. O show que leva ao Palace é uma
apresentação do CD "as cidades", recheada com uma oportuna revisão de
antigas canções -"umas que eu achei que o disco puxava, outras para o
público poder cantar", diz.
"As Cidades" -ou "as cidades",
em minúsculas, como grafado no disco- foi recebido com certa frieza por parte
da crítica, embora se ouça nele um compositor em pleno domínio de seu repertório
e um letrista exímio, agora mais claramente contaminado pela experiência
literária.
Gilberto Gil viu em "Iracema", do novo
CD, uma relação com "Bye, Bye Brasil". Parece haver, de fato, em
"as cidades", um lirismo desencantado, uma espécie de tradução poética
da vertigem brasileira nesses tempos pós-utópicos.
Chico fala de música, de política, comenta o livro
de Caetano Veloso ("Verdade Tropical") e conta qual foi a reação de
seu pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda, quando disse a ele:
"Papai, estou lendo "Raízes do Brasil"".
Folha - O CD "as cidades" parece
atravessado por uma espécie de lirismo desencantado, como se a musa evocada
pelas canções estivesse desalojada, inviabilizada pelas próprias canções. É
como se você não pudesse mais cantar o Brasil de Tom Jobim, ao qual o disco
obviamente se filia. Qual o alcance desse desencanto?
Chico Buarque - Talvez esse desencanto seja uma constante na minha música. Quando essa
tristeza foi assinalada por mais de uma pessoa, como uma característica desse
disco, eu me perguntei se essa não é uma característica permanente da minha
obra. Eu não tenho discos especialmente alegres.
Eu procurei nesse disco uma tonalidade mais grave;
há mais canções lentas do que em obras anteriores. Eu hoje domino melhor meu instrumento
e me sinto um músico muito melhor do que há 30 anos. Talvez haja no disco a
presença e a ausência de Tom Jobim, ao mesmo tempo.
Folha - Há um registro onírico no disco, que muitas
vezes surge como pesadelo, como uma vertigem, da qual você aliás parece ter
consciência quando afirma, no título de uma canção, "Sonhos Sonhos
São".
Chico - Com certeza, o
tom de "Sonhos Sonhos São" é vertiginoso. Mas, por outro lado, há
também um certo humor presente lá. Essa canção talvez tenha a ver com o clima
da minha literatura. A idéia dessa canção é um pouco literária. Eu pretendia
transformar em música uma idéia dificilmente musicável, mais literária, que é a
idéia do sonho. Eu queria fazer uma música que estivesse dentro do sonho, que
traduzisse a sua sensação, e não apenas que falasse dele. Isso remete a
"Estorvo" e "Benjamin", meus romances.
Folha - A vertigem dessa canção, que não está
ligada mais ao Brasil, mas a cidades aleatórias e cambiáveis, não seria uma
versão contemporânea da vertigem de "Bye, Bye, Brasil", que você
compôs no início dos anos 80?
Chico - Isso é engraçado. O Gil, conversando recentemente comigo, comparou "Iracema" a "Bye, Bye, Brasil". Talvez o disco todo permita essa passagem. Não sei.
Chico - Isso é engraçado. O Gil, conversando recentemente comigo, comparou "Iracema" a "Bye, Bye, Brasil". Talvez o disco todo permita essa passagem. Não sei.
Folha - Mudando de assunto, por que é que os presidentes
da República nunca gostam muito de você?
Chico - (gargalha)
Folha - O presidente Fernando Henrique tem
criticado você e manifestado preferência por Caetano Veloso, embora diga que
vocês dois e o Gil sejam os três grandes da MPB. Que história é essa?
Chico - Normalmente,
quando o político fala de música popular, está fazendo política. Amanhã é capaz
que o Lula venha assistir meu show. É um ato político. Eu duvido sinceramente
que o Lula goste tanto da minha música. Ele vindo, vai desmentir isso, mas eu
não acredito. Já passei por isso várias vezes.
No caso do Fernando Henrique, o fato de ele gostar
mais do Caetano e do Gil pode ser mesmo uma apreciação estética, mais do que
política. Afinal, o Fernando Henrique nem é tão bom político assim. O Antonio
Carlos Magalhães é muito melhor político do que ele. Está há muito mais tempo
no métier e não diria uma coisa que não fosse conveniente politicamente.
Folha - O fato de o projeto do Fernando Henrique
ser, em linhas gerais internacionalista, apostando num certo tipo de
modernização via abertura, talvez o leve a se identificar mais com as posições
do Caetano, que sempre esteve mais para a internacionalização, a indústria
cultural, o livre mercado. Você talvez seja visto como representante de um
pensamento que ele considera condenado, o nacionalismo, a esquerda...
Chico - Será que ele
pensa que eu sou o Itamar da música? (gargalha) Acho que não chega a esse ponto
também. Se ele me considerasse um Itamar, a reação dele comigo seria mais
violenta. Ele me vê mais próximo do Lula, do PT, embora eu não seja do PT. Mas
acho engraçado o nervosismo do governo com o Itamar. Sempre houve um certo
desdém pelo Itamar e, de repente, todo o ódio se voltou contra ele no círculo
mais próximo do presidente.
Folha - Você passa a impressão de que depois da
eleição presidencial de 89, entre Collor e Lula, se desencantou da política, de
que continua se posicionando e participando meio a contragosto.
Chico - Aquele foi um
momento crucial, em que havia chance real de vitória de uma frente de
centro-esquerda. Teoricamente, o próprio Fernando Henrique estaria nessa
frente. Até o PSDB timidamente apoiou o Lula. Estavam ali representantes de
todas as correntes que lutaram contra a ditadura. Eu sempre me vi integrado a
movimentos mais amplos, de mudanças amplas, não apenas partidários. Nessa
última eleição, eu votei no Lula porque discordo das propostas do Fernando
Henrique, mas, no fundo, não queria ver o Lula eleito agora. Seria impossível
governar. Olhando agora para trás, até mesmo em 89, se o Lula fosse eleito,
dificilmente ele governaria. Estão surgindo revelações sobre restrições
militares à eventual posse de Lula em 89.
Eu quis em 98 apenas manifestar meu desacordo com isso, mas sem a ilusão de estar participando minimamente de um movimento, porque não existe mais essa possibilidade. Talvez houvesse em 89, mas hoje até isso eu coloco em dúvida.
Eu quis em 98 apenas manifestar meu desacordo com isso, mas sem a ilusão de estar participando minimamente de um movimento, porque não existe mais essa possibilidade. Talvez houvesse em 89, mas hoje até isso eu coloco em dúvida.
Folha - Você publicou "Estorvo" em 91. É
um romance que aponta para um profundo mal-estar na civilização brasileira. Em
que medida o livro foi uma maneira de responder, solitariamente, não exatamente
à decepção política, mas a um desencanto com um projeto de país que se
frustrou?
Chico - Não foi uma
reação à política. Há uma tendência generalizada de politizar o que eu faço. As
pessoas acham que eu sou mais politizado do que realmente sou. Quando eu
procuro o caminho da literatura é porque talvez esteja se desgastando meu
trabalho com a música. Eu já vinha há um bom tempo sem vontade de fazer música.
A literatura para mim foi um caminho anterior à música. Eu entrei na música por
acaso. Estudava arquitetura, escrevia e fazia música por brincadeira.
Folha - Nos anos 50, com a bossa nova, e também nos
60, a música popular foi uma espécie de catalisador de uma série de demandas ou
de aspirações coletivas. Parecia haver uma utopia coletiva em relação ao
Brasil.
Chico - Nos anos 50
havia mesmo um projeto coletivo, ainda que difuso, de um Brasil possível, antes
mesmo de haver a radicalização de esquerda dos anos 60. O Juscelino, que de
esquerda não tinha nada, chamou o Oscar Niemeyer, que por acaso era comunista,
e continua sendo, para construir Brasília. Isso é uma coisa fenomenal. Se você
pensar, em contraposição, na década seguinte, quando foi construído o Palácio
dos Bandeirantes, em São Paulo, aquele monstro neoclássico no Morumbi, você
percebe a diferença.
Brasília não é condenável por ter sido construída. Ela foi construída sustentada numa idéia daquele Brasil que era visível para todos nós. Inclusive nós, que estávamos fazendo música, teatro etc. Aquele Brasil foi cortado evidentemente em 64. Além da tortura, de todos os horrores de que eu poderia falar, houve um emburrecimento do país. A perspectiva do país foi dissipada pelo golpe.
Brasília não é condenável por ter sido construída. Ela foi construída sustentada numa idéia daquele Brasil que era visível para todos nós. Inclusive nós, que estávamos fazendo música, teatro etc. Aquele Brasil foi cortado evidentemente em 64. Além da tortura, de todos os horrores de que eu poderia falar, houve um emburrecimento do país. A perspectiva do país foi dissipada pelo golpe.
Folha - Mas até o AI-5, a cultura foi de certa
forma preservada.
Chico - Foi, é verdade.
Em 64 fecharam sindicatos, perseguiram estudantes, cassaram políticos etc., mas
nenhum teatro foi fechado. Não havia censura institucional. Eu tive uma única
música censurada nesse período. O governo, até 68, incomodou pouco a cultura.
Depois foi aquele Deus nos acuda.
Folha - Sobre esse período, comentando o livro do
Caetano, "Verdade Tropical", você disse que teria vontade de escrever
o lado B dessa história. Você poderia adiantar algumas faixas desse lado B?
Chico - Essa foi uma resposta
para me livrar de jornalistas. Eu sou um ficcionista, acho chato escrever
memórias, isso não me atrai.
Folha - Mas o livro do Caetano não é de memórias
apenas, é um livro que pretende interpretar o período.
Chico - Há coisas ali no
livro do Caetano... não é que eu discorde. Às vezes, eu vejo que vivemos os
mesmos fatos, antes mesmo de nos conhecermos, sob prismas coincidentes. Às
vezes, embora eu entenda o ponto de vista dele, tenho em relação aos fatos que
ele menciona pontos de vista inteiramente diferentes. Digo, poxa, interessante
que ele tenha interpretado assim, eu vejo diferente, mas não é que haja alguma
mentira no livro, não há.
Folha - Você ainda tem contato com os amigos de
geração de seu pai (o historiador Sergio Buarque de Holanda, autor de
"Raízes do Brasil", morto em 82), com o Antonio Candido, o Décio de
Almeida Prado? Qual a sua ligação com eles e com seu pai, do ponto de vista
intelectual?
Chico - Eu não tenho
contato com esses amigos de meu pai. Tratei eles sempre com muita cerimônia. Eu
tinha uma espécie de temor reverencial por essas pessoas.
Eu tinha esse temor até em relação à biblioteca do
meu pai. Fui com o tempo me aproximando da biblioteca e não dos amigos. Nunca
tive intimidade com o Antonio Candido. Tenho por ele uma admiração muito
grande, um carinho. É um tio. Fui mais tarde conhecer o trabalho de crítica
literária do Antonio Candido, mas quando já não morava mais na casa de meus
pais.
Mais tarde também fui ler os livros de meu pai. Eu
me lembro de ter dito: "Papai, estou lendo "Raízes do Brasil". E
ele: "Não, não lê, não. Lê "Visão do Paraíso", que é muito
melhor".
Show: Chico
Buarque em As Cidades
Quando:
estréia hoje; quinta, às 21h30, sexta e sábado, às 22h, e domingo, às 19h; até
2/5
Onde: Palace
(al. dos Jamaris, 213, Moema, São Paulo, SP, tel. 011/531-4900)
Quanto: de R$ 35 a R$ 75 (quinta e domingo) e de
R$ 40 a R$ 80 (sexta e sábado)
19/3/1999 - Chico Buarque de Hollanda em seu show "Cidades" no Palace
Fotos: Adriana Zehbrauskas/Folhapress
|
11/4/1999 - Chico
Buarque de Hollanda canta e toca violão durante show de seu novo disco "As
Cidades", em cartaz no Palace, em São Paulo (SP)
Foto: Ana
Ottoni / Folhapress
|
11/4/1999 - Chico Buarque de Hollanda sorri para fãs no final
do show de seu novo disco, "As Cidades", em cartaz no Palace, em São
Paulo (SP)
Foto: Ana Ottoni / Folhapress
|
ISTOÉ Gente
29/11/1999
Chiquinho timbaleiro
A cena aconteceu no final do show de Chico Buarque no sábado 20/11/1999, no Canecão, Rio: depois que o cantor terminou o show e preparava-se para dar o bis, seu neto, Francisco Buarque de Holanda, 3 anos, filho de Helena Buarque e Carlinhos Brown, saiu de trás dos camarins e invadiu o palco mostrando o que anda aprendendo em casa com o pai timbaleiro. -
Chico Buarque em um dos shows de "As cidades" no Canecão. Seu neto Chiquinho subiu no palco nesta apresentação - Fotos: Vera Donato |
22/11/1999 - Caetano Veloso no show de Chico Buarque, no Canecão, no Rio de Janeiro (RJ) - Foto: Publius Vergilius / Folhapress |
22/11/1999 - Joana no show de Chico Buarque, no Canecão, no Rio de Janeiro (RJ) - Foto: Publius Vergilius / Folhapress |
22/11/1999 - Evandro Mesquita no show de Chico Buarque, no Canecão, no Rio de Janeiro (RJ) - Foto: Publius Vergilius / Folhapress |
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