Valete, Emicida, Rael e Capicua |
Caetano
Veloso fala sobre o projeto
MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
“O rap é a língua franca da diáspora negra e, já hoje, de algumas
gerações de pessoas muito jovens, de todas as cores, nas cidades do mundo. O
português é a língua franca da Damaia, do Cachoeira, Do Grajaú, do Porto, de
São Tomé e Príncipe, de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique, do Brasil e de
Portugal. São muitas camadas de desqualificação superpostas, muitas camadas de
opressão. Muita ginga. Capicua (com seu nome artístico de origem catalã, em que
significa palíndromo: seu nome de batismo é Ana) é branca; Valete é negro;
Emicida e Rael são mestiços. Os dois primeiros são portugueses; os dois
últimos, brasileiros. Os quatro falam a mesma língua. A língua franca do rap. E
a língua franca da lusofonia. O simples fato de tê-los aqui reunidos é já, a
meus olhos mulatos do recôncavo baiano, acontecimento de grande monta. Mas há
Kassin, Nave e Fred Ferreira, além de Sara Tavares, destilando o que é moderno
dos dois lados do Atlântico. Creio que devemos muito de tudo isso a Emicida e a
seu irmão Fióti (que é citado numa das muitas rimas): as movimentações desses
dois duendes da periferia paulistana e da vida online são sempre consequentes.
Para mim, é todo um mundo humano que se representa nessa associação de MCs.
Todo um mundo que aprende a levantar-se. Eles trocam mutações de palavras da
língua inglesa (e de nomes de pioneiros anglófonos) ocorridas na gestação do
hip-hop no Brasil e em Portugal, misturam-nos com os mitos africanos,
afro-baianos, afro-brasileiros, afro-lisboetas, trazem tudo para dentro dos
coloquialismos de suas quebradas transatlânticas e enriquecem a nossa vida.
Dão-nos esperança. Criam esperança. São os gênios invisíveis que se fazem ver.
Falam aos amigos. Cantam a deusa do ébano. Guerreiam o ego. Abrem trilhas
futuras. É disso que todos precisamos. Porque, como escreveu Bernardo Soares,
que é um dos nomes de Fernando Pessoa: “Minha pátria é a língua portuguesa”.
— Caetano Veloso
2017 – LÍNGUA FRANCA
[Capicua / Emicida / Rael / Valete]
Álbum “Língua franca”
Lab Fantasma CD 88985422872.
[Portugal, Brasil]
Disco
‘Língua Franca’ com Capicua, Valete, Emicida e Rael editado em Portugal e no
Brasil
29 Maio, 2017
Capicua e Valete são portugueses, Emicida e Rael
brasileiros, juntos editaram o disco do projeto de “Língua Franca“, já
editado em Portugal e no Brasil.
Partilham a sua paixão pelo Rap e pelo Português, essa língua generosa que
une os dois continentes e que os uniu num disco – “Língua Franca”.
"Ela", o single de apresentação deste ambicioso projeto, é
uma sentida canção em que Capicua, Emicida, Rael e Valete confessam o seu amor
extremo pela música, afinal aquilo que lhes comanda a vida, que os levou ao Rap
e a essa “Língua Franca” que os trouxe até aqui.
Um beat cósmico, profundo e moderno, eminentemente electrónico, temperado
pelo Dub, recebe a mestria de quatro MC’s, numa elegia à música que lhes moldou
o futuro, que parece voltar a ganhar forma nas canções deste disco singular.
Um álbum em que dois dos mais talentosos MCs brasileiros colaboram de perto
com dois dos mais significativos Rappers nacionais, fundindo diferentes
experiências, realidades e sensibilidades musicais num corpo comum, que tem a
rima e a palavra como ponto de encontro.
Produzido por Kassin, Fred Ferreira e Nave, “Língua Franca” é um disco
único que leva Rap feito em Português a lugares onde nunca chegou. O disco foi
gravado entre Lisboa e São Paulo.
O GLOBO
Álbum une Emicida e Rael
aos portugueses Capicua e Valete para criar ponte entre as cenas
‘Língua franca’ mostra intersecções tanto no rap
quanto os dilemas de cada país
por Luccas Oliveira
26/05/2017
RIO — Durante passagens recentes por Portugal, para promover seu segundo
álbum de estúdio, “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa...”
(2015), indicado ao Grammy Latino e gerado após uma viagem por Angola e Cabo
Verde, o paulistano Emicida e seu irmão, o empresário e cantor Evandro Fióti,
começaram a questionar a falta de conexão entre as cenas rap dos países
lusófonos — em especial entre seus mais notáveis representantes: Brasil e
Portugal. Dispostos a dar o empurrão inicial para esse intercâmbio — e para
mostrar as intersecções tanto no lado musical quanto em dilemas e problemas
sociais —, eles desenharam o projeto que gerou “Língua franca”, álbum lançado
nesta sexta-feira nas plataformas digitais em parceria entre o Laboratório
Fantasma (produtora criada por eles) e a Sony Music — os singles
"Ela" e "A chapa é quente" foram apresentados nas últimas
semanas.
Para tal, Emicida convocou o parceiro de longa data Rael, dono de uma
das vozes mais ecléticas da cena nacional, e dois nomes de destaque de
Portugal: Capicua, responsável por fincar a bandeira feminina no rap lusitano,
e Valete, figura cultuada pelos fãs do gênero e um tanto quanto reclusa.
O time de peso conta ainda com a trinca de produtores formada pelo carioca Kassin, pelo beatmaker curitibano Nave e pelo português Fred Ferreira, baterista da Banda do Mar. Foi no estúdio do gajo, em Lisboa, que o quarteto se enfurnou por dez dias para trocar ideias, definir temas e escrever os versos (“uma linha de produção que não parava”, como definiu Rael). Segundo Capicua, eles saíram do internato com o álbum — que conta ainda com participações do rapper paulistano Coruja BC1 e da cantora portuguesa Sara Tavares — “85% pronto”.
— O disco realmente explodiu nesses dez dias. Rolou uma conexão
profunda. A oportunidade de estar no estúdio com esses artistas trouxe um
resultado que não seria possível se trocássemos ideia por Skype — crava
Emicida.
— É uma grande mistura de hip-hop com música afro-brasileira, funk, soul
e eletrônico, embalada pela contribuição de cada produtor. E apresenta várias
formas de falar e cantar português — explica Capicua. — Em Portugal, somos
habituados com o português brasileiro por consumirmos novelas e músicas daí,
mas não é algo recíproco. O “Língua franca” pode ajudar a criar um costume no
brasileiro de ouvir a música feita do outro lado do mar, e também a unir os
cenários.
Os três — Valete não participou das entrevistas — são unânimes ao
apontar “(A)tensão!”, a segunda faixa do disco, como a que melhor resume tais
intersecções. Nela, Capicua cita a crise dos refugiados na Europa (“Mundo escuro/
Medo do futuro nulo, tudo é soturno/ Europa ergue seu muro”) e Emicida
complementa criticando questões bem nossas (“Hip-hop rixa feia num Brasil que
fecha escola para inaugurar cadeira/ (...) A última colônia escravista agora
escraviza a Bolívia”). Os dilemas de cada região unem-se como uma grande
crítica ao conservadorismo.
— É uma música que trata da condição humana — diz o brasileiro. — O
mundo vive sob uma constante ameaça de atitudes conservadoras, preconceituosas,
pouco humanas. Embora vivamos em sociedades diferentes, existem esses pontos
comuns, que dialogam.
Com o disco na rua, o quarteto faz o show de estreia
em julho, no festival português Super Bock Super Rock. Depois, leva o
repertório para turnês tanto lá quanto cá — “e, oxalá, para Guiné-Bissau,
Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e Timor
Leste”, lista o trio.
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