Pina
Bausch veio ao Brasil pela terceira vez em 1997 para apresentar pela primeira
vez no País uma ópera, “Ifigênia em Tauris”, de Gluck, e a coreografia
“Cravos”, ambas no Teatro Municipal do Rio. O impacto visual da segunda - o
palco era inundado por oito mil cravos vermelhos - foi tão intenso que, ao
contrário das visitas anteriores, desta vez sua obra agradou ao grande público.
Essa coreografia inaugurou uma parceria jamais desfeita, entre Pina Bausch,
Marion Cito nos figurinos e Peter Pabst nos cenários. E mais. Nessa ocasião a
coreógrafa conheceu Caetano Veloso, a quem convidou para participar da festa de
comemoração, na Alemanha, dos 25 anos da Tanztheater Wuppertal, em 1998.
Na programação de aniversário, estavam sete peças: “Ifigênia em Tauris” (1974),
“Café Müller” e “Sacre” (1974), “Arien” (1979), “Viktor” (1986), “Palermo,
Palermo” (1989), “Nur Du” (1996), coreografia que consagrou mundialmente a
dançarina brasileira Regina Advento, e “Der Fenstputzer” (1997). Caetano
participou com dois concertos.
Em comum com o cantor e compositor brasileiro, Pina Bausch tem a participação num filme de Almodóvar, “Fala com Ela”. (AE)
Em comum com o cantor e compositor brasileiro, Pina Bausch tem a participação num filme de Almodóvar, “Fala com Ela”. (AE)
São Paulo, segunda, 25 de agosto de 1997
ANA FRANCISCA PONZIO
no Rio de Janeiro
A temporada que o grupo de Pina Bausch, o
Tanztheater Wuppertal, iniciou na última sexta no Teatro Municipal do Rio, já
pode ser considerada um dos acontecimentos artísticos deste ano.
Duas obras clássicas do repertório de Bausch -a
ópera "Ifigenia in Tauris" (apresentada até domingo) e a peça de
dança-teatro "Cravos" (que estréia quarta)- compõem a programação do
Thanztheater nesta passagem pelo Brasil que, lamentavelmente, não se estende a
outras cidades.
Com "Ifigenia in Tauris", o Thanztheater
revelou uma face de Pina Bausch inédita aos brasileiros. Ao realizar, em 1974,
sua versão para a ópera de Gluck (1714-1787), Bausch dava seus primeiros passos
em direção à dança-teatro que a transformaria em uma das personalidades chaves
das artes cênicas deste século.
Marcas que surgiriam nos anos seguintes, como
bailarinos que choram, falam, cantam, fazendo do corpo uma expressão múltipla,
não existem em "Ifigenia in Tauris", que também está longe dos
ambientes claustrofóbicos das obras posteriores.
Invertendo papéis, Bausch fez de "Ifigenia in
Tauris" uma ópera-balé, interpretada por bailarinos cujos corpos parecem
ecoar as vozes dos cantores que, "escondidos" em camarotes do teatro,
não aparecem em cena.
Convencionalmente, "Ifigenia in Tauris" é
a obra mais dançada de Bausch que, nesta ópera, demonstra que também poderia
ser uma mestra da coreografia pura.
Cenicamente, é um espetáculo luminoso. Em vez das
sombras e da cor preta, comuns nas obras de Bausch, é o branco que predomina
nos figurinos e cenários, com espaços delimitados por alvos lençóis. No papel
de Ifigenia, a brasileira Ruth Amarante realiza uma interpretação esplendorosa
ao lado de Dominique Mercy, um dos mais antigos bailarinos do grupo de Baush.
Para contar a história de Ifigenia (cuja morte, a
pedido da deusa Artemis, libertaria os ventos necessários à navegação) Bausch
já se valia do sentido de incompletude da condição humana. Mesmo exalando
lirismo e harmonia, o enredo se constrói por meio de imagens evasivas,
fragmentadas, que Bausch mais tarde dominaria com precisão única.
Mas, o mais curioso em "Ifigenia in
Tauris" é observar que a dança ainda não se confunde com o teatro. Apesar
da profunda expressividade que exige dos bailarinos, a obra tem como principal
apoio a coreografia, baseada na técnica clássica e com uma teatralidade que
revela a influência de Kurt Joos (um dos pioneiros da dança expressionista, de
quem Bausch foi assistente).
Se tivesse parado em "Ifigenia in
Tauris", a obra de Pina Bausch já seria relevante.
Apesar da inovação gigantesca que ela promoveu após
esta ópera, Bausch já teria concedido à composição de Gluck a mais arrojada e
atemporal das versões, cujo frescor permanece até hoje.
Espetáculo: Tanztheater Wuppertal
Quando: dias 27, 28 e 29 de agosto às 20 h; dia 31 às 17 h
Onde: Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Pça Floriano, s/nº; tel. 021/297-4411)
Quanto: R$ 70,00 a R$ 10,00 (reservas: 021/262-3935)
Espetáculo: Tanztheater Wuppertal
Quando: dias 27, 28 e 29 de agosto às 20 h; dia 31 às 17 h
Onde: Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Pça Floriano, s/nº; tel. 021/297-4411)
Quanto: R$ 70,00 a R$ 10,00 (reservas: 021/262-3935)
O Estado de S.Paulo, 30/8/1997 |
O festival cultural dirigido por Pina Bausch
aconteceu pela primeira vez em 1998, por ocasião da comemoração dos 25 anos de
existência da companhia "Teatro-Dança de Wuppertal" (Alemanha).
Na ocasião em que Caetano esteve em Wuppertal, em 14 de outubro de 2001, atuando como um dos principais convidados de Pina Bausch no festival internacional de cultura organizado por ela, o baiano contou como conheceu a amiga:
"Pessoas ligadas ao ambiente de teatro e de dança falavam muito nela quando se referiam ao Gerald Thomas, dizendo que ele tinha muita influência de Pina. Quando Gerald voltou para o Brasil e começou a dirigir suas peças, fui assistir a quase todas, mas não achei isso, não. Achei Pina Bausch parecida com o Trate-me Leão [obra do grupo teatral carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, que tinha Perfeito Fortuna e Regina Casé como integrantes]".
São Paulo, sábado, 24 de outubro de 1998.
TEATRO-DANÇA
Caetano
festeja Pina Bausch na Alemanha
CARLOS GARDIN (*)
especial para a Folha
Caetano Veloso é hoje a bola da vez em Wuppertal (Alemanha),
localidade que adotou uma das mais famosas companhias de dança do mundo, a de
Pina Bausch. O cantor protagoniza um show-homenagem para a coreógrafa que
comemora 25 anos de sua dança-teatro na cidade alemã.
E Wuppertal, até o dia 31 deste mês, se converte
num espaço de celebração mundial da trajetória inovadora de Bausch.
Os convidados para a festa confirmam as referências
e a importância desta artista para a diversidade da arte no século 20: Sankai
Juku, do Japão; Marie Claude Pietragalla, da Ópera de Paris; o grupo Rosas, da
Bélgica; Mikhail Baryshnikov; companhias de Bali e hip hop dance da Alemanha.
De quebra, o mundo terá a oportunidade rara de
presenciar uma síntese do trabalho realizado pela homenageada em 25 anos de
coreografias que foram causadoras das mais radicais mudanças na linguagem da
dança neste século.
Pina Bausch apresentará oito de suas principais
coreografias, começando por uma das primeiras, "Ifigênia em Táuris",
de 1974, que foi apresentada no Rio de Janeiro no ano passado.
Trata-se de um momento único em que se pode
verificar com clareza a evolução da linguagem do movimento que fundamenta o
estilo específico dessa artista -cujo trabalho não só revolucionou o conceito
da dança como interferiu na linguagem do teatro com um diálogo perturbador.
Ela criou sua linguagem própria na busca incansável
da síntese do movimento no espaço. A sua referência primeira são os gestos
recolhidos no cotidiano das pessoas.
Seus bailarinos/atores, além de exibirem uma técnica precisa, fruto de um árduo trabalho, são pesquisadores do movimento.
Seus bailarinos/atores, além de exibirem uma técnica precisa, fruto de um árduo trabalho, são pesquisadores do movimento.
Colhem suas idéias na pesquisa pelas ruas das
cidades do mundo, idéias que são transformadas numa celebração poética do
palco, numa encenação radical que, como uma cápsula, ao ser deflagrada, provoca
o espectador pela forma, pelos sentidos e pela construção lógica.
O padrão de Bausch é a diversidade. Sua síntese é a
da mônada, ou seja, a do signo que contém inúmeras possibilidades de sentido,
que passam pelo sensorial até atingir o lógico e o intelectual. Por isso, a
diversidade como marca está presente em todos os níveis do seu trabalho: seus
bailarinos são de múltiplas raças, a sonoplastia utilizada nas coreografias
contém desde clássicos a canções populares de diferentes países.
Os bailarinos são também atores no sentido de
executarem ações dramáticas, e essa atitude cênica fez com que o teatro, depois
de Bausch, tivesse que se alimentar da capacidade de movimento do corpo na
dança. O corpo, enfim, é visto como signo e, como tal, tem intenções de provocar
interpretações tanto lógicas como sensoriais.
A festa de 25 anos de dança-teatro de Pina Bausch
em Wuppertal consagra a síntese da diversidade. Como queria Oswald de Andrade,
uma forma canibal de ser.
(*) Carlos Gardin é doutor em Comunicação e Semiótica,
professor do Departamento de Jornalismo da PUC-SP e diretor de teatro.
Novembro 2001
Solo
para Pina Bausch — Caetano Veloso brilha em festival da coreógrafa alemã
Wuppertal,
Alemanha - O doce bárbaro de Santo Amaro fechou sua turnê européia de 2001
participando no dia 14 de outubro do festival internacional de cultura
organizado pela prestigiada coreógrafa Pina Bausch e sua companhia, o
Wuppertaler Tanztheater. Caetano, que já tinha sido em 1998 uma das maiores
estrelas das comemorações dos 25 anos do grupo de Pina, fez um show solo em que
se deu ao requinte de interpretar canções em francês, italiano, espanhol,
inglês e, claro, português, encantando do começo ao fim uma platéia tão serena,
quanto extasiada.
Era
uma homenagem das mais condizentes à essa artista que possui bailarinos das
mais diversas partes do mundo e que surpreende Caetano desde a montagem que ele
assistiu anos atrás de «Um Grito Ouviu-se na Montanha», no Teatro Municipal do
Rio de Janeiro. «Fiquei completamente apaixonado pelo espírito da obra dela,
que tem uma vida impressionante, rara em artes da representação», afirmou
Caetano, que já tinha gravado a marchinha carnavalesca «Dama das Camélias», de
Braguinha e Alcir Pires Vermelho, como um tributo à Pina em seu álbum «Omaggio
a Federico e Giulietta», de 1999.
O
festival deste ano, que aconteceu de 12 a 28 de outubro, trouxe como destaques
o coreógrafo e dançarino japonês Saburo Teshigawara, o violinista húngaro Félix
Lajkó, além do diretor espanhol Pedro Almodóvar, que terá três de seus filmes
exibidos no evento. Outro brasileiro convidado por Pina Bausch para a mostra de
cultura foi o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos.
Vários espetáculos
de Pina foram reapresentados como «Os Sete Pecados Capitais», «Venha Dançar
Comigo», «O Dido», além da sua útima peça, inspirada no Brasil, que ela vem
apresentando pelo mundo afora com sucesso.
Carisma à toda prova
O show de Caetano Veloso bem que poderia ter durado mais do que os seus setenta
minutos. A platéia que lotou os setecentos lugares da Schauspielhaus pagou
cerca de oitenta reais pelo ingresso e parecia não querer voltar mais para
casa, depois que ouviu «Coração Vagabundo», «Cajuína», «Menino do Rio», «Terra»
e a porto-riquenha «Lamento Borincano», dentre outras. A inclusão no roteiro de
«Manhatã», composição que Caetano escreveu sobre Manhattan, Nova York, extraída
do disco Livro, de 1997, foi muito oportuna, dando densidade comovente ao
concerto, com seus versos tornados mais trágicos depois dos ataques ao World
Trade Center: «todos os homens do mundo/ voltaram os seus olhos para aquela
direção» (...) «e aqui dançam guerras/ no meio da paz das moradas de amor».
Caetano iniciou sua performance com muita timidez, mas a reverência a Bertolt
Brecht e Kurt Weill com Stars Fall on Alabama já insinuava que o tropicalista
estava afiado para o evento. E o cenário não poderia ter sido mais feliz, com
um rochedo litorâneo criado por Peter Pabst para Masurca Fogo, peça encenada
minutos antes. Ali, como que à beira-mar, Caetano foi de «Qualquer Coisa» a
«Leãozinho», espalhando aquele sorriso largo que os caricaturistas tanto
adoram. Desacostumado com tanta passividade da platéia, o artista começou a
instigar os poucos brasileiros presentes a subverter o silêncio do público, no
que foi atendido prontamente.
O grande momento da noite nasceu de um comentário que Caetano fez para Peter
Pabst à época em que ele tinha assistido Masurca Fogo pela primeira vez, em São
Paulo. O cantor e compositor baiano tinha imaginado que cantava «Garota de
Ipanema» na cena em que as bailarinas do espetáculo aparecem deitadas sobre o
rochedo. Resultado: o coreógrafo topou com entusiasmo a sugestão involuntária
de Caetano e quando o músico começou a cantar o clássico de Tom Jobim e
Vinícius de Moraes, as meninas de Pina reentraram no palco para se banhar ao
sol sobre as pedras do cenário. A platéia foi ao delírio e com ela um Caetano
em total estado de graça.
Felipe
Tadeu [Jornalista especializado em música brasileira e produtor
do programa radiofônico Radar Brasil (Rádio Darmstadt). Radicado na Alemanha desde
91.]
Fevereiro de 2011.
Caetano Veloso entra
na trilha de documentário sobre Pina Bausch [Pina, Wim Wenders]
P: Recentemente o
cineasta Wim Wenders mandou um e-mail pra você pedindo a música Leãozinho para
um documentário sobre a coreógrafa Pina Bausch. Como foi isso? E como era seu
contato com ela?
R:
Eu tive contato com Pina diretamente aqui no Brasil. Eu fui apresentado a ela
pela Monique Gardenberg quando teve uma apresentação em que ela estava
envolvida. Houve um jantar na casa dela para a Pina e para o pessoal da
companhia, e eu fui e a conheci Pina. Eu sou louco pelo trabalho dela. E
comecei a falar com ela sobre o que eu tinha achado, com a maior cara de pau.
Ela não gostava que se falasse teoricamente sobre o que ela estava fazendo. Eu
sabia disso, falei mesmo assim.
Mas
ela gostou de mim. E ficamos amigos, ela chegou a me chamar para participar
daqueles festivais que ela fazia em Wuppertal. E uma vez ela até conjugou a
minha apresentação com o balé dela. Eu estava cantando Garota de Ipanema e ela
usou o cenário do Masurca Fogo: as moças de biquíni sentam numa pedra, como se
estivessem tomando sol. Elas refizeram toda aquela cena enquanto eu cantava.
Então
eu tinha contato com ela. Ela veio em minha casa. Uma vez ela veio para o meu
aniversário. Era uma mulher muito querida e eu adorava os espetáculos dela.
E
ela botou o Leãozinho numa peça que chama-se Para as Crianças de Ontem, Hoje e
Amanhã. E é uma cena muito linda a do Leãozinho. É um solo de um bailarino
espetacular. E o Wim Wenders estava pedindo as autorizações para as coisas que
ele tem que usar para o filme da Pina e me mandou um e-mail, pedindo Leãozinho.
E eu dei. Respondi dizendo que sim e ele me respondeu de novo dizendo que vinha
a São Paulo para uma exposição dele de fotografia. Ele queria que eu fosse para
a gente se encontrar. Eu disse que não podia, mas então ele quer que eu esteja
presente se possível no lançamento do filme no Brasil. Eu estou louco pra isso
porque o trailer é lindo. E saber que ele fez em 3D me animou dez vezes mais,
porque se há uma coisa pra que o 3D no cinema foi inventado é um espetáculo da
Pina Bausch.
[Caetano Veloso, entrevista a Renato Beolchi, Jornal
do Brasil, 19/02/2011]
Lutz Förster: "Leãozinho", de Caetano Veloso
Quase dois anos após a sua morte, a companhia que a alemã
Pina Bausch fundou e dirigiu, retornou à cidade em 2011 para uma série de
apresentações no Brasil.
A Tanztheater Wuppertal Pina Bausch trouxe ao Theatro Municipal,
no Rio de Janeiro – onde estivera pela última vez em 1997 – o espetáculo Ten
Chi (Céu e Terra), uma das últimas criações da coreógrafa (días 5, 6 e 7 de
abril de 2011).
Em seguida, a peça fez temporadas em São Paulo (Teatro Alfa)
e Porto Alegre (Teatro do Sesi).
Rio de Janeiro, 5/4/2011
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