03/10/2006
De Jorge Bastos Moreno / O Globo
Duelo eleitoral PT x PSDB
Caetano Veloso avalia resultado da eleição
Caetano: "É mais fácil Alckmin passar Lula do
que Denise a Sérgio".
Compositor acha que Lula é inocente no caso de dossiê.
Elogia Tarso Genro e diz que FH "é tirado a
chique".
Afirma que pensa em votar em Lula e Frossard, mas
admite também votar em Alckmin e Sérgio Cabral.
O BLOG DO MORENO ENTREVISTA O CANTOR E COMPOSITOR CAETANO VELOSO
P - O país está dividido entre Alckmin e Lula. Quem tem mais chance de
ganhar?
R - Todo o mundo está ainda sentindo a virada que
foi essa eleição ir para o segundo turno. Acompanhei pela TV o suspense. Achei
que, depois de ter certeza de que haveria segundo turno, Alckmim parecia outro
homem. Toda a energia e inspiração que parecia lhe faltar durante a campanha
apareceu de repente naquele momento em que ele, pedindo para abaixarem os
microfones que o estavam afogando, deu o tom ideal do embate. Lula também melhorou.
Demorou, mas ele afinal deu uma entrevista coletiva digna desse nome. Ao vivo,
pela TV. Se a nova situação deixou Alckmim quase eufórico, deixou Lula quase
deprimido. Ambos ganharam com isso. Lula deixou de dizer aquelas bobagens
megalômanas que vinha repetindo ultimamente. Alckmim deixou de ser um fantasma
de candidato. Podem dizer que as promessas de tocar a campanha do segundo turno
em tom civilizado de confronto de programas de governo são um lugar-comum
demagógico. Mas eu acho que ambos estavam sendo sinceros quando prometeram
isso. É do que mais precisamos. Não entendo de chances de vitória. Eu próprio
posso votar num ou noutro, a depender do andamento das campanhas. Até há poucos
dias, Lula era favorito. Alckmim cresceu. Pode ser que a tendência seja esse
crescimento continuar. Mas até quando? Até onde? E o que é que eu prefiro, o
que é melhor objetivamente? Lula continuar, acalmar mais os delírios
salvacionistas da esquerda - tendo uma oposição do PSDB e do PFL em tom sóbrio
e até colaborativo (mais ou menos como foram no primeiro mandato de Lula, ao
contrário do PT durante o governo FH) - talvez seja o cenário ideal. Por outro
lado, seria bom se Alckmim, presidente, se parecesse com ele ontem à noite na
TV- e nada com ele na foto que fica na esquina do Jardim de Alah, com cara de
carola de sorriso enjoado.
P - O que deve ter sido decisivo para a disputa ir pro segundo turno: a
ausência de Lula nos debates ou a tentativa do PT de comprar o dossiê?
R - A história do dossiê pesou muito porque trouxe
de volta o clima dos outros escândalos. A combinação disso, com a não ida de
Lula ao debate, foi fatal para a vitória em primeiro turno.
P - O que deve ter acontecido com o PT: troca o comando, mas a prática
continua a mesma?
R - Não sei. Não entendo esse pessoal. Vi Lula
ontem dizendo que quer estar vivo para ver desvendada a engenharia que levou
seus companheiros a darem esse "tiro no pé". Ele parecia sugerir que
houve uma trama muito bem urdida por inimigos do PT, uma armadilha na qual os
companheiros "aloprados" caíram. Pode ser. Mas, ainda que se prove
que opositores de Lula tenham seduzido os petistas, o fato é que a compra do
dossiê estava encaminhada, o dinheiro era grande e, como no caso do mensalão ou
do Francenildo, alguns passos cruciais foram dados por petistas
importantes,dirigentes do partido, pessoas com ligações diretas com o
presidente. Uma amiga me disse que o PT parece um arrastão: não dá pra saber se
o garoto que pegou sua sandália recebia ordens do chefe. Piadas à parte, não
creio, por exemplo, que um homem como Tarso Genro tenha qualquer identificação
com essas práticas. O PT não é isso. Mas parece que não só tem muito disso como
é um ambiente propício para a germinação desses fungos. Lula era, antes de ser
Presidente da República, apenas o Presidente de Honra do PT. De certa forma,
esse título diz muito, se o pensarmos à luz desses atos. Acho que ele aprendeu
a fazer política. Só a fazer política. Então, ele é um chefe sob quem esse tipo
de coisa pode acontecer. À pergunta "Lula sabia?" podemos, para
responder, usar esse episódio do dossiê como exemplo. É claro que ele não sabia
desse projeto de compra: ele teria impedido. Mesmo assim, isso se deu. Quer
dizer: ele é um chefe simbólico sob quem coisas assim acontecem. O importante é
que ele, cada vez mais, tome consciência de que deve ser duro com os
companheiros quanto a atos desonrosos. Acho que a campanha para o segundo turno
pode ir bem se Alckmim resumir as referências ao caso do dossiê à exigência de
compromisso, por parte de Lula, de não admitir essa baderna. Claro que as
investigações policiais seguem - entrando pelo próximo mandato, seja de quem
for - e podem trazer situações explosivas. Mas isso não deve ser puxado pelas
campanhas. As campanhas devem ser humildes perante as investigações.
Sinceramente, acho que tanto Lula quanto Alckmim podem segurar as coisas nesse
tom.
Caetano: Houve crescimento
da economia no governo Lula
P - A que se deve tanta popularidade do Lula, ao assistencialismo do
bolsa-família ou à certeza do povo de que ele nada tem a ver com isso?
R - Não é só o assistencialismo do bolsa-família.
Há muitos indicadores de melhoras ocorridas nesse período do governo Lula. Eu
acho que Fernando Henrique nunca chamou Delfim Neto ou qualquer outro
economista ligado à ditadura porque Fernando Henrique é tirado a chique.
Palocci ouviu Delfim e Lula foi encorajado por Delfim - o que resultou em
crescimento das exportações, melhora da balança comercial. Não entendo de
economia, mas até aí eu chego. Outros aspectos da economia cotidiana dos
brasileiros também melhoraram. Muitos deles são efeito de gestos iniciados no
governo anterior, outros se devem a ventos favoráveis na economia mundial. Seja
como for, acho que esse governo não é simplesmente para se jogar fora. Não me
sinto tão sem sintonia com o povo que votou em Lula (eu votei em Alckimin). O
pobre percebe as melhoras, reconhece a origem pobre de Lula, conhece muito mais
ele do que os outros candidatos: é natural que vote nele. Não sei se o povo tem
certeza de que Lula não tem nada a ver com os desmandos. Mas é um clássico
popular dizer que todo político é desonesto. O povo não ia ser mais duro com
Lula do que com os outros. Seria preciso pressupor uma má vontade especial para
com Lula, quando sabemos que é exatamente o contrário que acontece.
P - Lula critica tanto a elite. A elite realmente é contra ele?
P - Lula critica tanto a elite. A elite realmente é contra ele?
R - Eu estava falando em Delfim Neto e, veja só,
Delfim defendeu agressivamente Lula contra mim (contra quem, como eu, se dizia
indignado com os escândalos). É bem verdade que ele disse que eu, que me dizia
democrata radical, era antidemocrático porque me opunha à opção que, segundo as
pesquisas, o povo tinha feito por Lula. É uma visão algo gozada da democracia
essa que exige do cidadão que engula suas convicções se elas não estiverem de
acordo com as escolhas da maioria. Mesmo que essas escolhas sejam apenas
indicadas por pesquisas pré-eleitorais. Para quem conduziu um
"milagre" econômico num governo que não respeitava a liberdade de
expressão, faz sentido. Para mim, não. Fui preso para que o governo em que
atuava Delfim realizasse o seu milagre. Vê-lo agora defender Lula contra mim,
em nome do povo e da democracia, é mais do que irônico: é revelador do quanto
essas alegações de "a elite contra Lula" são duvidosas. Claro que há
semelhança com Lacerda-versus-Getúlio. Mas a semelhança é superficial: Lula não
é Getúlio, não tem nem o lado estadista nem o lado tirano populista. E a
própria chegada dele ao poder já é típica de tempos bem diferentes daqueles.
Assim, apesar da divisão dos votos por diferença de classe e por região, Lula é
um fenômeno das conquistas de modernização da vida política brasileira, diante
da qual esse modelo Lacerda/Getúlio mostra-se obsoleto. As elites intelectuais
apóiam Lula. Isso se reflete na imprensa. A sintonia do governo Lula com os
interesses dos banqueiros tem sido irrepreensível. A média dos menos pobres e
mais escolarizados tendeu a votar agora contra Lula. É só. O que não quer dizer
que não haja uma elite que seja intransigente com os delitos ostensivos. Uma
elite formada, digamos, por Gabeira, por mim e por uma empregada doméstica
evangélica que eu conheço e que, no entanto, admitiu apagar da memória os
vídeos comprometedores exibidos pela Globo em que o Bispo líder de sua igreja
ostentava má fé.
P - O próprio Lula citou isso como exemplo da degradação do Congresso e
a mídia insiste em colocar a eleição do estilista Clodovil Hernandez como
exemplo de que o povo não sabe votar. Isso é preconceito ou realmente um
exemplo de que o povo não sabe votar?
R - O povo vota como sabe. Votar em pessoas
conhecidas - e não votar em desconhecidos - é um dos critérios básicos desse
saber. Eu não sabia do caso do Clodovil. Mas me pergunto se as motivações dele
para buscar eleger-se não serão boas. Ele era um cara muito boa-gente quando o
conheci há anos. Depois acho que vi algum jeito malvado dele na TV, não lembro.
Mas não
espero que ele tenha razões ruins para desejar ser parlamentar. Parece que muitos eleitores também não.
P - Delfim era tido como uma referência importante no Congresso. Ele não se elegeu. Será que ele tinha tanta importância assim?
espero que ele tenha razões ruins para desejar ser parlamentar. Parece que muitos eleitores também não.
P - Delfim era tido como uma referência importante no Congresso. Ele não se elegeu. Será que ele tinha tanta importância assim?
R - Ele foi um importante consultor do governo
Lula.
P - Frossard ou Sérgio Cabral?
R - Por enquanto penso que vou votar em Lula e em
Denise Frossard (para confirmar o que disse de mim um crítico, julgando que
fosse depreciativo: que sou "de centro"). Mas é apenas o primeiro dia
depois do primeiro turno. E eu pretendo realmente deixar para decidir depois de
acompanhar as campanhas. Pode ser que termine votando outra vez em Alckmin. E
que alguma coisa - além da amizade com o pai dele - me leve a querer votar em
Cabral. Agora, se é prognóstico que você quer, não tenho (assim como Lula) bola
de cristal. Mas acho mais provável Alckmin ultrapassar Lula do que Denise
ultrapassar Sérgio. Se bem que o Rio é useiro e vezeiro em surpreender. Mas
surpresa mesmo foi na Bahia!
20/11/2006
Caetano, no segundo turno, repetiu voto em Alckmin
por
Cristiana Lôbo
Caetano
Veloso revelou publicamente seu voto em Geraldo Alckmin, no primeiro turno. Fez
isso, primeiramente, em entrevista ao blog do Moreno no “globo online” e
repetiu na estréia do show “Cê”, em Brasília, no fim de semana que passou. Mais
tarde, ele revelaria a alguns jornalistas que, no segundo turno, repetira o
voto em Alckmin.
–
O Lula já estava lá na frente e o Alckmin com menos votos do que recebeu no
primeiro … começou dizendo.
Caetano
fez uma avaliação política que, na ocasião, os coordenadores da campanha
presidencial tucana não fizeram.
–
Ele vinha bem. Mas sua primeira aparição depois do primeiro turno foi ao lado
de Garotinho, sorridente, da mulher dele a da filha com uma camiseta “Fora
Lula”. Aí, não dá… Outros erros aconteceram e ele foi perdendo – disse Caetano.
Mas
o voto em Alckmin não foi apenas para dar um recado a Lula. Na conversa,
Caetano revelou alguma simpatia por Geraldo Alckmin. Mais especialmente, ao
conhecimento que ele demonstrou sobre cinema e o cinema nacional. Há dois anos,
Caetano conheceu Alckmin em São João Del Rey, na casa da família de Aécio
Neves. E ali conversaram sobre cinema, sobre características de escritores
brasileiros. Isso, ao que parece, encantou Caetano Veloso, a ponto de ele dar o
voto ao tucano.
Caetano não esconde que
gosta de polemizar e diz estar acostumado a ouvir vaias. No show em Brasília,
ele imaginou que pudesse ser vaiado por eleitores de Lula ao revelar que no
primeiro turno seu voto foi em Alckmin. A platéia, no entanto, não se
manifestou. Mais tarde, ele considerou a reação como sinal de civilidade, de
amadurecimento político. Ele gostou da reação do público.
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