Letra e música: Gilberto Gil
© 1981 Gege Edições
/ Preta Music (EUA & Canadá)
Drão
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer!
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura
Drão
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se, infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer!
Nossa caminha dura
Nossa caminha dura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há
De haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão!
Morrenasce, trigo
Vivemorre, pão
Drão
GRAVAÇÕES
1982 – GILBERTO GIL, Álbum “Um Banda Um”
Warner Music
1992 – DJAVAN, Álbum “Gilberto
Gil – Songbook”
Lumiar
Discos
1998 –
CAETANO VELOSO, Álbum “Prenda
Minha”
PolyGram
2015
– CAETANO VELOSO / GILBERTO GIL
Álbum
“Dois Amigos, Um Século de Música – Multishow ao Vivo"
Sony Music
"Há
canções de maturação, que começam por uma pílula de criação - por uma gota que
colore a água no jarro e vai decantando; um dia você pega aquele precipitado lá
no fundo e trabalha nele. É um modo; Expresso 2222, por exemplo, foi feita
assim. Mas há canções que demandam esforço concentrado por considerável período
de tempo de realização intensiva. Drão está entre essas.
"Sua
criação apresentou altos graus de dificuldade porque ela lidava com um assunto
denso - o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era
uma canção para Sandra [apelidada Drão - daí o título da música] - e para mim.
'Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?', eu me perguntava. Além
disso, havia a exigência de excelência, de que o versar tivesse capricho. Então
demorou dias e dias de trabalho.
"Eu
me lembro de estar sentado no chão, anotando frases no caderno, com o violão do
lado, e de repente sentir o sufoco do coágulo da criação, e ao mesmo tempo a
iminência da explosão da via criativa, e não aguentar, saindo dali e indo para
o quarto me deitar e deixar, então, aquele coágulo se dissolver, criando
filetes que se encaminhavam pra aqui e pra ali... Aí o cérebro e o coração
entumeciam, algumas idéias fluíam, e dois, três ou quatro versos saíam.
Satisfeito, eu fechava o caderno e ia embora cuidar da vida. Saía, passava o
dia fazendo outras coisas, chegava de noite eu retomava; ficava a madrugada
toda de novo.
"Outra
exigência que eu me colocava era de não me precipitar. Eu queria que o fazer, a
prática, o empirismo da realização fossem observados pelo meu ser ali à
distância: eu tinha que contemplar o feitio da canção. Ao lado do esforço, da
tensão concentrada, tinha que haver a descontração, o relaxamento concentrado -
as duas coisas, e todas essas exigências sobrepostas determinando o modo de
compor a canção.
"Fazer
música é uma loucura quando você se coloca tantos problemas."
[Gilberto Gil, em "Gilberto Gil - Todas as Letras",
1996, Companhia das Letras, página 250].
2000
Revista Marie Claire
n° 116 – novembro de 2000
Editora Globo
Sandra Gadelha - Foto: Frederico Mendes
|
A melodia da
separação
O apelido foi dado por Maria
Bethânia. Drão vem do aumentativo de Sandra, a terceira mulher de Gilberto Gil.
Ao virar título de um dos maiores sucessos do compositor, o apelido incomum
sempre foi confundido com a palavra "grão". Sandra Gadelha desfaz o
mal-entendido e se assume como inspiração dos versos densos, compostos em 1981,
em plena separação do casal. Gil diz que foi bem difícil escrever a letra, uma
poesia profunda e sutil do amor e do desamor. "Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?",
questiona-se Gil no livro "Gilberto Gil - Todas as Letras"
(1996, Companhia das Letras, página 250).
Os dois foram casados por 17
anos e tiveram três filhos: Pedro, Maria e Preta. Hoje, aos 53 anos, Sandra
mora sozinha no Rio, sonha em montar uma pousada e se lembra com carinho da
canção que marcou o fim de seu casamento. Por uma feliz coincidência, Sandra
costuma ouvir sempre a "sua" música no rádio do carro. Uma emissora
carioca parece estar programada para tocá-la todos os dias, às 11h. A ouvinte especial
está sempre sintonizada.
Sandra
Gadelha "Desde meus 14 anos, todo
mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal [Costa], morávamos na
mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano. Nossa rua era o ponto
de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois
conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade.
Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em
São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido
outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei.
Engraçado
que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já
'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a
canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e
me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei
muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento
de muita emoção para os dois.
Nos
separamos de comum acordo. O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a
música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e
renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos.
Com
o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a
letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que
adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em
Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de
dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da
Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar.
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