…
A
bomba explode lá fora
E
agora, o que vou temer?
Oh,
yes, nós temos banana
Até
pra dar e vender
Olelê,
lalá
Aquí
é o fim do mundo
Aquí
é o fim do mundo
Aquí
é o fim do mundo
MARGINÁLIA 2
Letra: Torquato Neto
Música: Gilberto Gil
1967
Tropicália
é tema de dissertação e livro de Rafael Zincone
Livro sai em agosto e dissertação já está disponível no site do PPGMC
50 anos de Tropicália:
reflexões sobre arte, mídia, política e cotidiano
Dissertação
de Rafael Zincone, mestre em Comunicação Social recém-formado pelo PPGMC,
discute o conteúdo político da Tropicália a partir de sua inserção em programas
de televisão e da temática da vida cotidiana brasileira do final dos anos 1960
“A alegoria do Brasil do
absurdo, trazida pelo Tropicalismo, se tornou parte da história brasileira”,
destaca a profª Maria Malta, do Inst. De Economia da UFRJ, na “orelha” do livro
de Zincone.
O
ano é duplamente emblemático para Rafael Zincone: a pesquisa que desenvolveu
como trabalho de conclusão do curso em Economia vem à público, agora em agosto,
com o título Aqui é o Fim do Mundo:
Tropicália e desenvolvimento dependente no Brasil (ED GZ) e ele
acaba de se tornar Mestre em Mídia e Cotidiano com dissertação que também foca
a Tropicália e cujo título é Parabolicamará:
tropicália e a politização do cotidiano na TV. Apesar de não ter
planejado, a comemoração dupla pode ser considerada tripla já que ele, como
muitos brasileiros, tem participado de vários eventos que estão justamente
celebrando os 50 anos da Tropicália.
Mas,
como lembra Zincone, se é praticamente impossível falar sobre este movimento
musical e cultural que marcou o Brasil sem lembrar de Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Gal Costa, Tom Zé e Os Mutantes – assim como de outros tantos artistas e
intelectuais da época como, por exemplo, Rogério Duarte, Torquato Neto, Rogério
Duprat e Hélio Oiticica, “não podemos
pensar a Tropicália sem ter em mente a economia de seu tempo e a indústria
cultural de seu tempo no Brasil e no mundo”. Assim, partindo do referencial
metodológico da Economia Política da Comunicação e da Cultura, o autor analisa
a Tropicália, em sua dissertação de Mestrado, enquanto expressão
cultural-midiática tratando de discutir sobre “o posicionamento político dos tropicalistas, tendo em vista sua
integração nas estruturas da indústria cultural brasileira, especialmente a
televisão, e o contexto político-social do regime autoritário da época”.
Deste
modo, preocupado “em ler a dinâmica
interna de um movimento midiático” a pesquisa de Zincone vai além dos
aspectos estéticos/artísticos do “tropicalismo musical” e procura remontar (e
problematizar) o contexto histórico em que surge a Tropicália, entendendo que “o tropicalismo, principalmente a partir da
televisão, atuaria politicamente em questões cotidianas e da vida privada”.
Por isso mesmo, sua pesquisa, orientada pelo professor Marco Schneider no PPG
Mídia e Cotidiano, passa por diversos temas e discussões que marcaram a época.
De questões, digamos, estruturais como o desenvolvimento econômico e o processo
de “modernização” do Brasil, a
popularização da TV no país, a ditadura militar e o AI-5, até questões mais
específicas (e não menos importantes) como a organização dos primeiros
festivais de música brasileira, a relação dos artistas com o público de massa e
com a TV como novo formato e linguagem, e as tensões e conflitos próprios da
integração com a Indústria Cultural, entre ser “cultura de massas, e mexer com
ela”.
Por
fim, além de “contribuir com o debate a
respeito do caráter político da Tropicália sob a perspectiva da Comunicação
Social”, a pesquisa de Zincone dialoga com o debate político brasileiro
atual pois, interpretando a história como espiral, é possível “não estranhar a atualidade de problemas
aparentemente datados e, portanto, não exclusivos dos anos de 1967 e 1968”.
Segundo o autor, nos dias de hoje “quando
observamos a negação do Estado democrático de Direito e, consequentemente,
problemas na órbita da democratização da mídia e da produção cultural, tratamos
de desafios ainda não superados”.
Dissertação de
mestrado
Parabolicamará:
tropicália e a politização do cotidiano na TV
RAFAEL
GIURUMAGLIA ZINCONE BRAGA
13
de junho 2017
Resumen :
Esta dissertação tem como foco o movimento
midiático-cultural tropicalista ocorrido no Brasil entre os anos de 1967 e 1968
e protagonizado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e pela
banda de rock paulista Os Mutantes. O objetivo principal deste trabalho é
contribuir com o debate a respeito do caráter político da Tropicália, sob a
perspectiva da Comunicação Social. Trata-se de discutir o posicionamento
político dos tropicalistas, tendo em vista sua integração nas estruturas da
indústria cultural brasileira, especialmente a televisão, e o contexto
político-social do regime autoritário da época. Especificamente, busca-se
compreender o sentido político da narrativa tropicalista, considerando a
temática da vida cotidiana brasileira do final dos anos 1960. Estaríamos de
fato falando de uma contra hegemonia ou de mais uma forma de neutralização de
conflitos políticos e contradições sociais? Para fins de alcance do objeto
proposto, o principal referencial metodológico desta pesquisa é a Economia Política
da Comunicação e da Cultura. A Tropicália enquanto expressão cultural-midiática
será um objeto de estudo articulado com os elementos políticos e econômicos de
seu contexto histórico.
Palavras-chave:
Tropicália; contra hegemonia; indústria cultural; televisão; cotidiano.
Orientador:
Prof. Dr. Marco André Feldmann Schneider
1968
Revista Realidade
Ano
III - n° 33
Dezembro
Editora
Abril
Páginas 186-198
O
título desta reportagem é alusão à música "Acontece que eu sou baiano",
do compositor Dorival Caymmi.
"Eu e Gil estávamos fervilhando de novas
idéias. Havíamos passado um bom tempo tentando aprender a gramática da nova
linguagem que usaríamos, e queríamos testar nossas idéias, junto ao público.
Trabalhávamos noite adentro, juntamente com Torquato Neto, Gal, Rogério Duprat
e outros. Ao mesmo tempo, mantínhamos contato com artistas de outros campos,
como Glauber Rocha, José Celso Martinez, Hélio Oiticica e Rubens Gerchmann.
Dessa mistura toda nasceu o tropicalismo, essa tentativa de superar nosso
subdesenvolvimento partindo exatamente de elemento “cafona” da nossa cultura,
fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como as guitarras e
as roupas de plástico. Não posso negar o que já li, nem posso esquecer onde vivo."
Reportagem
escrita a partir de entrevista com Caetano Veloso
Traz um perfil biográfico e
profissional do compositor baiano, além de suas impressões sobre a cultura
brasileira desde a virada dos anos 1950 para os 1960. O período é considerado
por Décio Bar como o auge de um "ufanismo
que se infiltrara nos poros da consciência nacional" e, sobre isso,
Caetano menciona o purismo nacionalista que rechaçou a aproximação do
tropicalismo com a cultura euro-norte-americana.
O texto narra episódios
relacionados ao show Opinião (1965) - que inspirou a exposição homônima no
MAM-RJ, no mesmo ano -, a programas de TV e festivais de música da época.
As
declarações de Caetano Veloso reproduzidas aqui definem algumas idéias
norteadoras do tropicalismo, entre elas, a de conferir um tratamento moderno ao
que havia de mais tradicional na cultura brasileira.
O compositor descreve,
ainda, os encontros e as discussões travadas entre ele, o colega Gilberto Gil,
a cantora Gal Costa, o poeta Torquato Neto, o maestro Rogério Duprat, o
cineasta Glauber Rocha, o encenador José Celso Martinez Corrêa e os artistas
Hélio Oiticica - autor do trabalho "Tropicália", cujo título Caetano
emprestou para o nome de sua canção-manifesto - e Rubens Gerchman - cuja obra
"Lindonéia" também inspirou música homônima de Caetano.
Antropofagia
Décio Bar
Quando Roberto Carlos
mostrou que viera para ficar, percebeu-se que os Beatles eram muito mais do que
um grupo de jovens com grande antipatia pelos barbeiros. As coisas passaram a
acontecer com tal rapidez que mesmo o comodismo petrificado de certos ambientes
culturais brasileiros começou a ser abalado.
No Brasil, foram os
cineastas e pintores os primeiros a assimilar os novos rumos artísticos que eclodiam,
ao mesmo tempo, pelo mundo. As exposições Opinião, no Rio de Janeiro, e Propostas
66, em São Paulo, vieram confirmar a impressão deixada pela Bienal de
1965. Ligando-se à vanguarda mundial, o artista brasileiro valia-se de toda a
liberdade oferecida pelas colagens, montagens, pelos equipamentos sonoros e
luminosos para fazer o levantamento da cultura moderna. Havia quase meio
século, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo já procuravam entender esse
universo. Dessas sementes plantadas na Itália, na Alemanha, na França,
brotariam frutos híbridos no Brasil.
Até então (pela dificuldade
de um contato mais direto com seus resultados), a Semana de Arte Moderna de 1922
se resumia a um vago item nos currículos escolares. Para o estudante médio, ela
parecia ter sido uma série de banquetes agitados, onde se celebrava a desdita
do Bispo Sardinha – devorado pelos índios em 1554. Muitos atribuíam sua
organização aos “irmãos” Andrade e as novas gerações não se interessaram por
tal movimento.
Até que, em 1967, o Teatro
Oficina levou à cena O Rei da Vela, de Oswald de Andrade,
com direção de José Celso Martinez Corrêa. Daí em diante, uma porção de gente
passaria a entender muita coisa; outros, a não entender mais nada. Primeiro,
ficava-se sabendo que, apesar do sobrenome, não havia parentesco entre Oswald e
Mário de Andrade. Segundo, descobriu-se que uma peça escrita em 1933 inquietava
mais que todo teatro “engajado” da época.
Todo material teatral de
Oswald é colhido em nosso modo de vida, sendo reelaborado com uma insolência
particular. Zé Celso, com imagens vivas, levou esse espírito a seus limites:
circo, Chacrinha, chanchada da Atlântida. Tratava-se de uma tentativa de captar
criticamente o gosto das grandes massas brasileiras e, com ele, o verdadeiro
espírito da cultura criada no trópico.
Na platéia, um espectador
particularmente deslumbrado: Caetano Veloso, que, uma semana antes, havia
composto “Tropicália”, inspirado em uma instalação de Hélio Oiticica. Na
música e na peça, a nova realidade brasileira era jogada em contraponto com os
valores tradicionais do gosto popular. Caetano diria depois que dividia sua
obra em antes e depois de ter visto O Rei da Vela.
Zé Celso, por sua vez,
encantou-se com o intercâmbio: “Fui
violentamente influenciado pelo filme Terra em Transe, de Glauber Rocha. Agora,
Caetano se diz influenciado pelo meu espetáculo. Tenho certeza de que nossa
geração vai começar a criar algo de novo”.
Terra em Transe, feito em 1966, trata da
política violenta, corrupta e contraditória de um país latino-americano
imaginário, Eldorado, onde vigora uma mistura de fascismo místico, populismo
barato e romantismo revolucionário. Glauber Rocha se perguntava o que era ou
não era de bom gosto. Entre uma usina hidrelétrica e o luar do sertão, não há
dúvida – fica-se com os dois.
Se O Rei da Vela abriu para
Caetano uma nova visão, para Gilberto Gil houve outra fonte de confirmação. E,
novamente, uma montagem teatral, A Cantora Careca, de Eugène Ionesco,
dirigida por Líbero Ripoli Filho. Na montagem, Líbero cortava pedaços,
intercalava seqüências de comercias de TV e, ao final, trancava as portas do
teatro para um debate. Então, representava a peça de novo, explicando cada
detalhe. Gil ficou surpreso.
Outra referência que não
pode faltar toda vez que se fala de tropicalismo é Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
Enquanto os animadores de programas de auditório são sempre bem-comportados,
Chacrinha faz exatamente o contrário: é malcriado, chama o auditório de
“macacada” e, não raro, manda-o “para as profundas do inferno”. Veste-se com
fantasias espalhafatosas, distribui legumes.
O povo o adora. E os jovens
artistas tropicalistas o tomam como a expressão direta, em estado bruto, da
verdadeira sensibilidade estética do povo brasileiro.
“Sou tropicalista desde 1946”, disse Chacrinha. “Admiro muito Caetano, Gil, os Mutantes. Mas
eles todos me imitam.” Para Chacrinha, como para uma boa parcela da opinião
pública, o tropicalismo é apenas uma maneira de se fantasiar. As atividades
paralelas de Glauber Rocha, Zé Celso, Líbero Ripoli e outros lhe escapam
totalmente. A relação entre o artista e o público nunca o preocupou – é que
Chacrinha domina o auditório. Este, aliás, é o aspecto que mais interessa a
Rogério Duprat. O maestro é, fundamentalmente, um intelectual comprometido com
a destruição de todos os valores tradicionais.
“O que importa hoje, na música, é o que acontece quando ela é executada”, garante Duprat. “Não queremos mais a tal da Arte. Hoje ela deixou de ser um objeto do artista e passou a ser um resultado coletivo. Todo mundo cria. O que importa é o acontecimento. Assim, no single É Proibido Proibir, acho que o lado mais importante do disco é aquele gravado ao vivo, com as vaias do público e o discurso de Caetano.”
Duprat considera a música
como algo já esgotado. Tudo já foi feito, qualquer sofisticação melódica,
rítmica ou harmônica é inútil. “Por isso, a música de Gil ‘Questão de Ordem’,
desclassificada no festival, em São Paulo, era propositalmente antimusical. O
que interessava era o acontecimento. E, se não quiserem chamar isso de música,
então chamem a polícia…”
O maior contato entre o
tropicalismo e a jovem guarda foi estabelecido por Gal Costa. Sempre que pode,
ela aparece nos programas de Roberto Carlos. A cantora recusa-se a aceitar a
hipótese de um abismo entre os dois movimentos.
Ao contrário, entende o
iê-iê-iê como uma ponte sem a qual a música brasileira ou nunca sairia do
“Barquinho” ou se deteria no “barraco cuja porta era sem trinco”.
“Independentemente de sua importância histórica, acho o Roberto genial. Não foi
sem razão que o Duprat colocou uns acordes de ‘Nossa Canção’ em ‘Baby’.
Tropicalismo é gostar das coisas sem medo.
Enquanto a jovem guarda foi
dissecada por sociólogos e psicólogos, o tropicalismo atraiu a atenção dos
poetas concretistas Augusto de Campos e Décio Pignatari, seus maiores
divulgadores. Augusto vê no movimento uma continuidade, mas não linear, do
ciclo aberto por João Gilberto: “Eles
deglutem, antropofagicamente, a informação do maior inovador da bossa nova. E
voltam a por em xeque e choque toda a tradição musical brasileira, a bossa nova
inclusive, em confronto com os novos dados do contexto universal”.
A todo instante o
tropicalismo se refaz e se transforma, deixando um rastro de interrogações. A
agitação dos críticos que se atiram à tentativa de resolver esse enigma
contrasta com a tranqüilidade dos próprios tropicalistas. Para eles, a
tranqüilidade é resultado da confiança que têm em seu trabalho e que pode ser
resumida numa frase de Capinam: “De tanto
ver triunfar as nulidades, hei de vencer!”
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