O exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, desde 1969, funcionou como uma das forças motrizes do show "Rosa dos Ventos".
"Cantávamos a volta dos dois, sem ser explícitos, e isso acabou por acontecer. Após uma longa negociação, Caetano veio ver o show"
[Fauzi Arap]
11/8/1971 - Na plateia: Caetano, Marisa Alvarez Lima, Wilma Dias, Waly Salomão, Gal Costa, Paulinho Lima - Foto: Correio da Manhã |
11/8/1971 - Foto: Correio da Manhã |
Acervo: Paulo Lima |
1971 - XI Feira da Providência |
15/7/1971 |
23/7/1971 - Foto: Marisa Alvarez Lima |
1971 - Teatro da Praia, Rio de Janeiro - Autoria desconhecida |
Estréia
27 de julho de 1971
Teatro da Praia
Rio de Janeiro - RJ
Teatro da Praia
Rio de Janeiro - RJ
Interpretação
Maria Bethânia
Roteiro
Fauzi Arapi
Direção
Fauzi Arap
Direção
Musical
Terra Trio
Cenografia
Flávio Império
Figurino
Flávio Império
Realização
Benil Santos
Assistente
de Direção
Leina Krespi
O show encantado – assim foi
chamado o espetáculo que entrou para a história como um dos acontecimentos
artísticos mais importantes da década de 70. Rosa dos Ventos foi o
primeiro de uma série de shows originados do encontro de Maria Bethânia com o
diretor Fauzi Arap, com o cenógrafo/figurinista Flávio Império e com os músicos
do Terra Trio.
Montado em 1971, o objetivo era cantar a volta dos
brasileiros exilados, sobretudo Caetano Veloso e Gilberto Gil. O roteiro
conjugava canções e textos de autores como Fernando Pessoa e Clarice Lispector.
Fauzi dividiu o espetáculo em cinco blocos inspirados nos elementos da mandala
jungiana: Terra, Água, Eu-difícil (o centro), Fogo e Ar. Em cada um deles,
Flávio Império concebeu figurinos específicos para a intérprete, além de
túnicas que representavam a qualidade dos elementos para os músicos.
Nos blocos do Eu-difícil e da Água – que, segundo
Jung, remete à infância - Flávio reproduziu o vestido de primeira comunhão de
Bethânia, amareleceu o tecido, desgastou-o, como se tivesse sofrido a ação do
tempo. Para o Ar, elaborou uma indumentária preta com a qual a intérprete
dissolvia-se no cenário da mesma cor, de forma etérea. Esta foi, aliás, a
última ocasião em que Bethânia utilizou em cena um figurino preto, atendendo a
uma recomendação religiosa.
A cenografia era uma espécie de não-lugar onde os
elementos interpretados por Bethânia poderiam se manifestar: um palco levemente
inclinado, forrado de tecido escuro, que subia pelas paredes. Havia apenas duas
entradas laterais mais claras onde eram projetadas imagens - fotografias de
Marisa Alvarez Lima, mandalas desenhadas por pacientes da instituição
psiquiátrica Casa das Palmeiras e grafismos criados pelo próprio Flávio. O
conteúdo de protesto do show passou ileso pela revista de treze censores.
Estudos para estandarte entrada do teatro.
Grafite,
esferográfica e hidrográfica sobre papel
Acervo Flávio Império ©
Flávio Império
Flávio Império era um maestro visual que operava, junto do diretor, a poiesis do show.
O próprio cenógrafo explica: “O Fauzi é uma espécie de autor do que Bethânia falava e eu era uma
espécie de tutor de como ela se apresentava”. Sua atuação era preponderante
na transformação de todo o espaço. Em “Rosa
dos Ventos”, por exemplo, o público já era recebido na porta do Teatro da Praia
(RJ) com um estandarte que unificava o rosto de Bethânia com o de Caetano,
então exilado.
Desenho de Flávio Império, Maria Bethânia como a Lua e
Caetano Veloso como o Sol e, simultaneamente, um olho.
Desenho
de figurino de Flávio Império para Maria Bethânia, representando o elemento Ar.
Hidrográfica e grafite sobre papel.
Desenho de figurino de Flávio Império para Maria Bethânia - Primeira comunhão
|
Os alquimistas estão chegando
…
A concepção do show “Rosa dos Ventos” bebia nos estudos de alquimia que Fauzi
Arap fazia desde 1963. As quatro partes do espetáculo eram inspiradas nos
elementos terra, água, ar e fogo. O cenógrafo Flávio Império fez uma catedral
no palco.
Um
dos figurinos de Bethânia era um vestido igual ao de sua primeira comunhão, já
gasto e surrado, para parecer o original… [O GLOBO, 4/1/2015]
Fonte: Acervo Flávio Império
1971
O PASQUIM
Rio, de 17 a 23/8/1971
n° 111
1971
Revista A CIGARRA
Ano
57 – n° 9 - Setembro
Rio de Janeiro, Novembro / 1971 |
Salvador, Dezembro / 1971 |
Fevereiro de 1972 - Bethânia e Carlinhos da Mangueira - Foto: Reinaldo Soares |
19/1/1972 - Maria Bethânia e Bernard Chevry - Foto: The Associated Press |
25/1/1972 - Londres |
FOLHA DE S.PAULO
2/5/1972
HOJE BETHÂNIA
PARA IMPRENSA
Será hoje a estréia para a
imprensa, do show “Rosa dos
Ventos”, estrelado por Maria
Bethânia, dirigido por Fauzi
Arap e producido por Benil
Santos, no Teatro Maria
Della Costa, às 21. Hs.
FOLHA DE S.PAULO
FOLHA ILUSTRADA
São Paulo, quinta-feira, 4 de maio de 1972
O “show” de Bethânia
SERGIO MOTTA MELLO
Maria Bethânia da Terra, Maria Bethânia das Águas,
Maria Bethânia do Fogo, Maria Bethânia dos Ares. Em “Rosa dos Ventos”, no Teatro Maria Della Costa, Maria Bethânia
Viana Telles Veloso, moviliza em si a força dos quatro elementos para cantar suas alegrias e tristezas, as
experiencias de todos.
Ao fim do espetáculo de anteontem, o público a
aplaudiu de pé e seu camarim a esperava repleto de flores e gente ansiosa por
cumprimentá-la ou simplesmente vê-la mais uma vez. E o sorriso largo de
Bethânia –pessoa recebeu a todos, feliz e tranquila de seu trabalho.
Mas não é a realizacão profissional como cantora a meta mais importante na vida de Bethânia,
que em 1964 veio da Bahia para cantar os vôos do carcará nordestino em “Opinião”.
É a sua própria vida que ela faz questão de repartir generosamente com o
público através de suas músicas.
É a entrega total das vivencias suas e dos poetas
que ela canta e declama; são as alegrías mais simples e as angústias dos tempos
que Bethânia divide com as pessoas que a ouvem, como se estivesse ouvindo o
cantar de todos. A forte presença morena de
Maria Bethânia se integra e se atualiza com a plateia que para ela, é ela mesma
refletida em mil.
Inspirado em “Rosa dos Ventos”, de Chico Buarque de
Holanda e dos antigos navegantes, o director Fauzi Arap dividiu o “show” em
etapas: terra, água, eu-difícil, fôgo e ar. Musicas brasileiras de todos os
tempos e lugares, dos cantores nordestinos a Caetano Veloso, identificam os
temas.
Entre as canções, textos poéticos de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes, Clarice
Lispector e Moreno. Os cenários e as roupas de Bethânia desenhados por Flávio
Império compõem o clime desejado.
O resultado é um casamento de todos ao som
elaborado e dinámico do Terra Trio. Reverzando-se ao piano, orgão, pianola,
violão, violino, flauta, batería e outros instrumentos de percussão, Zé Maria,
Fernando e Ricardo enriquecem o espetáculo com excelentes arranjos, como os de
“Movimento” e “Dez Milhões de Neurônios”, uma nova
composição de Paulinho e Zequinha
Nogueira. É por algo mais que os já fortes laços da música que o Terra Trio está ligado é integrado com Bethânia. O
som de “Rosa dos Ventos” é o resultado atual, de um trabalho antigo e da
capacidade musical de cada um.
Os textos declamados dão mais força ao espetáculo. É com versos de “O Guardador de Rebanhos”, feitos em
1911 por Fernando Pessoa, que Bethânia fala do amor que vive em cada um de nós
sob a forma de Jesus, antes de cantar o Jesus rebelde embalado por cantigas de
cabaré, de “Minha História”.
Num encontro de dois, “olho a olho, cara a cara”,
de Moreno, ela fala da ánsia do amor total: “…eu arrancarei teus olhos e os
colocarei no lugar dos meus; e tu arrancarás os meus e os colocará no lugar dos
teus; então, te olharei com teus olhos e me olharás com os meus…”, para
enseguida cantar “Baby” num arranjo quase sideral do Terra Trio.
Quando canta, suas sombras se projetam no cenário,
e ela cresce com elas, vestida de Janaína, com uma roupa branca igual à de sua
primeira comunhão. E as imagens reforçãm a voz rouca-suave ou forte e extrovertida de uma mesma Bethânia
dividida em suas interpretações.
Bethânia confirmou em São Paulo a consagração de “Rosa dos Ventos” no Rio de Janeiro, cantando para todos, de todas
as idades, e anunciando para depois da tormenta, a bonança universal de amor e paz.
Ela é um grito
WALTER SILVA
Bethânia é gente no palco, mostrando o que gente
tem de mais belo e importante: liberdade e verdade interiores. E como tudo isso
é projetado por Bethânia.
As exclamações foram há muito banidas da linguagem
jornalística. Pois, Bethânia, determina que elas voltem e, se possível, em
maiúscula!!!
Bethânia, falando, tem a eloqüência de um Lacerda
em tempo de Getúlio.
Tem um punching digno dos maiores
"pegadores" e é ao mesmo tempo da leveza de uma pétala. Seu sorriso,
sempre presente, mostra aquela ingenuidade das que, antes de artistas, são
"macacas" de auditório, formadas pela massificação imposta pela
antiga Rádio Nacional do Rio, nos tempos dos Cesar de Alencar etc., com o que
seu repertório tanto se identifica, sob uma dignidade maravilhosa.
Os passos de Bethânia, parecem que caminham para o
definitivo, como se ele existisse. E por um momento, a gente tem a impressão
que sim.
Bethânia é uma alma que canta, sem saber o que; que
fala apenas aquilo que sabe e se contenta muito bem com isso.
Bethânia é linda. Bethânia é única. Não houve mais nada; houve
Bethânia.
A crítica especializada de São Paulo, assistiu,
anteontem à noite a apresentação do espetáculo “Rosa dos Ventos”, estrelado por
Maria Bethânia, dirigido por Fauzi Arap e produzido por Benil Santos. Os
cenários são de Flávio Império.
Não cremos que alguém tenha saído do teatro
cantarolando qualquer das músicas cantadas por Bethânia; nem comentando a
direção ou o cenário, ou a produção, ou luz, ou o comportamento do conjunto
musical “Terra Trio”, que a acompanha.
As pessoas saíram hipnotizadas pela beleza, pela
força, pela personalidade de uma das maiores expressões humanas desta terra.
Maria Bethânia é uma explosão de verdade interior.
É um grito. Uma beleza interior e exterior que
magnetiza quem a vê. Não há possibilidade nenhuma de se enquadrar Bethânia
entre as cantoras, ou atrizes que militam em nossos palcos. Ela não é musical.
Não precisa e faz questão de demonstrar isso. Não assume compromisso nenhum com
a música, nem com a melodia, a harmonia, a divisão a respiração, ou o ritmo.
Ela parece que está no palco com o único intuito de se doar. E quanta coisa dá
Bethânia durante todo o espetáculo.
Bethânia também não é atriz e seus gestos que
insinuam teatro, são até primários. Mas, como ela comunica.
Nesse show, há rosas e ventos, todos enviados por
Bethânia, numa fúria de amor e paz, que só aos grandes compete.
ROTEIRO DO SHOW
1º Ato
ALDEBARÃ (Sueli Costa/Tite de Lemos)
ASSOMBRAÇÕES (Sueli Costa/Tite de Lemos)
Texto (Fernando Pessoa)
NOITE DOS MASCARADOS (Chico Buarque)
Texto (Fernando Pessoa)
BODOCÓ (Guio de Moraes/Luiz Gonzaga)
CARCARÁ (João do Valle/José Cândido)
VIRAMUNDO (Gilberto Gil/Capinam)
Texto (Fernando Pessoa)
CANTO DO PAJÉ (Heitor Villa-Lobos/C. Paula Barros)
PAI GRANDE (Milton Nascimento)
MENININHA (Vinícius de Moraes/Toquinho)
O TEMPO E O RIO (Edu Lobo/Capinam)
CANTO DE OXUM (Toquinho/Vinicus de Moraes)
Texto n° 1 (Fernando Pessoa)
O MAR (Dorival Caymmi)
MORENA DO MAR (Dorival Caymmi)
SUÍTE DOS PESCADORES (Dorival Caymmi)
AVARANDADO (Caetano Veloso)
O TEMPO E O RIO (Edu Lobo/Capinam)
Sambas de roda
Texto (Maria Bethânia)
TOALHA DA SAUDADE (Batatinha)
IMITAÇÃO DA VIDA (Batatinha)
HORA DA RAZÃO (Batatinho/J. Luna)
CANTIGAS DE RODA (Folclore baiano)
ADEUS MEU SANTO AMARO (Caetano Veloso)
LE LAC DE COME (Mme. G. Galos) Instrumental
Texto - Trecho do "Poema do Menino
Jesus" (Fernando Pessoa)
DOCE MISTÉRIO DA VIDA [Ah! Sweet mistery of life] (Vitor Hebert - Versão: Alberto Ribeiro)
2º Ato
ALDEBARÃ (Sueli Costa/Tite de Lemos)
SOMBRA AMIGA (Sueli Costa/Tite de Lemos)
Texto (Fernando Pessoa)
PRECONCEITO (Antonio Maria/Fernando Lobo)
LAMA (Aylce Chaves/Paulo Marques)
MINHA HISTÓRIA [Gesubambino] (Dalla Pallotino - Versão: Chico Buarque)
LEMBRANÇAS (Raul Sampaio/Benil Santos)
VAPOR BARATO (Wally Salomão/Jards Macalé)
EL DIA EN QUE ME QUIERAS (Carlos Gardel/Alfredo Le Pêra)
ANDA LUZIA (João de Barro)
TA-HI (Joubert de Carvalho)
NÃO ME DIGA DEUS (Paquito/L. Soberano/J. C. Silva)
MÁSCARA NA FACE (Clecius Caldas/Armando Cavalcanti)
MORA NA FILOSOFIA (Monsueto)
Texto [Soneto de Fidelidade]
(Vinícius de Moraes)
COMO DIZIA O POETA (Toquinho/Vinicius de Moraes)
ANDA LUZIA (João de Barro)
ROSA DOS VENTOS (Chico Buarque)
MARIA BETHÂNIA (Capiba)
Texto (Fernando Pessoa)
JANELAS ABERTAS n° 2 (Caetano Veloso)
Texto (Clarice Lispector)
NÃO IDENTIFICADO (Caetano Veloso)
DEZ BILHÔES DE NEURÔNIOS (Paulinho Nogueira/Zequinha Nogueira)
A TUA PRESENÇA MORENA (Caetano Veloso)
A FLOR DA NOITE (Toquinho/Vinícius de Moraes)
O TEMPO E O RIO (Edu Lobo/Capinam)
A SONHAR EU VENCI MUNDOS
"A SONHAR VENCI MUNDOS /
DESCONHECIDO" (Fauzi Arap)
Texto n° 4 (Clarice Lispector)
MOVIMENTO DOS BARCOS (Jards Macalé/Capinam)
Texto n° 5 (Moreno)
Bis
MOLAMBO (Jayme Florence/Augusto Mesquita)
ÚLTIMO DESEJO (Noel Rosa)
PONTO DE OXUM (Toquinho/Vinícius de Moraes)
PONTO DE OXUM (Toquinho/Vinícius de Moraes)
Sexta-feira, 19/5/1972 - Folha de S.Paulo |
Foto: Marisa Alvarez Lima |
Foto: Yassuo Kinjo |
Capa do disco [Setembro de 1971, Philips 6349 015, CBD, Phonogram]
Foto da capa: Norma Pereira Rego
1971
Revista inTerValo
Ano
IX – n° 448
Capa:
Roberto Carlos e Nice
Foto
de “Realidade”
Editora
Abril
Pág.
18
1971
Revista inTerValo
Ano
IX – n° 451
Capa:
Roberto Carlos
Foto
de Paulo Salomão
Editora
Abril
Pág.
16 e 17
Na plateia: Caetano, Marisa Alvarez Lima, Wilma Dias, Waly Salomão, Gal Costa, Paulinho Lima |
Foto: Vidal |
Foto: Vidal |
Foto: Vidal |
O GLOBO
10/9/1971
1971
Revista inTerValo
Ano
IX – n° 453
Capa:
Eva Wilma
Foto
de J. Ferreira da Silva
Editora
Abril
ROCHA,
Hildon. Os Polêmicos. 1ª edição. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1971.
291p.
Críticas
e ensaios sobre 27 autores de Shakespeare a Drummond de Bocage a Garcia Lorca
|
Correio da Manhã - Foto: Gilmar Santos |
Correio da Manhã - Foto: Gilmar Santos |
José Carlos Capinam e Maria Bethânia 24/8/1971 - Correio da Manhã - Foto: Gilmar Santos |
José Carlos Capinam e Maria Bethânia 24/8/1971 - Correio da Manhã - Foto: Gilmar Santos |
1971
Revista inTerValo 2000
Ano IX – n° 461
1972
Revista inTerValo
2000
Ano
X – n° 469
Capa:
Marieta Severo
Foto
de Marisa de Lima
Editora
Abril
Pág. 11, 12 e 13
O GLOBO
Cultura
Faíscas
no palco
Maria Bethânia me telefonou,
querendo me conhecer. Conheço ou não?
POR MARCIO DEBELLIAN *
04/01/2015
RIO - Dezembro de 1967, toca o telefone na casa de
Clarice Lispector. É Bethânia. Na semana seguinte, o assunto vira crônica
publicada no “JB”: “Maria Bethânia me
telefonou, querendo me conhecer. Conheço ou não? Dizem que é delicada. Vou
resolver. Dizem que fala muito de como é. Maria Bethânia me conhece dos livros”.
O ano de 1971 não deixa dúvidas: Clarice resolveu
que sim. Passou a frequentar os ensaios do show “Rosa dos ventos”, escreveu
textos especiais para o espetáculo e entregou a Bethânia e Fauzi Arap, diretor
do show, o manuscrito de “Água viva”, que seria lançado apenas dois anos
depois. Quem foi ao show (ou posteriormente ouviu o registro em disco) se
surpreende ao final do livro. O último texto do espetáculo é uma adaptação dos
parágrafos de encerramento do romance.
Foi também em “Rosa dos ventos” que Bethânia passou
a incluir poemas de Fernando Pessoa em seus shows. Tomou a liberdade de cortar
versos e reorganizar o poema VIII de “O Guardador de Rebanhos” — que acabou
ficando famoso como “O poema do Menino Jesus” — para chegar a uma construção
infinitamente mais doce do que o poema original. Moldou-o para tirar o fôlego
do público e encerrar o primeiro ato do espetáculo.
Ao tomar emprestadas palavras e fazer a sua colagem
particular de poesia e música, Bethânia passou a inventar a sua própria
dramaturgia para a cena e, por tabela, inundou o seu público de referências
poéticas. Levante a mão quem primeiro se apaixonou por Fernando Pessoa num show
ou disco, para depois ir buscar o livro.
“Rosa dos ventos” marca a realização plena
da linguagem que Bethânia criou para si e que se desdobraria ao longo da sua
carreira. A densidade poética, a fé e as referências ao Recôncavo Baiano estão
evidentes. No repertório, liberdade para ir de um ponto de Oxum até um tango de
Gardel.
A mística do espetáculo instaurou-se, e o público,
impactado, voltou para revê-lo inúmeras vezes. No último dia da temporada, era
grande a confusão na entrada. Bethânia botou parte do público em cima do palco
e fez o espetáculo com o teatro de portas abertas.
Tem razão quem disse que “Bethânia fala muito de como é”. É do palco que há 50 anos ela nos
conta seus mistérios e desassossegos, equilibrando em seu trapézio o canto e a
palavra falada, passeando o público pelo seu mundo encantado de sereias,
caboclos, lendas e magias.
Clarice foi assistir a “Rosa dos ventos” e saiu
exclamando: “Faíscas no palco! Faíscas no
palco!”. Voltou um segundo dia e, ao final do show, no alto de uma escada
em meio à barulheira do camarim, gritou: “Esse
show não termina nunca”. Fez-se silêncio, e ela continuou: “Já vim uma vez, hoje é a segunda, e eu sei
que vou voltar muitas vezes. Maria Bethânia, esse show não termina nunca, é um
show eterno”.
* Marcio Debellian é diretor do filme “(O vento lá
fora)” (2014) e autor do argumento e roteirista do documentário “Palavra
(en)cantada” (2008)
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