"... E tanto faz se o bardo judeu
Romântico de Minnesota ..."
Romântico de Minnesota ..."
Jornal da Paraíba
Blog Sílvio Osias
13 de outubro, 2016
Caetano diz que prêmio a Dylan é atitude black-block do Nobel
Vou confessar: Caetano Veloso foi a primeira pessoa de quem lembrei quando vi a notícia de que Bob Dylan é o Nobel de Literatura. Por questões geracionais, por afinidades, pela profunda admiração do brasileiro pelo americano e pelo gigante que Caetano é como letrista de música popular.
Blog Sílvio Osias
13 de outubro, 2016
Caetano diz que prêmio a Dylan é atitude black-block do Nobel
Vou confessar: Caetano Veloso foi a primeira pessoa de quem lembrei quando vi a notícia de que Bob Dylan é o Nobel de Literatura. Por questões geracionais, por afinidades, pela profunda admiração do brasileiro pelo americano e pelo gigante que Caetano é como letrista de música popular.
Não
perdi tempo. Por email, pedi uma declaração de Caetano, que está em Nova York
fazendo shows com Teresa Cristina. Na resposta, ele disse que soube do prêmio
através do meu email e mandou a sua opinião.
Transcrevo:
Muito engraçado. É o primeiro Nobel da música popular. Brasileiros pensamos que a confusão de “high and low” só continuava entre nós, que o antigo Primeiro Mundo tinha voltado à respeitabilidade anterior a 68. Mas que nada! Não ligo muito pra prêmios. Mas ligo muito pra Dylan. O autor de “Don’t Think Twice” e “It’s All Right, Ma (I’m Only Bleeding)”. O maior anti-crooner da história – e que gravou um enigmático (para dizer o mínimo) disco de covers de Sinatra. Os anos 60 estão aqui ainda. É atitude black-block do Nobel. Quem sabe a esquerda Chiapas vai levar o mundo do Reino do Filho para o do Espírito.
Muito engraçado. É o primeiro Nobel da música popular. Brasileiros pensamos que a confusão de “high and low” só continuava entre nós, que o antigo Primeiro Mundo tinha voltado à respeitabilidade anterior a 68. Mas que nada! Não ligo muito pra prêmios. Mas ligo muito pra Dylan. O autor de “Don’t Think Twice” e “It’s All Right, Ma (I’m Only Bleeding)”. O maior anti-crooner da história – e que gravou um enigmático (para dizer o mínimo) disco de covers de Sinatra. Os anos 60 estão aqui ainda. É atitude black-block do Nobel. Quem sabe a esquerda Chiapas vai levar o mundo do Reino do Filho para o do Espírito.
Um prêmio para a canção
Dez
pitacos sobre o Nobel para Bob Dylan
Luis Augusto Fischer discute o que representa o
prêmio máximo da literatura ter sido entregue a um artista amplamente conhecido
por suas canções.
Por: Luis Augusto Fischer
14/10/2016
Neste ano, o premiado com o Nobel não apenas é um nome pronunciável, como também é muito conhecido e, surpresa, assobiável. Bob Dylan, aquele mesmo, que Eduardo Suplicy canta à toa, que o Caetano Veloso traduziu e o Vitor Ramil aclimatou numa história em Pelotas: este é o homenageado! Muita coisa se enrosca aí; vale a pena ir por partes.
1. Prêmio é
prêmio: tem bastidores
impublicáveis, pressões, canelada, tudo isso. Não é a voz de um deus, mas a
visão de uma instituição, contingente como tudo que é humano. Borges, consta,
não ganhou porque celebrou o ditador Pinochet, assim como, antes, Samuel
Beckett foi preterido porque "sua natureza negativista vai de encontro à
natureza do prêmio", segundo palavras textuais da ata do prêmio em 1964 –
a Fundação Nobel mantém segredo sobre as deliberações por 50 anos.
2. O prêmio
não vai para um poeta ou um memorialista, mas para um cancionista. Esta palavra não é usada por preciosismo, mas por
precisão: cancionista é o sujeito que faz canção, esta forma artística que
nasce e vive equilibrando-se entre música e poesia, sem poder afastar nenhuma
de suas partes: mesmo quando a gente cita apenas o texto de uma canção, lá no
fundo da nossa percepção, da memória, do corpo, está alguma coisa
musical, sua melodia, sua levada, o arranjo, o timbre da voz do
cantor.
3. Canção é
literatura? Tenho certeza
de que é uma arte letrada, no sentido de que depende vivamente da letra, das
letras, sem as quais uma canção não é o que é. Um autor de teatro mereceria um
prêmio Nobel? Se a resposta é sim, então deve ser sim também para um
cancionista, este outro artista da performance.
4. Dylan é um
estadunidense, logo um
sujeito que vive à sombra magnífica de tantos outros bardos, desses que soltam
a voz nas estradas. No mínimo, Walt Whitman e parte da Geração Beat.
5. Se ele
ganhou o Nobel, então significa que qualquer canção mereceria semelhante
destaque? Não, pedro-bó.
Ninguém pensa em validar o romance porque o Paulo Coelho o pratica, certo?
Assim também não tem cabimento pensar que Dylan valida a Eguinha Pocotó ou o MC
Catra, exemplos de arte de puro entretenimento, sem qualquer aspiração acima
desse horizonte.
6. Outra
notícia que o Dylan nobelizado nos dá é sobre a historicidade dos gêneros
artísticos. Quando o
primeiro cara fez a primeira fotografia, não estava em jogo fazer arte. Era
técnica servil, sem transcendência. Mas bastou que artistas a manejassem. Assim
ocorreu com os gêneros que agora são considerados elevados, como o romance. Ele
nasceu em berço bagaceiro, o jornal cotidiano, entre uma notícia de um
assassinato e o preço das bananas ou o registro da chegada do navio de carga.
Só bem depois ele ganhou elegância. Historinha real: o grande romancista
escocês Walter Scott, autor do Ivanhoé, nem assinava seus romances, de tão
vulgares que eram. Eram.
7. Bem assim
aconteceu com a canção.
Nascida como função direta da fala, da entoação, para cantar a primavera que
chegava ou a moça que passava, pra maldizer o vizinho ou saudar o amigo, ela
alcançou alturas inimaginadas para a bastardia e a imediatez de sua origem.
Houve vários aportes letrados: árias de ópera cantadas por todo mundo, alguns
"lieder", composições eruditas feitas sobre poemas.
8. Por outro motivo ainda o Nobel para o bardo Dylan ecoa fundo e longe: é que nas Américas, seja a rica e letrada do Norte ou
as pobres e iletradas Central e do Sul, ocorreu a pororoca única entre música
europeia e música de afrodescendentes. Com mais acento aqui ou ali, com ou sem
outros elementos culturais na mistura – Dylan bebeu da água da canção de
esquerda dos anos 1930 e 40, com Woody Guthrie e Leadbelly, equiparáveis a
alguns sambistas e caipiras "de protesto" da mesma época no Brasil –,
foi nas Américas que a mestiçagem deu frutos: o soul, o blues, o tango, o
samba, a milonga.
9. Tese
acessória: o Nobel do Dylan
vai também para sua geração. Paul McCartney e o falecido John Lennon, Joan Baez
e Rita Lee, Caetano e Gil, Chico Buarque e Paulinho da Viola, ponha aí outros
tantos nomes, Neil Young e James Taylor, sei eu lá: os nascidos entre 1940 e
1950, que estudaram ou podiam ter estudado o que quisessem, que chegaram à vida
adulta nos 60, quando o rádio passava a bola para a televisão, e que herdaram
um jeito de dizer as coisas que vinha de um bom tempo, mas especialmente vinha
da geração anterior, da Era de Ouro do rádio. A geração de Dylan inseminou esse
legado com sua formação letrada num contexto de explosão da autoconsciência
jovem, pela primeira vez um setor social nítido.
10. Dói na
alma de alguns o fato de que a canção viva no lamaçal do mercado (Mário de Andrade nunca aceitou o samba como grande
arte por isso) e, oh, horror, ainda faça sucesso. A alguns parece que a
condição da boa arte é a incomunicação e o fracasso. A canção, até mesmo a
melhor canção, encontra seu público.
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