sábado, 22 de octubre de 2016

1996 - mil e UMA



Filme: Mil e UMA
Produção: Brasil, 1994
Direção: Suzana Moraes
Com: Giovanna Gold, Alexandre Borges




FOLHA DE S.PAULO

20/5/1996
Com Caetano Veloso de convidado de luxe, Conceição Lopes pilota hoje no Terraço Itália o lançamento da trilha sonora do filme “Mil e Uma”, de Susana Moraes.


22/5/1996
Gravadora Independente Natasha Records cria coleção para lançar trilhas sonoras de filmes brasileiros.


Paula Lavigne, sócia da Natasha, anteontem à noite
Foto: 
Marlene Bergamo/Folhapress






 
 







 
1996
Álbum “mil e UMA”
Trilha Sonora Original do Filme
Natasha CD NAT-047-2




Péricles Cavalcanti

1. ABERTURA – Fantasia Monkiana (Péricles Cavalcanti)
2. MAIS UM BOLERO (Péricles Cavalcanti) Péricles Cavalcanti / Adriana Calcanhotto
3. POEMA CAUDA (Péricles Cavalcanti)
4. MIL E UMA DANÇA (Péricles Cavalcanti)
5. DE SOL A SOL (Péricles Cavalcanti/Augusto de Campos)
6. MAIS UM BOLERO (Versão Instrumental Nº 1) (Péricles Cavalcanti)
7. TEMA DE ANTÔNIO (Péricles Cavalcanti) Péricles Cavalcanti / Arnaldo Antunes
8. DISCO SÍNTESE (Péricles Cavalcanti)
9. LONGE E PERTO (Péricles Cavalcanti/Augusto de Campos)
10. MAIS UM BOLERO (Versão Instrumental Nº 2) (Péricles Cavalcanti)
11. ANTÔNIO DUCHAMPS (Péricles Cavalcanti)
12. TEMA DE ALICE (Péricles Cavalcanti) Péricles Cavalcanti / Adriana Calcanhotto
13. FINALE – Fantasia Monkiana (Péricles Cavalcanti)
14. ÊXTASES (Cid Campos/Péricles Cavalcanti/Augusto de Campos)
15. PERFIL (Péricles Cavalcanti/Arnaldo Antunes/Nando Reis) Péricles Cavalcanti / Arnaldo Antunes








 

São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 1996

Show lança hoje filme 'Mil e Uma'

Longa de Susana Moraes estréia na sexta



DA REDAÇÃO

Um show com Péricles Cavalcanti, Arrigo Barnabé, Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhoto lança hoje, em São Paulo, o filme "Mil e Uma", de Susana Moraes.
 

No evento, que acontece às 21h, no Terraço Itália (av. Ipiranga, 344, 41º andar), será lançada também a trilha sonora do filme, composta por Cavalcanti. O lançamento é do Cine Natasha, selo da Natasha Records especializado em trilhas de cinema.
 

O evento é fechado ao público -é necessária a apresentação de convite.
Adriana Calcanhoto canta duas canções na trilha. Arrigo Barnabé divide os vocais com Cavalcanti em uma faixa, e Arnaldo Antunes participa de outras duas.
 

Primeiro longa
"Mil e Uma" é o primeiro longa-metragem da cineasta Susana Moraes, 55, filha do poeta Vinicius de Moraes.
 

Antes, ela dirigiu os curtas "Carlos Leão" (74), "Museu Paulista" (75) e "Vinicius de Moraes, um Rapaz de Família" (80). Trabalhou também como atriz, no início dos anos 70, em filmes do Cinema Marginal de Júlio Bressane, Antônio Calmon e Miguel Faria Jr.
 

História
O filme conta a história de Alice (Giovanna Gold), uma jovem cineasta que se envolve com tráfico de drogas ao tentar fazer um filme sobre uma viagem imaginária do artista plástico francês Marcel Duchamp ao Brasil.
 

No elenco, além de Gold, estão Alexandre Borges, José Rubens Chachá, Hamilton Vaz Pereira e Cristiana Guinle.
 

Há pequenas participações de José Lewgoy, Walmor Chagas, José Mayer, Sérgio Mamberti e Cecil Thiré. A fotografia é de Affonso Beato.
 

"Mil e Uma" está pronto há dois anos. Ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Gramado em 1994 e o prêmio de melhor roteiro no festival de Brasília do mesmo ano.  






São Paulo, quinta-feira, 1 de agosto de 1996


Trilha sonora de "Mil e Uma" consegue sobreviver por si só



ANTONIO CICERO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Outro dia li no jornal alguém afirmar que se cinema fosse uma grande arte não precisaria de um fundo musical para emocionar.
 

O raciocínio que assim se insinua é que o cinema não é grande arte porque em estado puro -isto é, sem música- não tem capacidade de emocionar e, quando tem essa capacidade, deve-as às muletas da música.

Mas, sem sequer discutir os pressupostos embutidos aí, observemos que o cinema está se lixando para a "arte pura" ou a "grande arte". São esses conceitos, e não ele, que se encontram em crise.
Com efeito, não é a pureza da arte mas a arte da mistura que caracteriza o bom cinema. O diretor consumado é o que consegue obter os melhores resultados das parcerias que administra, integrando-as perfeitamente na realização de um projeto singular.
 

A trilha sonora constitui um desses ingredientes. O que a distingue de outros componentes do filme é que, muitas vezes, como no caso que examinamos, ela é capaz de sobreviver por si só, independentemente do filme que a ocasionou.
Parceria bem-sucedida
É sob o signo de uma parceria extremamente bem-sucedida entre a diretora Suzana Morais e o compositor Péricles Cavalcanti que se deflagrou a trilha sonora do filme "Mil e Uma".
Este baila por um sofisticado universo cultural que passa por artistas plásticos como Marcel Duchamp e escritores como Lewis Carroll (presente na trilha sonora por meio da maravilhosa tradução que Augusto de Campos fez do poema "Cauda", musicada por Péricles Cavalcanti e instigantemente interpretada por Arrigo Barnabé) e Gertrude Stein.
 

Diversas obras desses artistas fazem parte do repertório das unidades semânticas com que se articula o discurso a um tempo visual, verbal e musical do filme.
Mas isso é organicamente incorporado na trama vital de "Mil e Uma" de tal modo que ele -luz balão- jamais exala sequer o mais leve cheiro de museu.
Na linhagem dos artistas exemplificados, Suzana fez um filme que exerce um efeito liberador, abrindo campos e espaços por meio do humor, da exploração de jogos de palavras e de referências visuais, bem como da proposição de claros e lúdicos enigmas.
Atributos luminosos
 

São exatamente esses os atributos luminosos que sempre distinguiram o trabalho arejado, límpido, cool e swingado de Péricles e que lhe ensejaram uma parceria tão frutuosa com Suzana.
Já a primeira faixa do CD, "Fantasia Monkiana", que, com função análoga à de uma abertura wagneriana, introduz não só os temas, ou Leitmotive, da trilha -mas também adianta um repertório dos moods que serão por ela desenvolvidos -, é absolutamente irresistível.
 

É o Thelonius Monk misterioso e brilhantemente noturno de "Round About Midnight" que se acha aqui mais imediatamente citado. Alguns toques de humor nos lembram ademais que a referência a Monk não poderia ser mais apropriada, pois o humor, o estilo dinâmico do piano e a aparente simplicidade -à primeira audição- das composições na realidade complexas, sutis e inovadoras do co-fundador do be-bop e do cool jazz o incorporam automaticamente ao rol dos artistas já citados, isto é, Stein, Carroll e Duchamp.
 

"Qual é a resposta?/Me diga, então/Qual é a pergunta?", diz um trecho da letra do "Tema de Alice", de Péricles, lindamente cantada por Adriana Calcanhoto.
Tratam-se das últimas palavras de Gertrude Stein. Uma resposta que é -apropriadamente- um eco dessa pergunta se encontra noutra canção de Péricles: o "Tema de Antônio", cuja letra se baseia na divisa de Duchamp, adotada por Suzana: "Não tem solução porque não tem problema".
 

A música explora possibilidades rítmicas e sugestões melódicas dessa frase, repetida como mantra por Arnaldo Antunes. Não há como não lembrar aqui a proposição 6.521 do "Tractatus" de Wittgenstein, segundo a qual "a solução do problema da vida observa-se no desaparecimento desse problema. (Não é essa a razão pela qual as pessoas para as quais o sentido da vida se tornou claro 
após dúvidas não conseguem dizer em que consiste esse sentido?)".
 

E não esqueçamos que, no País das Maravilhas, Alice achava que deve haver coisa melhor a fazer com o tempo do que perdê-lo com enigmas sem respostas.
Em determinado momento, Péricles canta um trecho da canção de Dorival Caymmi: "Não tem solução esse nosso amor..." "Não tem solução porque não tem problema", repete Arnaldo.
 

A brincadeira sugere ironicamente a possibilidade da dissolução dos problemas amorosos, tomados como pseudoproblemas cultivados pela subjetivização romântica do amor. "A própria vida que estamos vivendo", dizia, no mesmo estado de espírito, John Cage, "é maravilhosa quando, livres de nossas mentes e de nossos desejos, a deixamos agir por conta própria".
 

Esteticamente, essa atitude Duchamp-Wittgen-Stein-Carroll-Cageana se traduz pela conferição de privilégio às superfícies das coisas, ou, poderíamos dizer, pelo parti pris des choses, em detrimento das profundidades subjetivas. É assim que a letra da versão cantada de "Mais um Bolero" não compartilha com os boleros comuns a retórica da profundidade do amor ou a agorafobia que desconfia do mundo exterior ao romance.
 

As luzes de erotismo não focalizam um único ponto do mundo, deixando tudo o mais em uma penumbra gelada. Ao contrário, tomando o amor como "um claro querer viajar", ela expande geograficamente o próprio ser amado e erotiza o mundo inteiro.
 

Semelhante atitude estética se encontra presente nas jóias que são os poemas de Augusto de Campos, magistralmente musicados por Péricles: em "De Sol a Sol", em "Longe e Perto" e sobretudo em "Êxtases" que, como o próprio nome prenuncia, manifesta a experiência mística da anulação da oposição convencional entre subjetividade e objetividade, egoidade e alteridade.
 

Mas, ao falar de Augusto, sem dúvida um dos maiores e mais influentes poetas vivos hoje, não podemos deixar de admirar o fato de que, assim como foi mobilizado por Suzana Morais para o filme dela, Péricles foi capaz de mobilizar para sua trilha sonora, além da poesia de Augusto de Campos, o canto de Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes e Arrigo Barnabé, bem como o talento de Cid Campos, entre outros, em vários instrumentos e toques.
 

Falo de apenas um dos aspectos da trilha de "Mil e Uma" porque seria temerário tentar falar dos outros mil. 


  


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