Jornal ex-13 - Agosto/1975 |
1975
Livro de Cabeceira
do Homem
Volume
1
Publicação
Bimestral da Editora Civilização Brasileira
Três cantos
inéditos de Caetano Veloso
Páginas
76 e 77
PIPOCA MODERNA
TUDO TUDO TUDO
GUÁ
Os 3 cantos inéditos
Caetano Veloso -
1975
Pipoca Moderna
E era nada de nem noite de negro não
e era nê de nunca mais
e era noite de nê nunca de nada mais
e era nem de negro não
porém parece que a golpes de pê
de pé de pão
de parecer poder
(e era não de nada nem)
pipoca ali aqui
pipoca além
desanoitece a manhã
tudo mudou
Tudo tudo tudo
Tudo comer
Tudo dormir
Tudo no fundo do mar
Gua
Água
Guamá
Iguape
Ibu-alama
Sobre Pipoca Moderna
Em 67 Gil passou um tempo no Recife. De lá ele trouxe o pique
para o tropicalismo. E, principalmente uma fita cassete com o som da banda de
pífaros de Caruaru. Desde então, a pipoca moderna ficou em nossa cabeça, alguma
coisa transando entre ou neurônios, umas joiazinhas de iluminação. De lá até
aqui não perdi a esperança. Esses anos. Eu quero cantar palavras cantáveis,
encontrar palavras cantáveis eu amo a arte de João Gilberto. Em 72, Gil colocou
uma gravação da pipoca moderna na primeira faixa do lp que ele fez naquele ano.
Nós não perdemos nunca a esperança. Eu venho tentando me abandonar às palavras
cantáveis, ocultas aqui ali, desvelar algumas, desvelar-me para elas. Venho
sonhando com um canto que seja o som como a visão do visionário. Qual é a da
música, afinal? Essas palavras por causa da pipoca dos pífaros merecem meu
amor. Não são a realização do meu sonho, mas a prova de que é um bom sonho,
esse. Eu estava na varanda de casa na Bahia e Marquinhos Rebucetê mostrou no
céu aquela luz que surgiu e cresceu e me meteu medo muito medo e Dedé ficou
toda inteira e Márcia ficou tão feliz e tem uma hora que eu agradeço a Deus
porque depois vieram as palavras desse canto em mim e talvez seja esse o modo
pelo qual meu medo se redime e eu não me perco. Depois de cantar a pipoca
moderna eu fiquei inteiro como Dedé e feliz como Márcia e fui o primeiro a ver
como Marquinhos Rebucetê. Fui o primeiro a ver essa pergunta luminosa inscrita
no céu da boca de quem cante e outro dia Jorge Salomão falou alguma coisa como
o "jeca total". Sou feliz na pipoca desse canto e isso é muito firme.
Estou inteiro quando há esse canto da pipoca moderna. Eis.
Sobre Tudo tudo tudo
Devia ser escrito assim: mmmmmmmmmm
mmmmmmmmmm
mmmmmmmmar, como foi cantado pra ninar Moreno. De algum modo
deviam ir surgindo embriões de sílabas até o que finalmente é o texto ganhar
forma. Mas não foi escrito nem assim nem assado. Está sendo agora copiado pra
que se também leia. São bonitas essas músicas onde não há composição contando o
que de fato se passou. Só Moreno conhece. O número de repetições é até ele
dormir ou ficar de saco cheio de tentar e desistir. O acalanto é uma forma de
música muito útil.
Sobre Gua
A pessoa que sabe me disse que o meu orixá é ibu-alama. A
pessoa que sabe é muito bonita. Essa sílaba ‘gua’ surgiu tantas vezes seguidas
e de tal medo se comportou como núcleo desse átomo que eu pensei que ela erra o
jeito de se expressar o que eu não sei explicar da relação mítica entre
ibu-alama e a água, as águas. Os lugares que eu amo - guamá-belém,
iguape-pedrinho-baía de todos os santos, recôncavo de santo amaro, - são
elementos qualquer coisa íntimos, desses que só eu sei e tudo é ritmo, tudo é
inútil e não deveriamos temer coisa alguma
[in Alegria, Alegria Rio de Janeiro: Editora Pedra Q
Ronca, 1977]
No hay comentarios:
Publicar un comentario