“a autoajuda em nada ajuda nas situações que talvez sejam as mais
críticas e decisivas da vida do sujeito. [...] Em face dessas situações, o
pensamento positivo não é apenas ineficaz, mas nocivo: ele impedirá, com seus
mantras de otimismo escapista, que o sujeito possa ativar os mecanismos
dialéticos da existência, capazes de fazer com que, aprofundando-se, uma coisa
reverta-se em seu oposto”.
[Francisco Bosco, “A força do pensamento negativo”]
Francisco Bosco compara
seus ensaios, reunidos em livro, ao futebol de salão
Escritor lança ‘Alta ajuda’ com textos publicados
em O GLOBO e em outros veículos
Livro reúne
textos produzidos para O GLOBO e outros veículos, com temas como o Facebook e o
sumiço de Belchior - Leonardo Aversa / Agência O Globo
por Leonardo Lichote
25/09/2012 7:0
RIO
- Dentro das quatro linhas da coluna que assina às quartas-feiras no GLOBO,
Francisco Bosco gosta de se definir como um jogador de futebol de salão. Seus
ensaios — e não crônicas, como faz questão de ressaltar (“Sempre que alguém me
diz que adorou minha crônica, isso me soa mal como um acorde com uma nota
desafinada”) — seriam as partidas. As reflexões, dribles curtos que avançam
sobre o tema — que podem ir do uso do Facebook ao temor de morte num acidente
aéreo — com o intuito de descortiná-lo.
Uma
boa maneira, portanto, de ver “Alta ajuda” — livro que ele lança nesta quarta,
na Livraria da Travessa de Ipanema, às 19h, marcando a estreia da editora Foz —
seria como um videotape reunindo suas melhores jogadas, ou seja, 35 textos
produzidos nos últimos sete anos, selecionados dentre os publicados neste
jornal (quase todos) e em veículos como as revistas “Trip” e “Cult”.
— O
gênero ensaístico é o gênero do futebol de salão, assim como o tratadístico é o
do futebol de campo — afirma Bosco, que reescreveu os textos especialmente para
o livro. — O futebol de salão combina o drible no espaço pequeno, o contato
íntimo com a bola, com uma alta organização tática.
Como
em qualquer montagem audiovisual, as jogadas isoladas ganham novos sentidos
quando reunidas. No caso, um sentido expresso claramente no título. “Alta
ajuda”, definição de José Miguel Wisnik sobre o trabalho de Bosco, é a ideia
que atravessa os textos. Ou seja, iluminar, a partir de temas extraídos do
comum (no sentido de serem aparentemente simples e compartilhados por todos),
certos aspectos da vida de forma a torná-la melhor. Uma construção que se opõe
ao conceito de autoajuda.
— Há
um texto no livro (“A força do pensamento negativo”) que expõe a
diferença fundamental entre a autoajuda e o que chamo de alta ajuda. A
autoajuda se baseia no princípio do pensamento positivo, ou seja, que o simples
ato de recitar mantras escapistas vai fazer o universo reunir forças para atuar
em seu favor. E nos momentos em que as pessoas mais precisam de ajuda, nas crises
estruturais, as coisas não se resolvem a não ser com o aprofundamento da
compreensão das estruturas infelizes.
É
essa a ajuda que — com fintas que buscam unir plasticidade e objetividade, como
no salão — Bosco se propõe a oferecer em seu livro. Uma ajuda que opera, ele
explica, na mesma frequência da psicanálise, da filosofia, da literatura. A
essas três esferas do “alto pensamento”, porém, ele procura adicionar temas e
perspectivas tidos como representativos do “baixo pensamento”: a cultura pop, a
alegria, a superficialidade, o corpo. Mais que aceitá-los, ele parte desses
assuntos para chegar ao que parece ser sua meta, seu gol: a morte, as relações
humanas, o prazer, o tempo.
Os
exemplos estão em todos os textos. O sumiço do cantor Belchior (“Big Brother
Belchior”) e o tom condenatório da reportagem do “Fantástico” sobre o assunto
servem de mote para que Bosco fale sobre os limites da privacidade e a recusa
da sociedade em aceitar quem realiza o desejo (comum a todos) de abandonar tudo
e reinventar-se. Os mecanismos da inveja são avaliados em “Não há sol há sós”.
“Ego spam” trata dos códigos de relacionamento pessoal contemporâneos a partir
dos abusos de autopromoção de usuários do Facebook. O hábito cai-cai do jogador
brasileiro é pensado sob a luz da nossa relação com as leis.
— O
ensaísmo nega o tempo, quer detectar o que é duradouro nos fenômenos que se dão
no tempo. Já a crônica está no tempo — diz Bosco, explicando porque recusa ter
seus textos classificados como crônicas. — Minha preocupação maior é levar
duração ao efêmero.
‘Há
densidade no banal’
A
chave da ajuda que Bosco anuncia no título de seu livro, portanto, está no ato
de oferecer uma compreensão do mundo.
— As
coisas estão dadas, mas não a experiência do mundo, que se dá apenas quando as
coisas têm sentido. Busco revelar esse sentido, erotizar as coisas, porque
quando elas são percebidas na espessura dos sentidos, o mundo fica mais
interessante. Há densidade no banal.
O
desejo de construir alto pensamento a partir do banal acompanha Bosco desde
“Banalogias” (2007). Lá, ele já procurava aproximar seus interesses acadêmico e
“mundanos” — como o futebol, a dança, Michael Jackson, o vale-tudo.
—Não
vejo razão para se perpetuar a separação que está na origem da filosofia, entre
corpo e alma, físico e intelectual, alto e baixo. Quero pôr os dois sistemas em
contato. Por que não futebol e filosofia, artes marciais e psicanálise? Até
porque esse encontro é algo caro à vida brasileira. Diria até que nosso
pensamento teórico mais forte hoje vem daí: Wisnik, Antonio Cicero, Caetano,
Antonio Risério...
O
título “Alta ajuda”, que pode ser tomado como arrogante, é relativizado por
Bosco:
—
Ele tem que ser colocado em seu contexto. São textos curtos, o que não é a
regra do alto pensamento. E que foram veiculados por jornais e revistas, que
também não gozam de grande prestígio, assim como os temas de que trato. Há um
elemento irônico aí.
Um
drible, enfim.
O ensaísta brasileiro Francisco Bosco, lança este domingo
(2/6/2013) na Feira
do Livro de Lisboa o livro que reúne as suas crónicas no jornal O Globo e nas revistas Trip e Cult. Alta Ajuda que acaba de ser publicado pela Tinta da China. Ricardo Araújo Pereira apresenta.
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