miércoles, 22 de marzo de 2017

2012 - ALTA AJUDA - Francisco Bosco






“a autoajuda em nada ajuda nas situações que talvez sejam as mais críticas e decisivas da vida do sujeito. [...] Em face dessas situações, o pensamento positivo não é apenas ineficaz, mas nocivo: ele impedirá, com seus mantras de otimismo escapista, que o sujeito possa ativar os mecanismos dialéticos da existência, capazes de fazer com que, aprofundando-se, uma coisa reverta-se em seu oposto”.
[Francisco Bosco, “A força do pensamento negativo”]


Francisco Bosco compara seus ensaios, reunidos em livro, ao futebol de salão
Escritor lança ‘Alta ajuda’ com textos publicados em O GLOBO e em outros veículos

Livro reúne textos produzidos para O GLOBO e outros veículos, com temas como o Facebook e o sumiço de Belchior - Leonardo Aversa / Agência O Globo

por Leonardo Lichote
25/09/2012 7:0

RIO - Dentro das quatro linhas da coluna que assina às quartas-feiras no GLOBO, Francisco Bosco gosta de se definir como um jogador de futebol de salão. Seus ensaios — e não crônicas, como faz questão de ressaltar (“Sempre que alguém me diz que adorou minha crônica, isso me soa mal como um acorde com uma nota desafinada”) — seriam as partidas. As reflexões, dribles curtos que avançam sobre o tema — que podem ir do uso do Facebook ao temor de morte num acidente aéreo — com o intuito de descortiná-lo.

Uma boa maneira, portanto, de ver “Alta ajuda” — livro que ele lança nesta quarta, na Livraria da Travessa de Ipanema, às 19h, marcando a estreia da editora Foz — seria como um videotape reunindo suas melhores jogadas, ou seja, 35 textos produzidos nos últimos sete anos, selecionados dentre os publicados neste jornal (quase todos) e em veículos como as revistas “Trip” e “Cult”.

— O gênero ensaístico é o gênero do futebol de salão, assim como o tratadístico é o do futebol de campo — afirma Bosco, que reescreveu os textos especialmente para o livro. — O futebol de salão combina o drible no espaço pequeno, o contato íntimo com a bola, com uma alta organização tática.
Como em qualquer montagem audiovisual, as jogadas isoladas ganham novos sentidos quando reunidas. No caso, um sentido expresso claramente no título. “Alta ajuda”, definição de José Miguel Wisnik sobre o trabalho de Bosco, é a ideia que atravessa os textos. Ou seja, iluminar, a partir de temas extraídos do comum (no sentido de serem aparentemente simples e compartilhados por todos), certos aspectos da vida de forma a torná-la melhor. Uma construção que se opõe ao conceito de autoajuda.

— Há um texto no livro (“A força do pensamento negativo”) que expõe a diferença fundamental entre a autoajuda e o que chamo de alta ajuda. A autoajuda se baseia no princípio do pensamento positivo, ou seja, que o simples ato de recitar mantras escapistas vai fazer o universo reunir forças para atuar em seu favor. E nos momentos em que as pessoas mais precisam de ajuda, nas crises estruturais, as coisas não se resolvem a não ser com o aprofundamento da compreensão das estruturas infelizes.
É essa a ajuda que — com fintas que buscam unir plasticidade e objetividade, como no salão — Bosco se propõe a oferecer em seu livro. Uma ajuda que opera, ele explica, na mesma frequência da psicanálise, da filosofia, da literatura. A essas três esferas do “alto pensamento”, porém, ele procura adicionar temas e perspectivas tidos como representativos do “baixo pensamento”: a cultura pop, a alegria, a superficialidade, o corpo. Mais que aceitá-los, ele parte desses assuntos para chegar ao que parece ser sua meta, seu gol: a morte, as relações humanas, o prazer, o tempo.
Os exemplos estão em todos os textos. O sumiço do cantor Belchior (“Big Brother Belchior”) e o tom condenatório da reportagem do “Fantástico” sobre o assunto servem de mote para que Bosco fale sobre os limites da privacidade e a recusa da sociedade em aceitar quem realiza o desejo (comum a todos) de abandonar tudo e reinventar-se. Os mecanismos da inveja são avaliados em “Não há sol há sós”. “Ego spam” trata dos códigos de relacionamento pessoal contemporâneos a partir dos abusos de autopromoção de usuários do Facebook. O hábito cai-cai do jogador brasileiro é pensado sob a luz da nossa relação com as leis.

— O ensaísmo nega o tempo, quer detectar o que é duradouro nos fenômenos que se dão no tempo. Já a crônica está no tempo — diz Bosco, explicando porque recusa ter seus textos classificados como crônicas. — Minha preocupação maior é levar duração ao efêmero.

‘Há densidade no banal’
A chave da ajuda que Bosco anuncia no título de seu livro, portanto, está no ato de oferecer uma compreensão do mundo.

— As coisas estão dadas, mas não a experiência do mundo, que se dá apenas quando as coisas têm sentido. Busco revelar esse sentido, erotizar as coisas, porque quando elas são percebidas na espessura dos sentidos, o mundo fica mais interessante. Há densidade no banal.

O desejo de construir alto pensamento a partir do banal acompanha Bosco desde “Banalogias” (2007). Lá, ele já procurava aproximar seus interesses acadêmico e “mundanos” — como o futebol, a dança, Michael Jackson, o vale-tudo.

—Não vejo razão para se perpetuar a separação que está na origem da filosofia, entre corpo e alma, físico e intelectual, alto e baixo. Quero pôr os dois sistemas em contato. Por que não futebol e filosofia, artes marciais e psicanálise? Até porque esse encontro é algo caro à vida brasileira. Diria até que nosso pensamento teórico mais forte hoje vem daí: Wisnik, Antonio Cicero, Caetano, Antonio Risério...
O título “Alta ajuda”, que pode ser tomado como arrogante, é relativizado por Bosco:

— Ele tem que ser colocado em seu contexto. São textos curtos, o que não é a regra do alto pensamento. E que foram veiculados por jornais e revistas, que também não gozam de grande prestígio, assim como os temas de que trato. Há um elemento irônico aí.

Um drible, enfim.
  


 
26/9/2012
 






 
O ensaísta brasileiro Francisco Bosco, lança este domingo (2/6/2013) na Feira do Livro de Lisboa o livro que reúne as suas crónicas no jornal O Globo e nas revistas Trip e Cult. Alta Ajuda que acaba de ser publicado pela Tinta da China. Ricardo Araújo Pereira apresenta.



 

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