“Eu sou apenas um velho baiano, mas moro no Rio há muitos anos. E acho que uma cidade como Rio de Janeiro, receber a proibição do uso de máscaras é uma violência simbólica... |
... Então, eu penso o seguinte: no dia 7 de setembro, poderíamos todos sair mascarados. Esta é uma resposta à violência sem precisar de violência. Pode ser muito bonito” |
[“...os ninjas me pediram para
gravar uma fala sobre a proibição do uso de máscaras...”]
6 set 2013
Cantor e compositor visita equipe do coletivo de jornalismo Mídia Ninja
para discutir protestos na capital fluminense
O
cantor e compositor Caetano Veloso visitou na noite de quinta-feira a sede do
coletivo de jornalismo Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e
Ação), no Rio de Janeiro, e divulgou seu apoio ao uso de máscaras em protestos no Estado. Caetano
posou para uma foto com o rosto coberto por uma camiseta, de forma semelhante
aos membros do grupo Black Bloc.
"Caetano Veloso está agora na sede do NINJA no RJ conversando com
nossa equipe sobre manifestações, redes e ruas! Uma honra recebê-lo!", diz o primeiro post. O Mídia Ninja ficou conhecido
nacionalmente por fotografar, filmar e transmitir pela internet, em tempo real,
as manifestações ocorridas nas ruas do país nos últimos meses.
Caetano
Veloso havia abordado o tema no Jornal O Globo
O
GLOBO
Coluna
Caetano Veloso
O colunista escreve aos
domingos
01/09/2013 7:30
Canto
de fonte
Os
olhos de Emma são lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito
harmônicos com o pedaço do rosto cuja pele está de fora
A
moça do Black Bloc que aparece num vídeo da Mídia Ninja e na capa de “Veja”,
que diz chamar-se Emma, é deslumbrantemente bonita com a máscara que só deixa à
mostra os olhos. Isso não quer dizer que ela tenha apenas os olhos bonitos (o
que muitas vezes é confundido com ter os olhos claros). Os olhos de Emma são
lindos, de uma cor verde-cinza e com forma e tamanho muito harmônicos com o
pedaço do rosto cuja pele está de fora. Muito harmônico também com as
sobrancelhas, cujo arco está corrigido por depilação e talvez reforçado por
leve pintura. Onde parece haver pintura (e, se for o caso, de cor e linhas
muitíssimo bem escolhidas) é nas pálpebras. Falando para a câmera da Ninja, a
borda das pálpebras junto às pestanas delineadas de negro, as jovens dobras do
entorno de seus olhos parecem a um tempo escurecidas e cintilantes, sempre com
insinuações douradas. Mas o que faz a gente crer tratar-se de uma bela mulher é
a relação de tudo isso com a forma do rosto que está sob a máscara negra.
A
gente tem vontade de ir ao acampamento em frente à casa de Cabral para falar
com ela, mas respeita a exigência do grupo anarquista a que ela aderiu de não
fazer de nenhum militante uma individualidade, sua vida pessoal devendo
desaparecer sob a máscara e a ideologia. Por mais bonita que ela seja, os Black
Blocs não estão aí para lançar celebridades midiáticas e figuras atraentes para
olhares curiosos. A porta da casa de Cabral não é o portão do BBB. Emma é
linda. O anarquismo é lindo. Mas eu sou um velho baiano que sonhou, aos 23,
fuçar uma trans-esquerda ou uma ultra-esquerda e, como todo esse afã de trans e
ultra estava focado em libertar a criação de canções no Brasil, terminei, na
parte estritamente social e política, encontrando os valores do liberalismo
como algo que merecia uma atenção que não vinha recebendo no ambiente em que eu
me movia. Já contei em outro lugar como sonhava em ser uma esquerda à esquerda
da esquerda e, no fim do processo, quase me tornei um liberal inglês. Tenho
muita inveja de Ferreira Gullar, que foi de esquerda, sem fantasias ou delírios
de ultra ou trans, e amadureceu para defender sem pejo muitos dos princípios liberais.
E olha que ele já tinha experimentado tudo o que pode haver de trans e ultra na
atividade poética e na crítica de arte.
Olho
demoradamente os olhos, as sobrancelhas, algo da testa, o começo do nariz e um
canto de fonte de Emma e me pergunto o que pensar. Ouço-lhe as palavras. Leio
no blog de André Forastieri uma pergunta sobre as relações entre o Fora do Eixo
e a candidatura de Marina Silva, inclusive sugerindo que o coletivo teria em
mente indicar o ministro da Cultura, caso Marina se eleja. Um dos caras que
quebraram o palácio do Itamaraty era cabo eleitoral de Marina. Esta o reprovou
e o afastou. Mas, entre a beleza de Emma, a opção pela (deveras interessante)
economia solidária, como alternativa à ideia de que só o esquema
patrão-salário-empregado é livre, e as cenas de depredação protagonizadas pelos
Black Blocs, meu coração e minha cabeça balançam: o antigo itinerário
labiríntico que passa pela ultraesquerda e se encontra com o liberalismo se
refaz em segundos. Mas, como digo na esquisita letra de “Um comunista”, “o
samba” não crê em violência e guerrilha. Se Marina conseguir fazer sua campanha
para a presidência, acho que não resistirei e votarei outra vez nela. Essa
crítica à suposta naturalidade do trabalho assalariado como única forma possível
de trabalho livre eu saquei do Mangabeira. Que não harmoniza muito com Marina.
Mas harmoniza com a ambição experimental do Fora do Eixo. Que é “acusado” de
estar perto demais de Marina.
É um
momento muito embolado no cenário brasileiro. O 7 de Setembro vem com uma
ameaça de risco de criação de instabilidade séria. Imagino como será em
Brasília. Não que a decisão de não cassar o mandato de Donadon ajude. Mesmo
assim, devemos manter a ideia de sair às ruas pela paz. Gosto do rosto de Emma,
do livro de David Graeber (o antropólogo anarquista que Zé Miguel já citou como
bom explicador das moedas alternativas do FdE), de Marina (e sua aproximação de
André Lara Resende pode desagradar a alguém como Mangabeira, mas a mim não me
desagrada: gosto de Lara Resende pelo que já fez na história do real e pelo
artigo sobre crescimento em economia), e acho a proposta de Olavo de Carvalho
de uma política (e não só uma economia) para os liberais muito presa à ideia de
que o comunismo é como o diabo incansavelmente tramando contra o bem. Há boas
intenções nos liberais e há boas intenções nos socialistas e comunistas. Embora
ninguém duvide de que boas intenções podem levar ao inferno.
Foto: Daniel Ramalho / Terra |
Edição 21 de agosto de 2013 |
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