miércoles, 4 de enero de 2017

1997 - TROPICÁLIA - A HISTÓRIA DE UMA REVOLUÇÃO MUSICAL



 
 
 
 





Jornal do Commercio - Recife, 22 de abril de 1998



LIVROS

Carlos Calado conta a história de uma revolução musical

por DÉBORA NASCIMENTO
Da Editoria de Turismo

"Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: Tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce. E o Gauss da época gravou". Quem diria que a intrigante abertura da música Tropicália nasceu de um teste de som do microfone? Enquanto o percussionista Dirceu fazia o serviço no estúdio, do outro lado o maestro Júlio Medaglia pedia para o técnico Rogério Gauss gravar. O episódio faz parte da história do movimento definitivo para a progressão da MPB, narrada com simpatia pelo jornalista Carlos Calado em Tropicália - A História de Uma Revolução Musical.


O livro faz parte da coleção Ouvido Musical promovida pela Editora 34 e coordenada pelo crítico musical Tárik de Souza. Dela já foram publicados A Divina Comédia dos Mutantes (também de Carlos Calado), Anos 70: novos e baianos e Vida do Viajante: a saga de Luiz Gonzaga.


Tropicália começa pelo fim, ou seja, na prisão de Gilberto Gil e Caetano Veloso, em 27 de dezembro de 68, culminando com o exílio em Londres - fato que interferiu radicalmente no estilo musical (pós-tropicalista) dos baianos, principalmente no de Gil, que, ao contrário de Caetano, estava mais aberto às novas influências do pop.


Nos capítulos seguintes, o jornalista volta no tempo e conta como tudo começou - a vida dos integrantes, antes de tomar forma aquilo que ainda não era conhecido como Tropicalismo (o termo surgiu de um irônico artigo de Nelson Motta, quando ainda era o franzino Nelsinho). Calado conta como cada um foi conhecendo o outro e, assim, formando um grupo, uma turma e um... movimento cultural.


Muito antes de canções como Geléia Geral serem compostas, o universo musical brasileiro era torneado pelo formalismo. Nessa época Caetano já admirava, através da TV, a desenvoltura violonística de Gil - que dividia a carreira artística com a de funcionário da Gessy Lever.


Como não poderia deixar de ser, o assunto da primeira conversa do baiano com o então tímido Caetano foi a paixão que os dois tinham por João Gilberto. O abusado bossa-novista também foi o cartão-de-visita de uma certa Maria da Graça. Naquele mesmo ano de 63, o compositor de Baby ouviu pela primeira vez a voz de Gau, do apelido de infância Gagau (o ele quem pôs foi Guilherme Araújo, em uma de suas muitas interferências empresariais) - e fez a profética pergunta à moça: "Para você quem é o maior cantor do Brasil?", "João Gilberto".


Depois da feliz resposta da mais-que-tímida Gal, os encontros com Caetano ficaram freqüntes e a cantora teve um estalo de encanto pelo autor de Saudosismo. Mas havia uma concorrente: Dedé Gadelha. A solução das amigas foi investir em uma leve competição, na qual quem beijasse primeiro o rapaz, a outra sairia de cena.


Outras peculiaridades como esta são abordadas no livro, como as gozações que Caetano sofria dos irmãos pelo fato de gostar do trágico Vicente Celestino e de escutar rádio - através dele o futuro "psicanalista do Brasil" conheceu a música Maria Betânia, do nosso Capiba, da qual se inspirou para dar o nome à sua irmã mais nova. Essa é só pra recordar.


E por pouco Bethânia não foi a musa do movimento tropicalista, no lugar ou ao lado de Gal. A então garota não ingressou (mas deu muito conselho) na "onda" porque ainda estava transtornada em ter se tornado bruscamente ícone de esquerda por sua interpretação de Carcará, de João do Vale, falecido em 97.


O "pega, mata e come" assustou a resplandente jovem com seus 18 anos, que tinha apenas o objetivo de ser atriz. Aliás, Bethânia foi incentivada a ir para o Rio de Janeiro pela doce Nara Leão e começou a ficar conhecida através da montagem de Boca de Ouro, do superlativo Nelson Rodrigues.


Carlos Calado além de fazer um apanhado histórico do Tropicalismo, registrou os bastidores dos programas de auditório, das figuras paralelas ao movimento, como os irmãos concretistas Campos, Jards Macalé, Wally Salomão, e destacou a importância e a influência do movimento para a música brasileira. O jornalista fez uma lista dos herdeiros tropicalistas. E quem estava entre eles? Chico Science que, em 96, sampleou Bat Macumba (música-concreta do disco Tropicália) para a sua Cidadão do Mundo, do Afrociberdelia.


Calado também cruzou a trajetória de Antônio José Santana Martins, que ingressou no meio musical detonando irreverência. Sua estréia na TV aconteceu em 60, quando no programa de calouros "Escada para o Sucesso", o apresentador perguntou "Como é o nome de sua música?". "Rampa para o Fracasso", respondeu Tom Zé. E as pessoas na sala-de-jantar morreram de rir.


Tempos depois, ele era um dos integrantes da histórica foto do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis, ao lado de Torquato Neto (que tem passagem tímida no livro), do maestro Rogério Duprat (que na foto está com um pinico na mão), Capinam e Nara Leão (em reprodução de fotos), Gil, Caetano, Gal e os Mutantes.


Aliás, Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias injetaram atitude rock'n roll num movimento que se pretendia antropofágico. Eles dividiam com Gil a paixão pelas guitarras (a polêmica com os puristas), pelos Beatles e seu então recente lançamento, o inovador Sgt. Peppers. Era exatamente isso que todos eles queriam com Tropicália: um marco. E a manhã tropical se iniciou.









 
CALADO, Carlos. Tropicália - A história de uma revolução musical. São Paulo: Editora 34, 1997. 336 pág.




 
CALADO, Carlos. Tropicália - Storia di una rivoluzione musicale. Traduttore: Patrizia Di Malta. Roma: Arcana Musica, 2004. 329 p.,


 






 


 
 
 
 
 
 
 


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