Jornal
do Commercio - Recife, 22 de abril de 1998
LIVROS
Carlos
Calado conta a história de uma revolução musical
por DÉBORA
NASCIMENTO
Da Editoria de Turismo
Da Editoria de Turismo
"Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram
férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: Tudo que nela se planta, tudo
cresce e floresce. E o Gauss da época gravou". Quem diria que a intrigante
abertura da música Tropicália nasceu de um teste de som do microfone? Enquanto
o percussionista Dirceu fazia o serviço no estúdio, do outro lado o maestro
Júlio Medaglia pedia para o técnico Rogério Gauss gravar. O episódio faz parte
da história do movimento definitivo para a progressão da MPB, narrada com simpatia
pelo jornalista Carlos Calado em Tropicália - A História de Uma Revolução
Musical.
O livro faz parte da coleção Ouvido Musical promovida pela Editora 34 e
coordenada pelo crítico musical Tárik de Souza. Dela já foram publicados A
Divina Comédia dos Mutantes (também de Carlos Calado), Anos 70: novos e baianos
e Vida do Viajante: a saga de Luiz Gonzaga.
Tropicália começa pelo fim, ou seja, na prisão de Gilberto Gil e Caetano
Veloso, em 27 de dezembro de 68, culminando com o exílio em Londres - fato que interferiu
radicalmente no estilo musical (pós-tropicalista) dos baianos, principalmente
no de Gil, que, ao contrário de Caetano, estava mais aberto às novas
influências do pop.
Nos capítulos seguintes, o jornalista volta no tempo e conta como tudo
começou - a vida dos integrantes, antes de tomar forma aquilo que ainda não era
conhecido como Tropicalismo (o termo surgiu de um irônico artigo de Nelson
Motta, quando ainda era o franzino Nelsinho). Calado conta como cada um foi
conhecendo o outro e, assim, formando um grupo, uma turma e um... movimento
cultural.
Muito antes de canções como Geléia Geral serem compostas, o universo
musical brasileiro era torneado pelo formalismo. Nessa época Caetano já
admirava, através da TV, a desenvoltura violonística de Gil - que dividia a
carreira artística com a de funcionário da Gessy Lever.
Como não poderia deixar de ser, o assunto da primeira conversa do baiano
com o então tímido Caetano foi a paixão que os dois tinham por João Gilberto. O
abusado bossa-novista também foi o cartão-de-visita de uma certa Maria da
Graça. Naquele mesmo ano de 63, o compositor de Baby ouviu pela primeira vez a
voz de Gau, do apelido de infância Gagau (o ele quem pôs foi Guilherme Araújo,
em uma de suas muitas interferências empresariais) - e fez a profética pergunta
à moça: "Para você quem é o maior cantor do Brasil?", "João
Gilberto".
Depois da feliz resposta da mais-que-tímida Gal, os encontros com
Caetano ficaram freqüntes e a cantora teve um estalo de encanto pelo autor de
Saudosismo. Mas havia uma concorrente: Dedé Gadelha. A solução das amigas foi
investir em uma leve competição, na qual quem beijasse primeiro o rapaz, a
outra sairia de cena.
Outras peculiaridades como esta são abordadas no livro, como as gozações
que Caetano sofria dos irmãos pelo fato de gostar do trágico Vicente Celestino
e de escutar rádio - através dele o futuro "psicanalista do Brasil"
conheceu a música Maria Betânia, do nosso Capiba, da qual se inspirou para dar
o nome à sua irmã mais nova. Essa é só pra recordar.
E por pouco Bethânia não foi a musa do movimento tropicalista, no lugar
ou ao lado de Gal. A então garota não ingressou (mas deu muito conselho) na
"onda" porque ainda estava transtornada em ter se tornado bruscamente
ícone de esquerda por sua interpretação de Carcará, de João do Vale, falecido
em 97.
O "pega, mata e come" assustou a resplandente jovem com seus
18 anos, que tinha apenas o objetivo de ser atriz. Aliás, Bethânia foi
incentivada a ir para o Rio de Janeiro pela doce Nara Leão e começou a ficar conhecida
através da montagem de Boca de Ouro, do superlativo Nelson Rodrigues.
Carlos Calado além de fazer um apanhado histórico do Tropicalismo,
registrou os bastidores dos programas de auditório, das figuras paralelas ao
movimento, como os irmãos concretistas Campos, Jards Macalé, Wally Salomão, e
destacou a importância e a influência do movimento para a música brasileira. O
jornalista fez uma lista dos herdeiros tropicalistas. E quem estava entre eles?
Chico Science que, em 96, sampleou Bat Macumba (música-concreta do disco
Tropicália) para a sua Cidadão do Mundo, do Afrociberdelia.
Calado também cruzou a trajetória de Antônio José Santana Martins, que
ingressou no meio musical detonando irreverência. Sua estréia na TV aconteceu
em 60, quando no programa de calouros "Escada para o Sucesso", o
apresentador perguntou "Como é o nome de sua música?". "Rampa
para o Fracasso", respondeu Tom Zé. E as pessoas na sala-de-jantar
morreram de rir.
Tempos depois, ele era um dos integrantes da histórica foto do disco-manifesto
Tropicália ou Panis et Circencis, ao lado de Torquato Neto (que tem passagem
tímida no livro), do maestro Rogério Duprat (que na foto está com um pinico na
mão), Capinam e Nara Leão (em reprodução de fotos), Gil, Caetano, Gal e os
Mutantes.
Aliás, Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias injetaram atitude rock'n
roll num movimento que se pretendia antropofágico. Eles dividiam com Gil a
paixão pelas guitarras (a polêmica com os puristas), pelos Beatles e seu então
recente lançamento, o inovador Sgt. Peppers. Era exatamente isso que todos eles
queriam com Tropicália: um marco. E a manhã tropical se iniciou.
CALADO, Carlos. Tropicália - A história de uma
revolução musical. São Paulo: Editora 34, 1997. 336 pág.
CALADO, Carlos. Tropicália - Storia di una
rivoluzione musicale. Traduttore: Patrizia Di Malta. Roma: Arcana Musica, 2004. 329 p.,
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