"Enquanto escrevo, o Brasil está em perpétua convulsão,
e há coisas demais sugerindo que não temos por que ser otimistas."
2008
Vinte anos depois do lançamento de Verdade tropical – precioso testemunho da vida cultural do Brasil na segunda metade do século XX, com especial atenção para o tropicalismo –, Caetano Veloso retorna ao livro em edição revista e ampliada.
Ao
narrar sua formação cultural – que inclui música, cinema, artes plásticas,
literatura e filosofia –, Caetano Veloso não se limita a escrever uma
autobiografia. Nessa mistura de memórias, ensaio e história, tendo como eixo
central a eclosão do tropicalismo em meio aos anos de chumbo, o autor esmiúça
momentos decisivos da ditadura militar e os nomes com quem travou apaixonadas
conversas. Partindo de Santo Amaro, na Bahia, onde leu Clarice Lispector,
assistiu a La strada, ouviu João Gilberto e teve sua primeira relação
sexual, suas lembranças atravessam a adolescência, a prisão em 1968, o exílio
em Londres e chegam ao fim da década de 1990 para compor um extraordinário
panorama do Brasil.
A
nova edição de Verdade Tropical, com projeto gráfico redesenhado, inclui texto
inédito escrito especialmente para este volume. Em “Carmen Miranda não sabia sambar”,
Caetano pondera sobre as duas décadas que se passaram entre o lançamento do
livro, em 1997, e hoje. Aos 75 anos, ele se debruça sobre sua trajetória
musical – e também literária – para um acerto de contas com suas experiências
pessoais, além de analisar assuntos relacionados à cultura, política e
identidade do país. “Sou brasileiro e me tornei, mais ou menos
involuntariamente, cantor e compositor de canções", ele escreve. "Fui
um dos idealizadores e executores do projeto da Tropicália. Este livro é uma
tentativa de narrar e interpretar o que se passou.”
3/9/2017 - Crédito: Facebook |
VERDADE
TROPICAL
CAETANO
VELOSO
EDIÇÃO COMEMORATIVA DE 20 ANOS
Copyright
©2017 by Caetano Veloso
Grafia atualizada
segundo o Acordo Ortográfico
da Língua
Portuguesa de 1990, que entrou em vigor
no Brasil em 2009.
Capa
e projeto gráfico
RAUL
LOUREIRO
Foto
de capa Caetano Veloso com o Parangolé P4
Capa 1, 1964,
de
Hélio Oiticica. Rio de Janeiro, 1968. Cortesia
Projeto
Hélio Oiticica. DR/Geraldo Viola. Todos
os
esforços foram feitos para reconhecer os direitos
autorais
da imagem da capa. A editora agradece
qualquer
informação relativa à autoria, titularidade
e/ou
outros dados, se comprometendo a incluí-los
em
edições futuras.
Foto
de quarta capa
Caetano
Veloso com o Parangolé P25 Capa 21 —
“Xoxoba”, 1968, de Hélio
Oiticica. Cortesia Projeto
Hélio
Oiticica. ©Fernando Young
Obra
de arte da guarda
A violinista, Caetano de
Almeida, 2014, acrílica sobre
tela,
220×170 cm, reprodução de Edouard Fraipont.
Preparação
MÁRCIA COPOLA
Índices
LUCIANO
MARCHIORI
Revisão
ÉRICO
MELO
ANGELA
DAS NEVES
VALQUÍRIA
DELLA POZZA
Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara
Brasileira do Livro, SP, Brasil)
______________________________________________
Veloso,
Caetano
Verdade
tropical, Caetano Veloso. — 3a ed. — São Paulo:
Companhia
das Letras, 2017.
"Ed.
comemorativa de 20 anos"
ISBN:
978-85-359-2989-8
1.
Música popular — Brasil — História e crítica
2.
Tropicalismo (Música) — Brasil 3. Veloso, Caetano,
1942-
I. Título.
17-07978 CDD-781.630981
______________________________________________
Índices
para catálogo sistemático:
1.
Brasil: Tropicalismo : Música popular
781.630981
2.
Tropicalismo: Música popular brasileira
781.630981
[2017]
Todos
os direitos desta edição reservados à
EDITORA
SCHWARCZ S.A.
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Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002
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11 CARMEN MIRANDA NÃO SABIA SAMBAR
47 INTRO
PARTE 1
57 ELVIS E MARILYN
83 BETHÂNIA E RAY CHARLES
115 INTERMEZZO BAIANO
PARTE 2
123 TRANSE
139 PAISAGEM ÚTIL
147 DOMINGO
165 BAIHUNOS
175 ALEGRIA, ALEGRIA
193 DOMINGO NO PARQUE
201 TROPICÁLIA
215 2002
221 A POESIA CONCRETA
243 CHICO
249 VANGUARDA
255 ANTROPOFAGIA
275 PANIS ET CIRCENSIS
305 É PROIBIDO PROIBIR
315 DIVINO, MARAVILHOSO
PARTE 3
349 NARCISO EM FÉRIAS
PARTE 4
405 BARRA 69
413 LONDON, LONDON
425 LÍNGUA
433 AFINIDADES ELETIVAS
443 AME-O OU DEIXE-O
453 BACK IN BAHIA
473 ARAÇÁ AZUL
479 VEREDA
493 ÍNDICE ONOMÁSTICO
505 ÍNDICE DE MÚSICAS
509 SOBRE O AUTOR
VERDADES TROPICAIS, DELÍRIOS UTÓPICOS
QUANDO: seg. (16), às 18h
ONDE: Casa do Baixo Augusta, esquina da rua Consolação com a rua Rego Freitas (SP)
QUANTO: grátis; retirar ingresso no local a partir das 16h
16/10/2017 - Caetano Veloso no relançamento seguido de debate do
livro "Verdade Tropical" - Foto: Mastrangelo Reino / Folhapress
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16/10/2017 - O produtor cultural Cláudio Prado no relançamento seguido de debate do livro "Verdade Tropical" - Foto: Mastrangelo Reino / Folhapress |
Caetano Veloso
na Casa do Baixo Augusta com o ativista Cláudio Prado - Foto: Frâncio de
Holanda / Divulgação
|
Caetano Veloso e o produtor e teórico Cláudio Prado |
Caetano
Veloso está em São Paulo nesta segunda-feira (16) para o relançamento de seu livro Verdade Tropical (Companhia
das Letras) 20 anos depois da primeira edição. Em debate com o ativista Claudio
Prado, quando este comparou o celular ao coquetel motolov no ativismo atual,
Caetano respondeu: "Nunca tive celular".
O
evento, com entrada gratuita, acontece na Casa do Baixo Augusta,
no centro de São Paulo, e é organizado pelo Mídia Ninja. Logo pela
manhã, a fila para retirada de senhas era longa no local.
Antonia Pellegrino |
O Estado de S.Paulo
'Algum conservadorismo é necessário', diz
Caetano
Em São Paulo, cantor afirma que é bom que
fiquem claras visões de mundo que estão espalhadas no seio das sociedades
Ricardo
Galhardo
17
Outubro 2017
“Algum conservadorismo é necessário. Pode não
ser desejável mas é necessário”. O autor da frase é o cantor e compositor Caetano Veloso, que na segunda-feira, 16, participou de um debate
na inauguração da nova sede do coletivo de ativismo digital Mídia Ninja na Casa
do Baixo Augusta, região central de São Paulo.
Caetano Veloso em debate na inauguração da nova sede do coletivo de ativismo digital Mídia Ninja na Casa do Baixo Augusta, região central de São Paulo - Foto: Frâncio de Holanda |
O
raciocínio do baiano surpreendeu muitas das mais de 250 pessoas que lotaram o
local no início da noite, várias delas antigos militantes ou jovens
simpatizantes de partidos e novas organizações de esquerda.
“Uma sociedade precisa persistir e para
persistir ela tem que ter um aspecto conservador de si mesma. Isso não se
manifesta necessariamente em atos reacionários. Não necessariamente todo
conservadorismo é reacionário. De todo modo, algum conservadorismo é
necessário. Pode não ser desejável mas é necessário”, provocou o cantor.
Caetano
comentava o surgimento de novos grupos assumidamente de direita como o
Movimento Brasil Livre (MBL, que não foi citado nominalmente pelo artista) ao
lado do veterano ativista Cláudio Prado, um dos ideólogos da Mídia Ninja. O
cantor, que foi perseguido pela ditadura e precisou viver exilado em Londres no
final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, disse ver alguma semelhança entre
grupos da nova direita e os movimentos ruidosos que representavam minorias no
passado.
“Esse barulho feito pelos conservadores pode significar
que eles estão se sentindo como os não conservadores se sentiam, ou seja, de
alguma forma minoritárias. Eles não representam a parte silenciosa do
conservadorismo natural das sociedades”, afirmou.
Caetano
identificou na estridência desses grupos um aspecto que, do ponto de vista da
esquerda, pode representar uma vantagem. “Isso, embora assuste, pode denotar
alguma fragilidade”, disse ele.
De
acordo com o compositor baiano, o protagonismo alcançado pela nova direita nos
últimos anos é um avanço, pois deixam claras as posições ideológicas colocadas
hoje na sociedade brasileira ao contrário de algum tempo atrás, quando uma
“maioria silenciosa” dava sustentação velada ao sistema vigente.
“Estamos vivendo um período no mundo e no
Brasil em que forças neoconservadoras estão explicitadas e se apresentando como
grupos de atividade clara e definida. Isso não é ruim. Antigamente a direita
americana usava a expressão maioria silenciosa que era aquela gente que não faz
barulho, mas segura o aspecto conservador da sociedade. Hoje essas tendências
conservadoras não estão silenciosas e é bom porque ficam claras as visões de
mundo que estão espalhadas no seio das sociedades”, afirmou.
O tema do
debate foi o livro Verdade Tropical,
relançado 20 anos depois da edição
original em versão revista e ampliada. Depois do evento Paula Lavigne,
ex-mulher de Caetano, comandou uma reunião do grupo “342 Arte” que contou com a
presença de artistas radicados em São Paulo além do deputado estadual Marcelo
Freixo (PSOL-RJ) e do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST),
Guilherme Boulos. O evento faz parte do calendário da Casa do Baixo Augusta,
sede do bloco carnavalesco Acadêmicos do Baixo Augusta, o maior de São Paulo,
inaugurada duas semanas atrás com o objetivo de ser um espaço para reflexão,
difusão de conhecimento e debate para além das fronteiras do Carnaval.
Caetano
também comentou os ataques feitos pelos grupos neoconservadores a exposições e
outras atividades artísticas. Segundo ele, estas manifestações são uma “cortina
de fumaça” usada para enganar uma parcela “inocente” da população e, de alguma
forma, desmoralizar a classe artística.
“Tem
gente que se utiliza disso (acusações de pedofilia) de uma maneira
cínica porque sabem perfeitamente que não se trata disso e dizem que sim para
assustar os inocentes. Então um número grande de pessoas inocentes possivelmente
pode estar desconfiada dos artistas, o que é uma coisa já velha nas sociedades
atrasadas. Uma cantora popular, uma atriz, quando eu era criança essas pessoas
eram olhadas como merecendo pouco confiança moral”, disse ele.
Pouco
antes, respondendo a uma colocação de Cláudio Prado, que sacou o celular do
bolso e comparou o aparelho a um coquetel Molotov, Caetano fez uma revelação
surpreendente para a plateia jovem e conectada que lotou a Casa do Baixo
Augusta: “Eu nunca tive um telefone
celular”.
25/10/2017
O Estado de S.Paulo
Caetano: 'O que há é uma grande tensão na
sociedade, sobretudo entre os jovens'
Prestes a fazer seus últimos shows da turnê com os filhos no Theatro
Net, Caetano Veloso, 75 anos, acaba de relançar 'Verdade Tropical' 20 anos
depois sob ataques de desafetos em um País dividido
Julio Maria
25 Outubro 2017
Aos
75 anos, Caetano Veloso está aberto para balanço em meio à turbulência dos
tempos. Seu engajamento tem custado desafetos, como a acusação de prática de
pedofilia feita por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e
pelo ator Alexandre Frota quando, aos 40 anos, conheceu Paula Lavigne, então
com 13, sua atual mulher. Sobre esse assunto, Caetano não respondeu às
perguntas enviadas posteriormente a essas abaixo, encaminhadas antes do caso
acontecer. Mas não deixou de mencionar o assunto pedofilia quando falou das
mudanças na Lei
Rouanet pedidas pela bancada evangélica ao MinC: “Toda essa gente
que mente cinicamente sobre exposições de arte usando a palavra ‘pedofilia’
para angariar adeptos entre os mais ingênuos, se esforça para encobrir o desejo
de manter a opressão da maioria do povo brasileiro, que vive sob a mais pesada
desigualdade econômica do mundo.”
Caetano em show no Theatro Net, em São Paulo - Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO |
Ao mesmo tempo, Caetano segue na cidade com os três
filhos, Zeca, Tom e Moreno, no Theatro Net, onde faz as últimas sessões neste
final de semana do espetáculo Caetano Moreno Zeca Tom Veloso, com
ingressos esgotados. E também republica o libro Verdade Tropical,
lançado há 20 anos, com novas reflexões sobre as mudanças do País.
É um bom momento para sentir no palco o que chamam ‘gap geracional’. Tom
tem 25 anos e Zeca tem 20. Você e sua geração brigavam por causas visíveis,
ouviam músicas em LPs e sabiam qual caminho seguir para que as coisas dessem
certo. E sobre eles? Não estão perdidos? Não estamos criando uma geração
triste?
Sempre
me sinto próximo de meus filhos. Tanto do que está na casa dos quarenta quanto
dos que estão na dos vinte. Bem, todos ouvem mais LPs do que eu. Não os
considero tristes de jeito nenhum. O mais novo é o mais alegre. Talvez por ser
mais novo. Mas acho que é mesmo temperamento: ele sempre foi assim. Mas os
outros dois não são tristes. Todos três têm entusiasmo. Vivem intensamente suas
vidas e se entregam muito em suas criações musicais. Gosto de conversar com
todos. Moreno narra e explica com muita propriedade. Zeca analisa. Tom faz sínteses.
Cada um tem seu jeito de fazer os outros rirem. E as vozes se harmonizam, sem
virtuosismo mas também sem artificialismos.
Seus meninos são também cristãos
convictos, seguidores da Igreja Universal do Reino de Deus, mais um antagonismo
à sua geração, de rompimentos religiosos e entendimento existencialista. Como
prepará-los para que a entrega às doutrinas não cegue a capacidade da
inteligência, não suprima os poderes da contestação?
Zeca
e Tom são cristãos. Moreno é religioso de modo abrangente: é do candomblé,
atrai-se pelo hinduísmo, é católico franciscano e, tão ligado a Santo Amaro,
não pode deixar de ser mariano. Eu não sou religioso. Mas não tenho medo da
religiosidade dos meus filhos. Temos sempre conversas muito claras. De minha
parte, não vejo o crescimento das igrejas evangélicas no Brasil como algo
negativo. Nunca vi assim. Há um preconceito pseudo-chique contra os evangélicos
com o qual eu nunca me identifiquei. Antes de Zeca e Tom nascerem eu já via
programas evangélicos na TV e pensava que aquilo ia crescer e que poderia
ganhar importância na caminhada do país. Isso não quer dizer que eu respeite
qualquer mau-caráter que pregue alguma forma de fundamentalismo ou que use a
religiosidade para dominar mesquinhamente as pessoas e para agredir outros
grupos. Uma das coisas que me atraem no pensador Roberto Mangabeira é sua visão
realista do fenômeno neo-pentecostal.
Os homens políticos também são outros,
e a tendência das novas gerações é a de que abandonem velhas causas pelo
desânimo. O que sente dos garotos?
Há
descrédito em relação aos políticos profissionais. Mas não uma indiferença pela
política. A presença de jovens nas manifestações públicas é grande e constante.
Os movimentos à direita que cresceram desde 2013 são exemplo disso. E eles
produzem respostas. A polarização é o oposto de uma atitude apolítica. O que há
é uma grande tensão na sociedade. Sobretudo entre os jovens. Meus três filhos
estão atentos ao que se passa. Falamos sobre isso. E todos têm posições
nítidas. Mas isso não é coisa para eu dizer. Se eles quiserem dizer qualquer
coisa de público (o que não creio que seja o caso), eles que o façam.
O que o fez aceitar atualizar as
memórias do libro Verdade Tropical 20 anos depois? Se quiser de fato deixá-lo atual, com o mundo em plena
transformação como está hoje, esse será um trabalho eterno, não?
Sou
maluco. Eu não apenas aceitei: eu induzi os editores a fazerem isso. Mas depois
me enrolei todo. Escrevi uma nova introdução. Não é nada parecido com uma visão
coerente do estado do mundo hoje. Nem dá conta dos caminhos que percorreram a
música e a cultura brasileira ou mundial nesses vinte anos que separam o
lançamento do livro e a atual edição comemorativa. É um apanhado (muito
incompleto) de observações sobre o que já fora escrito na versão original do
livro e uma exibição sem censura (para não dizer irresponsável) dos pensamentos
que me vêm à cabeça hoje em dia. Nada disso tem pinta de eterno.
Falamos
há pouco de Igreja e me ocorre do recente caso que tem antagonizado posturas no
cenário político. Uma emenda proposta pela bancada evangélica pede ao MinC para
barrar da Lei Rouanet projetos que vilipendiem símbolos ou dogmas religiosos. O
MinC parece ter aceitado algo neste sentido, seja lá a interpretação que se dá
ao pedido, embora diga que o texto da emenda só sairá no final do mês. E então,
se isso passa, como fica?
Parece
que o MinC entende que censura não pode haver. Toda essa gente que mente
cinicamente sobre exposições de arte usando a palavra pedofilia para angariar
adeptos entre os mais ingênuos, se esforça para encobrir o desejo de manter a
opressão da maioria do povo brasileiro, que vive sob a mais pesada desigualdade
econômica do mundo. Os malucos dos grupos conservadores que se organizaram à
sombra das passeatas de 2013 sabem que não há casos de pedofilia onde eles
dizem haver. Mas pode ser que ganhem dinheiro de grupos políticos para criar
pautas que una as pessoas inocentes contra artistas e museus de modo que o que
mais interessa – manter o poder econômico nas mãos dos muito poucos – permaneça
intocado. Claro que não se pode admitir que obras sejam submetidas a censura
prévia. Lutaremos quantas vezes forem precisas contra isso. Mas não
esqueceremos que vencer a desigualdade campeã é primordial.
Seu show com os filhos vai virar
disco? Ou você já tem o próximo álbum em andamento? Pode adiantar algo?
Ainda
não decidimos nada a respeito. O material que temos pode dar um disco. Mas não
fizemos planos. Pode ser que vamos para o estúdio ao fim da turnê, pode ser que
gravemos shows e, caso o material me mostre de boa qualidade, lancemos de
alguma forma essa gravação. Penso muito vagamente em fazer novo disco meu solo.
No momento, estou inteiro com meus filhos.
E uma menina? Os politicamente
corretos diriam que falta ao show uma mulher. Imaginou-se pai de mulher?
Desejou isso algum dia? Como ela se chamaria?
Dedé
e eu tivemos uma filha que nasceu prematura e morreu alguns dias depois. Ela se
chamava Júlia. Antes de Moreno nascer fiz uma canção chamada Júlia/Moreno
porque não sabíamos o sexo do nascituro naqueles tempos. Depois, com Paulinha,
se tivesse vindo uma menina, o nome seria Clara. Júlia e Clara são nomes lindos
e acontece de serem os nomes de minhas duas avós. Eu queria ter experimentado
ser pai de uma menina. Mas como só ficaram os homens, me alegro com isso. A
gente ama tanto os filhos que aprova o sexo em que eles nascem, o gênero que
recebem ou escolhem, a cor e a textura de seus cabelos, tudo.
Filhos músicos te fazem mais feliz ou
mais preocupado?
Filhos,
músicos ou não, dão muita felicidade e muita preocupação. A meu ver, a
felicidade vence.
Caetano Veloso foi fotografado por Fernando Young para a nova edição do livro Verdade Tropical, ao som de JUÍZO FINAL (Nelson Cavaquinho/Élcio Soares), samba de 1973.
Folha de S.Paulo
Ilustrada
No momento, esperanças são menores do que preocupações, afirma Caetano
O músico Caetano Veloso - Foto: Fernando Young / Divulgação |
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
29/10/2017
Caetano Veloso está de volta à cena. Coloca nas
livrarias uma nova edição de "Verdade Tropical" (Companhia das
Letras, R$ 69,90, 512 págs.), lançado em 1997, e se apresenta em turnê em
companhia dos filhos, Moreno, Zeca e Tom.
Mas não é só: o compositor tem participado de
campanhas nas redes sociais e recentemente reagiu às investidas de grupos
ultraconservadores contra exposições de arte e museus, o que lhe rendeu bombardeio
cerrado de críticos e adversários.
Caetano, 75, está acostumado a ser alvo de ataques.
Foi vaiado por estudantes de esquerda em 1968,
mesmo ano em que um juiz indignou-se com a presença da bandeira "Seja
Marginal, Seja Herói", do artista Hélio Oiticica, na boate Sucata, em São
Paulo, onde ele se apresentava com os Mutantes. A reação moralista terminou com
a suspensão do show, o fechamento da boate e, a seguir, com a prisão e o
exílio, ao lado de Gilberto Gil.
Com Gilberto Gil no fim dos anos 1960 - Foto: Reprodução |
Na entrevista que se segue, ele comenta o livro, o
show e a situação política do Brasil.
Diz que tudo lhe parece "muito complexo"
e afirma que "no momento as preocupações são maiores do que as
esperanças". Sem jamais ter sido petista, diz que viu na deflagração da
Operação Lava Jato "muita cara de neolacerdismo" e uma tentativa de
"desfazer o PT". Fala sobre a nova direita em cena, sobre os riscos
de uma polarização eleitoral com o deputado Jair Bolsonaro, e declara apoio ao
pré-candidato Ciro Gomes (PDT).
Folha - É evidente o fascínio de Roberto Schwarz, um crítico marxista,
por "Verdade Tropical". Mas, num artigo em que ele elogia o livro,
faz também restrições a atitudes político-ideológicas suas que deplora e até
ridiculariza. Como você assimilou esse texto?
Caetano Veloso - Como conto na nova introdução ao livro, o
interesse literário de Schwarz me envaidece. O julgamento político-ideológico
me desagrada intelectual e pessoalmente. Acho que ele até valoriza muito mais o
livro literariamente do que o fazem outros intelectuais menos presos ao
marxismo. Mas a superioridade que ele vê nos capítulos iniciais sobre os
seguintes não faz sentido para mim – exceto o de que ele acha tudo bom quando
parece que o narrador aprova a ingenuidade política do garoto que, embora não
se deixasse levar por uma ligação automática com a esquerda, sentia-se animado
com os projetos de reforma anunciados com ameaça de revolução.
Bem, até hoje eu acho que deveríamos ter feito uma
reforma agrária e não imagino que fosse me arrepender de aplicar o método Paulo
Freire nas escolas do interior. Mas nossa história foi outra. E,
acompanhando-a, aprendi que as revoluções comunistas davam em tiranias. Assim,
a má vontade de Schwarz com o capítulo da prisão é igual à atitude de Augusto
Boal contra o tropicalismo. Ele cai na esquerda convencional e fica parecendo
que não sabe ler.
Você tinha um capítulo que ficou fora de "Verdade Tropical"
que seria sobre sexo. Por que foi excluído?
Escrevi um texto bastante longo que seria um
capítulo chamado "Sexos". Ele não caberia em "Verdade Tropical".
As observações essenciais estão no corpo do livro original. As anedotas e
divagações, não. A Companhia das Letras propôs que publicássemos o capítulo,
mesmo que lá estejam repetidas as conclusões mais significativas que já são
parte do livro. Até mesmo alguns parágrafos inteiros. Seria curioso. E talvez
agradável, já que a escrita é boa. Naquela época eu escrevia com muita
vivacidade –e o assunto é meu favorito. Mas há razões pessoais para que eu
evite mexer com coisas que podem cair mal sobre certas pessoas que, mesmo
quando não nomeadas, se reconheceriam de um modo que me levaria a sentir-me
mal.
Você visitou a mostra de Hélio Oiticica no Whitney, em Nova York, que é
mais um reconhecimento da potência cultural de sua geração. O tropicalismo é hoje
referência em círculos internacionais sofisticados. Um olhar em retrospectiva
não deixa dúvida de que estávamos não apenas em sintonia com o que acontecia no
mundo nos anos 1960/1970, mas em alguns casos na vanguarda mesmo. De onde vem
essa força?
É uma força estranha do Brasil. A exposição de
Hélio no Whitney –assim como a de Lygia Pape no Metropolitan– é uma mostra
disso. Esses artistas estavam na vanguarda mundial. É incrível pensar que a
arte brasileira esteja sofrendo, no Brasil, ataques malucos.
A exposição de Lygia Clark no MoMA, antes da de
Hélio e da de Lygia Pape –e também a inspirada na obra crítica de Mário
Pedrosa, no Reina Sofía de Madri– são eventos que devem nos lembrar de que
temos responsabilidades grandes. A força da expressão latino-americana vem
crescendo no mundo. E a coisa brasileira tem história peculiar: fomos para o
abstracionismo geométrico de um jeito que não acompanhou a inclinação
surrealista de alguns países de língua espanhola.
A arte concreta brasileira, a poesia concreta e o
neoconcretismo carioca (principalmente quando ele sai do quadro e vira
ambiente, roupa, evento) são experiências radicais que colocam o Brasil em
lugar especial. Eu, pessoalmente, me sinto enormemente orgulhoso de estar perto
de todos esses acontecimentos que fazem o Brasil ser reconhecido como um lugar
de forte experimentação.
Sou um cantor popular que sem dúvida ocupou áreas
restritas no pensamento de Clark, Rubens Gerchman ou Oiticica, mas me emociono
com a "Lindoneia" em Madri, com as referências a coisas minhas em
Nova York, com o fato de ter feito, em forma de samba-de-roda, uma canção sobre
Lygia Clark enquanto ela estava viva. Muito mais gente está muito mais perto
disso tudo do que eu. Consciente ou inconscientemente. O Brasil não pode querer
tapar o próprio sol com uma peneira rasgada.
Você sempre insistiu na tese, até certo ponto voluntarista, de que o
Brasil tem a possibilidade oferecer ao mundo uma contribuição civilizatória
original. Como você colocaria essa questão à luz dessa crise de grandes
proporções que estamos vivendo?
No momento as preocupações são maiores do que as
esperanças. O fato é que não basta o Brasil ser original: tem de funcionar. Já
temos alguma experiência disso. Por episódicas que sejam. Precisamos criar
condições para que a energia criativa do povo brasileiro encontre seu leito e o
ritmo de sua correnteza. Uma crise pode ser uma oportunidade. Gostaria que mais
gente que pensa e escreve captasse melhor as sugestões de Roberto Mangabeira
Unger. Mas li, não faz muito, de um colunista da Folha que tem nome de rua do
Rio [Bernardo Mello Franco], que a melhor coisa que Mangabeira fez foi deixar o
ministerio e que só quem dava importância a ele era o cantor Caetano Veloso.
O Brasil deveria poder criar algo novo. Eu pagaria
para ver o que Mangabeira considera um modelo de país justo e original que não
seja nem uma Suécia tropical nem uma China com menos gente. Vivemos a desilusão
com o socialismo real e devemos saber viver a desilusão com o liberalismo real.
Sem perder o sentido essencial desses projetos. A China é um desafio ao modelo
liberal-democrata. E as democracias liberais estão se corroendo por dentro. Mas
os princípios liberais e socialistas, que são, para Mangabeira, a face profana
do cristianismo, têm valor intrínseco para mim.
Você tem mostrado a cara para protestar e tem participado de discussões
sobre nosso futuro político. Como você vê a deposição da presidente Dilma, os
desdobramentos que se seguiram e as perspectivas para 2018? Com quem você está?
Tudo me parece muito complexo. Eu não era fã de
Dilma como política. Ela mostrou não ter muito talento para essa atividade.
Nunca fui petista. Lula é uma grande figura histórica, aconteça o que acontecer
com ele. Sinceramente, achei o período de Palocci com Lula o melhor do PT no
poder, mas não me surpreenderam as revelações de corrupção. Talvez pela própria
pinta de Palocci.
Mas a Lava Jato tinha muita cara de neolacerdismo.
A desconfiança de que tudo era para desfazer o PT estava tanto entre
esquerdistas que, com razão, pensam que o nosso primeiro problema é a
desigualdade campeã, quanto entre figuras como Romero Jucá, Aécio Neves ou o
próprio Temer, que querem levar vantagem e mover-se de modo a não atrapalhar a
manutenção dessa desigualdade. Ou seja, os esquerdistas temiam que a
força-tarefa fosse apenas uma trama para destruir Lula e o PT, e os
conservadores corruptos esperavam exatamente isso dela. O comentário de Jucá
querendo acelerar o processo de "estancar a sangria" é prova disso.
Em palanque com Lula, na campanha presidencial de 1989 Foto: |
Você desde o início foi contra o impeachment?
Fui contra o impeachment. Eu estava em São Paulo,
no hotel Emiliano, quando o telefonema de Dilma, aquele do "Bessias",
era divulgado pelo "Jornal Nacional". Eu tinha saído pra comprar
alguma coisa na farmácia e, ao voltar, vi as ruas cheias de gente gritando.
Perguntei aos porteiros do hotel o que era aquilo e eles logo me disseram
exatamente do que se tratava. Vi essa gente festejando a futura queda de Dilma
e me senti tão estranho a essa turba quanto às marchadeiras de 1964.
Acho até hoje feio que o juiz Moro tenha divulgado
o telefonema irregularmente. O Power Point que tinha Lula no centro, apresentado
pelos procuradores de Curitiba, também me pareceu suspeito. A novidade de ver
empresários e políticos graúdos sendo presos não pode deixar de ter impacto
sobre nós, sobre mim. Por outro lado, os discursos dos parlamentares no dia do
impeachment mostraram um Brasil retrógrado e, como é o caso da homenagem de
Bolsonaro ao torturador Ustra, um Brasil ameaçador das liberdades democráticas.
O impeachment seguiu ritos, mas via-se que os
princípios constitucionais estavam sendo interpretados com muita folga, que a
sensação de insegurança tendia a crescer. Mas o mais chocante é que um punhado
de bandidos que estão sob acusações mais fortes (e com provas mais
contundentes) do que as enfrentadas por Dilma mantêm-se no poder, seja como
presidente da República, seja como ministros seus, seja como legisladores.
Hoje me pergunto por que Delfim Neto, que foi
entusiasta do AI-5, só agora escreve contra a judicialização da política e a
politização da Justiça. É fascinante que ele ressalte a importância das casas
legislativas acima do Judiciário como defesa contra a "ditadura das
minorias": o Judiciário, por não depender de voto popular, pode defender
as minorias contra a ditadura da maioria. Por que Delfim frisa exatamente a
força oposta neste momento? O timing diz muito.
E com quem você está?
Eu, inclusive porque quero compensar o nítido
boicote que os grandes jornais fazem a seu nome, estou com Ciro Gomes. A
imprensa nunca lembra que ele é dos pré-candidatos mais assumidos e que ele tem
explicitado, em palestras cujos vídeos saem na internet, um projeto para o
Brasil. Desde que o conheci, garoto, prefeito de Fortaleza, achei que ali
nascia um grande quadro político. Depois, foi meu candidato à Presidência.
Embora eu ame Marina, sua figura, sua história, e
me sinta esmagado pela imensidão do problema ambiental (que ela toma para si e
Ciro parece desprezar), fico com Ciro, que é a figura de político que crê na
política, que apresenta planos claros para o país e que poderá fazê-lo forte,
inclusive para combater a destruição do meio ambiente.
Para quem fala em timing, sei que sou incoerente
aqui: a ameaça ecológica é urgente e eu falo em Ciro fortificar o país para
poder, depois, lutar contra o desmatamento e o aquecimento global. Mas a causa
ambiental é alimentada por visões apocalípticas e fantasias (fecundas) de
recriação de cosmovisões contrastantes com a história moderna e, portanto, com
a política democrática. Para mim não é um tema fácil. Mas teremos uma eleição
dentro de um ano e será melhor injetar saúde na nossa vida política do que
deixar que a antipolítica possibilite uma situação opressiva.
Como você vê a persistência do prestígio de Lula?
Uma polarização entre Lula e Bolsonaro não parece possível?
Acho natural a persistência do prestígio de Lula.
Com o histórico pessoal, com os conseguimentos do seu período de governo (que
lançou o Bolsa Família e elevou o salário mínimo, estimulando o consumo e
mudando a aparência da sociedade brasileira), com seu talento para falar às
multidões, seria absurdo que ele não tivesse a força popular que tem. Pode até
ser que uma prisão de Lula tenha uma percentagem do efeito morte de Getúlio.
A polarização Lula versus Bolsonaro está no ar. Mas
seria melhor que essa cena não dominasse a eleição. As forças conservadoras perceberam
que já não podem mais ser a "maioria silenciosa". Temas como a luta
contra a desigualdade, os avanços sociais, como união estável de casais
homoeróticos, reconhecimento do racismo estrutural da sociedade brasileira,
defesa dos direitos da mulher, com atenção para a mais abrangente possível
descriminalização do aborto, enfim, assuntos que eram bandeiras da
contracultura dos anos 1960, ganharam força (inclusive conquistando as
esquerdas, que tinham esses temas como desvios pequeno-burgueses) e a direita
não pode mais ficar calada.
Será que a ameaça de uma "ditadura das
minorias" aventada por Delfim seria uma referência a isso? A possibilidade
de um segundo turno com Bolsonaro é alta. Temos de estruturar uma comunicação
que defenda o voto político, sem deixar que os pseudo "não políticos"
abram alas para os tiranos.
Há uma nova direita em cena, intelectual, mas
truculenta. Como você vê esse cenário?
Claro que há uma nova direita intelectual e
truculenta: o passeio de Bolsonaro pelos EUA orquestrado por Olavo de Carvalho
é caso emblemático.
Como nasceu a ideia de fazer um show com seus três filhos?
Para mim, é um velho sonho. Faz anos, fiz um show
com Moreno (numa série chamada "Pais e filhos", no Sesc) e adorei. À
medida que Zeca e Tom foram crescendo e se inclinando para a música, comecei a
ter vontade de fazer um espetáculo com eles todos.
Caetano Veloso e seus filhos fazem show no Rio de Janeiro Foto: |
Na verdade, no disco "Recanto", que
produzi para Gal, "Neguinho" deveria estar creditada também a Zeca,
não só a mim: ele fez a programação da base em cima da qual fiz letra e
melodia.
Moreno já tem um repertório conhecido e amado. Há
cerca de dois anos Tom uniu-se a amigos supermúsicos que criaram a Dônica. No
começo não quis propor uma coisa que o desconcentrasse ou afastasse desse
projeto. Moreno estava (e sempre está) muito atarefado. E Zeca dizia não querer
encarar a atividade de músico. Fiquei quieto. Quando esses embargos foram
cedendo, fiz a proposta.
Você disse uma vez que o Jaques Morelembaum o
ajudou a perder o medo da música. Nesse show vocês dispensam apoio de músicos
profissionais. Pode falar um pouco dessa sua relação com a música?
Cresceu a partir da banda de "Transa".
Ficou mais relax com A Outra Banda da Terra. Com Jaquinho ganhou dimensão
inesperada: ele é músico de muito alto nível para ter dado tanta atenção a
todos os meus esboços de ideias musicais. Por causa dele, de fato, perdi grande
parte do meu medo da música.
Por isso com a bandaCê já comecei levando as
canções com formato de arranjo estruturado. Mas sempre realisticamente modesto
em relação a minhas capacidades. Quando pensei em fazer show com meus filhos,
imaginei que chamaríamos uma banda de amigos instrumentistas. Mas percebi que
podíamos estar só nós, quebrando todos os galhos. O resultado é mais
vulnerável, quase frágil demais, mas tem um espírito único.
No disco "Araçá Azul" (1973) você gravou uma música em que diz
ser "um mulato nato do litoral". Também escreveu e fez canções sobre
a questão racial. Como você vê esse debate hoje no Brasil?
Gosto de me saber mulato. Não gosto que
desqualifiquem a palavra. A experiência americana de ativismo político racial
nos tem sido muito útil. Mas nunca achei que devêssemos nos ater a ela. Quando
leio V. S. Naipaul sobre a Martinica, que ele compara negativamente ao Caribe
de língua inglesa, de onde ele provém, sinto que o que se vê no Brasil, o que
eu vi e vejo em Santo Amaro, tem muito a ensinar ao mundo a esse respeito.
Ou seja, acho que Naipaul sempre achará
superioridade no multiculturalismo liberal anglófono e sempre achará meios de
dizer que o jeito francês ou espanhol –e, claro, principalmente o português– é
pior do que tudo. Devemos ser mais duros com as supostas belezas de nossa
situação do que Paul Beatty [autor de "O Vendido"] é com os EUA
pós-conquistas dos direitos civis. Mas do nosso jeito, assumindo
responsabilidade pelo que historicamente temos feito. Há coisas no livro de
Antônio Risério sobre raça no Brasil que iluminam detalhes do que Lázaro Ramos
conta em suas memórias.
Sei que muitos ativistas recusarão esta afirmação.
Talvez principalmente os americanos que ficam aqui, mesmo que com a melhor das
intenções, ensinando que o racismo deles é melhor do que o nosso. Nenhum
racismo é melhor.
Caetano Veloso foi fotografado por Fernando Young para a nova edição do livro Verdade Tropical, ao som de JUÍZO FINAL (Nelson Cavaquinho/Élcio Soares), samba de 1973.
O sol... há de
brilhar mais uma vez
A luz... há de
chegar aos corações
Do mal... será
queimada a semente
O amor... será
eterno novamente
É o Juízo Final, a
história do bem e do mal
Quero ter olhos pra
ver, a maldade desaparecer
Página/12
RADAR
05 de noviembre de 2017
Algunos fragmentos del extenso capítulo inicial que Caetano Veloso
agregó en la flamante reedición de sus memorias, aún sin traducción en
castellano.
Posverdad tropical
Por
Caetano Veloso
El autor leyendo la flamante edición conmemorativa 20 años de su libro. En la nueva tapa, una foto suya de 1968, luciendo el Parangolé P4 Capa 1, 1964, de Helio Oiticica. |
LA VERDAD DEL REGRESO
Volví de mi
exilio porque Joao Gilberto me llamó. Creo en Joao de una manera sobrenatural.
Mi amiga Barbara Browning, profesora de la Universidad de Nueva York creó, ya
en los años 90, un culto dedicado a Joao Gilberto, el divino. Yo lo creé en
1959. Cada vez que leo las quejas del crítico marxista brasileño Roberto
Schwartz contra la superstición, recuerdo al psicoanalista Rubens Molina, con
quien tuve la mas espontánea y profunda sintonía analítica. Yo le contaba
detalles sobre mis vicios mentales (esos de los que hablo en el capítulo sobre
la prisión) y él, después de escucharme durante bastante tiempo, dijo:
“Superstición es mejor que religión”. No es una frase teórica. Y no es un
contrapunto a la afirmación de Levi-Strauss de que los hombres crearon las
grandes religiones para liberarse de las supersticiones. O el otro argumento de
Olavo de Carvalho al defender la religión ante sus detractores con la
afirmación de que quien no tiene religión (o reniega de aquella en la que se
crió) deviene preso de supersticiones. No. Era psicoanálisis. En aquel momento,
Rubens estaba diciendo todo eso sólo para mi. Podría haberme servido –y me
sirvió– para dar cada vez menos peso a los rituales supersticiosos, lo que
gradualmente me llevaría a prescindir de ellos. Sin dejar, claro está, de
insinuar que la religión es una locura mayor, formateada y compartimentada. En
este caso, lo que escuché en el diván resurge apropiadamente: vine a Brasil
porque creía supersticiosamente en Joao Gilberto. Y, al sugerir en su crítica de
Verdad Tropical que oculto posibles transacciones oscuras que propiciaron ese
regreso, Roberto Schwartz me calumnia veladamente porque está preso de la gran
religión marxista. En ese momento, él está mas ciego que yo. No hice ningún
arreglo con quien quiera que sea para regresar de manera definitiva del exilio.
Apenas llegué a Londres, en 1969, Chico Anysio me escribió una carta ofreciendo
ayuda para regresar. Sabía de mi tristeza desesperada y decía tener diálogo con
personas que podrían resolverlo. Respondí de hecho que estaba muy mal fuera de
Brasil, y agradecí la oferta. Pero la rechacé: le dije que no quería nada de
los militares que me encarcelaron y cuya política odiaba. Cuando Bethania me
dijo que iba a intentar conseguir que viniera para el aniversario del
casamiento de mis padres, en 1971, acepté porque era ella. (Bethania también
tiene eso que veo en Joao Gilberto: Chico Buarque siempre dice que “a Bethania
y a Milton les obedecemos”). Sólo después supe que Bethania hizo algunos
arreglos con Benil Santos, que era su representante. Ella me decía que era
inaceptable mi ausencia en la misa para nuestros padres. Que ellos se sentirían
muy mal si yo fuese el único hijo ausente. Vine. Y fue un terror: preso en la
escala del avión, llevado a un departamento en la Presidente Vargas para seis
horas de interrogatorio y amenazas, transportado en un celular a la casa de
Bethania, con órdenes de ir directo a Salvador, de donde no podría salir, con
prohibición de cortarme el pelo y afeitarme la barba, permanentemente seguido
por dos agentes de la Policía Federal, prohibido de dar entrevistas excepto por
escrito y revisadas por esos agentes, obligado a hacer dos programas en la
Globo “para que todo parezca normal”. ¿Será que Benil ganaba algo con eso? Me
duele pensar que fuera así: es un colega compositor y me caía bien. Lo que
describe el historiador Elio Gaspari sobre el mundo de corrupción que era la
dictadura militar me lleva a creer en esa posibilidad (tengo pena por esos
pobres diablos que salen a las calles a pedir el regreso de la dictadura contra
la corrupción: Lula y Dilma fueron los únicos que en mucho tiempo dejaron
trabajar al Ministerio Público y a la Policía Federal en paz). Benil asesoraba
también a Chico Alysio, o por lo menos eso fue lo que entendí (inclusive años
después, cuando Chico, medio mamado, dijo en televisión que yo era un ingrato,
que él y Benil me habían traído del exilio y producido mi show en el Canecao
–cosa que no sucedió en ese viaje– y que ahora yo cantaba “Debaixo dos
caracóis” agradeciendo a Roberto Carlos...). Cuando volví fue porque Joao me
aseguró que todo sería lindo, que nadie me trataría mal, que en el aeropuerto
sólo encontraría sonrisas. ¿Demasiado kitsch para Schwartz? Dedé y yo quedamos
impresionados con la precisión de esas predicciones. Pero vine con miedo.
Arreglamos un encuentro con Violeta Arraes para tener por lo menos un cuadro
más realista. Violeta nos dijo que había hablado con Luis Carlos Barreto, que
le dijo que todo podría salir bien. Hoy Jorge Mautner me dice que Violeta,
mucho antes, en nuestro verano en Cataluña, le pidió que nos disuadiera de
volver, aun cuando eso fuese posible, porque permanecer exiliados “dramatizaría
la dictadura”. Si volviésemos, cierta forma de resistencia se perdería. Pero ni
él ni ella nos dijeron nada de eso en esa época. Tengo la certeza de que no
hubiese venido si hubiese sabido de cualquier interés de los militares en
vernos aquí. Vi todo como parte del arbitrio ilógico de la dictadura, sobre lo
cual cuento todo en el capítulo de la prisión. Estas son todas las entrañas
íntimas de mi regreso para cantar con Joao y Gal, que determinó mi decisión de
regresar definitivamente. Una vez aquí, nunca me vino a buscar ninguna
autoridad, por mínima que fuese. Con la excepción del agente de la censura que
quiso prohibir mi show de regreso por culpa de la palabra “reggae”: los que
cortaron –en la canción ya grabada por Bethania– versos de “Negror dos tempos”,
así como la palabra bofes en “Deus e o diablo” lo hicieron sin necesidad de
informármelo personalmente.
EL BUEN CAMINO
Mi ciudad de
Santo Amaro da Purificacao (que, en un texto semipoético de los años 60 deformé
en “Santo Amargo da Putrificacao”) es tal vez la mas contaminada del mundo por
residuos de mercurio, horror que se debe a la instalación de una fábrica de
plomo, una conquista del estado de Bahía para industrializar nuestro Municipio.
Cuando leí en un libro de divulgación científica llamado Breve historia de casi
todo, de Bill Bryson, que el plomo fue utilizado para mejorar la potencia de la
nafta por un empresario norteamericano que murió por las consecuencias de su
invento en su propio organismo pero que, aún sabiendo de los males que causaba
ese descubrimiento, insistió en seguir enriqueciéndose con el agregado de
plomo, pensé que toda la energía que yo invierto en componer y cantar, viajar y
tocar en vivo, debería haberla empleado en luchar contra ese estado de cosas en
mi propia ciudad: imaginé una acción propiamente política en el ámbito
municipal. Estaba de viaje por Europa cuando escuché sobre eso por primera vez.
Fue Violeta Arraes la que me alertó. Al regresar al Brasil, la única cosa que
hice al respecto fue un samba. “Purificar o Subaé” es el título que le puse (y
que constituye su estribillo). Fue larga la lucha legislativa en los Estados
Unidos para prohibir el plomo en la nafta. En países como Brasil todavía se
admite un porcentaje de plomo equivalente a la que fue estipulada allá como
límite, antes de la prohibición total.
Tengo 75 años. No veo cómo podría volver a vivir en Santo Amaro sólo para
luchar por la limpieza de la tierra y por el castigo a los responsables. Podría
haber vivido una vida mas centrada en algo objetivo. Pero me vuelvo loco por
las canciones. Mientras escribo, Brasil está en perpetua convulsión y hay
demasiadas cosas sugiriendo que no hay motivos para ser optimistas. Para curar
los momentos de amargura, recuerdo una frase de Fernando Pessoa citada por
Eduardo Gianetti: “Nos extraviamos a tal punto, que debemos estar por el buen
camino”.
En los
últimos tiempos, mi inclinación hacia la izquierda se vio obligada a
explicitarse, dada la intensidad con la que las fuerzas conservadoras se
levantaron en Brasil. Para mucha gente eso fue un combustible para la
polarización y el regreso de las clasificaciones y descalificaciones fáciles.
En mi caso, el desprecio por la aristocracia boba de los izquierdistas no
justifica una adhesión a los planes siniestros de la derecha.
UN DISCO CASI
PERFECTO
Fina estampa
es tal vez el único de mis discos que me gusta escuchar. Nunca lo pongo en el
tocadiscos, pero si alguien lo hace, me sorprendo con “Recuerdos de Ypacaraí” y
“María Bonita”. Y me gusta casi todo lo que escucho. Los arreglos de Jacques
Morelenbaum son de lo más inspirados. Pero en la canción del título, el
deslumbrante vals de Chabuca Granda (uno de mis mayores amores
latinoamericanos), me equivoco en la letra. Y Jaquinho, que aprendió la canción
a través de una grabación de María Dolores Pradera, repitió la introducción
creada para esa versión, creyendo que se trataba de la versión de la autora.
Pero, en su mayor parte, Fina estampa es casi pura belleza.
SABER SAMBAR
Cuando escribí este libro, pensé en llamarlo Boleros y civilización, un viejo juego de palabras mío de 1968 (que hubiese aparecido en la contratapa de un disco que no hice porque la prisión interrumpió mis planes de composición), como un guiño al famosísimo titulo Eros y civilización, de Marcuse. Pero el editor norteamericano me dijo que en Estados Unidos nadie pensaba en Marcuse. Otro título que imaginé fue Meu tropo. Recientemente encontré, en Google, referencias a un libro de epistemología titulado Tropical Truth(s). Es un estudio sobre tropos, las figuras del lenguaje, en su relación con la verdad. Así que mi libro, finalmente bautizado a partir del bolero “Vereda tropical”, es mi tropo, mi monstruosa metáfora (¿o metonimia?), al adjetivar su propia verdad. Cuando salió, edité un disco del que gusto más críticamente que de Fina estampa, aunque lo encuentro mucho menos agradable de escuchar: lo bauticé Livro. Hice muchos otros discos y shows en los años que siguieron a los que cuento en Verdad tropical. Escribir sobre eso sería como hacer otro libro. Puedo apenas decir algo que debe, en este último párrafo, orientar a quien me lea. Un ejemplo de mi juicio, de mi proceso de concientización y de cómo soy estimulado –lo que explica toda mi política y mi profecía– es este: hace pocos días vi a Marisa Monte cantando acompañada por Paulinho da Viola, Pretinho da Serrinha, Dadi y otros músicos. En un momento, ella ensayó unos pasos de samba. Ella sabe sambar. Roberta Sá, cantante más joven que ella, sabe sambar. Carmen Miranda no sabía sambar. Hasta donde yo se, tampoco lo sabía Aracy de Almeida, a la que Noel Rosa prefería a Carmen, que fue bautizada como “el samba en persona”. Ni Linda Batista. Ni Dalva de Oliveira. O Angela María. Parece que la primera cantante profesional de samba, estrella de la industria cultural, en saber sambar fue Elza Soares. Hoy, muchas chicas de clase media, actrices de cine y televisión, negras, mulatas o blancas, saben el paso básico del samba carioca. Carmen Miranda no lo sabía. En el palco de Radio Nacional, vi a Jorge Veiga esbozar pasos de escola do samba. Los cantantes del grupo Fundo do Quintal, de los años 90, son bailarines refinados de samba. Pero la costumbre de que las personas de clase media aprendan a bailar samba comenzó a mediados de los años 60, con la moda del samba de morro (iniciada por Nara Leao) y el restaurante Zicartola, en el que el compositor Cartola presentaba otros sambistas. Helio Oiticica, en ese período, se hizo pasista de Mangueira. Las generaciones que vinieron después aprendieron a sambar. Yo sé sambar, desde chico, en el estilo Reconcavo Bahiano. Bethania y Gal aprendieron algo de eso. El samba volvió a las calles de Salvador al comienzo de los 90, con el grupo Gera Samba, que se convirtió en E o Tchan. Antes, estaba restringido a las casas de camdomblé. Las cantantes de samba carioca comenzaron a sambar a partir de fines de los años 60. Carmen Miranda no sabía sambar. Eso, para mí, marca un cambio profundo en la historia de nuestra cultura popular.
7/12/2017
Debate no Instituto Moreira Salles (IMS) - Rio de Janeiro
Cuando escribí este libro, pensé en llamarlo Boleros y civilización, un viejo juego de palabras mío de 1968 (que hubiese aparecido en la contratapa de un disco que no hice porque la prisión interrumpió mis planes de composición), como un guiño al famosísimo titulo Eros y civilización, de Marcuse. Pero el editor norteamericano me dijo que en Estados Unidos nadie pensaba en Marcuse. Otro título que imaginé fue Meu tropo. Recientemente encontré, en Google, referencias a un libro de epistemología titulado Tropical Truth(s). Es un estudio sobre tropos, las figuras del lenguaje, en su relación con la verdad. Así que mi libro, finalmente bautizado a partir del bolero “Vereda tropical”, es mi tropo, mi monstruosa metáfora (¿o metonimia?), al adjetivar su propia verdad. Cuando salió, edité un disco del que gusto más críticamente que de Fina estampa, aunque lo encuentro mucho menos agradable de escuchar: lo bauticé Livro. Hice muchos otros discos y shows en los años que siguieron a los que cuento en Verdad tropical. Escribir sobre eso sería como hacer otro libro. Puedo apenas decir algo que debe, en este último párrafo, orientar a quien me lea. Un ejemplo de mi juicio, de mi proceso de concientización y de cómo soy estimulado –lo que explica toda mi política y mi profecía– es este: hace pocos días vi a Marisa Monte cantando acompañada por Paulinho da Viola, Pretinho da Serrinha, Dadi y otros músicos. En un momento, ella ensayó unos pasos de samba. Ella sabe sambar. Roberta Sá, cantante más joven que ella, sabe sambar. Carmen Miranda no sabía sambar. Hasta donde yo se, tampoco lo sabía Aracy de Almeida, a la que Noel Rosa prefería a Carmen, que fue bautizada como “el samba en persona”. Ni Linda Batista. Ni Dalva de Oliveira. O Angela María. Parece que la primera cantante profesional de samba, estrella de la industria cultural, en saber sambar fue Elza Soares. Hoy, muchas chicas de clase media, actrices de cine y televisión, negras, mulatas o blancas, saben el paso básico del samba carioca. Carmen Miranda no lo sabía. En el palco de Radio Nacional, vi a Jorge Veiga esbozar pasos de escola do samba. Los cantantes del grupo Fundo do Quintal, de los años 90, son bailarines refinados de samba. Pero la costumbre de que las personas de clase media aprendan a bailar samba comenzó a mediados de los años 60, con la moda del samba de morro (iniciada por Nara Leao) y el restaurante Zicartola, en el que el compositor Cartola presentaba otros sambistas. Helio Oiticica, en ese período, se hizo pasista de Mangueira. Las generaciones que vinieron después aprendieron a sambar. Yo sé sambar, desde chico, en el estilo Reconcavo Bahiano. Bethania y Gal aprendieron algo de eso. El samba volvió a las calles de Salvador al comienzo de los 90, con el grupo Gera Samba, que se convirtió en E o Tchan. Antes, estaba restringido a las casas de camdomblé. Las cantantes de samba carioca comenzaron a sambar a partir de fines de los años 60. Carmen Miranda no sabía sambar. Eso, para mí, marca un cambio profundo en la historia de nuestra cultura popular.
7/12/2017
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