O GLOBO
10/02/2013
Caetano Veloso
O COLUNISTA ESCREVE AOS DOMINGOS
Salomão e Cascadura
Um dos
melhores discos de rock brasileiro de sempre é o novo do Cascadura
Faz duas semanas, comentando aqui o “Gonzaga” de
Breno Silveira, escrevi que o show “Luiz Gonzaga volta pra curtir” talvez
tivesse sido dirigido por Waly Salomão. Não foi. O diretor foi Jorge Salomão.
Waly, segundo o próprio Jorge, só criou o título, que ele logo aprovou. O show
foi coisa que ficou marcada na minha cabeça como a oficialização do
reconhecimento de Gonzaga por parte da juventude de então. Disse que senti
falta de uma referência a isso no filme, como senti falta de Ivan Lins e do Som
Livre Exportação. Ao afirmar que a ausência de referências ao tropicalismo não me
incomodava, eu não estava renegando. Mal pensei no papel do tropicalismo nesse
episódio. Lembro-me de ouvir jovens contraculturais dizerem que os Beatles iam
gravar “Asa branca”. Essa lenda revela muito do clima mental da época. O
ressurgimento de sons rurais que veio com o rock (e que Ruy Castro deplora em
seu livro sobre a bossa nova, por considerar parte do assassinato da grande
canção urbana dos anos 1930 e 40) levava a moçada a fantasiar que o campo
brasileiro entraria no repertório do topo do pop-rock anglo-saxão.
Faz pouco tempo David Byrne finalmente gravou esse
clássico nosso, realizando, com décadas de atraso, o sonho dos malucos de 1968.
David pertence ao topo do pop-rock anglo-saxão e, atendendo a convite de Mauro
Refosco (que, aliás, está participando de um projeto extra-Radiohead de Thom
Yorke, chamado Atoms for Peace), gravou “Asa branca”. Em inglês, como os
desbundados dos sixties imaginavam que os Beatles fariam. O
delírio dos malucos se realizou. Esse delírio tinha ligações com o tropicalismo.
Gil sempre foi apaixonado por Luiz Gonzaga, não
tendo feito sequer uma suspensão desse amor durante a fase heroica da bossa
nova, coisa por que eu, um amante de Gonzaga aos 8 anos, tinha passado quando
cheguei aos 17. Não que eu desconsiderasse a força de Gonzaga, mas eu a situava
num terreno infantil, esquemático e ingênuo. Assim eu o via — sem pensar muito
nele — no período bossa nova da minha vida. O tropicalismo trouxe o velho Lua
de volta ao meu coração. Sua invenção pop do combo sanfona-zabumba-triângulo
tinha tudo a ver com o “Se manda” de Jorge Ben e, portanto, com o que a gente
planejava alcançar em nossas criações.
Não estou seguro de que o sonho acalentado pela
rapaziada do final dos anos 1960 de que os Beatles teriam gravado “Asa branca”
não tenha sido uma das motivações da minha decisão de gravar essa música quando
fiz meu primeiro disco londrino. Cantei-a em português exageradamente
pernambucano e só com meu violão de náilon, contrastando fortemente com a
fantasia dos desbundados. Claro que a razão primeira era a situação de exilado
em que me encontrava: a letra com esperança de volta dizia tudo o que eu queria
dizer.
A definição da atitude tropicalista teve muitos
elementos pernambucanos. Não apenas o amor de Gil por Gonzaga e sua repetidas vezes
referida passagem pelo Recife logo antes da virada pop na produção de canções
no Brasil. Havia também (e isso sobretudo para mim) a arrebatadora invenção do
trio elétrico — e esta não se entende sem a passagem do bloco Vassourinhas por
Salvador em 1949: o frevo-hino dessa agremiação recifense virou hino eterno do
carnaval baiano. O carnaval eletrificado da Bahia era uma força avassaladora só
conhecida dos habitantes de Salvador. Enconrajou-nos a eletrificar nossa música
e nos ajudou a chegar perto do rock por caminho muito nosso. E o rock entrou no
carnaval, com os trios soando entre heavy metal e progressivo a partir dos anos
1970. A história do rock na Bahia é intensa e rica — e, embora roqueiros
precisem opôr-se ao carnaval, ela não existe sem reconhecer-se nele. Não apenas
Raul, Marcelo Nova e Pitty sairam para o mundo gritando o rock soteropolitano:
o rock já tinha entrado na circulação sanguínea do próprio carnaval.
Quero ser justo: um dos melhores discos de rock
brasileiro de sempre é o novo do Cascadura, “Aleluia”. Fico profundamente
feliz: Zeca (ainda pequeno) e eu ouvíamos apaixonados o CD dessa banda
resistente quando eles gravaram “Nicarágua”. Eles nunca esmoreceram. Agora
trazem um trabalho extenso e denso, com rítmica complexa, timbres ricos e
interpretações espetaculares de Fábio. É um disco de responsa, que todos os
amantes de rock deveriam ouvir. Não deixa de ser significativo que eu o tenha
ouvido logo depois de ver Luiz Caldas encerrar noite quente no Fantoches com
“Vassourinhas”. O Baiana System também falou da história da guitarra baiana,
olhando para o futuro. Há referências ao carnaval em “Aleluia”. Vou ouvir mais.
E falar mais. Eu me perco: é que quero ser justo como Salomão.
Em 1968 surgiu uma história de que os Beatles gravariam Asa Branca, composição de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
1968
Revista
InTerValo
Ano
VI - n° 298
Editora Abril
Editora Abril
Pág. 16-17
Luiz
Gonzaga vai ganhar 50 mil dólares, no mínimo. Isto porque os Beatles decidiram
gravar o baião “Asa Branca”. Mas ficar milionário deixou Luiz com um drama de
consciência: não lembra com certeza de que a música é mesmo de sua autoria.
–
Desde que me conheço por gente – conta ele – Já cantava “Asa Branca”. Naquele
tempo, lá no Nordeste, ninguém se preocupava em saber quem tinha feito uma
música, nem sabia o que era folclore. Eu cantava músicas dos outros e os outros
cantavam minhas músicas, sem preocupações com direitos autorais. Deve haver por
ai muita música que inventei, passei adiante e que agora faça parte do folclore
nordestino.
Quando
Gonzaga tinha 8 anos. já era convidado para tocar sanfona nos “sambas”. Todo
mundo gostava de ver o menino tocar “Asa Branca”. Sua mãe, Dona Santana,
deixava ele ir, com a condição de que o trouxessem para dormir logo que o
sanfoneiro “oficial” chegasse ao baile. Para Luiz Gonzaga, “Asa Branca” sempre
foi uma música sua, embora ele não consiga lembrar-se de quando a criou.
Agora,
esta música será gravada pêlos Beatles. É um baião simples, feito com apenas
cinco notas. Gonzaga não tem medo de que os rapazes estraguem a puieza da melodia:
“Eles são muito inteligentes, conhecem música muito bem. Na
verdade, sempre senti nas “toadas” deles um pedacinho das nossas. Se
analisarmos com atenção a música nordestina, vamos ver que ela tem um quê de
música russa, flamenga e mesmo judaica e síria. 0 sertão conheceu muito os
sírios e judeus, que andavam com seus jegues carregados de coisas paia vender. Eles
influenciaram bastante a música e os hábitos dos nordestinos. Até hoje os
sertanejos usam a estrela de Davi nos seus chapéus de couro. Sabe, eu gostaria
muito que os Beatles usassem a gaita escocesa no arranjo. Ah. vai ficar uma beleza!”.
A TARDE
CULTURA| Música
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Dom, 05/05/2013
Caetano Veloso assiste show da banda Cascadura em Salvador
Lucas Cunha
Caetano conferiu a apresentação da banda de rock baiana no Portela Café |
O
músico Caetano Veloso, 70 anos, esteve presente ao show da banda de rock baiana
Cascadura, que aconteceu na última sexta-feira, 3, na casa de shows Portela
Café, em Salvador, ao lado do grupo conterrâneo Sertanília. Após a
apresentação, Caetano posou para uma foto com os integrantes do Cascadura.
Em
recente artigo, publicado no dia 10 de fevereiro em A TARDE, Caetano elogiou o
grupo Cascadura, ao afirmar que o mais recente álbum da banda,
"Aleluia", lançado em 2012, era "um
dos melhores discos de rock brasileiro de sempre".
Caetano
já está em Salvador para a apresentação do show da turnê do disco
"Abraçaco" (2012), que acontece no dia 17 de maio, sexta-feira, na
Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Os ingressos já estão esgotados.
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