"Arto
Lindsay tinha me proposto produzir um disco meu, junto com Peter Scherer, seu
parceiro nos Ambitious Lovers. Mas eu já tinha engatilhada a produção do disco Caetano
com Guto Graca Mello. Bob Hurvitz, do selo americano Nonesuch, que já tinha
feito um disco meu em Nova York (um que leva meu nome, foi gravado em dois dias
e tem faixas só com o violão ou com um pequeno grupo armado entre os músicos
que me acompanhavam no show Uns), queria fazer um outro disco comigo lá. Eu
botei os dois em contato. Daí nasceu Estrangeiro. É um disco de que muita gente
fala bem. Eu gosto. Acho que pensei o titulo do disco e daí pensei em escrever
a canção. Sempre soube que no título do disco o artigo definido não apareceria,
mas no da cancão, sim. É uma letra bonita. “Ara/ela”—“aro/elo”, são um par de
rimas interessante. E a lembrança de Dylan no final tem muita graça."
[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003. Página 55]
[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003. Página 55]
Música y letra: Caetano Veloso
© 1989
O pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
A Baía de Guanabara
O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a Baía de Guanabara
Pareceu-lhe uma boca banguela
E eu, menos a conhecera, mais a amara?
Sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela
O que é uma coisa bela?
O amor é cego
Ray Charles é cego
Stevie Wonder é cego
E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem
Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?
Uma arara?
Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara
Em que se passara passa passará o raro pesadelo
Que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o Amaro
Eu não sonhei:
A praia de Botafogo era uma esteira rolante de areia branca e óleo
diesel
Sob meus tênis
E o Pão de Açúcar menos óbvio possível
À minha frente
Um Pão de Açúcar com umas arestas insuspeitadas
À áspera luz laranja contra o quase não luz, quase não púrpura
Do branco das areias e das espumas
Que era tudo quanto havia então de aurora
Estão às minhas costas um velho com cabelo nas narinas
E uma menina ainda adolescente e muito linda
Não olho pra trás mas sei de tudo
Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo
Mas eu não desejo ver o terno negro do velho
Nem os dentes quase-não-púrpura da menina
(Pense Seurat e pense impressionista
Essa coisa de luz nos brancos dente e onda
Mas não pense surrealista que é outra onda)
E ouço as vozes
Os dois me dizem
Num duplo som
Como que sampleados num Sinclavier:
"É chegada a hora da reeducação de alguém
Do Pai, do Filho, do Espírito Santo, amém
O certo é louco tomar eletrochoque
O certo é saber que o certo é certo
O macho adulto branco sempre no comando
E o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo
Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita
Riscar os índios, nada esperar dos pretos"
E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento
Sigo mais sozinho caminhando contra o vento
E entendo o centro do que estão dizendo
Aquele cara e aquela:
É um desmascaro
Singelo grito:
"O rei está nu"
Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é‚ mais
bonito nu
E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo
E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo.
("Some may like a soft brazilian singer
But I've given up all attempts at perfection")
6362
7914 / 6:14
Álbum
"Estrangeiro"
Philips
LP 838.297-1, A-1.
CD
838 297-2, Track 1.
1995 – CÉLIA PORTO
Álbum
“Célia Porto”
Ponte
Studio Gravações Ltda. CD, Track 12.
/
4:32
Álbum
“Cole Porter e George Gershwin – Canções, Versões”
[Varios intérpretes]
[Cita: O Estrangeiro (Caetano
Veloso) en “Que De Lindo!” [It’s De-Lovely] (Cole Porter) Versión: Carlos
Rennó]
Geléia Geral/Wea CD 398429049-2, Track 2.
[Badagry Beach (Ben Onono/Caetano Veloso)]
/ 7:46
Álbum “Badagry Beach”
Ibadan Records 1 sided 12” nº IRC 048 [EE. UU.], Side A
[Limited Promo Only]
2002 - BEN ONONO
[Badagry Beach (Ben Onono/Caetano Veloso)]
Album "Ibadan People" Music Sophisticated Dance [Varios intérpretes]
Ibadan Records 2 CD’s IRC 054, CD 1, Track 1.[EE. UU.]
2011 - LUCIANO
MELLO
/ 6:26
Álbum
“TrêsCaetanos”
Gravações
Eletrodomésticas / A Vapor Estúdio CD Single RN-14, Track 1.
2017 – MARIA ALCINA
Álbum
“Maria Alcina – Espírito de tudo”
Músicas
de Caetano Veloso
Nova
Estação/Eldorado CD 7897181700361, Track 9.
2021 - THOMAS DE POURQUERY – SUPERSONIC
Voz: BERLEA BILEM
Álbum “Back to the Moon”
Lying Lion Productions CD
07071977, Track 12. [Francia]
Caetano Veloso foi pela primeira vez ao "Domingão do
Faustão" em 10 de setembro de 89, acompanhado de sua banda -que trazia
entre os membros, o percussionista, compositor desconhecido e futuro pop-star
Carlinhos Brown, ainda de cabelos curtos, sem os dread locks- formada por Tony
Costa (guitarra), Cesinha (guitarra), Ricardo Cristaldi (teclados) para
apresentar duas novas canções ao vivo: "O Estrangeiro", de sua
autoria, e "Meia Lua Inteira", de Carlinhos Brown, da trilha sonora de
"Tieta" e que se tornaria um dos maiores sucessos populares de sua
carreira.
Ele também reencontrou um velho colega de trabalho dos tempos
da TV Record, Caçulinha, que fazia parte da banda do "Domingão",
dirigida por Edson Frederico.
Caetano Veloso, de sunga e colar de contas |
O
videoclip da música dirigido pelo própio Caetano, foi gravado na praia de
Botafogo.
Traz
as participações de José Celso Martinez Corrêa, Regina Casé e Kiki Lavigne e imagens de arquivo.
03/11/09
'Lévi-Strauss me levou a pensar muitas coisas sobre
o país', diz Caetano Veloso
Compositor cita o antropólogo na letra de 'O estrangeiro'.
Música revela as impressões do francês sobre a Baía da Guanabara.
Música revela as impressões do francês sobre a Baía da Guanabara.
Paulo Guilherme
Do G1, em São Paulo
|
Caetano
Veloso citou uma observação do antropólogo Claude Lévi-Strauss em um dos
primeiros versos da música “O estrangeiro”, faixa de abertura do álbum de mesmo
nome lançado pelo cantor em 1989. “O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a
Baía de Guanabara/Pareceu-lhe uma boca banguela”, dizia a letra, que de certa
forma contribuiu para divulgar ainda mais a obra do francês e sua relação com o
Brasil. Em entrevista por e-mail ao G1, Caetano Veloso conta a história
da música e de sua admiração
pela obra de Lévi-Strauss, que teve sua morte anunciada nesta terça-feira (3/11):
Foto do antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908/2009), tirada em 2005 Foto: Pascal Pavani/AFP |
G1 -
O que te levou a incluir a citação a Lévi-Strauss na letra da música “O
estrangeiro”?
Caetano
- A vontade de abrir a
canção citando olhares estrangeiros sobre a Baía de Guanabara: tinha a
declaração de Gauguin, a de Cole Porter (ambas elogiosas) e eu quis juntar a de
Lévi-Strauss, depreciativa.
G1 -
De onde você buscou esta referência?
Caetano
- Do livro "Tristes
Trópicos". Nesse livro maravilhoso, Lévi-Strauss pede desculpas por
discordar de todos que acham o Rio bonito e declara que, para ele, a cidade não
tem nenhum encanto e as proporções entre a baía e as rochas que a circundam
(Pão de Açúcar, Corcovado, Urca e pedras menores) dão a impressão de uma boca
desdentada: os promontórios seriam muito pequenos para o tamanho da baía.
G1- Você teve algum
contato maior com os estudos de Lévi-Strauss?
Caetano - Li "Tristes Trópicos" em 1967. Fiquei
surpreso e maravilhado. Eu era fã de Sartre: nunca esperei encontrar algo tão
diferente dele e tão inteligente, revelador. Depois li "O pensamento
selvagem", "O cru e o cozido" e "Race et Histoire"-
além da longa entrevista com Didier Éribon e trechos de outros livros
(inclusive um sobre pintura). Lévi Strauss era um grande escritor e, como todos
sabem, um antropólogo que influenciou muita gente, dentro e fora da
antropologia. Seu nome está ligado à invenção do chamado
"estruturalismo". A filosofia, as ciências humanas em geral e a
política sofreram importantíssima influência de sua personalidade intelectual.
Leio essas coisas por gosto, sem método.
G1 – Você chegou a
conhecer o antropólogo pessoalmente?
Caetano - Nunca vi Lévi-Strauss pessoalmente. Sei que ele
soube (por alguns segundos) que um compositor brasileiro tinha citado a frase
dele. Ele apenas minimizou o aspecto negativo da observação, dizendo que tinha
escrito aquilo fazia muito tempo.
G1 – Para você, qual
foi a importância de Lévi-Strauss na concepção de Brasil?
Caetano - Na verdade, para mim foi muito grande. Ler "Tristes Trópicos" me levou a pensar muitas coisas sobre nosso país de um modo que não seria possível antes. O trecho sobre a USP é muito comovente e ainda instiga. Ainda hoje, no livro "Saudades do Brasil", a ideia de que os vasos marajoara são vestígios de uma grande civilização amazônica de onde teria saído a grande cultura andina (e não o caminho inverso) joga uma luz diferente sobre a maneira de sentirmos o significado de nossa terra.
Caetano - Na verdade, para mim foi muito grande. Ler "Tristes Trópicos" me levou a pensar muitas coisas sobre nosso país de um modo que não seria possível antes. O trecho sobre a USP é muito comovente e ainda instiga. Ainda hoje, no livro "Saudades do Brasil", a ideia de que os vasos marajoara são vestígios de uma grande civilização amazônica de onde teria saído a grande cultura andina (e não o caminho inverso) joga uma luz diferente sobre a maneira de sentirmos o significado de nossa terra.
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