Jornal Mundo Lusíada
29 de outubro de 2018
Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco |
Por Igor Lopes
Carlos Eduardo Drummond e
Marcio Nolasco são os autores do badalado livro “Caetano: Uma Biografia”,
lançado em 2017 pela editora Seoman. Ao longo de mais de 500 páginas, 26
capítulos e cerca de duzentas entrevistas, a obra revela a vida de Caetano
Veloso, “o mais Doce Bárbaro dos Trópicos”, reconhecido como um dos maiores
cantores e compositores da música popular brasileira. Em entrevista à nossa
reportagem, a dupla responsável pelo trabalho biográfico falou sobre a etapa de
pesquisa da obra, as passagens mais marcantes, os obstáculos para a publicação
do livro e a possibilidade de edição em outros países.
Como surgiu a ideia do livro?
Em 1996, decidimos escrever a
biografia de um grande nome da música popular brasileira. Na época, percebemos
que a história de alguns dos nossos cantores carecia de registro biográfico em
forma de livro. O primeiro artista lembrado foi Roberto Carlos, mas as
dificuldades de chegar até ele nos motivaram a mudar de personagem. A mãe de
Marcio Nolasco, dona Ana Marlene, havia estudado com Rodrigo Velloso, irmão de
Caetano Veloso, outro importante artista com a mesma lacuna bibliográfica. Isso
nos facilitou o primeiro contato e assim decidimos pelo cantor baiano.
Como foi a pesquisa?
Foi o período mais agradável do
projeto. Primeiramente, tivemos a ajuda de Rodrigo Velloso, que nos recebeu em
Santo Amaro e Salvador, e nos apresentou à fotógrafa Maria Sampaio, guardiã do
acervo da família. Com a base documental estabelecida por ambos, criamos, em
seguida, uma rede de contatos que nos permitiu obter preciosos depoimentos,
tanto de familiares quanto de amigos de infância e juventude. Dessa primeira
relação de entrevistados, também recebemos apoio valioso de Antônio Nunes, o
Manteiga, amigo de infância de Caetano, atualmente radicado em Itabuna, na
Bahia. Aqui no Rio, fomos muito bem recebidos pelo cantor e compositor Roberto
Menescal, um dos criadores da Bossa Nova, e pelas cantoras do Quarteto em Cy,
que nos facilitaram a conexão com outras celebridades do meio musical
brasileiro. Ao todo foram 103 entrevistados, totalizando quase duzentas
entrevistas.
Quando e onde foi lançado?
Em meio a uma grande cobertura
da imprensa, lançamos o livro no Rio de Janeiro em maio de 2017. No decorrer
daquele mês, também lançamos em São Paulo, com show da cantora baiana
Gilmelândia, e, em Salvador, com a presença de Mabel Velloso, irmã do cantor, e
de artistas e amigos de infância dele. Não por acaso três dos principais
cenários das muitas histórias contadas no livro.
Que pontos são mais marcantes na obra?
Particularmente, destaco todo o
período da infância e juventude, que revela ao leitor como se deu a base da
formação de Caetano Veloso. Primeiramente, em Santo Amaro, no interior da
Bahia, e, depois, em Salvador, capital baiana. Esses trechos lançam luz em
personagens importantes na formação do artista, pouco ou nunca lembrados pela
imprensa brasileira. Também revelam o jovem Caetano Veloso, ainda estudante, em
dúvida sobre qual carreira abraçar. Conhecida essa base da sua formação, é
possível entender muitas decisões que ele tomaria no futuro, quando inaugurasse
com Gilberto Gil o movimento Tropicalista, ou, em cada disco lançado, depois de
engrenar uma carreira duradoura, reiniciada no início dos anos 1970, após o seu
retorno do exílio em Londres.
Que histórias mais surpreenderam vocês em relação à vida de Caetano?
A origem de várias das suas
canções, biográficas, em sua totalidade, é sempre cheia de referências
afetivas. Identificar essas fontes, conhecendo o contexto em que as músicas
foram compostas, nos permitiu compreender melhor a sua obra, e até mesmo
entender, por exemplo, a lógica de seleção de um repertório em determinado
show. As grandes turnês internacionais também renderam muitas boas histórias.
Em Portugal, na Espanha, na Argentina, em Nova York, no Japão, por onde Caetano
passou, havia uma legião de fãs e testemunhas. E nós falamos com muitas deles,
que nos revelaram saborosas passagens. Os bastidores do regime militar, contados
por um tenente da época, igualmente nos surpreenderam e nos ajudaram a entender
como funcionava o protocolo de atuação daquele regime, que culminou com a
prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 1968. Detalhes inéditos da sua vida
amorosa, que influenciaram a sua obra e carreira, também são revelados ao longo
dos capítulos. O livro é rico em histórias inéditas, e não só do Caetano. Nesse
sentido, são várias biografias dentro da biografia. Há, por exemplo, uma
história mística de Maria Bethânia, que nos foi contada por uma das suas irmãs,
e confirmada pela cantora, acerca da sua relação com um Orixá da Bahia antes de
iniciar a sua carreira no Rio de Janeiro.
Que obstáculos encontraram durante a confecção da obra?
Inúmeros obstáculos. Todos os
custos da pesquisa, incluindo as muitas viagens a São Paulo, Salvador e Santo
Amaro, saíram do nosso próprio bolso. Então, o primeiro grande obstáculo nos
afetou no plano financeiro. Outro grande desafio foi dividir o tempo de
pesquisa com as nossas outras atividades profissionais. Durante os oito anos de
trabalho, entre pesquisa e redação, praticamente não tivemos férias, e muitos
dos nossos finais de semana foram consumidos dentro de bibliotecas ou diante de
computadores. Vale destacar também as dificuldades naturais de localizar
pessoas e documentos, no campo da pesquisa, e o desafio de estabelecermos um
estilo literário comum aos dois autores, no quesito redação. Por fim, é
importante registrar que o maior obstáculo pelo qual passamos aconteceu após a
finalização da primeira versão da obra. A ausência de uma autorização formal do
biografado nos forçou a engavetar o projeto por 11 anos, pois a lei brasileira
em vigor na época obrigava a existência de uma autorização do biografado ou dos
seus herdeiros para a publicação de uma biografia. Somente em 2015, após a
Suprema Corte Brasileira abolir essa lei, foi possível desengavetar o livro,
fazer uma revisão profunda, tanto de informações quanto de texto e estilo, e,
finalmente, publicá-lo. Do início do projeto, em 1997, até a sua publicação, em
2017, foram 20 anos de espera. Parafraseando Caetano: “é engraçada a força que as
coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”.
Como o público tem recebido o livro?
A reação de quem leu o livro
com isenção tem sido a melhor possível. A todo momento, recebemos em nossas
redes sociais mensagens de leitores de todo o Brasil, e até do exterior,
elogiando a obra e agradecendo por termos conseguido êxito nessa publicação tão
necessária à preservação da memória das artes em nosso país. Recentemente,
recebemos o apelo de um argentino para publicarmos o livro por lá. Ele nos
passou as editoras indicadas e iniciamos o contato, pois o público
latino-americano não pode ser privado dessa história. O mesmo sentimento
nutrimos em relação à compartilhar com os portugueses o resultado desse
trabalho. Esse livro vai chegar à América Latina e à Europa. É uma questão de
tempo.
Que mensagem procuraram deixar com esse trabalho literário?
O livro mostra as escolhas e
decisões que levaram um menino simples, nascido e criado no interior da Bahia,
nos anos 1940, a se tornar um dos artistas brasileiros mais completos de todos
os tempos, e mundialmente reconhecido. Além de apresentar ao leitor a
trajetória de um cantor tão bem-sucedido, o livro demonstra a forma como ele se
relaciona com tudo que está a sua volta, a sua época e os seus contemporâneos,
e revela, por meio das suas escolhas estéticas abrangentes e da sua forma
particular de pensar o mundo, os segredos do seu sucesso profissional e a
origem da riqueza cultural da sua obra.
Que projetos têm para o futuro?
Há projetos individuais e em
dupla. Especialmente um, em dupla, se mostra mais próximo de ser concretizado.
Trata-se de outro livro biográfico. Por enquanto, não podemos revelar o nome do
personagem, pois as negociações ainda estão para acontecer.
E qual é o perfil dos autores?
Carlos Eduardo Drummond é carioca, nascido em 1971. Formado em Administração de Empresas pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-graduado em Relações
Internacionais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Poeta, escritor e
compositor, autor de três livros e coautor dos Sambas de Enredo da Imperatriz
Leopoldinense de 2011, ganhador do prêmio “Estandarte de Ouro”, e de 2013.
Também é servidor público na Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), ligada ao
Ministério da Cultura.
Marcio Nolasco é também
carioca, nascido em 1969. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ávido leitor, cinéfilo, contista, com trabalhos
publicados em diversas antologias. É auditor fiscal na Secretaria de Fazendo do
Estado do Rio de Janeiro. Casado com a cantora e professora de música Tatiana
Pinheiro, é pai de Guilherme.
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