miércoles, 21 de noviembre de 2018

1968 - PRIMEIRA FEIRA PAULISTA DE OPINIÃO





"Que pensa você do Brasil de hoje?"




12/5/1968 - FOLHA DE S.PAULO



7/6/1968








1968 - Cartaz da Primeira Feira Paulista de Opinião































Primeira edição da Feira Paulista de Opinião - Foto: Derly Marques




























Programa










 

 



















































2016

"Em 1968, Augusto Boal dirigiu a Primeira Feira Paulista de Opinião, mobilizando artistas de teatro, música, poesia, cinema, fotografia e artes plásticas.

A peça sofreu a censura prévia do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), que lhe aplicou dezenas de cortes que afetariam drásticamente o entendimento pelo público. Muitos dos participantes da Feira - sobretudo o núcleo ligado ao Teatro de Arena de São Paulo ou inspirado por ele - passaram a incorporar diferentes estratégias de ação política em evidência no âmbito nacional e internacional, como desobediência civil, e propor alternativas de resistência político-cultural, como ações judiciais.

As conquistas estético-políticas, em maturação desde o final da década de 1950, não foram completamente abolidas, mas foram instrumentalizadas em busca de eficácia política, passado o golpe de 1964. Este artigo analisa pormenores desse evento artístico-cultural, sua relação com a censura teatral e a configuração de espaços alternativos de resistência cultural.

O projeto da I Feira Paulista de Opinião começava com a pergunta "Que pensa você do Brasil de hoje?", à qual mais de 70 artistas aceitaram responder através de textos, músicas, pinturas, poemas, vídeos e fotografias. Os textos foram escritos por Augusto Boal, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Lauro Cezar Muniz e Plínio Marcos; as músicas compostas por Ari Toledo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Sérgio Ricardo; as pinturas eram de Aldemir Martins, Clovis Graciano, Wesley Duke Lee, Manabu Mabe, Nelson Leirner, Mário Gruber, Maria Bonomi, Carmélio Cruz, Flávio Império, Sérgio Ferro; e os poemas de Pericles Eugênio da Silva Ramos, Lindolfo Bell, Lupe Cotrin Garraude, Mário Chamie, Bento Prado, Augusto e Haroldo de Campos. A Feira também contou com a participação de cineastas como Sérgio Muniz, Maurício Capovilla e Luís Sérgio Person e fotógrafos como Dulce Carneiro e Derly Marques. Como se vê pela composição da Feira tratava-se de uma frente de resistência dos mais variados matizes, tendo em comum a luta contra a ditadura militar.

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Seis dramaturgos escreveram seis histórias, cada qual abordando um problema específico. A ordem das encenações começou com a apresentação da peça A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, de Augusto Boal, seguida da interpretação do poema Tonada de Manuel Rodrigues, de Pablo Neruda, ambos uma espécie de dedicatória a Che Guevara, assassinado em 1967. Nesta peça, Boal colocou em evidência o sistema coringa e apresentou a técnica do teatro jornal para construir sua "crônica de uma morte anunciada". Ele a definiu como uma colagem de textos do Diário do Che na Bolívia, visando reconstruir seus últimos passos em território boliviano, bem como seu ideal de unificação dos países latino-americanos, associando-o inclusive a um dos mártires do processo de independência da América Latina. Tocou em várias questões sensíveis à censura e tocou em temas proibidos na ditadura militar e, por isto, teve páginas inteiras cortadas numa situação atípica até mesmo para a censura de então, conforme será esmiuçada mais adiante. . . ."

[Miliandre Garcia, Da resistência à desobediência: Augusto Boal e a I Feira Paulista de Opinião (1968)]




Maio 2018

Estilhaços Estéticos da 1ª Feira Paulista de Opinião Contra a Barbárie Política: Análise da Canção Enquanto Seu Lobo Não Vem e da Peça O Líder


Cláudia Bellanda Pegini*
* Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR, 87020-900

Alexandre Villibor Flory (UEM)*
** Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá - PR, 87020-900


As respostas se materializaram em forma de teatro, música e artes plásticas, com o propósito comum de resistência e compreensão crítica do período. No artigo em questão, faremos um recorte e analisaremos a canção Enquanto o seu lobo não vem, de Caetano Veloso, e a peça O líder, de Lauro César Muniz.

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“O conjunto de 6 peças e 5 canções que formavam a produção coletiva da Primeira Feira Paulista de Opinião surgiu como resposta à questão colocada por Augusto Boal: “Que pensa você do Brasil de hoje?”. Em agosto de 1968, de um texto integral de 80 páginas enviadas para a avaliação da Censura, voltaram apenas 15 páginas liberadas para a representação.

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O ato I, da Primeira Feira Paulista de Opinião, tem início com um tema orquestrado de Edu Lobo que faz referência a outras músicas usadas no espetáculo, enquanto um ator entregava à plateia sacos com um líquido vermelho, simulando sangue. O início performático e interativo anuncia o caráter experimental do espetáculo e a proposta de levar o público a dialogar com os elementos visuais dispostos como cenário caótico da peça.

Na sequência, é executada a canção “Enquanto seu lobo não vem”, de Caetano Veloso, canção que, no mesmo ano de 1968, foi gravada no álbum Tropicália ou panis et circenses, com pequenas diferenças na letra.

Uma performance, seguida de uma canção tropicalista: que combinação é esta? O mesmo Boal que redige o texto de abertura da Feira e que critica veementemente a corrente artística liderada por Veloso, chamando-a de modismo chacriniano, darcinesco e neorromântico, é o diretor do espetáculo que elege a canção tropicalista para ser texto e voz de abertura. Há aí uma contradição evidente a ser avaliada.

A letra da canção de Veloso, transcrita a seguir, resgata em chave paródica o temor infantil, o medo primitivo frente à certeza de que o algoz está a caminho. A música da fábula dos “Três porquinhos”, que aproveitam a ausência do lobo para usufruir da liberdade de brincar, é acionada para dar ao convite do eu lírico o contorno de proveito com tempo determinado, pois a ameaça, ironizada na figura do lobo, prevalece.

Na primeira estrofe, o convite ao passeio “na floresta escondida” e à “vereda no alto” remetem a habitats nacionais anteriores ao processo de urbanização, mas, entre os versos da floresta e da vereda está a avenida, que se desdobra em cordilheira no conjunto de fragmentos. A floresta de prédios altos, a vegetação do cerrado de concreto e a cordilheira escondida sob o asfalto que cobre a cidade fundem o espaço nativo ao urbano, gerando uma profusão de sentidos. A imagem do carnaval, da Estação Primeira de Mangueira, desfila pelas ruas largas do poema, pelas avenidas largas da cidade com nome de Presidente. O recorte do nome da avenida e sua insistente repetição referenciam o governante que marcou a história nacional com um primeiro regime ditatorial. Apesar do medo, presente na estrofe inicial, passear é ainda colocado como algo possível:


ENQUANTO O SEU LOBO NÃO VEM

Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas do alto, meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto
A Estação Primeira de Mangueira passa em ruas largas
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
Presidente Vargas
Presidente Vargas
Presidente Vargas

Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas
Debaixo das bombas, das bandeiras, debaixo das botas
Debaixo das rosas, dos jardins, debaixo da cama
Debaixo da cama
Debaixo da cama
Debaixo da cama



Se na forma: na simetria das estrofes e no paralelismo dos versos e refrões há indicações de semelhança entre a primeira e a segunda estrofes; no conteúdo, ocorre uma alteração contundente. A possibilidade irônica de passear livremente pelos Estados Unidos do Brasil se esvai, pois, no segundo conjunto de versos, o passear se clandestiniza, as ações são “escondidas”, por debaixo das ruas, das bombas, das bandeiras, das rosas, dos jardins e da cama. O cenário de violência(bomba), de apelo patriótico (bandeiras), de força policial coercitiva (botas), somado à necessidade de estar escondido também no ambiente doméstico (flores, jardim, cama), indicam que não há local livre do medo do lobo.

Em uma composição harmônica, no sentido empregado por Mário de Andrade (1980) em seu Prefácio Interessantíssimo, a canção se constrói por uma sequência de frames com apelo imagético. Veloso faz cinema com palavras: não é possível dissociar a linguagem da tela considerando o modo como o compositor cria, quadro a quadro, uma transfiguração do real: das ruas, cisões e violências que são invocadas.





Jô Soares sobre a I Feira Paulista de Opinião

Trecho retirado do livro “O livro de Jô – Uma autobiografia desautorizada” lançado no mês de novembro de 2017. O texto, selecionado pelo Instituto Augusto Boal, retrata a memória do autor (Jô Soares) acerca da sua participação na I Feira Paulista de Opinião




“O ano de 1968 foi muito agitado para o pessoal do teatro. Numa conversa entre o Lauro César Muniz, o Augusto Boal, o Plínio Marcos e o Jorge Andrade, surgiu a ideia de fazer um espetáculo coletivo onde se procuraria responder à questão “O que pensa você do Brasil de hoje?”. Imediatamente o Boal propôs que o Teatro de Arena produzisse o evento, e eles convidaram o Gianfrancesco Guarniere e o Bráulio Pedroso para participar também. Os autores escreveram seis peças curtas: O líder (Lauro), É tua a história contada? (Bráulio), Animália (Guarniere), A receita (Jorge), Verde que te quero verde (Plínio) e A lua muito pequena e a caminhada perigosa (Boal). As peças eram entremeadas de canções: “Tema de abertura” (Edu Lobo), “Enquanto seu lobo não vem” (Caetano Veloso), “M.E.E.U.U. Brasil brasileiro” (Ary Toledo), “Espiral” (Sérgio Ricardo) e “Miserere nobis (Gilberto Gil). O Arena havia criado uma fórmula de unir o teatro com a música nos seus espetáculos de grande sucesso – Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes – que funcionava muito bem, e a fórmula seria adaptada para a I Feira Paulista de Opinião.

Entre os corajosos atores que participaram da Feira estavam a Aracy Balabanian, o Renato Consorte, a Miriam Muniz, o Rolando Bondrin, a Cecília Thumim Boal, o Antonio Fagundes, o Luís Carlos Arutin, o Luiz Serra, o Zanoni Ferrite. No saguão do teatro, havia obras de artistas como Nelson Leirner (um longo túnel verde e amarelo), de Marcello Nitsche, do Mário Gruber, do Cláudio Tozzi. A cenografia e os figurinos foram do Marcos Weinstock, e a direção musical do maestro Carlos Castilho. Eu fiz o cartaz da Feira, baseado num antigo anúncio do Xarope São João, onde aparece a ilustração do homem sendo amordaçado, com a legenda “Larga-me… deixa-me gritar!”. No meu cartaz, lia-se: “Largue-me, deixe-me falar”. Na época, a divulgação mais efetiva do teatro era pregar cartazes em todos os muros da cidade, então São Paulo foi toda empapelada com o cartaz da Feira, o que me deixou superemocionado. A primeira vez que entrevistei Augusto Boal no meu talk show, ele me levou de presente o original do cartaz. Participei da Feira também com uma pintura que acabou dando muita repercussão, e me expôs ainda mais aos órgãos censores e repressores da ditadura.

Ela retratava um general sentado na privada e tinha o título O repouso do guerreiro. O curioso é que, coincidentemente, no texto do Plínio Marcos para a I Feira Paulsita de Opinião tinha um militar do departamento de censura que ia ao banheiro, usava um capacete como penico e se limpava com o texto da uma peça. Dá pra ver que havia uma sintonia no grupo que se uniu em torno do evento. O Boal sempre abria o espetáculo dizendo que o evento era o primeiro ato de desobediência civil feito nos palcos e mostrava o meu quadro, que sempre provocava gargalhadas.

Enquanto a censura não liberava o evento oficialmente, várias peças que estavam em cartaz em São Paulo, em solidariedade, abriram espaço durante suas apresentações para os atores da Feira fazerem intervenções que serviam para a divulgação do evento. Um casal que eu amava, Fernanda Montenegro e Fernando Torres, que estava em cartaz no Teatro Maria della Costa, abriu generosamente espaço para a divulgação do espetáculo. A abertura da I Feira Paulista de Opinião, no dia 7 de junho de 1968, na sala Gil Vicente do Teatro Ruth Escobar, foi um grande ato de desobediência civil, pois não tinha o certificado de autorização da Censura. (Ao mesmo tempo, a Roda Vida, em montagem explosiva do Zé Celso Martinez Corrêa, estava no Teatro Galpão; o endereço da rua dos Ingleses, naqueles dias, funcionava como um lugar aberto ao público de contestação ostensiva ao regime militar.) Os textos do evento haviam sofrido mais de setenta cortes pela Censura e ninguém quis aceitar os vetos. O advogado Luiz Israel Febrot, que também era autor de teatro, conseguiu uma liminar do juiz Américo Lacombe, da 9ª Vara Federal, e os organizadores tocaram o projeto em frente. Estávamos mobilizados e todo mundo foi para o teatro preparado para o pior, prevendo a possibilidade de haver confronto com a polícia. Alguns atores e diretores estavam armados. Antes do início, Cacilda Becker leu um manifesto que dizia:
A representação na íntegra da I Feira Paulista de Opinião é um ato de rebeldia e desobediência civil. Trata-se de um protesto definitivo dos homens livres de teatro contra a Censura de Brasília, que fez 71 cortes nas seis peças. Não aceitamos mais a Censura centralizada, que tolhe nossas ações e impede nosso trabalho. Conclamamos o povo a defender a liberdade de expressão artística e queremos que sejam de imediato postas em prática as novas determinações do grupo de trabalho nomeado pelo ministro Gama e Silva para rever a legislação da Censura. Não aceitando mais o adiamento governamental, arcaremos com a responsabilidade desse ato, que é legítimo e honroso. O espetáculo vai começar.

A Feira foi um momento marcante no nosso teatro. As sessões ficavam lotadas – era um canal para o público se manifestar sobre os rumos do país – e a repercussão crítica foi enorme. Anatol Rosenfeld observou:
No seu todo, a “peça” composta por seis peças enriquece o teatro brasileiro pela originalidade de sua proposição geral de “feira de opinião”, pelo arrojo com que reúne e funde, num só espetáculo, atores tão diversos, assim como pelas possibilidades que abre à imaginação cênica dos diretores.”










Bibliografia



1a  Feira Paulista de Opinião

Dentre os espetáculos teatrais mais importantes da década de 1960, a Primeira Feira Paulista de Opinião é dos menos lembrados e algumas das peças que integraram a encenação permaneceram inéditas até esta edição. Com raras exceções, o espetáculo não foi compreendido em sua capacidade notável de articular passado e futuro das experiências dramatúrgicas do período, nem por indicar conexões não especializadas entre artistas de diversas áreas.

A Feira procurou fazer com que o espetáculo vazasse para além da sala de apresentações. No saguão, obras de diversos artistas plásticos (Jô Soares, Marcello Nitsche, Nelson Leirner, Cláudio Tozzi, Mário Gruber, entre outros). No palco obras de cinco dos mais destacados dramaturgos do período (O líder, de Lauro César Muniz, É tua a história contada?, de Bráulio Pedroso, Animália, de Gianfrancesco Guarnieri, A receita, de Jorge Andrade, Verde que te quero verde, de Plínio Marcos, e A lua muito pequena e a caminhada perigosa, de Augusto Boal) entremeadas por canções de Ary Toledo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Sérgio Ricardo, além de uma suíte orquestrada de Edu Lobo.

Sua estreia no Teatro Ruth Escobar, no dia 7 de junho de 1968, mobilizou a categoria artística num ato de desobediência civil sem precedentes em reação à imposição de 84 cortes pela censura, que há pouco tempo havia se tornado federal. Naquela sexta-feira, dezenas de artistas deixaram de apresentar seus espetáculos para subir ao palco do Ruth Escobar para ler um manifesto. Em seguida, o conteúdo integral do espetáculo foi encenado. Dias depois, após intervenção judicial e pressão da categoria artística, a peça foi liberada.

Esta edição crítica reúne pela primeira vez todas as peças e canções de Feira Paulista de Opinião, além de reunir depoimentos, imagens e um vasto material documental com textos que originaram algumas das peças, críticas e uma sequência de textos jornalísticos relacionados ao processo de censura e à entrega dos prêmios Saci ao jornal O Estado de S. Paulo.


Autores: Jô Soares, Marcello Nitsche, Nelson Leirner, Cláudio Tozzi, Mário Gruber, Lauro César Muniz, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Plínio Marcos, Augusto Boal, Ary Toledo, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Sérgio Ricardo e Edu Lobo
Número de páginas: 380
ISBN: 9788577432783

Editora: Expressão Popular






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