lunes, 5 de septiembre de 2016

2010/2014 - Coluna O GLOBO



CAETANO PROVOCA DEBATE SOBRE O PELÔ

19/5/2010




Pedras "cabeça de nego" formam o calçamento do Largo do Pelourinho. 
Foto de FERNANDO VIVAS | Agência A Tarde – 6/3/2008
 
Em sua estreia como colunista do Segundo Caderno de O Globo, no domingo 9 de maio, Caetano Veloso retomou a discussão sobre reforma, restauração e abandono do Pelourinho, nome dado à região do Centro Histórico da Cidade da Bahia que fica em torno do Largo do Pelourinho. O artigo, intitulado “Política: o Largo da Ordem” (referência ao largo situado no centro de Curitiba que foi recuperado pelo prefeito Jaime Lerner nos anos 70), teve forte repercussão na Bahia, provocando pronunciamentos de políticos da situação e da oposição.




O GLOBO – Cultura 
9/5/2010

Caetano Veloso estreia coluna no GLOBO. 'Política: o Largo da Ordem'

por Caetano Veloso

Quando disse a Leminski, no começo dos anos 70, que me encantava a recuperação do Largo da Ordem, no centro de Curitiba, ele riu: "Você adora enganações feitas para a classe média." Respondi que adorava mesmo. Sempre à esquerda, Leminski via limpeza, iluminação, policiamento e restauração de prédios como maquiagem - e olhava com desconfiança meu interesse por Jaime Lerner, o então prefeito da cidade que fora indicado pelo governo militar. Eu odiava o regime - e desprezava os que chegavam ao poder em acordo com ele. Mas não via o Largo da Ordem como enganação. Bem, talvez se pudesse dizer que aquilo se dirigia à classe média. Mas eu ri ao dizer diante da cara do poeta: "Eu sou classe média." O que de fato pensei foi: se se fizesse algo assim com o Pelourinho, o Brasil decolaria - ou estaria mostrando que já decolara. Era sonhar demais.

Ainda nos 70, os sobrados da área estrita do Largo do Pelourinho foram restaurados. Lembro duas reações negativas: Candice Bergen e Décio Pignatari. Em ocasiões diferentes, ouvi de ambos: "Parece a Disneylândia." Eu próprio, diante das tintas plásticas usadas, apelidei o novo Pelourinho de Giovanna Baby. Mas a verdade é que, tendo crescido em Santo Amaro, eu não achava artificial uma rua com casas antigas pintadas com tintas novas: era o que acontecia ali a cada fevereiro, mês de Nossa Senhora da Purificação. 

Achei que Candice e Décio pensavam que casa velha tem que ter limo e reboco caindo. Décio, de Sampa, queria velharia mais "autêntica". Candice, de Los Angeles, reviu o que expõe a artificialidade de sua terra natal: Disneylândia. Já eu só via o esboço de realização da promessa do Largo da Ordem.

Nos anos 90, toda a região do Pelourinho ganhou o tratamento que eu imaginara utópico em 1972. Há queixas contra os métodos usados para a retirada dos moradores. Há a frase bonita de Verger: "Devia se erguer no Pelourinho um monumento às putas." Elas é que mantiveram de pé esse pedaço da cidade. Em 1960, vendo a harmonia de formas exibida em matéria deteriorada, eu me sentia fascinado também pela degradação dos habitantes. 

A prostituição mais anti-higiênica manteve os sobrados de pé. Casas sem moradores caem. As do Pelô exibiam as marcas da decadência da humanidade que as povoava e as mantinha erguidas.

ACM é um nome que se evita - a não ser que se queira xingá-lo ou adulá-lo. Medir objetivamente seu legado é anátema. Tou fora. Truculento, vingativo, populista, Antônio Carlos Magalhães era o tipo de político de que desejei ver a Bahia e o Brasil livres. Fiz-lhe sempre oposição. Cantei nos comícios de Waldir Pires, que se elegeu governador. Mas Waldir uniu-se com parte da oligarquia rural que odiava ACM desde sempre. O vice de Waldir era um representante dessa oligarquia. Waldir mal esquentou a cadeira: saiu para tentar ser vice na candidatura furada de dr. Ulysses. ACM voltou em glória nas eleições seguintes.

A essa altura, ele já tinha feito as avenidas de vale (um projeto de 1942), ligando entre si partes distantes da cidade (outrora com tráfego apenas nas cumeadas). E atraído quadros de alto nível técnico. Na sua volta, retomou os trabalhos do Pelourinho, que floresceu. O escolhido para dirigir o projeto foi o antropólogo Vivaldo da Costa Lima. Vivaldo, cujo amor pela cultura do povo baiano não pode ser superestimado, não acolheria decisões malévolas. Seja como for, a restauração, com os atrativos para quem quisesse estabelecer negócios ali, mudou a cara da cidade. Jovens que até os anos 80 nunca tinham ido ao centro histórico lotavam os bares do Pelourinho. Isso deu ao baiano uma nova auto-imagem.

O atual governo do PT precisaria se posicionar de forma clara face ao legado de ACM. Sentir que talvez haja desprezo pelo Pelourinho deprime. A explicação dada é que as facilitações oferecidas aos negociantes que ali se estabeleceram são artificiosas. O secretário de Cultura, meu amigo Márcio Meirelles, é o responsável pelo destino da área. Diretor do Bando de Teatro Olodum, Márcio nos deu "Ó paí, ó!". O elenco que ele reuniu é um espanto de vitalidade. Mas, nesse e em outros espetáculos do grupo, o sarcasmo relativo à reforma do Pelourinho vinha colorir o ódio a ACM. Eu adorava a peça assim mesmo. Arte é coisa séria. Aquelas pessoas falando e se movendo daquela maneira estão, na verdade, mais sintonizadas com as forças que fizeram possível a recuperação do Pelourinho do que com a demagogia que por vezes se comprazem em veicular contra ela.

Depois vieram o Recife Velho, o Centro de São Luís, algo do Centro de São Paulo - e sobretudo veio vindo a Lapa. A iniciativa privada se achegou, a Sala Cecília Meireles dera a largada, o Estado entrou com o trato dos arcos, iluminação, policiamento - e temos uma mostra de como nos vemos nestes anos FH-Lula. O governo petista da Bahia deveria tomar o Pelourinho como uma joia a ser cuidada. Aproveitar o aproveitável de ACM -- e fazer melhor. Não é saudável fazer com os benefícios aos negociantes aderentes o que Ipojuca Pontes fez com o cinema ao acabar com a Embrafilme. Esse privatismo repentino soa suspeito. O abandono do centro histórico tem parte no aumento da criminalidade. Política para mim é isso. Capturar as forças regenerativas da sociedade e trabalhar a partir delas. Não se atar a facções ideológicas como a torcidas de futebol - nem, muito menos, a grupos de interesses inescrupulosos.




10/5/2010 
 
Em sua estreia como colunista, Caetano critica situação do Pelô
O governo petista da Bahia deveria tomar o Pelourinho como uma joia', diz o cantor

Felipe Amorim e Luana Rocha | Redação CORREIO | Fotos: Angeluci Figueiredo

Com Caetano Veloso, a polêmica soa sempre como uma de suas antigas canções. Prosa e argumentos afinados, o cantor estreou ontem sua coluna domingueira no jornal carioca O Globo entoando um conhecido refrão dos baianos: o estado de abandono (ou não, diria o próprio) em que se encontra o Pelourinho.
No artigo, ele faz um resgate histórico do local, mas critica a condução política que tem sido dada ao Pelô. “Sentir que talvez haja desprezo pelo Pelourinho deprime”, afirma o cantor em trecho do artigo. Caetano lembra do falecido senador Antonio Carlos Magalhães ao afirmar que é preciso que o atual governo se posicione de forma clara face ao seu legado para o Centro Histórico: “ACM é um nome que se evita. Medir objetivamente seu legado é anátema”, diz no Globo.



Abandono do Pelourinho foi tema do primeiro artigo escrito por Caetano

Mesmo desafinando politicamente do antigo senador - “Fiz-lhe sempre oposição. Cantei nos comícios de Waldir Pires, que se elegeu governador” - Caetano reconhece como positivas as reformas do Pelourinho realizadas no governo de ACM na década de 1990: “Seja como for, a restauração, com os atrativos para quem quisesse estabelecer negócios ali, mudou a cara da cidade. Jovens que até os anos 80 nunca tinham ido ao Centro Histórico lotavamos bares do Pelourinho. Isso deu ao baiano uma nova autoimagem”. Logo depois, ele emenda: “O governo petista da Bahia deveria tomar o Pelourinho como uma joia a ser cuidada. Aproveitar o aproveitável de ACM- e fazer melhor”.

HERANÇA
O legado carlista no Centro Histórico foi desde sempre mote de dissonâncias. As principais críticas foram sobre a retirada dos moradores originais do bairro e que o projeto seria eminentemente voltado para os turistas.
Sobre a polêmica, Caetano lembra no artigo da crítica que ouviu de Paulo Leminski nos anos 1970 sobre a recuperação do Largo da Ordem, em Curitiba: “Você adora enganações feitas para a classe média”, teria dito o poeta.
Mas para ele não havia problema no projeto.“ Se se fizesse algo assim com o Pelourinho, o Brasil decolaria”, pensou Caetano na época.
Para o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), há um entrave político para a recuperação do Pelourinho. “Tem que acabar com essa história de porque foi ACM que fez o Pelourinho tem que ser abandonado. Isso é um crime contra a Bahia. O Pelourinho é patrimônio da humanidade, não da família de ACM”, reclama o senador.
O senador aprovou uma emenda ao orçamento 2009 doGoverno Federal destinandocercadeR$ 20milhõespara que a prefeitura pudesse realizar obras de infraestrutura no Centro Histórico.
Ontem, nem o subprefeito do Pelourinho José Augusto Leal nem o secretário municipal de Comunicação André Curvello conseguiram lembrar se havia projetos elaborados para usar a verba. Caso os recursos não tenham sido empenhados até dezembro do ano passado, a prefeitura perde o direito de usá-los.
Lugar onde empregar o dinheiro não faltaria. “Se formos analisar o que era o Pelourinho há dez anos, ele está na UTI. Tem buracos sendo tapados com entulho. Isso nos dá uma angústia muito grande”, diz o dono da Cantina da Lua Clarindo Silva, para quem o Pelô é a maior referência cultural da Bahia
“O Pelourinho está um caos. Falta polícia, falta o social”, diz o vendedor de cigarros Marilton Austricliano dos Santos e Silva, 69 anos. Nascido no Largo do Pelourinho nº 5, ele cita o final da década de 1990 como “a época de ouro do Pelô”.






O GLOBO
Caetano se despede da coluna no GLOBO e fala sobre atualidades e novas ideias
Após quatro anos, músico e compositor diz desejar tranquilidade em meio às ‘excitações negativas’ do contemporáneo

Por Leonardo Lichote
3/8/2014 



 
Sempre analista, Caetano promete não se entregar ao pessimismo - Foto: Fernando Young / Divulgação

RIO — O mundo não é chato aos olhos de Caetano Veloso. Anda, porém, "assustador", segundo sua avaliação neste momento, enquanto vê os mísseis entre Israel e Gaza, avião derrubado na Ucrânia e prisões de manifestantes no Rio, entre outras "excitações negativas". Mas o compositor - que neste domingo passa o bastão para o jornalista, político e escritor Fernando Gabeira como colunista de domingo do Segundo Caderno - não transforma essa percepção em pessimismo imobilizador. As ideias continuam empolgando-o, sejam as do diálogo "O banquete", de Platão, sejam as do último disco do rapper americano Kanye West. E é aberto a elas que, completando 72 anos na quinta-feira, Caetano lança seu olhar esperançoso sobre o mundo:
— De Guinga a Ivete Sangalo, de Valesca Popozuda a Thiago Amud, há todo um leque de possibilidades — diz, referindo-se a declaração recente de Mônica Salmaso ao GLOBO sobre a MPB estar "pobre e nivelada por baixo".

Nesta entrevista, Caetano dá mostras desse olhar, combinando contundência ("A agressividade covarde que se pode ver na internet é um retrato da abjeção humana" ou "Se se quisesse fazer um retrato caricato da imprensa brasileira, o que foi escrito sobre a questão das biografias daria exuberante material") e ponderação (sobre o conflito em Gaza, diz que "Netanyahu e seu grupo fazem política interna à custa de muitas vidas" e que "o Hamas expõe a população da Faixa de Gaza a perigos bem sabidos"). E tira o peso da despedida da coluna:
— Um dia, se o jornal ainda quiser, posso querer voltar.

Após quatro anos no GLOBO, por que parar?
Eu devia ter escrito um texto de despedida, mas nem isso pude. Parei por causa da turnê europeia. Pensava em talvez voltar a escrever quando terminasse. Talvez. Pois também pensava em parar para me concentrar em outras coisas. Gostei muito de ter uma coluna. Foi bom pra mim em muitos aspectos. Quando parei, senti que precisava continuar sem a tarefa. Pelo menos nesse período da minha vida. Um dia, se o jornal ainda quiser, posso querer voltar.

Que balanço você faz da experiência de escrever semanalmente num jornal? É diferente de um blog, como o Obra em Progresso?
Muito diferente. Postava textos longos e cheios de temas de debate no blog e muitos escreviam discutindo. Mas nunca encontrei uma pessoa sequer que, nas ruas, me falassem do que era dito ali. Depois do primeiro artigo que escrevi para O GLOBO (sobre o Pelourinho, que Xexéo pensava que só interessaria a baianos), as pessoas me paravam no estacionamento no Leblon ou na fila do aeroporto para falar da coluna. Fiquei com a impressão de que só acompanham blogs pessoas que não vão à rua.

Em suas colunas aqui e em sua produção musical nos últimos anos, você sempre seguiu reafirmando a ideia expressa na frase "O mundo não é chato". O que o excita hoje?
O mundo, no momento, parece assustador. Há uma pletora de excitações negativas. Mísseis de e sobre Gaza; avião derrubado na Ucrânia; calote argentino; prisão açodada de manifestantes cariocas e agressão a um jornalista por parte dos apoiadores dos presos; epidemia grande de ebola; sequestro de meninas nas escolas nigerianas; a escalada do chamado Estado Islâmico, nascido do movimento Isis. Não chegaria a dizer que preferiria um mundo chato - e sei que a passagem para o Império do Espírito Santo não pode se dar sem grandes trabalhos de parto -, mas desejo um mínimo de tranquilidade para meus filhos e netos. Claro que não gostei de ver Dilma na TV referir-se ao caso do avião na Ucrânia como se estivesse convencida de que deveríamos responsabilizar o governo ucraniano. Há uma simpatia de certa esquerda para com a Rússia de Putin que parece um fantasma da Guerra Fria. Está claro que temas como a legalização das drogas não podem mais ser tratados como eram faz uma década. A homossexualidade ocupa lugar diferente no imaginário e no campo jurídico. Só a dominação do mundo pelo Isis reverteria coisas assim. Enquanto isso, ouço o que pinta, vejo o que rola, leio o que dá.




 
‘Viajei e cantei mais do que li, vi ou ouvi’ - Foto: Fernando Young / Divulgação


O que você anda lendo, vendo, ouvindo?
Viajei e cantei mais do que li, vi ou ouvi. Li mais do que vi filmes ou ouvi discos: em hotéis e aviões há mais tempo para livros. Li o belo livro de Agustina Bessa-Luís sobre Vieira da Silva ("Longos dias têm cem anos"); levei um volume de Freud para reler umas coisas e conhecer outras; ganhei e li o "Vai, Brasil", de Alexandra Lucas Coelho, e "Sex at dawn" (de Christopher Ryan e Cacilda Jetháe), um livro interessantíssimo. Hoje acabei de ler "Ad rem", de MD Magno, cheio de sugestões. Ouvi, com meu filho Zeca, parte do disco novo de Kanye West ("Yeezus") e fiquei impressionado com a feição experimentalista. Ouvi com encantamento o disco de meu outro filho, Moreno ("Coisa boa"), cheio de sons belos e bem articulados e de sentimentos puros. Continuo achando James Blake interessante. Ouço funk e pagode com Tom, meu filho menor (que, no entanto, toca bossa nova). No avião, leio "Veja", "Carta Capital" e "The Economist". Em casa, O GLOBO e a "Folha". Vi um filme muito bom de Jorge Furtado sobre imprensa ("O mercado de notícias"), com uma peça de Ben Jonson espetacular sobre o assunto. Para a "Veja", os palestinos põem crianças na frente dos mísseis israelenses; para a "Carta Capital", Israel é imperdoável. Chamo a "Carta" de "a 'Veja' do Lula". Mas rejeitei intimamente a visão de "Veja" sobre o conflito mais do que qualquer coisa lida na revista de Mino (cuja conversão petista nunca me pareceu convincente). A "Economist" é uma revista melhor. Sabe-se que tem posição liberal capitalista. E as matérias são equilibradas e bem escritas. O bom senso é, pelo menos, sempre convidado (o bom humor também). Comprei "O banquete" de Platão: queria reler na versão da Universidade do Pará. Ganhei o "Fedro" e fiquei encantado com a beleza. Acho que foi o Carlos Sávio, referindo-se a Mangabeira, que escreveu que os brasileiros que saem da pobreza leem a Bíblia, não vão perder tempo lendo Platão. Lendo o "Fedro", achei que não estava perdendo tempo. Li "A religião do futuro", de Mangabeira. Fascinante. Adoro a clareza com que ele escreve. E as decisões de grande alcance pairando acima dos termos das polêmicas estabelecidas. Li "O capital no século XXI", de Piketty, até mais da metade e vou concluir. Me interessa a questão da concentração de renda. Achei que o cara que disse, na "Veja", que Piketty é pura propaganda socialista sem substância, estava com ciúme da abrangência do sucesso do francês. Já é uma maravilha haver um intelectual francês na moda que não escreve frufru.

Sua interação com a BandaCê está mesmo encerrada? Ou há planos com eles?
Os planos ainda não existem. Mas quero tocar mais com eles. Talvez separados, talvez em coisa diferentes, ainda não sei.

Hoje, quais são as músicas favoritas dentre as que escreveu?
"Outro" (do "Cê"), "Este amor" (do "Estrangeiro") são canções em que tenho pensado como sendo especialmente bonitas. "Branquinha" também. Esta, quase cantei no "Zii e zie".

Mônica Salmaso afirmou ao GLOBO que "a música popular brasileira hoje está pobre e nivelada por baixo" - variação de uma sentença que vem sendo expressa com alguma regularidade nos últimos anos (décadas?). Você concorda?
Entendo Mônica, uma cantora tão dotada e dedicada. Mas não tendo a pensar assim. De Guinga a Ivete Sangalo, de Valesca Popozuda a Thiago Amud, há todo um leque de possibilidades. Sou tropicalista. Se se nivela "por baixo", tenho culpa no cartório. Ainda estou celebrando os fenômenos da axé music (meu favorito), da invasão do litoral pelo sertanejo e do baile funk, que em geral são vistos como meios de nivelar por baixo. Mas não posso viver sem Mônica.

Você acompanhou os jogos da Copa e a movimentação nas ruas? O que achou?
Gostei muito e fiquei com saudade. Houve muita surpresa. Não foi chata. Não entendo de futebol, fui um menino mais feminil, não jogava nem via futebol. Meu filho Tom é que é futebolista. Vi os jogos com ele (um no Maracanã). Torci pela Argentina na final e, embora ache que a Alemanha ganhar seja merecido (e estimule o bom futebol), fiquei triste por Messi não meter aquele gol. O brilho do jeito afável dos brasileiros aos olhos dos visitantes e observadores significa uma glória aos meus olhos. A derrota por 7 a 1 pareceu querer dizer que ainda é cedo para festejar.

Passado tanto tempo também, que balanço você faz da discussão sobre a lei das biografias? Sua posição mudou?
Minha posição nunca mudou de fato. Eu era o único entre meus colegas próximos que era pela liberação das biografias. Mas achei que se o assunto tocava de modo diferente gente como Gil, Racionais MC's e Chico, as questões deveriam ser enfrentadas de modo mais ponderado. Prometi a todos que não atrapalharia (já que todos conheciam minha opinião) e até procurei ajudar. A imprensa caiu pesada sobre nós, o que me fez preferir mostrar coragem de destoar da grita histérica do que exibir os aspectos em que concordo com o básico da atitude dela. Se se quisesse fazer um retrato caricato da imprensa brasileira, o que foi escrito sobre a questão das biografias daria exuberante material. Se fosse por mim, todos os colegas que se manifestaram estariam ainda hoje discutindo, infernizando os bem-pensantes até a instância do STF. Sou obsessivo. Me lembro de um artigo de Merval Pereira em que ele diz que se deixássemos passar restrições a biografias o próximo passo seria a censura da imprensa. Odeio censura. Mas censura é tomar como ponto pacífico que a imprensa não pode ser julgada moralmente. Uma pressão social, nascida do gesto de artistas preocupados, pode elevar o nível de uma imprensa que alimenta a curiosidade pela vida privada de famosos e distorce perspectivas.

E sobre as próximas eleições: qual é a sua expectativa?
O Rio é caso especial. Mas tenho certeza de que para deputado estadual votarei em Freixo. No cenário federal, gostei quando Marina (em quem sempre confio) surpreendeu a todos unindo-se a Eduardo Campos. Isso deu uma balançada que não vai ficar sem consequências. Gosto de Eduardo, que conheci criança. Gosto também de Aécio. De resto, não tenho rejeição íntima aos economistas liberais que os cercam. Por outro lado, gosto de Dilma e acho Lula uma grande figura histórica. A força que eles têm entre os mais pobres e os mais simples (coisa que eles não tinham no começo: o eleitorado de Lula era urbano e universitário) não veio do nada: o Bolsa Família e a política de salário mínimo, enfim, o enfrentamento das diferenças sociais brasileiras, são coisa grande. Ainda é superficial? Relativamente. Mas, num país como o nosso, coisas assim acontecerem vale mais do que pode parecer. Ter um governo que se ponha como opositor dessa movimentação (ou que seja visto como tal) pode dividir o Brasil ao meio. Ainda não sei em quem vou votar, mas poderia votar em Dilma só por causa disso.

Mais de um ano depois, o que as manifestações de junho de 2013 deixaram de legado?
Essas coisas não acontecem em vão. E são expressões do espírito dos tempos. Tudo o que conseguirmos fazer, e também o que nos for vedado fazer, terá a ver com as manifestações de junho do ano passado.

Indo para o mundo agora: como você vê a situação do conflito em Gaza?
É uma tristeza. Está certo dizer que ambos os lados têm razão. Mas é mais certo ainda admitir que Netanyahu e seu grupo fazem política interna (para manterem-se no poder) à custa de muitas vidas. E que o Hamas expõe a população da Faixa de Gaza a perigos bem sabidos.

As redes sociais ampliaram o debate, mas também a agressividade com que as pessoas se manifestam. Como isso chega a você?
A agressividade covarde que se pode ver na internet é um retrato da abjeção humana, mas a própria evidência da covardia produz o desconto que qualquer leitor termina fazendo. É apenas explosão da mediocridade.

Quando você era menino em Santo Amaro, como imaginava o futuro? E hoje, como o vê?
Comecei a imaginar o futuro com a bossa nova. Antes, parecia que as coisas permaneceriam basicamente como eram, embora eu fosse impaciente com os valores morais tacanhos. Ou seja, eu tinha desejos a respeito do futuro, não projeções. Depois comecei a ver que as coisas poderiam e deveriam mudar de forma profunda. Foi isso que me ligou à esquerda na universidade. Mas eu era um esquerdista desconfiado. E nunca entrei em partidos. Os futuros mitológicos, o Quinto Império de Vieira ou o Quarto Império de MD Magno, o D. Sebastião de Pessoa e Agostinho me parecem dar melhor critério de avaliação do que o marxismo de um Roberto Schwarz, cuja obra respeito e até admiro.

Algo a dizer a seu sucessor, Fernando Gabeira?
Só posso dizer que é uma honra ter o espaço que ocupei nas mãos dele. Sempre gostei de Gabeira, fui seu cabo eleitoral e, finalmente, os leitores terão um jornalismo de verdade aqui.




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