Em
julho de 2001, a Revista Trip tentou resolver uma das "brigas" entre a clase artística brasileira,
colocando as partes — Caetano Veloso e Lobão — para conversar e se ouvir, do
melhor jeito possível: ao vivo. O século apenas começava e a pesar das diferenças
todas a tarde quente em uma suíte do Copacana Palace terminou em certa paz, com
os dois se ouvindo. A conversa, entretanto, não durou. Caetano segue um alvo
preferido entre as críticas mil de Lobão. Ainda assim, no disco Zii e Zie, de
2009, o baiano gravou uma canção com o título “Lobão tem razão”.
2001
Revista Trip
JUL 2001 #91 ANO 14
Foto: Bob Wolfenson |
1/7/2001
Ao longo
de várias semanas, Caetano Veloso e Lobão trocaram farpas na imprensa.
A Trip
dispensou intermediários e colocou os dois frente a frente para acertar suas
diferenças
Fernando Luna e Ivan Marsiglia
Numa tarde quente de junho, o baiano Caetano Emanuel Vianna
Telles Veloso, 58 anos, e o carioca João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão, 43,
entraram na suíte Penthouse do hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Os
dois pareciam ansiosos pelo encontro anunciado há quase um mês. Caetano chegou
a desmarcar, na véspera, a primeira data acertada com a revista. Disse que
estava com um edema nas cordas vocais e fez questão de justificar a ausência:
“Digam ao Lobão que não estou fugindo dele. Ao contrário: estava (estou)
interessado e animado para fazer essa matéria”, escreve, num e-mail enviado à
redação da Trip.
Lobão chegou vindo das gravações de um programa para o canal
Multishow. Caetano saiu direto da terapia para a sessão no Copa. Como os dois
tinham fome, a produção encomendou na recepção do hotel um “Café Romântico para
Dois” – garrafa de espumante Chandon, suco de fruta, omelete com caviar, salmão
defumado, queijos finos, pães, geleia morangos com creme. A conversa que veio a
seguir também não foi nada indigesta.
Foto: Bob Wolfenson
|
Admiradores mútuos e adversários no teatro de símbolos da
MPB, Caetano e Lobão vinham se espetando pelos jornais. A polêmica começou há
algumas semanas, quando os dois se encontraram por acaso no Programa do Jô, na
Rede Globo. Caetano cantou a música “Rock ‘n Raul’, de seu novo disco, Noites
do Norte, que faz menção a um tal “lobo bolo”. Lobão agradeceu a “homenagem”,
mas ficou desconfiado. Tanto que, dias depois, escreveria de supetão o
rap-maracatu “Para o Mano Caetano” – uma declaração de amor um tanto ácida para
o compositor baiano.
Dali por diante, a mídia meteu a colher nesse casamento
tempestuoso entre duas gerações de rebeldes: o Caetano libertário do
Tropicalismo nos anos 60 e o Lobão antropofágico do rock dos anos 80. Ironias e
provocações saíram de suas bocas diretamente para as páginas de cultura dos
jornais O Globo e Folha de S.Paulo, sobre assuntos aparentemente díspares, como
João Gilberto, Xuxa, Fernando Henrique Cardoso, o funk carioca, a máfia do
dendê e Antonio Carlos Magalhães.
A Trip colocou cara a cara o leão e o lobo. Entre tapinhas e
beijos, o debate durou quase 3 horas e terminou num final de noite quente.
Trip. Vocês têm falando bastante um do outro pelos jornais e
estão hoje aqui conversando. Como se conheceram?
CAETANO Quem
começa, Lobão? Você ou eu?
LOBÃO Posso
começar porque te conheço antes do que você me conhece. Lembro de Caetano em
67, 68, nos festivais da Record. Eu tinha uma família conservadora, que
simpatizava com a Arena. Minha mãe adorava o Chico Buarque, embora ele fosse
uma vertente de pensamento antagônica à dela. Chico refletia alguma coisa que talvez
fosse mais conservadora… Já vocês, Os Mutantes, o Gil e o Tom Zé, não: minha
família detestava aquilo, achava um escândalo. E eu achava sensacional.
CAETANO Conheci o
Lobão como a maioria das pessoas, quando ele tocava [bateria] na Blitz. Mas fui
alertado para a especificidade da personalidade dele desde muito cedo, pela
Marina Lima, que falava: “Caetano, presta atenção nesse cara que ele é
especial. Toca violão clássico, está interessado em Villa-Lobos e estuda música
brasileira tradicional, embora tenha se interessado pelo rock desde menino. Ele
tem uma agressividade pessoal muito boa e que, sem dúvida, vai resultar em
alguma coisa”. Isso não se desmentiu: Lobão não só de fato se destacou na
Blitz, como no próprio fenômeno do rock dos anos 80, com o qual estabeleceu
diferenças agressivas, até. Tenho acompanhado tudo isso com muita animação e
simpatia. E tenho muitas vezes recebido farpas agressivas delas.
E essas farpas incomodam você?
CAETANO Eu já
falei pra ele uma vez, quando nos encontramos no [bairro boêmio carioca do]
Baixo Leblon: “Cara, não adianta! Você fala o negócio e eu gosto do que você
fala” [risos]. E é verdade. Há muito tempo, o Jornal do Brasil, muito
“honestamente”, resumiu uma entrevista minha para um jornal de Salvador,
dizendo que o Rio é somente “plumas e paetês”. “Paulo Francis e Ivan Lessa são
umas bichas” e “o carioca não tem nada a dizer”. Como se eu tivesse querendo
brigar com o Rio de Janeiro, pura e simplesmente. Não satisfeitos em fazer
isso, telefonaram para Ferreira Gullar, Antonio Cícero, Lobão, Márcio de Souza,
cariocas de nascimento e adoção, me responderam. As respostas eram, em geral,
deploráveis. Mas o Lobão disse: “Não, pelo Caetano eu tenho um respeito
geriátrico” [risos].
LOBÃO Lembra
Nelson Rodrigues? “Vamos manter o respeito geriátrico” [risos].
CAETANO Adorei.
Li aquilo e ri. Disse: “Pô, o cara é foda”. Os outros lá, respondendo com uma
burrice danada, levando a sério o negócio, e o Lobão aparentemente agressivo
comigo, mas tão engraçado! Todo lance que ele apresenta tem graça. Às vezes,
fico impaciente com ele por causa de eu tremer que, com tanto talento e tanta
libido (porque isso é mesmo manifestação de libido genuína), ele possa cair no
conto do personagem da imprensa, sempre à disposição deles para reclamar.
LOBÃO Isso
aconteceu muito. Acho que eu era muito reativo. Sinceramente, faço terapia e
vejo que fui um cara que viveu a vida inteira de castigo, superprotegido e, de
repente, conseguiu uma força extraordinária. Um dia, quebrei o violão na cabeça
do meu pai: péééé! Eu tinha dois, evidentemente. Mas foi minha primeira
vitória, assim, no teatro das coisas, o prazer inenarrável de ter aquele violão
espatifado na cabeça do meu pai. Aí, adotei a reação como padrão repetitivo e
continuei com aquilo desesperadamente na vida.
Que discos do Caetano você tem?
LOBÃO Tenho o
Joia, o Muito, o Circuladô, o Estrangeiro… uma porrada.
Qual prefere?
LOBÃO Gosto do
Muito. Ouvi bastante na época. Foi nesse disco que descobri que o Caetano
cantava bem. Porque sempre me foi colocado que ele era muito desafinado, um
conceito da minha mãe. [Pensa] Mas sabe uma coisa que me marcou muito na
infância? Foi naquela série de televisão Combate, lembra? Muito antiga, sobre
uma companhia americana na Segunda Guerra Mundial. Eu era criança, devia ter 5
ou 6 anos, e adorava os caras porque, evidentemente, tudo era direcionado para
você torcer pra eles. E estavam falando minha língua, pois era tudo dublado.
Aí, eles conquistavam, botavam uma bandeira e eu: “Mas aquela não é a minha
bandeira!”. Está aí por que o brasileiro tem esse vínculo com o americano,
atávico, muito mais do que com o português ou com o argentino.
Você está falando dessa necessidade de se diferenciar dele?
LOBÃO É. Eu
falava muito disso com o Cazuza. Sabe, Caetano, eu não ia para a sua por isso.
Ficava com muita curiosidade, mas achava que tinha que sair da sombra de vocês.
Pensava nos seus versos em “Podres poderes” [Será que apenas os hermetismos
pascoais/ (...) / Nos salvam, nos salvarão dessas trevas/ E nada mais] e dizia:
“As trevas somos nós, Cazuza! Isso é uma sacanagem!”. Interpretei isso.
CAETANO Mas foi
uma interpretação errada, porque é no grupo dos hermetismos pascoais, miltons e
tons geniais que você e Cazuza estão incluídos. Não nas trevas. De “Tinas e
bens e tais”: o “tais” inclui vocês.
LOBÃO Sim, mas
naquele momento… Não sei se eu estava muito inseguro com a morte do Júlio
[Barroso, líder da banda Gang 90], no meio de uma elaboração, e pensei na coisa
de o rock dos anos 80 se tornar uma bandeira, um batismo.
Existe algo de calculado nessa sua reação contra o Caetano,
Lobão?
LOBÃO Calculado,
não, porque não é exatamente contra o Caetano. Estou falando mal do rock pra
caramba também, então sou um cara que atira para todos os lados. É como quando
falo da bossa nova: fico sacaneando o João Gilberto, mas adoro ele, sabe? Só
quero dessacralizar um pouco aquilo. Queria mesmo sacanear um pouco o Caetano,
aquela coisa muito autoafirmativa dele. O que ele chama de minha libido e força
vital é uma coisa em que acredito: o impulso.
Que discos do Lobão você tem, Caetano?
CAETANO Não sei. Você há de convir que, de qualquer maneira,
iria haver uma discrepância desvantajosa para ele por causa de eu ser muito
mais velho e de ele ter crescido me vendo. O Lobão cresceu, recebeu o impacto
do Tropicalismo, ouviu os meus discos, reagiu contra mim, se sentiu negado numa
letra de uma canção, achou que eu deveria ter feito coisas que eu não fiz. Mas
vou lhe dizer que tenho uma visão, uma ideia do trabalho de Lobão muito vívida
e interessante.
“Lembra Nelson Rodrigues? 'Vamos manter o respeito
geriátrico'”
Lobão
Lobão
De Cena de cinema [seu primeiro disco solo, de 1982] e de Me
chama, que acho uma obra-prima. Disse outro dia no jornal, negando ele próprio,
que vendia nas bancas, comprei e gostei muito. A vida é doce. Esse disco tem
som! E essa música que você fez para mim. “Para o mano Caetano” é linda. A
letra é espetacular, fiquei emocionadíssimo.
LOBÃO Que bom
[sorri agradecido].
CAETANO A Paula [Lavigne, mulher de Caetano] ficou rindo de
mim porque chorei um pouquinho. Ela falou: “Era só o que me faltava agora, você
chorando por causa de uma música de Lobão”. [Risos.]
LOBÃO Acho muito bacana.
CAETANO Mas tem uma coisa linda na letra de “Me chama” que o
João limou: [a expressão] “Mágica no absurdo”. É di-vi-na. O João limou porque
é radical bossa nova e tem coisas que ele não diz. Mas é tão lindo o que ele
fez que está tudo incluído, entendeu? Em “Sampa” também: a letra original é
“ergue e destrói” e ele diz “faz e destrói”. “Ergue” é uma palavra muito pouco
fluente para entrar numa canção, assim, na dicção da canção como ele imagina.
Mas o João é surpreendente, merece toda sacralização.
LOBÃO Na verdade, nunca me liguei muito no fato [de João
Gilberto ter omitido o verso]. Usei isso mais para fazer uma certa picuinha.
Porque, apesar de ter dito que já me curei daquela coisa de ser uma pessoa
reativa, acho que o humor... você pode provocar certas coisas, é algo de que
nosso meio está precisando.
CAETANO Lobão, vou te dizer uma coisa que explica por que
sempre simpatizo com suas reações, apesar de muitas vezes até reprovar. É que
eu, quanto a isso, sou o oposto de você. Sou um dos maiores responsáveis por
uma questão que no Brasil é motivo de orgulho, mas que pode ser acusada de uma
insalubridade do ambiente: a aprovação geral que os artistas brasileiros têm um
dos outros.
Isso é muito bonito, invejado por estrangeiros, mas tem um aspecto
perigoso.
LOBÃO É como se fosse uma ética profissional, né?
CAETANO Quase vira corporativismo. Pode ser uma coisa que
não é boa. O meu primeiro disco tropicalista é dedicado ao João Gilberto. Tanto
que todo o pessoal da bossa nova reagiu contra e detestou, menos o João. Ao
contrário, ficou feliz da vida.
LOBÃO Mas ele é um ser lúdico. O João Gilberto parece que
tem a delicadeza de uma criança que está sempre entre o sono e sonho.
CAETANO Mas ele é muito violento também. E, agora, você lê o
crítico do New York Times dizendo assim: “João Gilberto e Frank Sinatra são os
dois maiores cantores do mundo e talvez o João seja ligeiramente superior”. Tem
que ser um monstro pra fazer isso, não pode ser delicado nem bonzinho. Eu
defendo o João no que ele tem de diabólico, monstruoso.
Lobão, parece que sua relação com a música brasileira mais consagrada é semelhante àquela freudiana com o seu pai: é um respeito e, ao mesmo tempo, uma necessidade de enfrentamento.
LOBÃO Talvez, meu lado tenso em relação de que decodifique
como impotência criativa as pessoas falarem assim: “Porra, mas que legal esse
papauerará [imita som vocal de bossa nova]”. Ô, amigo, acorda! A minha geração
tinha que dar um grande pulo, e era disso que eu falava com Cazuza, o Renato
[Russo]... Tínhamos posições muito divergentes de vocês. Mas eram sempre
referenciais interessantes para a gente trocar.
Como você sentiu quando ouviu “Rock'n'Raul” pela primeira
vez?
LOBÃO Ouvi “Rock’n’Raul” quando a gente estava no Jô
[Soares]. Fiquei muito aflito porque a gente tem um ponto de vista parecido
nessa cosia do querer ou não ser americano. Mas achei ambíguo [na letra] ele se
colocar como qualquer Caetano, qualquer Zé Mané, e eu sou o “lobo bolo”. Lobo
bolo por quê? Pra rimar com “Ouro de tolo” [célebre canção de Raul Seixas].
CAETANO É, pra rimar com “Ouro de tolo”.
LOBÃO Eu me senti naquele momento assim: porra, estou
fazendo discos de música popular brasileira! Nesse momento, o Jô Soares ainda
falou assim: “Pô, mas você não faz rock?”. E eu: “Não se grila, não, Jô. Rock é
legal, mas não é isso, não. É mais complexo do que isso”. Então, o que
acontece? Eu mesmo digo que faço rock’n’roll há um tempão e, ao mesmo tempo,
vejo que é um dilema. A gente vê, desde Ernesto Nazareth a Chiquinha Gonzaga,
todos eram criticados por estar imitando Chopin, imitando não sei quem. Mas a
arte que o Brasil faz, a nossa grande virtude, é justamente metabolizar isso
para uma outra coisa.
E como a expressão “Lobo Bolo” moveu você a compor uma
música?
LOBÃO Eu queria fazer uma canção de amor para o Caetano. Eu
fazia e achava piegas. Às vezes sonhava, escrevia. Ou para o [Gilberto] Gil
também…
CAETANO Ele tem sorte de eu não ser ciumento [risos].
LOBÃO Uma vez, o Gil me convidou pra fazer uma coisa juntos
no Hollywood Rock. Eu tinha recentemente falado mal do Caetano ou do Gil. Aí,
toca o telefone, era ele: “Pô, Lobão, você ficou falando mal da gente outra
vez?”. E eu: “Pô, Gil. Isso é uma maneira de homenagear vocês.
Vocês ampliaram
tanto a liberdade de expressão, estou mostrando que aprendi”. Sempre falei isso
para o Cazuza.
CAETANO “Todo amor que houver nessa vida” [Canção de Frejat
e Cazuza que Caetano gravou no disco Totalmente demais, de 1986] é muito
bonita…
O Cazuza era outro que tinha relação tumultuada com você,
não, Caetano? Até houve episódio da briga no Baixo Leblon.
CAETANO Mas aquilo foi um episódio. Cazuza estava mamado,
tinha bebido pra caramba e estava brigando com um namorado dele, o Serginho.
Fez uma cena, saiu da mesa, sentou sozinho e pediu um espaguete com creme.
Quando o garçom botou, ele fez assim [faz gesto de quem vira o prato na mesa]:
plaft! Ficou sentado, com aquela mesa imunda, o espaguete todo esparramado. De
repente, saiu e fez que ia embora. Mas veio pela rua e virou a mochila para picar
na cabeça do garoto. Puxei o garoto para defender. Foi a grande sorte, porque a
mochila tinha, entre outras coisas, uma garrafa de uísque daquelas quadradas,
cheia. Aquilo bateu na minha mão e meu dedo ficou inchado. Mas não havia nem
ciúme nem desconfiança.
Voltando a outra “briga’: o que você quis dizer com o “Lobo
Bolo” na letra, Caetano?
CAETANO Nada.
“Lobo bobo” é o negócio da bossa nova e “lobo bolo” rima com “Ouro de tolo”.
Queria mencionar o Lobão assim, de raspação. É uma letra de rock’n’roll, com
flashes, sem aquela lógica intricada de uma letra de Chico Buarque. Ali é uma
colagem. Letra de rock você sabe como é, “mágica no absurdo”.
Você ficou na dúvida se aquilo era homenagem ou crítica,
Lobão?
LOBÃO Não.
CAETANO Também me
perguntaram por que digo que “a verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul” – os
gaúchos, uns meio honrados e outros muito desconfiados. Por quê? Porque Rio
Grande do Sul rima com Raul.
Mas não é só isso.
CAETANO Claro que
não! Se o Rio Grande do Sul não fosse o Rio Grande do Sul e o Lobão não fosse o
Lobão, eu não iria aproveitar essa gracinha. O negócio é mais rico, mais sério.
O Rio Grande do Sul está longe, eles pensam que talvez queiram se separar do
Brasil, que talvez não sejam o Brasil. Mas, ao mesmo tempo, é uma situação
especial e interessante, porque eles têm governo do PT e querem ver se fazem
disso uma experiência que conduza o Brasil. O avesso da fantasia separatista do
Sul é justamente essa vontade intensa de ser mais nitidamente o Brasil do que
todo o Brasil. Entendeu?
E por que falar do Lobão nessa música, Caetano?
CAETANO O “Lobo
Bolo” tampouco é uma mera rima. É a coisa do ouro de tolo. Porque eu falo nos
manos, nos rappers, que dão continuidade a essa necessidade, em grande parte
muito saudável, de reproduzir a experiência norte-americana no Brasil. Ou seja,
de segurar aquela bandeira.
LOBÃO Esse é um
momento muito esquisito. Porque entendo e, ao mesmo tempo, não sei se gosto.
CAETANO É algo
necessário por um lado e inevitável por outro.
Você acha que o Lobão resolve esse jogo?
CAETANO O Lobão
representa um ponto na geração dele – o ponto em que isso aparece como
problema. Porque ele é da geração do rock dos anos 80, mas é o único que a
problematizou. Ele foi a crise permanente dessa geração. Então, no “lobo bolo”,
o bolo da geração 80 é representado pelo Lobo. Eu não podia perder, sou um
poeta. Isso é coisa de poeta.
Lobão, quando você ouviu a música pela primeira vez, no
Programa do Jô, ficou desconfiado dessa “homenagem”?
LOBÃO Fiquei
prestando atenção. É um texto ancorado, cheio de coisas esparsas, que você não
entende o significado de imediato. Fiquei olhando pra Regina [Lopes, esposa e
empresária de Lobão], para o Caetano e para o Jô. Então, estava meio grilado,
desconfiado.
CAETANO Você fala
na letra da sua música “tease me, tease me”. Se sentiu instigado. Eu vi na
cara, na hora. Mas, depois, o comentário desmereceu: “Só pra rimar com ‘Ouro de
tolo’?” Está certo, é procedente, porém é um comentário sacana. Um sujeito que
faz letra de rock’n’roll não deve se espantar com essas coisas.
LOBÃO [Levemente
irritado] Pois é, mas o problema é esse, Caetano. Será que sou “um sujeito que
faz letra de rock’n’roll”?
CAETANO
[Rapidamente] Você também é um sujeito que faz isso. Não que seja isso. Quis
dizer um sujeito capaz de fazer letra de rock‘n’roll.
LOBÃO Mas eu não
sei o que é uma letra de rock‘n’roll…
CAETANO
[Impaciente] Esses aspectos de ser flash, de aparentemente não ser pensada,
espontânea mas com muita força. Existe uma estilística do rock‘n roll, que você
percebe desde Chuck Berry até o Nirvana.
Qual foi o trecho da letra do Lobão que emocionou você,
Caetano?
CAETANO O trecho
que diz: “chega de verdade”...
LOBÃO [Completa,
sorrindo] ... “viva alguns enganos”.
CAETANO Achei
isso tão profundo, tão certo pra mim e pensado! Fiquei impressionado. O trecho
é bonito e bem escrito. Então, quando recebi o CD e botei em minha casa, fiquei
emocionado ao ouvir as primeiras palavras, o ritmo, a presença do maracatu… E a
letra toda, o jeito como ele canta. Isso é, como eu tinha dito, o melhor do
Lobão.
Por que o “chega de verdade” tocou você desse jeito?
CAETANO Pensei
numa pessoa falando comigo. Esse “chega de verdade”, pô, como isso sintetiza
tudo! Diz muito a respeito da minha biografia pessoal e artística. O “Chega de
saudade”, do João Gilberto, foi um marco que mantenho como paradigma. E essa
minha ânsia permanente de manter a transparência, uma honestidade pública, é um
negócio sacal. Isso já não é sinceramente. Aquilo falou comigo. Estou falando
do meu modo de ser, que resulta na minha vida pública através dos meios de
comunicação. Não vou mudar. Eu sou eu, mas posso melhorar. Senti que ali tem um
comentário crítico que é profundo e realmente precisava ser dito a mim. As
questões que Lobão levanta… Naturalmente, tenho resposta pra isso tudo. Posso
responder, tim-tim por tim-tim a todos os itens do Lobão. Mas, chega, de
verdade [risos].
Responda então a quatro estrofes: “Minhas narinas ao
relento,/ Cumulando de bundões que por anos acalento./ Estes sim, um monte de
Zé Mané,/ que sob minha égide se transformam em gênios”.
CAETANO Nesse
momento ele usa, como eu em “Rock’n’Raul”, a primeira pessoa – como se fosse eu
falando. E aponta para um negócio que talvez seja a pior parte do artigo que
você escreveu no Globo. Ali você diz que eu chamei alguém de gênio.
LOBÃO Foi o
Orlando Moraes [músico goiano casado com a atriz Glória Pires].
CAETANO O Orlando
Moraes! Que eu nunca chamei de gênio!
LOBÃO Então foi
um boato. Mas achei tão engraçado…
CAETANO Nunca
chamei Orlando de gênio, nem privadamente nem pra ninguém.
LOBÃO Mas isso é
apenas um apêndice.
CAETANO Mas na
letra é como se você estivesse dizendo que eu chamo várias pessoas de gênio
imerecidamente.
Faz pensar no fato de que você é uma espécie de embaixador
de vários músicos baianos, muitos deles contestados pela crítica.
CAETANO Nem me
ocorreu que pudesse ser isso. Tenho o Lobão em mais alta conta. Liguei a coisa
ao fato de eu dizer que gosto de axé music. Daniela Mercury, Timbalada. Adoro
os fenômenos comerciais e de mercado. Acho o show de Sandy e Júnior
extraordinariamente bem-acabado, ela é afinada e aquilo, profissionalmente, é
uma coisa muito boa para a indústria da música popular no Brasil. E tenho a
impressão de que o Lobão está acima dessa gente imbecil que critica isso.
LOBÃO Mas eu não
gosto [de Sandy e Júnior].
CAETANO Mas a
questão não é gostar disso ou daquilo.
LOBÃO Ele
[Caetano] pode ter total direito de pensar isso sem que eu fique indignado. Mas
não concordo. Tenho horror quando vejo Sandy e Júnior, acho aquilo horroroso! É
como heavy metal, caralho!
Foto: Bob Wolfenson |
CAETANO Mas eu
gosto de heavy metal.
LOBÃO Eu não gosto. Toquei muito antes, quando gostava de
Black Sabbath.
CAETANO Eu gosto, mas não é o que mais gosto. Gosto mesmo é
de João Gilberto.
LOBÃO Veja só, quando digo isso, falo sobre um movimento
comportamental. Acho que o Brasil ainda vai estar escutando heavy metal daqui a
cinco anos. Uma coisa muito esquisita.
Caetano, no show você emenda “Dom de iludir”, sua canção
inspirada em “Pra que mentir”, de Noel Rosa, com “Um tapinha não dói”, da
funkeira Mc Beth. O que você queria com isso?
LOBÃO [Interrompendo]
Realmente existe um preconceito contra o funk carioca que é uma coisa
esquisitíssima, né? Pô, o É o Tchan fala de boquinha da garrafa… Qual a
diferença com a enfermeira?
CAETANO O tapinha
eu boto no final, como um apêndice do “Dom de iludir” – que é uma canção
transfeminista.
LOBÃO
Transfeminista é ótimo [risos]. Você acha que “Dom de iludir” tem o mesmo
impacto ambíguo do “Tapinha não dói”, já que, na verdade, quem está arbitrando
é a mulher.
CAETANO Exato. A
mulher é quem está dizendo ao cara [pra dar o tapinha]. A canção fala: “Você
diz a verdade”. Está vendo? Chega de verdade. Olha aí, até isso esclarece um
pouco o conselho do Lobão pra mim. Veja como calou fundo: não estava nem me
lembrando que na letra do “Dom de iludir” a mulher diz isso pra mim. Então,
muda o ritmo e eu canto o refrão de “Um tapinha não dói”, vou dando aquelas
paradas e termino dizendo “dói”, um longo “dói”, um tapinha “dóóóói”! O
resultado até seria feminista, se não fossem as vaias. Vaiam o funk só por ser
funk.
A propósito: no primeiro ensaio aberto do seu show, você
respondeu às vaias dizendo que o público parecia o Conselho de Ética do Senado.
Deu a impressão de ser um contraponto favorável a Antonio Carlos Magalhães.
CAETANO Favorável
ao Antonio Carlos?
Você disse à plateia que ela vaiava como o Conselho de Ética
do Senado. Fica um paralelismo aí, como se os dois fossem patrulheiros: tanto a
plateia em relação ao funk carioca quanto a comissão de ética em relação ao
ACM.
CAETANO É um bom paralelo esse, não tinha pensado. Só que
vamos nos lembrar de uma coisa: o ACM não estava sendo julgado sozinho. Não é
porque eu sou baiano que tenho que responder por ACM. Sou um homem adulto e
livre. Me respeitem! [Irritado] Por que você não pergunta se falei aquilo por
causa do José Roberto Arruda? Eu não era até anteontem do governo FHC, mais
ainda que o [jornalista Arnaldo] Jabor?
LOBÃO [Rindo] Mais que o Jabor é ótimo…
CAETANO Quando o Jânio de Freitas me apoia [em sua coluna
3/6/2001, na Folha de S.Paulo] é porque pensa que estou contra o Fernando
Henrique, e mais próximo, como ele, de Antonio Carlos Magalhães! Minha vida não
é isso não, bicho! Se falo “vem cá, mas aqui tem uma Comissão de Ética?”, quer
dizer que estou sendo julgado eticamente como os senadores [enfatiza o “s”].
Porque não foi um só. Que história é essa? Vocês querem forçar. O que vi de
gente na imprensa se expressando contra mim! Desonestamente, todos de antemão
pressupondo e torcendo pra que eu estivesse apoiando o ACM. Só pra poder
esculhambar comigo. Essa é que é a verdade.
Foto: Bob Wolfenson |
A imprensa tem má vontade com você?
CAETANO Sem dúvida. Nesse caso, não só comigo, mas em
relação a todo um quadro de ideias, um mundo de cosias que vendem e fazem os
preconceitos desembestarem. [Nervoso] O que queria que eu fizesse? Que
telefonasse dizendo: “Boa tarde. Aqui é Caetano Veloso. Desculpem, eu não tenho
nada a ver com Antonio Carlos Magalhães mandar abrir o painel de Senado”? Pelo
amor de Deus, me respeitem! Não tenho nada com isso. Até esta entrevista, eu
nuca antes dito que Antonio Carlos Magalhães era bom administrador. Nunca.
Nuuuunca! Foi a primeira vez. Disse porque sou honrado e corajoso, ele estava
em desgraça naquele momento e eu não queria fazer a gracinha para essa gente
que queria que eu fizesse. Mas também não deixei de dizer que ele fez por
merecer aquilo por que estava passando.
Mas você não esperou tempo demais para se posicionar sobre
isso?
CAETANO Quando me perguntaram, respondi o que tinha que
responder, na medida certa. Mas não fazendo o número: “Agora vou meter o pé em
Antonio Carlos Magalhães e esculhambar com ele”. Por quê? Eu nunca o apoiei,
apoiei Waldir Pires. Agora, vou lhe dizer, Antonio Carlos Magalhães é um grande
talento político. É como dizer que Sandy é afinada, entendeu?
Mas você acha que esse “talento político” é suficiente para
o papel que ACM representa no Brasil?
CAETANO Foi muito suficiente para o que ele vem
representando. Tanto que ele se manteve no poder. Salvador elegeu Lídice, e uma
capital que elege Lídice não ia estar com essa simpatia toda por Antonio Carlos
Magalhães. Nem estado que elege Waldir Pires, Antonio Carlos foi lá embaixo.
“Nunca pedi nada a ninguém, não quero ser famoso, rico,
porra nenhuma”
Mas o Waldir Pires e a esquerda baiana entregaram a Bahia de
volta na mão dele, de bandeja. Quando chega nessa hora, vem todo mundo em cima
de mim, umas pessoas completamente desmoralizadas, jornalistas cujas biografias
não merecem o menor respeito, e escrever no jornal: “É muito curioso ver o
silêncio dos baianos. Caetano Veloso…”.
No entanto, faz tempo que você vem sendo associado ao ACM.
De onde acha que vem essa identificação?
CAETANO Vem de quem quer dizer. Porque sou baiano, ele é
baiano e as pessoas querem que a gente seja o papagaio deles. Que eu seja
repetidor dessa oposição de esquerda muito mal articulada que existe no Brasil.
Que nada propõe. Ou a gente repete os preconceitos deles ou está contra. Eu
nunca repeti. [Dispara] A esquerda me vaiou o tempo todo durante os anos 60,
fui preso pela ditadura militar de direita debaixo da vaia da esquerda. Saí,
fiquei exilado dois anos e meio e, quando voltei, no dia que eu botei o pé no
Brasil, O Pasquim já começou a meter o pé em mim. Em nome de uma posição de
esquerda que eles queriam que eu assumisse. E eu não me assumo! [Furioso] Não
sou obrigado a ter uma opinião que alguém quer que eu tenha. Tenho minhas
próprias e sou responsável por elas. Quem não aguentar que vá à puta que
pariu! Isso veio porque veio. Se viesse outra coisa, eu enfrentava da
mesma maneira, tentaria ser feliz do mesmo jeito. E quem não quiser vá tomar no
cu. É só o que eu tenho a dizer ao povo brasileiro, à oposição e à puta que
pariu.
Lobão, a letra da sua música também faz uma associação entre
Canetano e ACM: “Um beijo no seu lado superbacana/ Um borracha no dark
side-macbeth-acima, por enquanto”.
LOBÃO Não. Eu falo do ACM porque vivi um episódio pessoal lá
na Bahia. Cheguei para dar um show e tinha duas câmeras. TV Aratu e TV Bahia,
transmitindo ao vivo. Aí falei, muito cara de pau: “Qual das duas o Toninho
Malvadeza pagou?”. Nesse momento, pessoas amigas e populares falaram: “Você vai
morrer”. Na hora do show houve uma vingança: não havia policiamento. Ele [ACM]
deve ter tirado o policiamento, ficou satisfeito e ponto final. Outra coisa que
me deixa grilado: teve uma época em que se a gente ia para a Bahia e só podia
fazer show abrindo para o Asa de Água, Chiclete com Banana, essas coisas…
CAETANO Eu abri também, para a Ivete Sangalo.
LOBÃO A minha postura naquela época era assim: “Porra, não
vou”. Não conseguia entender direito aquilo, achava impositivo.
CAETANO Mas é uma coisa que você aceita ou não. Ao Rock in
Rio, por exemplo, eu nunca fui. Desde o primeiro, me recusei. Embora não veja
problema que as pessoas façam.
LOBÃO Você tem uma coisa que acho muito legal, e não tenho.
É esse lado mais relax, uma visão tranquila em relação a certas coisas, como o
negócio da Sandy e Júnior. Ok, ela canta bem, mas eu fico: “Não é possível,
imagine se fosse minha filha, que terror!”. Eu fico muito: “Porra, essa Xuxa,
que merda! Isso é genocídio!”.
CAETANO Mas é bacana a pessoa que reage, Lobão. Você tem que
entender o seguinte: quando reclamo, não reclamo contra esse tipo de reação –
que, muitas vezes, é de sobrevivência. Você sente que, se permite que as coisas
caminhem daquela maneira, o mundo como você aceita será esmagado.
LOBÃO Se tornará inviável.
CAETANO Inviável. Agora, você quer ver uma coisa? Nos
Estados Unidos, num jornal grande como o New York Times, Herald Tribune, Wall
Street Journal, Washington Post ou Los Angeles Times, se você escreve na página
de música que o imbecil do Ray Charles é “intolerável”, o editor bota você na
rua. Aqui, não. Escrevem: “O Chico Buarque é um chato, mas o Caetano é pior”. A
crítica do disco do Chico Buarque na Folha de S.Paulo me xingava o tempo todo.
LOBÃO O interessante é que lá tem um conflito de ideias
muito maior.
CAETANO Aqui, parece que é liberdade, mas é uma vontade de
criar prisões de segurança máxima, ilhar as pessoas. Lá nos Estados Unidos, se
o filme Titanic, aquele abacaxi imenso com o pessoal assim na proa [imita
Leonardo di Caprio de braços abertos], aquele pôr do sol horroroso e aquela
música intragável cantada por aquela mulher chata, vende 1 trilhão no mundo
inteiro, veja se a imprensa esculhamba com aquelas pessoas! Nada, eles são
americanos, não vão matar o país deles. Agora, aqui, qualquer episódio de
mercado bem-sucedido, pagode, Sandy e Júnior, axé, o que for, tem que ser
estigmatizado pela imprensa. Sou contra isso. Acho um emburrecimento total. A
pessoa vai ao Canecão, vaia o tapinha e pensa assim: “Sou inteligente, aplaudi
tudo, achei tudo chique, mas vaiei o tapinha”.
LOBÃO Não teve nexo a forma como a sociedade rejeitou o
tapinha.
Você gosta do tapinha, Lobão?
LOBÃO [Sem jeito] Olha, cara, é engraçado. O funk já tem 28,
30 anos no Brasil. As pessoas se esquecem disso. Na Baixada Fluminense, o
primeiro baile funk foi em 1970, com Ademir e Big Boy, o Baile do Grilo. Na
época de “Vida bandida”, a gente ia para a Baixada Fluminense e fazia seis
playbacks por noite. E o que eu vi na noite foi que as pessoas gostavam de mim
porque eu tinha sido preso, mas a música que eles curtiam era completamente
diferente, e muito mais legal.
Então você gosta do funk?
LOBÃO Estou falando isso, mas é uma adaptação para as
pessoas de classe média entenderem. Porque elas ouvem aquela voz [imita o canto
das funkeiras] lá, lá, lá e não gostam. Mas não relacionam isso com o samba, a
cantiga, todas aquelas coisas que formam o universo do folclore. Antigamente
não cantavam “sambalelê tá doente”? É a mesma coisa. Claro que, no início,
senti um choque. Mas percebi que eles [os funkeiros] importam a coisa
eletrônica, mas incluem negritude, que é o som grave, o “chão”. Coisa que o
Olodum, que eu adoro, também faz. Cantei na praça Castro Alves com eles e foi
impressionante.
Já que você falou em praça Castro Alves, só para encerrar o
assunto ACM definitivamente: você acabou não respondendo se fazia essa
aproximação equivocada entre Caetano e ACM.
LOBÃO Eu não acho, não. A letra é assim: “Um beijo no seu
lado superbacana e uma borracha numa especulação”. Assim como falei do ACM,
falei do Victor Mature, do Glauber Rocha, do Barravento, uma série de coisas
que estão dentro daquele universo.
CAETANO Acho que você botou essa coisa meio inopinadamente.
Algo que você vê como o lado escuro da baianidade.
LOBÃO É verdade. De maneira nenhuma eu iria colocar uma
coisa assim tão explícita. É um cenário do império do medo, aquela coisa do
Antonio Carlos.
CAETANO A lembrança do Macbeth eu achei bonita.
LOBÃO MC
Beth.
CAETANO
Macbeth. MC Beth… Isso é o máximo, genial.
Houve um episódio sintomático durante a gravação do Video
Music Awards, da MTV, em 1998 os Racionais MC's, que não são muito afeitos a
aparecer na mídia, foram à televisão e houve um mal-estar entre eles e
Carlinhos Brown, o mestre de cerimônias da noite.
CAETANO Era visível.
Ficou clara, talvez, essa oposição de que vocês estão
falando. Carlinhos Brown chegou a falar que os Racionais eram sectários, tinham
uma pregação negra muito oposta à dele, que é mais integradora. Você nota essa
diferença?
CAETANO A diferença foi visível na hora. Eu sentava na plateia
e aquele foi um momento de grande importância pra mim. Sinceramente, me lembrei
de “Sampa”, cuja letra diz, falando de São Paulo: “Túmulo do samba, mas
possível novo quilombo de Zumbi”. O possível novo samba, mas possível novo
quilombo de zumbi eram os Racionais. “E os novos baianos te podem curtir numa
boa”, era o Carlinhos Brown. Essa tensão entre duas posições era muito bonita,
e foi vivida como representação no palco por ambas as partes.
Foto: Bob Wolfenson |
Qual das duas visões você acha mais viável para o problema
racial no Brasil?
CAETANO Acho que a tensão entre elas é que nos diz alguma
coisa. A gente não pode abrir mão de nenhuma das duas, não pode se dar ao luxo
disso.
LOBÃO E vai ter sempre muito atrito. Os Racionais são uma
coisa que fascina.
CAETANO Sobrevivendo no inferno é um dos discos mais
importantes que saíram no Brasil.
LOBÃO É acachapante, da minha geração e uma coisa
absolutamente linda da periferia, poeticamente inspirada, forte. É uma
revolução cultural violentíssima, uma ferida que está aberta e um ponto de
vista que a gente ainda não tinha enxergado. E poderia nos causar aflição por
parecer uma rapinagem cultural, uma coisa semelhante ao rap americano.
Os Racionais representam uma integração da periferia à
cultura brasileira. Vocês dois têm feito movimentos de aproximação com um
público maior, seja Caetano dando um show com ingressos a preços populares,
seja Lobão vendendo CD em banca de jornal. Existe um interesse de vocês em se
aproximar desse público?
CAETANO O negócio do ensaio aberto a gente não tinha
planejado. Foi uma solução que Paulinha encontrou porque nossos ensaios estavam
atrasados e o contrato com o Canecão estava fechado. O público que foi é muito
mais animado, dá muita gente jovem, mais pobre. Agora, interesse em reconhecer
que as camadas frequentemente alijadas da opinião no Brasil estejam agora
botando as manguinhas de fora, ah, isso tenho. E espero que o Lobão também.
LOBÃO Claro.
CAETANO Isso é de suma importância e é isso que aborrece
muita gente. A reação contra o funk, o axé, Sandy e Júnior, contra os programas
de televisão popularescos é pavor da elite brasileira, que foi muito pequena
desde as capitanias hereditárias e não quer saber do resto da população. A
escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil
– coisa que o Joaquim Nabuco escreveu no século 19 e ainda é nova pra nós hoje.
Mas está posta em discussão prática e guerra pública. Essas pessoas não estão
mais escondidas: elas consomem, produzem e têm um mundo que precisa se
expressar, às vezes com grande classe e consciência, como é o caso dos
Racionais MC´s: às vezes na mais solta espontaneidade e ingenuidade, como é o
caso do funk carioca; às vezes no meio-termo da mera expressividade, como é o
pagode ou a axé music. Aí, tem uma coisa interessante para comentar com o
Lobão. Grande parte dessa “crítica” contra o “lixão cultural” que esse pessoal
considera se apoia numa espécie de ortodoxia do rock’n’roll. Um negócio brutal!
LOBÃO É horrível isso.
CAETANO Se você lê a vida de Little Richard, de Elvis
Presley… Eu me lembro dos anos 50, quando o rock apareceu. A reação contra ele
era exatamente igual a essa que se tem contra MC Beth. Para dizer o mínimo.
Porque aquilo era lixo, lixo do mais espantoso mau gosto: Elvis com aquela
costeleta, roupa preta e cor-de-rosa de cetim, dançando daquele jeito, era o
cúmulo do cúmulo da vulgaridade. Numa épca em que se ouvia Sarah Vaughan, Frank
Sinatra, Chet Baker, aquilo era muito comercial, de mau gosto. Todo o mundo
achava isso.
LOBÃO Acho que o rock’n’roll só se tornou alguma coisa com
Bob Dylan.
CAETANO E com os Beatles e Rolling Stones. Quem deu
respeitabilidade ao rock foram os ingleses nos anos 60. E, no Brasil, foram os
tropicalistas, porque sem eles não haveria Raul. Raul era o máximo, mas ele não
teria campo para fazer o que fez sem revolução tropicalista.
LOBÃO Nunca ouvi muito Raul. Achava ele um pouco
caricatural.
CAETANO Mas estou falando é da história da respeitabilidade
do rock’n’roll. Hoje, é curioso porque as pessoas estão defendendo alguma coisa
chique em nome do rock, contra a vulgaridade da música comercial. [Irônico]
Give me a break! Me lembro da fase do menino do Nirvana, que acho muito inteligente.
“Porra, comecei a fazer rock pra me livrar de um tipo de pessoa que é
exatamente com quem tenho que conviver porque me tornei um astro do rock
[risos].
Você se sente um pouco como o Kurt Cobain, Caetano,
integrado a uma estrutura que antes o afastava?
CAETANO Não, não, porque, quando aceitei e fui entrando,
minha vontade era ser um Ari Barroso, um Cole Porter, alguém que faz músicas
bonitas.
Ah, era modesto [risos].
CAETANO Não tinha vontade de me livrar das pessoas comuns,
dos burgueses. Não tenho problema com essa gente, não.
Você fez um discurso em 1968 em que dizia querer “entrar e
sair de todas as estruturas”. Hoje, parece que você entrou na estrutura e está
muito sólido ali dentro.
CAETANO [Irritado!] Mas que estrutura é essa? Não me sinto instalado
em porra de estrutura nenhuma. Eu não era tão inquieto, me sentia livre dessa
porra e continuo.
Lobão, você falou agora há pouco que acha um genocídio o
programa da Xuxa. Já Caetano esteve lá no mês passado, com os filhos.
LOBÃO Olha, a Xuxa sempre me tratou com o maior carinho.
Mas, num determinado momento, comecei a verificar que existe uma coisa
semiológica perigosa no programa dela. Uma vontade inerente a toda a
cenografia, a vontade de um mundo higienizado. Há uma não complexidade da vida e
uma competitividade muito exacerbada para as crianças. Já participei do
programa e tive que me distanciar, não quero mais, aquilo estava me fazendo
mal. No entanto, eu seria o primeiro a defender a Xuxa caso ela fosse
censurada, por exemplo. Não estou a fim de varrer ninguém.
CAETANO Não vejo muito problema na Xuxa, mas não sou bom
paradigma pra isso. Entendo a reação contra coisas que se afirmam na sociedade
e são ameaçadoras da possibilidade de vida tal como alguns indivíduos veem. A
gente precisa muito de gente como você, de outros que não são como eu. Mas
sinto como se aquilo não me ameaçasse. Uma vez perguntaram a Andy Warhol o que
era arte pop e ele falou: “Arte pop é gostar das coisas”. Eu gosto das coisas.
Mas isso não é relativismo demais?
CAETANO Me dou o direito de ser tolerante com as coisas
porque sou demasiadamente exigente nas minhas decisões críticas fundamentais. O
meu apego a João Gilberto é de grande eficácia e nitidez. A diferença que faço
entre ele e as outras expressões esteve sempre dentro de mim com muita clareza.
Muita gente que não tem um décimo dessa nitidez crítica fica reclamando contra
Daniela Mercury e contra a filha do Zezé di Camargo, mas não sabe direito nem o
que quer esteticamente. Então, reajo contra esses pruridos. Mas não sou
relativista, e muito menos acho que vale tudo. Sou diferente do Andy Wahrol.
Concordo com a frase dele, mas não penso que ela justifica e nivela tudo. Eu
ouço o João cantando “Pra que discutir com madame”, penso em quando ele
repescou essa música, o que queria com a harmonia, a abrangência…
Essa é justamente uma letra que fala do embate entre alta e
baixa cultura no Brasil.
CAETANO Mas é claro! Era uma canção que já existia, mas o
grau de profundida e alcance que João deu àquilo é incrível. Aí, uma pessoa diz
pra mim: “Puxa vida, você se renova sempre. O João Gilberto está há não sei
quantas décadas repetindo o “Pato”. O cara que fala isso é um idiota, precisa
calar a boca, não dá nem pra discutir. Então, não respeito essas pessoas porque
sou criticamente superior e mais exigente que elas. É isso. [Enfático] Eu gosto
de João Gilberto, João Cabral de Melo Neto, do poema de Drummond sobre a morte
de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa nos textos mais radicais de
Tutameia, Grande Sertão Veredas e Meu Tio Lauretê. Sei do que gosto. Então, tem
gente que diz: “Ah, não ouço Daniela Mercury”, mas fica lendo, sei lá, [Paul]
Auster, esses escritores americanos, meio lá meio cá. E achando que o filme de
Win Wenders é uma obra-prima, que Woody Allen é um sujeito genial. Não sou
dessa turminha.
Você não
acha Woody Allen genial?
CAETANO Não. Acho Woody Allen engraçado, mas em algumas
coisas muito estreito, careta. Valoriza a neurose.
LOBÃO É a carapaça da própria psicanálise, o cara usa aquilo
como estudo.
CAETANO Ele tem talento, graça, é bacana. E, depois, é um
homem importantíssimo porque, num país como os Estados Unidos, é livre para
fazer seus filmes como quiser.
Talvez o Lobão seja hoje um artista livre também.
LOBÃO Eu sou o Woody Allen [risos].
CAETANO É. O Lobão faz as coisas como quer.
LOBÃO Caetano, tu é um cara livre.
CAETANO Eu me sinto livre, porque estou onde quero. Não saí
da gravadora porque nunca quis. Nunca briguei com ninguém, não tenho problema
nenhum.
Vocês dois, que são observadores culturais atentos, poderiam
falar sobre essa mudança da bunda no Brasil? Ela, que sempre foi um símbolo
sexual definidor do caráter brasileiro, foi politizada recentemente nessas
manifestações dos estudantes contra o governo FHC.
CAETANO É. Eu vi a foto de uma bunda.
LOBÃO Bunda com bunda se paga, de repente é
isso [risos].
CAETANO Eu adoro bunda, politizada ou não [risos].
LOBÃO Acho que existe uma coisa puritana contra a bunda. O
rock começou com sexo, essa coisa de pélvis. Nada pior do que uma cultura
higienizada, porque a grande fonte, o manancial, é o nosso cotidiano. Isso não
pode ser extirpado. A gente precisa acabar com essa ciclotimia de gostar de se
odiar. O Brasil se detesta.
Há alguns anos você declarou que o Brasil tinha jeito porque
você queria, Caetano.
CAETANO Justamente. Dá jeito porque quero que dê.
Como você está reagindo ao racionamento de energia elétrica,
por exemplo? Dizem que está economizando bastante luz.
CAETANO Eu, pessoalmente, economizo muito e faço uma grande
campanha com minha família para que eles sigam meus passos.
É como respeitar o sinal vermelho, aquela velha bandeira
sua?
CAETANO Não é a mesma coisa, não. Respeitar o sinal vermelho
é um princípio total, obrigatório. Isso [o racionamento] é uma questão de não
dificultar as coisas. O governo agiu mal nessa história. O que falta ao governo
Fernando Henrique Cardoso é profissionalismo, inteligência política.
Sinceramente, venho achando isso há muito tempo.
Mas você não apoiou o governo FHC?
CAETANO Nunca apoiei. Votei no Fernando Henrique no primeiro
mandato. No segundo, nem isso. Gosto dele, o respeito, mas acho que ele deveria
ter feito só o primeiro mandato e saído bem na história. Tem uma confusão aí
desse pessoal de São Paulo, uma doença da USP também: eles pensam que só eles
entendem o Brasil e podem resolver. O que é um erro total, uma bobagem
horrorosa. Prova disso é que Fernando Henrique caiu nessa situação desastrada,
de aparecer naquela compra de parlamentares pra que não saísses a CPI da
corrupção. Foi o que parece na imprensa, e nada desmente isso. Eu não
simpatizava com a CPI, não acho que devesse sair. Mas não gosto que tenha
parecido que, de repente, as pessoas retiraram as assinaturas e verbas foram
liberadas. Acho uma coisa feia, nojenta, desagradável, que ele e a equipe dele
deveriam ter tido a inteligência de tentar contornar.
O filósofo José Arthur Gianotti saiu em defesa do governo
num artigo na Folha de S.Paulo.
CAETANO Pois é, aí vem o Gianotti, que é o filósofo amigo
dele, e escreve um artigo que, no fim das contas, era jogar areia entre o
êmbolo e o oco da flauta de [filósofo austríaco Ludwig] Wittgenstein, para usar
a imagem que o próprio Gianotti escolheu. Tentando explicar que o governo tinha
que ter uma área amoral, que entre o êmbolo e o oco da flauta tem que ter uma
área amoral. Porra, mas se isso é feito, não deve ser escrito! Fica a impressão
de que eles estão dizendo: “Olha, nós somos da USP, filósofos, superiores,
entendemos o Brasil, só nós podemos resolvê-lo. Agora, para fazer política todo
o mundo tem que sujar as mãos. E somos tão inteligentes que até isso sabemos
fazer”. Isso é burrice. E olha que o filósofo que o Gianotti estava citando ali
é justamente Wittgenstein, que disse: “Aquilo que não pode ser dito deve ser
calado” [risos].
Já que estamos falando de política e comportamento, qual a
posição de vocês em relação à descriminação da maconha?
CAETANO Eu sou a favor da liberação de todas as drogas. As
drogas devem ser livres e as pessoas adultas devem saber o que querem, podem e
devem fazer.
LOBÃO Acho que o governo não pode tutelar a sua
privacidade.
CAETANO E que o desestímulo [às drogas] seja como o que
existe para o tabaco e o álcool.
LOBÃO Faz penalizações casca-grossa. É simples: o cara fumou
um baseado e cagou na patinete – dá-lhe um corretivo. Fumou e segurou a onda,
fica legal.
Mas como seria isso? O melhor é descriminar ou legalizar a
droga? E, no segundo caso, o traficante passaria a pagar imposto?
CAETANO Não, não.
LOBÃO Poderia ser, ué!
CAETANO O fato é que não tem esquema pior do que o que está.
O preço, o que a cocaína fez com nossas vidas, individualmente com as pessoas
que conheço e coletivamente com as cidades onde moro é imperdoável.
Você consome ou consumiu drogas, Caetano?
CAETANO Não, não tomo droga. Quer dizer, tomo droga legal. Lexotan
na hora de dormir. Já fumei maconha e tomei ayahuasca [planta alucionógena de
origem amazônica, usada em rituais religiosos] em 1967.
LOBÃO Minha mãe achava o Caetano o cara mais doidão da
época.
CAETANO Mas eu não me dou bem, não posso. Nas poucas vezes
que tentei fumar baseado, entrei em depressão, pânico, sofrimento total. Sou
maluco, não dá certo mesmo. Aliás, acho que tem um negócio químico na minha
família, porque meus três irmãos e um filho tiveram a mesma reação. Gosto de
beber, mas me sinto tão mal na ressaca que acho que não paga a pena. Mas a
humanidade sempre teve coisas que mudem o grau de consciência. O homem tem que
brincar com esse estar no mundo, tem que ficar testando, botando ele meio longe
e meio perto de si. As drogas são o meio pra isso. Essa descrição que fazem de
que as pessoas tomam droga pra fugir da realidade acho muito primária, está
errada. Porque a vida é difícil, então a pessoa toma cocaína?! Não acredito
nisso.
LOBÃO Tomar droga é como ir ao parque de diversões. Você corre
aquele risco, é calculado.
CAETANO Quando a gente é criança, a gente não roda pra ficar
tonto e ver como é o mundo girando?
LOBÃO É muito parecido com a poesia também, que se apoia no
lúdico, parecida com uma brincadeira. Agora, existem, em todas as sociedades,
patologias. Quer dizer, o viciado é uma doença social. Agora, se você pegar
estatísticas, tem muitas pessoas que experimentaram e não foram parar no fundo
do poço.
CAETANO Agora,
como organizar as coisas para legalizar o uso? Não sei. Mas levar do jeito que
estão levando só faz as coisas piorarem.
Há quem diga que também a mídia funciona como um
entorpecente para as pessoas. Você abriria sua casa para a revista Caras, como
Caetano fez, Lobão?
LOBÃO Não sei,
pô. Acho invasão. Quando me casei, eles foram lá e tiraram fotografias. Deixei.
Assim como já fui fotografado por eles no camarim de fulano. Agora, tem coisas
que tenho vergonha. Não me sentiria bem numa entrevista, sei lá, no banheiro.
CAETANO Não
chegou a ir no banheiro lá na Bahia, não. A gente tirou fotografias na piscina,
na sala, no quarto, na sala de ginástica. Foi a jornalista Regina Echeverria,
minha amiga há muitos anos, que fez. E o fotógrafo, um sujeito simpaticíssimo,
um amor. Mas eu não tinha interesse nenhum na Caras. Acho uma revista simpática
porque dá aquelas etimologias [refere-se à seção da revista que trata da origem
e da evolução das palavras].
Só você lê essa parte, Caetano! (Risos.)
CAETANO É sério!
E publica aquela poesia moderna brasileira, Nelson Ascher, Antonio Cícero… As
reportagens sobre pessoas famosas atraem o povo, que compra pra ver como as
pessoas vivem, as mansões…
LOBÃO É um conto
de fadas.
CAETANO Mas não
fala mal das pessoas, não tem fofoca. Então é uma coisa frívola, tola. Eu não
tinha interesse nenhum naquilo e sempre achei aquelas fotos muito feias, com
aquela gente que tem coisas douradinhas dentro de casa, outras com uma caras
esticadas… é terrível, hilário. Agora, com a Caras eu falo, deixo entrar na
minha casa. A Veja, não. Eu sou mais eu, bicho.
Vocês gostam de ser celebridade?
CAETANO Gosto,
mas também adorava ser anônimo. Fui anônimo até os 25 anos e adorava. Depois,
morei dois anos e meio em Londres, anônimo e adorando. Eu gosto das coisas.
LOBÃO Desde que
me entendo por gente, sou um cara superpopular no quarteirão. Acima disso aí
não sei informar [risos].
Para encerrar, uma pergunta que foi feita para o John Lennon
naquela célebre entrevista à Rolling Stone: você se considera um gênio,
Caetano?
CAETANO [Longo
silêncio] Eu não.
E você, Lobão?
LOBÃO [Rápido]
Acho que sim [risos]. Sim, ué! Estou falando sério. Eu me questiono sobre isso.
Sempre me veio à cabeça a frase do Salvador Dali: “Não sei qual a diferença
entre ser gênio e brincar ou achar que é gênio”. Então, nesse sentido, como já
tive várias dúvidas se era ou não, concluí que sou, sim [risos].
CAETANO Falei com
convicção que não acho que seja um gênio, porque um gênio precisa ter feito
alguma coisa que justifique, criar algo excepcional, ter um grau de
concentração que chegue a isso. Sou muito disperso para isso. Tenho certeza de
que não sou gênio, mas tenho a impressão de que poderia ser, se tivesse me
dedicado e se ainda quiser me dedicar – embora já esteja suficientemente velho
para talvez desistir de pensar nisso. [Pausa] E isso é a confissão da pessoa
mais pretensiosa que existe, o cara que diz: “Não sou gênio, mas poderia ser,
se quisesse” [risos].
LOBÃO Só por
diletantismo.
CAETANO Lobão, no
fundo as nossas respostas eram iguais.
LOBÃO Eram
iguais. Ser ou não ser, não é essa a questão [risos].
CD inicialmente encartado na revista Trip |
2008 - Lobão tem razão
19/8/2008, VivoRio - Obra em Progresso, estréia de “Lobão tem razão” |
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