TV Bandeirantes, Programa MOCIDADE INDEPENDENTE - Vinheta
de abertura (1)
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27/6/1981 - Arrigo Barnabé, Nelson Motta e Caetano Veloso, no programa Mocidade Independente, da Rede Bandeirantes - Foto: Jorge Rosenberg |
N o i t e s
p a u l i s t a n a s
" . . .
Na
mesma época — foi uma das bombas do ano —, depois de
15
anos de glória, Walter Clark saiu da TV Globo brigado com
Roberto
Marinho e assumiu a TV Bandeirantes. Cheio de idéias e
projetos,
louco para mostrar do que era capaz, para dar uma
resposta
à TV Globo. Walter mudou-se para São Paulo e me
chamou
para produzir e apresentar um programa semanal de
duas
horas para o público jovem, seria o que eu quisesse, um
programa
sofisticado, de vanguarda, de linguagem moderna, como
eu
jamais poderia fazer na TV Globo.
Mudei-me
para São Paulo, para a casa de minha nova
namorada
May Pinheiro, na Rua Atlântica, mas passava os fins de
semana
na cobertura da Avenida Atlântica e no Noites Cariocas.
“Mocidade
independente” foi o nome que escolhi para o
programa,
que teria música ao vivo, teatro, artes plásticas,
entrevistas
e debates, com uma linguagem fragmentada e
montagem
anárquica, inspirada pelo quadro que Glauber Rocha
apresentava
no programa “Abertura”, uma revista de Fernando
Barbosa
Lima na TV Manchete. Glauber era sensacional na TV, se
movimentava
o tempo todo, falando sem parar, debatendo com
seus
entrevistados no meio da rua enquanto dirigia, ao vivo, as
movimentações
da câmera, os problemas do microfone, discutindo
política
e cultura como nunca se tinha visto na televisão, não só
no
conteúdo, mas principalmente na forma. Fui seu entrevistado
em
um dos programas, discutindo a geração de 68 e os rumos da
cultura
brasileira, e saí inspiradíssimo. Eu queria fazer um
programa
glauberiano, póstropicalista, new wave, concretista,
alguma
coisa diferente dos musicais “sérios” e comerciais que se
viam
nas televisões. Walter Clark achou o nome ótimo e recebi
sinal
verde para iniciar as gravações, com todo o apoio e
entusiasmo
do querido “Dr. Demente Neto”, que Walter tinha
trazido
para dirigir a produção.
Para
a parte “teatral” do programa, chamei um grupo de
jovens
atores cariocas, amigos da praia e do Noites Cariocas, que
eu
acompanhava desde a sua primeira montagem hilariante de ‘O
inspetor
geral’ até o sensacional ‘Trate-me leão’, que assisti várias
vezes
no Teatro Ipanema. Os garotos eram a melhor expressão do
teatro
moderno, tinham um humor diferente, uma nova atitude
política,
eram alegres, libertários e originais. Talentosos e
carismáticos,
logo se tornaram ídolos da juventude da Zona Sul do
Rio.
Mas
em São Paulo pouca gente conhecia Regina Casé, Luiz
Fernando
Guimarães, Evandro Mesquita, Patrícia Travassos,
Perfeito
Fortuna e Hamilton Vaz Pereira, o Asdrúbal Trouxe o
Trombone,
que parecia muito mais uma banda de rock do que
uma
companhia teatral. Felizes da vida eles assinaram
o
seu primeiro contrato de televisão, para apresentar — o
que
quisessem — todas as semanas num quadro de dez minutos
dentro
do “Mocidade independente”. A idéia deles era
um
seriado: as aventuras de um grupo de jovens atores cariocas
que
vai para São Paulo fazer televisão, enfrentando as
dificuldades
com piadas e improvisos, misturando realidade e ficção.
Para
me ajudar na direção, produção e edição chamei um
grupo
de jovens recém-formados em televisão na Escola de
Comunicação
de São Paulo, que exibiram um vídeo muito bemfeito
sobre
um poeta concretista no Paulicéia Desvairada.
Contratei-os
no ato. Walter Silveira, Tadeu Jungle, Ney Marcondes
e
Paulo Priolli formavam uma equipe de TV, mas também tinham
a
atitude de uma banda de rock. Eles formavam a “TV Tudo”,
todos
faziam produção, direção e edição, mas nunca tinham
trabalhado
em televisão comercial. Foram os responsáveis por boa
parte
da modernidade narrativa do programa e seus melhores
momentos
anárquicos, trouxeram com eles a vanguarda
paulistana,
artistas plásticos, músicos, poetas e visionários.
Mocidade
pra lá de independente.
Para
o primeiro programa convidei Caetano Veloso e um
jovem
representante da fervilhante vanguarda paulistana, o
paranaense
Arrigo Barnabé, que tinha lançado um disco
independente
muito bom e cultuado em SP. O programa foi
gravado
no Paulicéia Desvairada, Caetano cantou músicas de
Paulo
Leminsky (“Verdura”) e, a pedido de Regina Casé, de Henri
Salvador
(“Dans mon ile”). Arrigo se apresentou com uma big band,
fechando
com seu hit underground “Clara Crocodilo”, que começa
com
ele falando glauberianamente como um radialista policial,
gritando
entre dodecafonismos e rock, e cantando com voz rouca e
rasgada
junto com as duas gatinhas dos vocais, Vânia Bastos e
Suzana
Salles. Depois reuni os dois numa entrevista em que Arrigo disse
que
o que ele estava fazendo não era vanguarda, era só uma
continuação
lógica, uma radicalização do tropicalismo, era uma
das
linguagens musicais que deveriam ter se seguido ao
movimento,
mas o processo tinha sido interrompido e só agora
estava
sendo retomado. Caetano gostou e contou que, no início do
tropicalismo,
secretamente se perguntava, temeroso e reverente,
“O
que João Gilberto estará achando disso tudo?”, deles
fantasiados,
rebolando no palco, com guitarras. E um dia criou
coragem
e perguntou.
“Que
nada! Eu acho isso que vocês fazem maravilhoso, acho
linda
essa animação de vocês, todo esse rebolado, esses
movimentos,
essa alegria... eu gosto disso, só que eu tenho tudo
isso...
aqui”, João respondeu apontando para a garganta.
Ele
foi um dos pontos altos do programa: 15 minutos
inéditos
de João Gilberto cantando — e até dizendo algumas
palavras
— filmados pelo produtor Zé Amâncio no Hotel Gramercy
Park
de Nova York.
Durante
toda a gravação, o artista plástico Aguillar trabalhou
com
sprays num imenso painel de Bob Marley, com um charo
enorme
na boca, ocupando uma parede inteira do Paulicéia.
Editadas
e picotadas, como miniclips, todas as fases da criação do
painel
pontuaram o programa, enquanto o reagge rolava e Marley
cantava.
Clips
do Blondie, do Devo e, claro, de Kid Creole and the
Coconuts,
que ninguém conhecia no Brasil, pontuavam o
programa
inaugural.
O
tema de abertura e encerramento foi minha primeira
parceria
com Lulu Santos: “Tesouros da juventude”. Ele fez a
música,
um rock rápido e animado, no dia da morte de John
Lennon,
me mandou a fita e escrevi uma letra sobre os “meninos
que
morreram cedo”, nas drogas, na guerrilha, na guerra urbana,
e
John é citado na letra, junto com Janis Joplin, Jimi Hendrix e
Brian
Jones.
Lulu
trabalhava na Som Livre, ajudando Guto Graça Mello
na
produção de músicas para trilhas de novelas da TV Globo, era
presença
constante na praia, no Noites Cariocas, no escritório de
Ipanema
e, depois de breve namoro, tinha se casado com Scarlet
Moon,
roubando-a de Júlio Barroso, que ficou furioso com a
perda.
Pouco depois o Vímana acabava, por briga coletiva, mas
principalmente
porque Lobão, com 19 anos, em espetacular ação
de
antropofagia sexual e cultural, não só roubou a mulher de
Patrick
Moraz, como também ficou com a casa e até o piano, se
tornando
um herói nas noites cariocas. Estimulado por Scarlet,
Lulu
tentou sua primeira experiência solo na Polygram, com uma
única
exigência da gerência de marketing: que não usasse o nome
Lulu
Santos, que consideravam ridículo, mas Luiz Maurício (seu
verdadeiro
nome de batismo, que ele odiava). O disco foi
completamente
ignorado por crítica e público e Luiz Maurício
voltou
a ser Lulu, esqueceu de vez o progressivismo e passou a
fazer
rocks básicos e animados, bem new wave, com boas
melodias,
como “Tesouros da juventude” e “Areias escaldantes”.
Júlio
criou um slogan modernista para o programa, que foi
usado,
aos gritos, na campanha de lançamento na TV: “Pra quem
desce
na nossa onda, toda semana é de arte moderna!”
“Mais
ovo e menos galinhagem!” era outro, criado por Charles
Peixoto,
que formava com Bernardo Vilhena, Chacal e Ronaldo
Santos
o grupo carioca Nuvem Cigana, jovens poetas que também
se
comportavam como uma banda de rock.
“Já
que é proibido pisar na grama, o jeito é deitar e rolar”, de
Chacal,
era outro de nossos favoritos, junto com a máxima de
Oswald
de Andrade (“A massa ainda comerá dos biscoitos finos
que
fabrico...”), transformada
no slogan
“Mocidade independente — Biscoitos finos para a massa!”.
“Mocidade independente — Biscoitos finos para a massa!”.
O
primeiro programa, que consumiu noites insones de edição
baseada
no conceito glauberiano de “montagem nuclear”, que
ninguém
sabia bem o que era, fragmentado em milhares de cortes,
saiu
bem perto do que imaginávamos: não parecia em nada com o
que
se via na televisão, muito pelo contrário. Mereci um perfil
entusiasmado
de Okky de Souza na Veja, com o título de “A fonte
da
juventude”, e uma crítica elogiosa assinada por um jovem que
tinha
se formado em cinema na Califórnia e começava a trabalhar
em
televisão no Brasil, Walter Salles Jr. Mas pouca gente viu o
programa,
exibido sábado às nove da noite, contra a novela da TV
Globo:
deu menos de 5% de audiência. Nenhuma mocidade que se
preze,
muito menos a independente, estaria em casa naquela hora
vendo
televisão.
. . . "
[Nelson Motta - Noites Tropicais, Páginas 327 / 331]
Depois de oito programas e
por falta de audiência e de anunciantes, o “Mocidade independente” vai ao ar
pela última vez no dia 22 de agosto de 1981, no mesmo dia
em que Glauber Rocha morria no Rio de Janeiro.
MOTTA,
Nelson. Noites Tropicais - solos,
improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2000. 464 pág.
2000
Nelson Motta - Notas Tropicais
Universal Music 2 CD´s 60121578162
(1) Mocidade independente: experimentalismo na TV Brasileira.
Rafael Paiva Alves, 2016.
"Resumo: Procurando contribuir para a análise das relações entre indústria da música e televisão no Brasil, o objetivo do artigo é investigar o programa musical televisivo “Mocidade Independente”, transmitido pela Rede Bandeirantes entre junho e setembro de 1981, de modo a trazer subsídios a respeito do contexto televisivo-musical do período, principalmente em termos de difusão musical no meio televisivo. Tal programa se destacou do restante do fluxo televisivo por ser o primeiro a dar “espaço” aos independentes, tanto à produção musical do período, como para produção de vídeo. Em termos de linguagem e estética, o musical teve em seus quadros profissionais a participação de integrantes da produtora independente de vídeo “TVDO” (lê-se TV Tudo) tornando possível perceber elementos da influência do quadro de Glauber Rocha do programa “Abertura”, na TV Tupi em 1979."
"Resumo: Procurando contribuir para a análise das relações entre indústria da música e televisão no Brasil, o objetivo do artigo é investigar o programa musical televisivo “Mocidade Independente”, transmitido pela Rede Bandeirantes entre junho e setembro de 1981, de modo a trazer subsídios a respeito do contexto televisivo-musical do período, principalmente em termos de difusão musical no meio televisivo. Tal programa se destacou do restante do fluxo televisivo por ser o primeiro a dar “espaço” aos independentes, tanto à produção musical do período, como para produção de vídeo. Em termos de linguagem e estética, o musical teve em seus quadros profissionais a participação de integrantes da produtora independente de vídeo “TVDO” (lê-se TV Tudo) tornando possível perceber elementos da influência do quadro de Glauber Rocha do programa “Abertura”, na TV Tupi em 1979."
"A
vinheta de abertura do programa era uma espécie de pássaro no formato de M e
I, ou seja, as letras iniciais do programa que sobrevoava longamente até
flutuar no ar e começar a chocar um ovo, que dentro de instantes trincaria sua
casca para dar vida ao “Mocidade Independente”, tudo em cores fortes e
marcantes; tudo ao som de uma canção de rock
chamada
tesouros da juventude, que constituiria a primeira parceria entre o letrista
Nelson Motta com o músico Lulu Santos."
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