1998 - 5° Cine Búzios Festival
FOLHA DE S.PAULO
São
Paulo, Terça-feira, 11 de Maio de 1999
MÚSICA
Caetano
canta "Orfeu" em Vigário Geral
Caetano Veloso e Toni Garrido, na apresentação de antreontem em Vigário Geral Foto: Ana Carolina Fernandes / Folha Imagem |
RONALD VILLARDO
especial para a Folha
Caetano Veloso juntou-se ao cantor Toni Garrido, à
banda local Afro Reggae e a todo o elenco do filme "Orfeu", de Cacá
Diegues, para uma apresentação especial do filme seguida de um show em um Ciep
dentro da favela de Vigário Geral, anteontem, na periferia do Rio de Janeiro.
"Minha ligação com esta favela é muito
especial, porque sou padrinho da banda deles, o Afro Reggae, desde seu
"nascedouro'", conta Veloso. A banda foi criada por músicos e
percussionistas locais após a chacina de Vigário Geral, há seis anos.
Os componentes da banda lecionam canto e música
para jovens e crianças da favela, com a intenção de desviá-los do narcotráfico.
"Orfeu" foi exibido num telão colocado no
pátio do Ciep, que é chamado pelos moradores de "Brizolão". A área
externa da escola ficou lotada para a exibição do filme e para recepcionar os
artistas que participaram do elenco.
Os mais disputados eram o vocalista do grupo Cidade
Negra, Toni Garrido, que interpreta Orfeu, e Caetano Veloso, diretor musical do
filme.
O longa foi aplaudido pelo público, que
identificou-se com os personagens. "É a realidade da favela", gritava
uma espectadora para o diretor Cacá Diegues ao término da exibição. A platéia
também deslumbrou-se com a possibilidade de simplesmente assistir a um filme cinematográfico.
"A gente, que é da comunidade, não tem a
possibilidade de sair e pagar para ver um filme", conta a estudante e
moradora de Vigário Geral, Ana Paula Barbosa, 21.
A produtora Renata Magalhães, 37, sócia da Rio
Vermelho Produções, uma das empresas responsáveis pelo filme, afirma que, desde
o início do projeto, havia a intenção de "exibir o filme para as pessoas
que estariam retratadas na tela".
Segundo Magalhães, esse público teria se afastado das salas de cinema por causa da cultura dos shoppings e ingressos caros.
Segundo Magalhães, esse público teria se afastado das salas de cinema por causa da cultura dos shoppings e ingressos caros.
Ao final da exibição, o diretor Cacá Diegues
admitiu que, apesar do sucesso de bilheteria de "Orfeu", seria
"uma grande frustração se o filme não fosse assistido por esse tipo de
público. Eles se reconhecem na tela, é uma grande recompensa", completa.
O projeto conta com o apoio da Prefeitura do Rio e
seguirá para outras cinco favelas cariocas, ainda não definidas.
Show
Após a exibição de Orfeu, os moradores de Vigário Geral assistiram a um show com várias bandas locais, em sua maioria rappers que cantavam a vida na favela.
Show
Após a exibição de Orfeu, os moradores de Vigário Geral assistiram a um show com várias bandas locais, em sua maioria rappers que cantavam a vida na favela.
Caetano e Toni Garrido cantaram o "Enredo de Orfeu" com a banda Afro Reggae.
Ao término do espetáculo, Caetano voltou ao palco para cantar suas músicas mais conhecidas, como "Menino do Rio", "Leãozinho" e "Sozinho". "Quero cantar coisas que vocês possam cantar comigo", justificou-se durante o show.
1999 – ORFEU
Banda sonora original de la película de Carlos Diegues
Natasha Records CD 292.105
Producción: Caetano Veloso
Co-producción: Arto Lindsay y Jaques Morelenbaum
1. O ENREDO DE ORFEU [HISTÓRIA DO CARNAVAL CARIOCA] (Caetano Veloso/Gabriel O Pensador) 1998 Voz: Toni Garrido, Caetano Veloso e Gabriel O Pensador - Bateria da Escola do Samba Unidos do Viradouro
2. SOU VOCÊ (Caetano Veloso) 1998 Voz: Toni Garrido
3. VALSA DE EURÍDICE (Vinícius de Moraes) 1974 Orquestra
4. CANTICO À NATUREZA [PRIMAVERA] (Nelson Sargento/Jamelão) 1959 Vozes: Zezé Motta e Nelson Sargento
5. MANHÃ DE CARNAVAL (Luis Bonfá/Antônio Maria) Voz: Toni Garrido
6. OS CINCO BAILES DA HISTÓRIA DO RIO (Silas de Oliveira/D. Ivone Lara/Bacalhau) 1970 Voz: Caetano Veloso
7. A FELICIDADE (Tom Jobim/Vinícius de Moraes) 1960 Voz: Maria Luiza Jobim
8. SE TODOS FOSSEM IGUAIS A VOCÊ (Tom Jobim/Vinícius de Moraes) 1958 Voz: Caetano Veloso
9. SOU VOCÊ [ASA DELTA] (Caetano Veloso) 1998 Orquestra
10. A POLÍCIA SOBE O MORRO (Caetano Veloso) 1998 Improvisação: Heitor TP/Ramiro Mussoto
11. VALSA DE EURÍDICE / LUA, LUA, LUA [SANTA LUA] (Vinícius de Moraes/Caetano Veloso) Orquestra
12. ALUCINAÇÃO (Caetano Veloso) 1998 Orquestra
13. EU E O MEU AMOR [CARMEN NO DESFILE] (Tom Jobim/Vinícius de Moraes) 1958 Orquestra
14. ORFEU LEVA EURÍDICE (Caetano Veloso) 1998 Orquestra
15. BATUQUE FINAL (Caetano Veloso) 1998 Improvisação: Ramiro Mussoto
16. MIRA MATA ORFEU (Caetano Veloso) 1998 Orquestra
17. ORFEU DORME (Caetano Veloso) 1998 Orquestra
18. SOU VOCÊ - RADIO REMIX (Caetano Veloso) 1998 (bônus track)
19. O ENREDO DE ORFEU - RADIO REMIX (Caetano Veloso) 1998 (bônus track)
São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
Trilha
do novo "Orfeu" inverte suas antecessoras
No que diz respeito à trilha sonora, o "Orfeu" de Cacá Diegues é o reverso de seus antecessores, a peça "Orfeu da Conceição" (56), de Vinicius de Moraes, e -especialmente- o filme "Orfeu do Carnaval" (59), de Marcel Camus.
Se quando Vinicius e Tom Jobim compuseram, em 56, temas como "Se Todos
Fossem Iguais a Você" (regravada agora por Caetano em pessoa) insinuavam a
futura bossa nova em estágio menos que embrionário, em 59 a revolução já começara
a acontecer.
Elizeth Cardoso (que deu voz cantada à Eurídice de Camus) já gravara "Canção do Amor Demais" (58) e João Gilberto já lançara a pedra crucial da bossa, o LP "Chega de Saudade" (59).
Elizeth Cardoso (que deu voz cantada à Eurídice de Camus) já gravara "Canção do Amor Demais" (58) e João Gilberto já lançara a pedra crucial da bossa, o LP "Chega de Saudade" (59).
O próprio João se candidatou, segundo conta Ruy Castro na biografia "Chega
de Saudade", a ser a voz do negro Orfeu -perdeu para Agostinho dos Santos,
supostamente por ser branco demais.
Teimoso, gravou, ainda em 59, por conta própria, suas leituras de "A Felicidade", "O Nosso Amor" (ambas de Tom e Vinicius) e "Manhã de Carnaval" (de Luís Bonfá e Antonio Maria).
Teimoso, gravou, ainda em 59, por conta própria, suas leituras de "A Felicidade", "O Nosso Amor" (ambas de Tom e Vinicius) e "Manhã de Carnaval" (de Luís Bonfá e Antonio Maria).
O que estava acontecendo? "Orfeu do Carnaval" se serviu da novidade
da bossa, mas ainda explorada de forma intermediária, por intérpretes que,
embora sensibilizados à nova ordem que nascia, vinham da velha guarda da
canção.
O "Orfeu" de Caetano é quase inverso simétrico. Utiliza-se de
orquestrações pomposas e conceitos da bossa -40 anos depois e, por isso,
conservadores hoje- e de elenco de intérpretes colhidos, em geral, da nova
geração de músicos.
Acontece que os protagonistas vocais eleitos são Toni Garrido (do Cidade Negra)
e Gabriel o Pensador -a nata da juventude retrógrada da MPB-, mais a garotinha
Maria Luiza Jobim, filha do pai, levada a soar como filha de Vanusa em "A
Felicidade", apenas para servir à reafirmação do clã.
Se antes era novidade levada à moda antiga, agora o tom é de retrógrada
"mocidade" mauricinha -para não descer ao nível de canto abaixo do
suportável de Garrido, que destrói impiedosamente a "Manhã de
Carnaval" de João e até a de Virginia Rodrigues, afilhada do mesmo
Caetano.
Entender as razões de Caetano, agora, é de revirar os miolos. Obcecado em
reafirmar pontos de vista conclusos, ele atira suas próprias crenças -em muito
fundadas na excelência de João- no limbo. A trilha rola quietinha, anódina, nem
parece passar pelos ouvidos. Ostenta-se a bandeira verde e rosa de insipidez e
conservadorismo -tudo que antes passava longe de Caetano. É preciso muito
exercício de lógica para explicar. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
CINEMA - "ORFEU"
Filme confirma mito, diz Caetano Veloso
JORGE MAUTNER
especial para a Folha
Jorge Mautner é cantor, compositor e escritor,
autor de músicas como "Vampiro" e "Maracatu Atômico".
Caetano
não queria fazer música do filme
Quando entrei no apartamento de Caetano Veloso, bem em frente à praia de
Ipanema, na companhia de Nelson Jacobina, fomos saudados pelas risadas do seu
lindo filho caçula, Tom, que corria pela sala.
Em seguida, Caetano começou a falar de Arthur Schopenhauer e seu livro "Mundo
como Vontade e Representação", que ele estava lendo. Chamou-nos a atenção
para o trecho em que o pensador germânico falava sobre o sexo e no qual ele
definia a pederastia e o homossexualismo como doenças e a mulher como total
objeto de procriação e portanto um ser inferior.
E, no entanto, em meio a tantas coisas preconceituosas afirmadas pelo filósofo,
havia uma espantosa declaração: que a raça branca seria uma anormalidade
doentia da espécie humana e que o verdadeiro homem é o de cor marrom e negra.
Caetano Veloso colabora com Cacá Diegues mais uma vez, como já havia feito em
"Tieta", ao compor a trilha de "Orfeu", interpretado pelo
músico Toni Garrido, que estréia hoje em circuito nacional. Leia trechos da
entrevista.
Folha - O que você poderia falar sobre o seu disco misterioso?
Caetano Veloso - Que disco? Não existe nenhum disco misterioso...
Folha - O que você poderia falar sobre o seu disco misterioso?
Caetano Veloso - Que disco? Não existe nenhum disco misterioso...
Folha - Dizem ser um disco que você gravou e não fala sobre. Talvez um
disco com João Gilberto?...
Veloso - Bem, trabalhos com João Gilberto existem. Fui a Buenos Aires e fiz três noites com ele, foi espetacular, mas nós não gravamos algo que dê para disco. Gravamos assim domesticamente para a gente mesmo ouvir. Portanto não há disco nenhum.
O que há é que eu tenho plano de produzir o próximo disco do João. Mas isso depende dele, de como as coisas andarem. Se eu fizer, terá sido o trabalho da minha vida.
Veloso - Bem, trabalhos com João Gilberto existem. Fui a Buenos Aires e fiz três noites com ele, foi espetacular, mas nós não gravamos algo que dê para disco. Gravamos assim domesticamente para a gente mesmo ouvir. Portanto não há disco nenhum.
O que há é que eu tenho plano de produzir o próximo disco do João. Mas isso depende dele, de como as coisas andarem. Se eu fizer, terá sido o trabalho da minha vida.
Folha - Fale da trilha sonora de "Orfeu" e trace comparações
entre este trabalho e o "Orfeu do Carnaval", de Marcel Camus. E
também sobre o filme "Central do Brasil", porque li você dizendo que,
apesar de ter gostado muito do filme, achava que nele preponderava a outra
visão dos estrangeiros sobre o Brasil, isto é, a pobreza uniforme e
cinematográfica.
Veloso - Esse texto que você leu no jornal em que eu falo sobre o "Central do Brasil" foi de fato uma compilação feita pelo jornalista de uma entrevista que eu dei pra ele, numa entrevista geral, genérica, não foi um artigo. Se eu parasse para escrever um artigo sobre "Central do Brasil", seria muito diferente. Aquilo são coisas que saíram espontaneamente no meio de uma conversa que envolvia muitas outras coisas. Então você tem que fazer uma ressalva, um desconto.
Veloso - Esse texto que você leu no jornal em que eu falo sobre o "Central do Brasil" foi de fato uma compilação feita pelo jornalista de uma entrevista que eu dei pra ele, numa entrevista geral, genérica, não foi um artigo. Se eu parasse para escrever um artigo sobre "Central do Brasil", seria muito diferente. Aquilo são coisas que saíram espontaneamente no meio de uma conversa que envolvia muitas outras coisas. Então você tem que fazer uma ressalva, um desconto.
Agora, sobre o "Orfeu do Carnaval", feito por Marcel Camus, existe um
texto meu elaborado, embora não muito completo, no meu livro "Verdade
Tropical". Eu conto a história desse filme na minha formação. A reação que
tive na época, que foi, como a da maioria dos brasileiros, negativa, porque eu
era um adolescente. As platéias brasileiras não gostaram do filme. O filme
agradou aos estrangeiros, mas não aos brasileiros.
Agora, eu conto no livro, e aqui posso adiantar um pouco mais essa explicação,
que, desde o tropicalismo, a relação interna com esse filme mudou muito. Porque
um dos temas do tropicalismo justamente era tentar reproduzir ironicamente, mas
procurando participar do entendimento dos motivos, a visão dos estrangeiros
sobre o Brasil. Então esse filme é o paradigma da visão dos estrangeiros sobre
o Brasil. Não só em si, como o resultado dele é a prova disso.
A reação que nós brasileiros tivemos contra esse filme na época revela a nossa
brasilidade. O filme era frustrante do ponto de vista do que a gente esperava
de um filme. Enquanto para os estrangeiros foi o contrário, foi a revelação do
Brasil por meio do cinema. E sobretudo por causa da música.
Porque aquilo também era o lançamento mundial da bossa nova. Naquilo
revelava-se a paisagem do Rio, num idealização de uma população homogeneamente
negra, numa favela, e com tratamento musical da bossa nova.
O "Orfeu" é um filme novo de Cacá Diegues no estágio em que ele se
encontra. O Cacá de uma certa forma terminou encarnando o cinema novo. Isso não
é pouca coisa. Por causa do temperamento mais diplomático, equilibrado,
razoável, cheio de bom senso dele, terminou tendo que responder sozinho por
tudo que o cinema novo foi, suas conquistas e frustrações.
E o fato é que a geração dele começou a fazer cinema sem saber fazer cinema. É
uma gente que tinha muita ambição sociológica, muito amor pelo cinema, mas eles
foram se tornando fazedores de filmes na medida em que foram fazendo filmes.
Em "Veja Esta Canção", Cacá demonstrou também que hoje há uma geração
de técnicos que fazem os filmes andarem sozinhos. Ele tem grandes filmes, mas
em nenhum deles o nível de fatura era assim desenvolvido e desembaraçado como
em "Veja Esta Canção". E se viu grandemente confirmado em
"Tieta", que para mim é um dos grandes filmes brasileiros.
Eu tenho muitas razões para ser apaixonado por "Tieta", é um dos meus
filmes favoritos. Para mim, "Tieta" é um grande passo; não só do Cacá
como encarnação, como avatar do cinema novo, mas também um grande passo do
cinema brasileiro como um todo.
E "Orfeu" é um filme que já foi feito depois desse passo.
"Orfeu", antes de tudo, é uma confirmação do mito de Orfeu ligado ao
Brasil, desta vez feita por um brasileiro. E o filme é produzido com uma
competência arrasadora.
Então fazer a música para este filme é uma coisa que eu não queria, porque dava
muita importância à questão do Orfeu e ao repertório que foi composto para a
peça de Vinicius por Tom e Vinicius e para o filme do Marcel Camus por Tom,
Vinicius, Luis Bonfá e Antonio Maria, que é um repertório de obras-primas.
Achava que eu não deveria mexer nisto.
Acabei como músico contratado, porque o Cacá me pediu, me convenceu. Terminei
compondo um samba enredo do qual me orgulho muito e fiquei muito contente de
ter feito a canção de amor que em princípio eu tinha me negado a fazer, mas que
o Cacá me convenceu a fazer, porque achei que a canção acabou confirmando
aquele estilo de canção que Tom e Vinicius compuseram para a peça.
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