domingo, 20 de marzo de 2022

2016 - "UM OLHAR SEM SEGREDOS"

 

1/9/2021

O livro que levou seis anos para chegar às livrarias










Renato Contente

Fotos: Thereza Eugênia/Divulgação



Thereza Eugênia imortaliza momentos da música brasileira

Um OLHAR sem SEGREDOS

 

FOTÓGRAFA

é responsável

por imagens

icônicas de

artistas da

década

de 1970


Foto: Renato Contente

PARA THEREZA, a fotografia não é um retrato da

realidade, mas sim uma interpretação do mundo



No livro “Sobre fotografia”, a ensaísta Susan Sontag defende que tirar uma foto é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa. Para a norte-americana, “justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo”. O trabalho da baiana Thereza Eugênia, 76 anos, materializa a descrição de Sontag com uma potência particular. Fotógrafa pessoal do afamado produtor Guilherme Araújo durante 35 anos, a autora é o nome por trás das que talvez sejam as imagens mais icônicas da música brasileira da década de 1970. Através de seus registros, nos deparamos com Gals, Caetanos, Gils, Bethânias e outros artistas suspensos no tempo, perpetuados em preto e branco, alheios a qualquer sintoma de passagem temporal. 

O endereço sugerido por Thereza para uma entrevista coma Folha de Pernambuco foi o Gabinete de Leitura Guilherme Araújo, recinto em Ipanema, bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro, onde o produtor morou até morrer, em 2007. Nas paredes da casa, que preserva a decoração elegantemente pomposa de Araújo, estão dispostas dezenas de imagens clicadas pela fotógrafa radicada no Rio: dos concorridos bailes Sugar Loaf Carnival Ball, organizados pelo amigo íntimo das socialites cariocas, a registros da constelação de artistas que esteve sob sua tutela. “Guilherme era o próprio Narciso. Acho que eu era a máquina de selfie dele”, brincou a fotógrafa, apontando para imagens do produtor ladeado por uma Roberta Close de biquíni vacilante e, em um momento menos descontraído, pelo Papa João Paulo II. 

A relação de Thereza com a fotografia, no entanto, é anterior ao encontro com o produtor que esteve nos bastidores do tropicalismo. Filha de um contador e uma dona de casa, a autora nascida em Serrinha, no interior da Bahia, disparou os primeiros cliques na adolescência, quando tirava fotos da irmã que brincava de modelar em casa. Aos 18 anos, foi estudar enfermagem em Salvador. Quando se formou, no início da década de 1960, decidiu encarar o Rio, onde se dividia entre plantões em hospitais e programas que lhe permitiam exercitar a fotografia, como espetáculos musicais. “Como sempre adorei música brasileira, fotografar o artista que eu gostava eraUma maneira de levar umpedaço dele comigo. A fotografía não é umretrato da realidade, mas sim um olhar pessoal, uma interpretação do mundo. Não tem segredo”, opinou a artista. 

A primeira foto de teatro assinada por ela foi de uma Maria Bethânia que, munida de peruca de laquê e repertorio de fossa, tentava se desincrustar da imagema greste de “Carcará”. Era o espetáculo “Comig ome desavim”, dirigido por Fauzi Arap, em1967. “A foto foi mostrada para Bethânia por um amigo baiano que a conhecia. Ela gostou tanto que quis colocar na capa de seu próximo disco, mas o produtor Carlos Imperial alegou que a imagen não era comercial e a substituiu por um desenho de Luiz Jasmin, com o rosto dela sobre rendas”, recordou Thereza, que pouco depois assinaria a imagen de capa de álbuns icônicos, como “Roberto Carlos” (1970), com o Rei segurando o microfone de forma dramática, e “Drama 3º Ato” (1973), em que Bethânia encarna um palhaço triste. 

Thereza já havia fotografado dois espetáculos de Gal Costa quando conheceu Guilherme Araújo, em 1972, ano em que ele retornou do exílio imposto a Caetano e Gil. Tanto “Deixa sangrar” (1969) quanto “Gal a todo vapor” (1971) foram shows em que Gal atuou como porta-voz dos amigos punidos pela ditadura militar. Levantando o braço em punho fechado, para comunicar que tudo estava certo como dois e dois são cinco, a cantora esbravejava contra os tempos de truculência. Cada gesto de urgencia foi apreendido com delicadeza e precisão por Thereza, que logo se tornaria fotógrafa oficial da intérprete e dos demais artistas auxiliados pelo produtor. “Ele era intensamente apaixonado pelo trabalho com Gal. Ela era a preferida dele, como se refletisse ele mesmo. Nos 20 anos em que trabalharam juntos, de 1965 a 1985, ele deu opinião em tudo. Do vestuário ao repertório. Os dois tinham uma afinidade rara”, lembrou. 

Thereza fala com surpresa da repercussão recente de seu trabalho, descoberto nos últimos anos por uma geração que vem se atinando para a música brasileira não só dos anos 1970, mas também do final dos 1960 e início dos 1980. “Eu passei a ter noção da existência desse público quando comecei a postar as imagens no Instagram (@therezaeugenia). Dia desses, eu estaba na Bahia e fui abordada por dois rapazes que disseram ser fãs do meu trabalho. Tinham no máximo 20 anos. Um outro rapaz, de Minas Gerais, me pediu para usar as imagens em montagens artísticas. Autorizei com o maior prazer. Acho uma delícia ese tipo de coisa. Quanto a reunir as imagens em um livro, não sei se tenho mais energia para isso. Nunca vi grandiosidade nas minhas fotos, mas fico feliz que elas despertem coisas especiais nas pessoas”, contou Thereza, talvez sem se dar conta de que suas imagens testemunharam, como bem colocou Sontag, a dissolução implacável do tempo.




GESTO de

Gal Costa

denunciava a

truculência

da ditadura

militar







CAETANO

Veloso, Ney

Matogrosso

e Gilberto Gil

diante das

lentes

da artista





PRODUTOR Guilherme Araújo (ao centro, com Roberta Close e Rogéria) sempre no foco

 


Saiba mais

CONSTELAÇÃO - Thereza

Eugênia ainda fotografou

nomes como Clara Nunes,

Elza Soares, Chico

Buarque, Ney Matogrosso,

Zezé Motta, Raul Seixas e

Wanderléa. Ela também

assinou fotos de capas de

discos marcantes, como

“Temporada de Verão”

(1973), de Caetano, Gil e

Gal Costa, para quem a

artista clicou as imagens

que ilustram “Cantar”

(1974) e “Caras e bocas”

(1977).


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