domingo, 6 de marzo de 2022

1971 - Revista O BONDINHO - Entrevista CHICO BUARQUE

 



“Não sou subversivo, não, porque inclusive não pretendo dizer nada por baixo... Se alguém me faz subversivo, é a própria censura. Porque eu quero dizer as coisas claramente. Não quero dizer sub não. Inclusive eu acho chato que às vezes tenha que procurar uma imagem, uma metáfora, pra dizer um negócio. Eu gosto de dizer as coisas claras"

[Chico Buarque, Revista O Bondinho, 1971]




1971 - Chico Buarque no Canecão



A CIGARRA - Novembro de 1971






























O Bondinho

n° 31
Dezembro 1971 / Janeiro 1972

Hamilton Almeida e Mylton Severiano

 

Entrevista Chico Buarque

  

Em dois encontros, conversamos 5 horas com Chico Buarque. No primeiro encontro, antes de sair para o seu show no Canecão, ele falou de futebol, de seu trabalho atual, da situação dos artistas em geral. Estava bem-humorado e fazia piada o tempo todo. A entrevista foi então marcada para o dia seguinte à tarde, em seu apartamento mesmo. 

Chico chegou atrasado com Marieta, sua mulher. Para evitar o barulho das suas crianças, ele sugeriu gravarmos em seu quarto. Falou durante três horas, tomando Fernet e cerveja. Começou a responder sentado na cama, bem disposto. E no fim do trabalho, recostado, quase deitado, mostrava-se bastante triste. Um minuto depois, de novo na sala com a mulher e as crianças, ele era o mesmo Chico da noite anterior.

 

[Chico Buarque falou aos repórteres Hamilton Almeida e Mylton Severiano; e foi fotografado por Walter Firmo.]



Foto: Walter Firmo

 

Bondinho - Contando os acontecimentos que levaram você e os compositores... não precisa falar dos outros se quiser... a não participar do FIC, o que é que aconteceu? Aquele negócio de outubro, se desse pra você contar...

Chico - Os termos da carta exatamente eu não me lembro, mas a gente saiu, se recusou a participar depois de ter aceitado o convite da imprensa, em protesto. O documento é muito claro. Protesto contra as atitudes da censura esse ano todo; a gente viu que ia se realizar um festival e talvez até nesse festival, durante o festival, as músicas não fossem tão severamente censuradas, face aí haver uma festa bacana e tal... mas que o resto do ano inteiro tínhamos sofrido uma porção de cortes.

 

Bondinho - Praticamente, você poderia dar um exemplo assim de quantas músicas você teve problemas no ano que antecedeu este festival? Assim, se você tem música cortada, letra cortada...

Chico - É. Mas antes de responder tenho que dizer o seguinte: depois disso parece que houve uma certa manifestação, liberaram inclusive músicas que tavam encrencadas lá.

 

Bondinho - Na época você tinha algumas pendentes lá...

Chico - Tinha. Várias. A proporção estava realmente de duas censuradas em três. Cada três músicas, duas censuradas. Tava assim, nessa base.

 

Bondinho - De que maneira, Mandando cortar?

Chico - Depende. Algumas sim. Algumas inclusive eu cortei, eu mudei, como "Deus Ihe Pague", eu mudei... "Samba de Orly", mesma coisa.

 

Bondinho - Como é que eram as frases e como é que ficaram?

Chico - Olha, o "Deus lhe Pague" eu vou ter que pensar um pouquinho porque nem me lembro. "O Samba de Orly" foi uma frase só: "pede perdão pela duração desta temporada." Então eu mudei. Aliás, essa foi que eu cortei. E o "Deus lhe Pague" foi uma quadra que falava de tempestade e pelo pavor... dessa tempestade que está aí, uma coisa assim... Mas isso é ainda o que de melhor pode acontecer, no fim eu estava pedindo pra explicarem essa frase, aquela frase eu mudo. Eu tava precisando, porque afinal das contas eu não tava conseguindo... eu tou querendo fazer um long-play. Esse meu long-play é do tempo de "Apesar de Você." "Apesar de Você" eu lancei em janeiro, se não me engano. Antes até, dezembro... ano passado. Meu long-play era pra sair depois do carnaval, março. Ai já, "Apesar de Você", que era a música que ia puxar o long-play, já de cara fora censurada, outras tiveram problemas. Então, eu cheguei em junho, julho e tô sem, não é possível, tinha que gravar um long-play. Quer dizer, eu gravava meu long-play, ou fazia meu trabalho, ou então realmente parava e partia pra outro negócio.

 

Bondinho -Você já tava há quanto tempo sem gravar um long-play? Qual foi o espaço de tempo entre o último e o atual?

Chico - O último tinha sido em março do ano passado, entende? Então, normalmente, de ano em ano eu lanço um long-play. Então, tava planejado. Bom, vamos lançar Apesar de Você agora, no fim de dezembro, pega Natal, pega Carnaval, arrefece tal, nos meses de janeiro, fevereiro, a gente grava. Aí não deu, entende? Não tinha. Meu LP tem dez músicas e nessa época nem dez músicas eu consegui reunir, entende? Nao tinha.

 

Bondinho - O que acontecia era uma coisa mais ou menos sem explicação, a música era vetada, não havia resposta nenhuma?

Chico - A coisa culminou quando Mário Reis me pediu a música. Mário me pediu um samba que eu tinha prometido a ele. Aí eu fiz a coisa mais uma brincadeira. Peguei, ouvi disco de Mário Reis. Queria fazer uma coisa pro Mário Reis mesmo. Ouvi as coisas que ele gravava, sambas antigos, aquelas coisas... Da Moreninha da Praia, das coisas que estavam na moda. Bom, o que estava na moda? A bolsa. Vou fazer uma brincadeira com a bolsa. Uma brincadeira! Aí censuraram. Alegaram que era uma ofensa à mulher brasileira. Ofensa à mulher, não sei e não me diz respeito. Aí eu vi que tava difícil mesmo. Quando eu entreguei na Odeon, um dos dirigentes da Odeon falou: "agora só falta passar na censura", depois eu ouvi, ah, ah, ah,... Como quem diz, é uma piada, né? Tá tudo gravado, como quem diz, agora só falta a coisa mais comum, corriqueira. Aí, qual não foi minha surpresa que ela é realmente censurada. Aí eu vi que a coisa tava preta mesmo.

 

Bondinho - Quando você diz que a coisa tava preta era sob o ponto de vista do trabalho. Você trabalha com isso...

Chico - É uma coisa pessoal... não quero nem me alongar. Pro meu trabalho tava muito preto. Meu trabalho é com música. Se alguém censura essa música, esta letra, "Bolsa de Amores", então não dá pra fazer nada. Aí apareceu o negócio do Festival. Aí bom, convidado, a imprensa, homenagem, aquela coisa... Aí chegou uma hora que a gente disse, bom, também não era só comigo não. Todo mundo sentiu esse problema, todo mundo, todo mundo se uniu, quase praticamente, outros não, outros solidários, mas a maioria dos compositores tinha problemas assim, entende?

 

Bondinho - Agora, Chico, você acha que a música popular brasileira é normalmente uma música de protesto que precise ser tão vigiada assim? A criação da música popular brasileira é de protesto?

Chico - Inclusive, não é. Se fosse esse problema, censurar a música de protesto. . . Mas não, a censura está indo muito mais longe do que uma censura política, não sei. Talvez fosse bom, pegasse a subversão, vamos lá; mas não, já transcende isso. E a música brasileira não precisa ser uma música de protesto mas precisa haver uma certa, uma pequenina liberdade pra você compor e não precisa ser uma coisa política, não precisa ser nada de protesto, não precisa ser nada. Precisa ter um pouco de liberdade pra fazer uma música falando de Bolsa de Amores, uma bobagem, pô. Se a gente não tem liberdade pra isso, aí também não dá pé.

 

Bondinho - E nem existe essa categoria de gente que faz música só de protesto.

Chico - Está fora de cogitação.

 

Bondinho - E você acredita que seja possível fazer música popular sem que se mexa com problemas do dia-a-dia do povo que vai ouvir a música? Isto é, problemas sociais ou políticos, ou mesmo de costumes? É possível fazer música popular sem tocar em nada disso?

Chico - É claro que não é possível. O que há é um limite que a gente mesmo reconhece, quer dizer, os compositores já sabem mais ou menos até onde podem ir. Agora, se não puder abordar problema nenhum, se não puder começar a coisa, aí, fica uma bobagem, né? Você não pode ser contra, só pode ser isso ou aquilo, aí não quer dizer nada. A música popular, afinal de contas, não quer dizer nada... Porque eu acho sensacional, você ouve os carnavais antigos, ao mesmo tempo você ouve "Lata D'água na Cabeça", um samba social, e ao mesmo tempo tem a música de carnaval do Pierrot e tal e as duas coisas sempre existiram. Aí é que não querem entender. Não é o problema de dizer "lata d'água na cabeça", o problema é que não pode cortar o braço de uma pessoa. Cortar o membro dum negócio. É a mesma coisa, seria tão grave, te digo não como política, você não pode tirar uma parte nada. Não pode dizer que não pode falar. Pra mim é tão absurdo como amanhã não poder falar: "eu te amo."

Bondinho - Você passou a ter esse tipo de problema a partir de Roda Viva ou foi muito depois? Ou só foi a partir de "Bolsa de Amores?" Com "Roda Viva" você já teve problema.

Chico - Tive. A peça foi proibida.

 

Bondinho - Mas musicalmente, do ponto de vista da música...

Chico - A peça foi censurada com o que tinha dentro. Sobraram músicas que só... Havia “Roda Viva” e “Sem Fantasia”, eram as duas da peça e que eram músicas de disco também. “Roda Viva” já existia antes da peça. Quer dizer, foi gravada antes da peça. E “Sem Fantasia” também. Já desde o começo, foi logo no comecinho, a música “Tamandaré” foi censurada.

 

Bondinho - O que era a música Tamandaré?

Chico - Era uma brincadeira falando da nota de um cruzeiro. Foi considerada um desrespeito.

 

Bondinho - Quando foi a censura?

Chico - Isso foi logo no começo. No tempo de “Pedro Pedreiro”, em 66. Aí, mais dois anos, foi “Roda Viva”; aí também eu fui embora e não fiz mais nada. Aí, com "Apesar de Você" começou tudo de novo. Vamos dizer, marcação, né?

 

Bondinho - Com "Apesar de Você", deixaram gravar, deixaram tocar e só depois..

Chico - Pois é, a mancada aí foi essa. Quer dizer, existe censura prévia. Eu mandei a letra direitinho pra censura, eles não gravam sem censurar; foi liberado, carimbado, tudo certinho, foi gravado, censurado uma vez, voltaram a lançar e depois retiraram. Agora, não foi uma coisa legal não, porque nem sei como mandaram retirar, se houve algum papel ou ordem baseada em alguma coisa. Aí eu fiquei sem saber mais nada.

 

Bondinho - Quando você passou algum tempo na Itália, já tinha alguma coisa que ver com esse clima de trabalho, ou não?

Chico - Eu fui porque eu já ia mesmo, entende? Eu fui porque já tinha um negócio marcado lá. Já tinha o MIDEM lá, aquele festival, aquela feira. isso já estava marcado antes de qualquer coisa. Este ano acho que vai Maria Betânia. Eles marcam com antecedência. Já estava marcado. Agora, eu não voltei evidentemente porque não tava agradável de voltar. Eu prolonguei. Era pra ir e voltar em um mês, no máximo. E ficou sendo um ano e três ou quatro meses.

 

Bondinho - Logo que você surgiu você tinha Pedro Pedreiro. Uma música que abordava tema parecido com o de "Construção"; o intervalo todo entre uma música e outra é fruto desse clima, ou na época você estava simplesmente preocupado com outros temas em suas músicas?

Chico - Aí tem que colocar uma porção de coisas, Porque foram uns dois, três anos, que se eu for pegar agora meus discos e te mostrar, entende? As músicas estavam todas lá, inclusive continuação de "Pedro Pedreiro", quer dizer a ligação toda tava lá. Ao lado disso eu sempre fiz música do tipo mais lírico. O fato de uma música ter mais sucesso - "Carolina" teve mais sucesso - não depende de mim. E não foi feito pensando em nada, é uma música como outra, entende? Então meu disco tem "Desalento", um samba que eu adoro. Um samba que não tem nada a ver com “Construção” e tá no disco Construção e eu acho que o trabalho é isso tudo. Aí é que tá, quando eu digo que não pode censurar é porque se eu fosse cantor de protesto por excelência, então censurasse todas. Tá bom, não posso cantar, mas não... Eu acho que eu faço isto, faço aquilo... Agora. Censurar uma parte, também não tá certo, porque não quero ser um cantor não de protesto. Cantor de não-protesto, cantor de amor. Não sou, nunca fui, e acho que isso está em todos os discos. Independente de faixa de certo tipo de música fazer mais sucesso. Construção faz mais sucesso que as outras. É mais bem feita que as outras, sei lá, teve uma promoção maior, não interessa. É uma música que está aparecendo mais que as outras no disco. Tem outras músicas lá que, se aparecessem mais, iam me perguntar por quê.

 

Bondinho - É um problema da tua obra inteira.

Chico - Eu sempre coloquei isso. Cada disco meu eu acho que sempre foi uma coisa assim. E não tô, eu nunca quis, aliás, quando começou isso eu já disse noutra entrevista... mas não custa repetir. Quando eu comecei a aparecer é que me perguntaram: "Por que sua música é social, de tema social?" "Porque você não... Eu era fanzoca de Vinícius. Porque Vinícius fala de amor, de mulher e eu queria sempre... aí de repente eu começo a falar e tal, e aí de repente perguntam: "por que só Carolina?" É outro negócio, tá junto. No outro lado do disco, na faixa seguinte.

 

Bondinho - Uma coisa eu queria te perguntar. Você acha que é um trabalho de todo mundo, todo mundo que mexe com composição, criação, tá sofrendo esse tipo de coisa, não saber bem o que está acontecendo?

Chico - Bom, a gente não se reúne tanto, mas o pessoal que eu tenho contato, há já inclusive um underground; gente que pega o violão e mostra, "olha!". Mostra e já nem pensa no problema de gravar porque já sabe que não vai ser gravado. Estou falando tudo isso apesar de agora terem liberado uma porção de músicas minhas que estavam penduradas, entende? Fica uma situação um pouco esquisita, porque eu não sei o que está acontecendo. As coisas vão acontecendo independentemente. O que marcou mais não foi isso de liberarem as músicas. O que marcou foi terem me censurado. Eu não vou esquecer isso, porque chegou uma hora que eu falei: pôxa, então não dá, vou procurar uma outra coisa pra fazer porque não dá mesmo...

 

Bondinho - Você chegou a pensar em mudar de profissão?

Chico - Bom, eu pensei nisso. É claro que eu pensei nisso. Ou então parar de gravar... partir pra show, mas isso também não ia continuar muito tempo, não. Porque você não tem muita condição de fazer um show sem um disco, a rádio que toca você. Apesar de já ter um certo nome. Então, eu posso pegar um lugarzinho pequeno, pra me apresentar toda noite, apresentar músicas novas. Sei lá, eu fiquei pensando essas coisas... Que nem lá na Itália tem o que eles chamam de cabaré, que essa gente, não porque é censurada, mas porque lá a coisa comercial já chegou a um ponto tão grande que quem não tem grande sucesso comercial, não existe. Aliás, não é o meu caso, pois estou com bom sucesso comercial e estou vendendo disco. Mas se eu não estivesse vendendo muito bem mesmo eu não ia fazer porcaria nenhuma. Porque eu não tinha acesso à televisão, acesso à rádio. Então, o que faz? Faz uma espécie de clubezinho de gente que vai assistir jazz, vai assistir Edu Lobo, a mim, Paulinho da Viola. Então a gente é outro negócio. Além disso, é um submundo, e ao lado disso grava disco. Aí vende mil discos, e daí? Gravam quase como um documento. É o que eles chamam de cabaré de lá. Os cantores de cabaré. Eu seria um cantor de cabaré lá. Se eu fosse levar adiante o negócio, partia pra isso. Que é um meio de sobreviver. Daqui a pouco aqui é capaz de acontecer isso. Tem público pra isso, público de estudante. Que não é público de comprar 100 mil discos, não.

 

Bondinho - Mas não ia ficar estranho pro seu público?

Chico - Eu acho que ficaria, claro, né? O público ia ficar muito menor também porque a coisa não ia dar oportunidade de acesso a nenhum meio de divulgação maior, e sem gravar disco e sem nada ia ser uma coisa pequena, restrita, mas ia dar pé. Agora, eu não sei quanto tempo daria pra levar isso adiante, não. Tinha que pegar uma boatezinha e ficar cantando. Aí, o pessoal vai lá ouvir música nova. Aí, depois de dois anos já não interessa mais. A não ser lá na Itália, onde a coisa é quase institucionalizada - o cantor de cabaré. Existe esse gênero. Porque já não vende disco nenhum; vende pouquíssimo. Aquilo lá tem prestígio e tem um pouco de sucesso.

 

Bondinho - Como é a censura lá e aqui? Lá também tem que mandar a letra...

Chico - Não. Aqui só existe de dois anos pra cá, uns três anos; antes disso não havia.

 

Bondinho - Como é o funcionamento burocrático? Você pega a letra e manda pra onde? Pra quem, quem é que lê?

Chico - É uma coisa que nunca me preocupou. Igualzinho o que era aqui. Eu não sei como é que era, mas a gente não tinha que mandar a letra. A gente gravava o disco e pronto. Acabou.

 

Bondinho - E agora, como é que é?

Chico - Agora, no meu caso é a gravadora. Eu não vou bater papo, só falo quando sou chamado porque eu não tenho nada interessante pra dizer.

 

Bondinho - Você, quando voltou da Itália, teve a sensação de que voltou porque está melhor, daria pra trabalhar?

Chico - Eu voltei porque me garantiram que aqui estava tranqüilo e me ofereceram contratos. E na verdade estava lá já de saco cheio, não é? Depois de um ano começou a encher muito o saco. E comecei a brigar e comecei a... porque a Itália é maravilhosa, Roma é uma cidade... eu tô morrendo de saudade dela. Agora, você morar lá um ano, mais de um ano, tem que ser um cara especial. E eu não sou esse cara especial. Esse cara, que é o Murilo Mendes, um poeta que a gente não sabe se é italiano ou brasileiro. Eu me sentia lá um estrangeiro, não gostava de viver lá. Depois de um ano passei a não gostar, passei a brigar e aí pensei: ih, não está ficando bom, não. Aí apareceu o negócio de poder voltar que "não tem problema"; pelo contrário, a TV Globo me ofereceu pra fazer um programa especial, 20 milhões, e fazer um show na Sucata, eu achei que dava pé. Tava chato paca, no fundo era isso.

 

Bondinho - Agora, quando você fala assim porque disseram "pode voltar e tal", a gente, que não é do meio como você, não dá pra perceber, porque... Quem era esse "pode voltar"' assim... São as pessoas, são as televisões que passam a procurar você de novo, o cara se afasfa em determinado momento, são os contratos que deixem de existir em determinado tempo...

Chico - Não. Contrato sempre houve. Não foi por isso que fui embora. E nem por isso que eu voltei. Trabalho tinha, se eu quisesse trabalhar. O que há é o seguinte: é que tem duas maneiras de ser indesejável num lugar. Ou te dizem claramente ou mandam um indireto, entende? Então eu recebi indiretas, sempre, todo dia. "Melhor você não voltar porque a barra está pesada, melhor você não voltar porque vão fazer isso, melhor você não voltar porque o fulano disse." Pô, por via das dúvidas, você não volta, né? Pelo menos eu não volto.

 

Bondinho - Esse tipo de indiretas, você recebeu muitas no tempo de "Roda Viva"? Ou passou a receber nessa época?

Chico - Não, só recebi mesmo lá fora. Quer dizer é que prestei mais atenção lá fora, entende? Quer dizer, antes disso, mesmo no tempo de "Roda Viva" eu senti muita coisa, mas a mim pessoalmente não chegava, não. Inclusive porque na época do "Roda Viva" a coisa foi muito distribuída e se atribuía muita coisa ao Zé Celso. Zé Celso foi muito mais marcado que eu, por causa da linha dele, na peça. E a coisa chegou à agressão física ao elenco, e eu não tava aqui não, tava noutra. Quer dizer, aí chega o Nelson Rodrigues, diz que não, que eu sou um bom menino e tal, que o Zé Celso deturpou tudo, falaram essas coisas...

 

Bondinho - Que você acha disso?

Chico - Não, eu falei cem vezes não, que não era verdade. Agora não vou ficar respondendo ao Nelson Rodrigues. Falei que eu assumia inteiramente. Mas a verdade é que tinham mais raiva do Zé Celso que de mim.

 

Bondinho - Você falou que em determinado momento tinham raiva do Ze Celsó e não de você. Acho que havia sempre uma tentativa de encarar você assim como bom menino, uma série de coisas... Isolar, inclusive, seu trabalho do trabalho de outras pessoas como Edu, Caetano, Gil e outros compositores. Você acha que sempre existia essa separação, ou era um trabalho de música popular como outros também?

Chico - Não. Eu não acho que havia... o Zé Celso é outra coisa. Um cara que só trabalha com teatro não é cara de penetração popular. Por aí vai uma diferença muito grande. O sujeito que tem uma certa penetração popular vai ao programa de televisão, dá entrevista e tal, e canta. É uma coisa. E Zé Celso é outra.

 

Bondinho - A ferramenta de trabalho é uma coisa...

Chico - Pois é. A gente tem que contar isso tudo. E aí esse ódio é muito mais pessoal do que pelo trabalho propriamente. Eu te digo, há muito mais raiva do Gil que do Caetano. Odeia-se o Gil - não se gosta do Caetano mas também não se odeia. Você vê na cara de um e entende por quê.

 

Bondinho - Pela cara?

Chico - Pela cara, pela atitude, pela narina, pela cabeça do Gil; pelo Caetano que é mais branco e mais magro, e franzino, raquítico. Há esse negócio.

 

Bondinho - Queria que você localizasse mais. Tentaram, mais ou menos, intrigar os trabalhos de vários compositores?

Chico - Mas aí foi um outro negócio. Foi uma espécie de guerrinha de bastidores, criada para promover uma porção de coisas, onde eu entrei de Cristo apesar de ser amicíssimo de todo mundo aí. Agora, isso não foi criado por nenhuma força oculta, não. Isso foi claro.

 

Bondinho - Foi mais um problema do métier que...

Chico - Foi simplesmente.

 

Bondinho - Você estava preparando uma música pro FIC, você contou ontem. Como que era a música?

Chico - Por quê?

 

Bondinho - Por curiosidade.

Chico - É uma canção do Tom que eu tinha feito a letra. Aliás, nem terminei, faltava ajeitar a letra. Não terminou, qualquer hora a gente termina.

 

Bondinho - Você não pode dizer a letra pra gente?

Chico - Eu tenho o rascunho dela espalhado por aí. Qualquer hora eu posso achar, mas não está pronta ainda. Ela não tem nada com o FIC, nem tem problema com o FIC. Isso nunca ficou bem claro, apesar da carta ficar bem clara. Parecia que a gente ia retirar; enfim, não é por causa da censura no FIC. Não, não era por causa da censura. A minha música nunca foi censurada, não dava, pois não tava nem pronta. Por causa da censura de uma maneira geral, censuraram todos.

 

Bondinho -Aproveitando a oportunidade do FIC.

Chico - Já que estamos todos aqui, vamos dizer que a censura não tava muito boa e nós todos saímos fora do Festival. Inclusive pouquíssimos dos caras que assinaram mandaram as músicas pro FIC. Ainda tava na fase de pensar se iam ou não iam mandar. Por coincidência a música que o Paulo Sérgio Vale tinha mandado foi censurada, mas isso não tem nada que ver com a carta. A minha música, acho que não seria censurada. Não tem nada pra ser censurada.

 

Bondinho - Quando você fala "eu acho", já entra a autocensura?

Chico - É claro. É aquela do "não" e aquela do "talvez". Esta "não" e tem aquela que "talvez" vão censurar. A "Bolsa de Amores" eu achava que "talvez".

 

Bondinho - São três categorias?

Chico - Tem a que é censurada mesmo, essa o autor nem manda. Tem a talvez, vamos tentar. E tem aquela que é tranqüila.

 

Bondinho - O "Apesar de Você", em que categoria estava?

Chico - Eu não sei, tive medo, tive um pouco de... achei... tava temeroso, se bem que comigo a barra piorou depois de "Apesar de Você". Naquela época, justamente, se eu tivesse mandado "Apesar de Você" depois do Apesar de Você, ela não passava. Mas eu mandei, liberaram e eu falei "tá". Quer dizer que eu mandei no talvez, né?

 

Bondinho - Isso tudo explica que você não tem nada contra festivais. Você pode estar o ano que vem participando de um festival. Seja o FIC, seja qualquer outro.

Chico - Não, a atitude não foi contra o festival. De jeito nenhum, se bem que eu não goste. Não gosto de festival e não tenho vontade de participar de festival. O FIC, o único que existe atualmente, desse não há condições de gostar. Não há condições de fazer um trabalho direito lá, porque ou você faz a coisa pro festival - que não me interessa fazer -,ou então você vai se sujeitar à opinião de um júri. Ou então o público que não tá ouvindo o som direito e não é culpa dele, ele não vai ter condições de gostar ou não gostar da música. Ele vai engolir ou não vai engolir. A gente não pode fazer música pra isso. Se o cara tá se lançando, aí ele aceita um convite da imprensa, um negócio social. No fim, pra nós foi mesmo uma oportunidade de manifestar o negócio. Manifestar o nosso repúdio à censura.

 

Bondinho - Bom, por causa da censura, você acha que está sendo trancada a sua comunicação com o seu público?

Chico - Olha, quando eu disse aquele negócio das três músicas, a do "não", a do "talvez", a do "sim", eu digo o seguinte: eu produzo muito pouco. Não sou um cara de grande produção. Eu faço uma música por mês, vamos dizer. Numa época faço várias músicas, e uma época não faço nenhuma. Eu não faço música pra não ser gravada. Não faço mesmo. Nem por enquanto, tava falando aquela hora, se fosse o caso; aí eu mudaria tudo, mas por enquanto só me interessa a música pra ser gravada. Não me interessa eu cantar porque eu não faço isso, pegar um violão pra te mostrar uma música: ah, olha aqui, ligo o gravador pra te mostrar uma música. Não, só me interessa música que vai ser gravada. Então, é claro, isso me limita uma porção de coisas, porque eu já sei que essa música como eu fiz não vai dar pé, então eu vou aproveitar o trabalho que tive com ela e vou transformá-la numa música que talvez dê pé. Isso muitas vezes, ela perde uma porção de coisas.

 

Bondinho - E, além disso, por que você parou de aparecer mais? Você só aparece em show ou disco, ou no rádio. Você não aparece em programas de TV. Tem algum problema nisso?

Chico - Não tem programa pra aparecer quase. O que tem eu não gosto e acho que não vale a pena. Eu tô achando que dá pra fazer um trabalho de trabalhar, trabalhar de vender disco, show, sem fazer TV. A televisão é um negócio que você tem que fazer concessão. Quer dizer, é claro que tv é importante. Agora, pra mim, tudo que se passa em televisão, ou quase tudo, me cheira a concessão. Ah, vou topar proposta do sr. não sei o quê, patrocinador e tal. Acho que tá dando pé quase fazendo um trabalho subterrâneo, entende? E apesar disso aproveitar a máquina do embalo da gravadora, não sei o que... e vender discos e ser divulgado.

 

Bondinho - Pra uma comunicação maior, usar o disco.

Chico - Bom, aí é que tá o negócio. Sem o disco, aí, vira underground. Underground mesmo. O cabaré italiano. Mas acho que aí há um meio - termo. No momento há. Eu não acho que público que compre o meu disco precise me ver na televisão. Eu não gosto de TV já de cara. Já não gosto, nunca gostei, então... Dinheiro, se for pra resolver o problema de dinheiro, eles não pagam muito e depois pra você receber precisa pedir tanta esmola porque, eles demoram meses pra pagar, não pagam, oferecem liquidificador... Por dinheiro não vou fazer TV não.

 

Bondinho - Foi pensando assim que você se juntou com Karabchevshi e Klein pra fazer o show do Canecão? Pensando só nessa faixa, a faixa intermediária?

Chico - Eu já tava fazendo show desde o começo do ano.

 

Bondinho - O Canecão é um show com mais gente.

Chico - Pois é. Isso eu pensei mesmo. Inclusive quando a gente fala em fazer circo, realmente é isso. O circo é mais gente que o Canecão. Já que não é pra TV, também não tem sentido ficar virando cantor de Zona Sul, de grã-fino, de publicozinho de elite. Não é isso. Minha música não é música pra elite. Eu não quero que seja, pelo menos. Então, já que não é pra fazer TV, procurar fazer um contato direto com um público maior.

 

Bondinho - E o desdobramento dessa experiência é o circo, né? Você podia dar uma explicada...

Chico - Agora não dá certo ainda porque o circo caiu, né? Caiu com a ventania que bateu anteontem, que derrubou até o cartaz do Canecão, também. A gente vai acertar um circo, e é só isso, levar um show lá. A preço realmente popular. A arquibancada a seis contos, preço de circo.

 

Bondinho - Como chama o circo?

Chico - Fu-Man-Chu.

 

Bondinho - Você vai ficar, ou sair por aí?

Chico - Bom, se as coisas funcionarem, a gente vai. Tô achando genial. Só penso nisso. Faço o show do Canecão pensando nisso. O show não é o mesmo, não; não vai ter o Isac nem o Klein, eles já têm viagem marcada. Vai ser com a Marlene. Ela é bacana à beça, tá animada, ela faz o carnaval, canta Lata D'água na Cabeça... Ela tá por dentro de tudo.

 

Bondinho - Vai ser uma experiência bacana.

Chico - Inclusive a gente tá querendo manter algumas coisas do circo. Quer dizer, não é pra fazer um show de música num circo, não! É pra botar, deixar palhaços, anão, alguma coisa. Não vamos fazer número de circo mesmo, mas deixar de alguma forma. A gente ainda não pensou, mas vamos dar um caráter circense ao negócio, né? Claro, cantando uma música romântica, não vai deixar entrar um palhaço no meio da música. Mas nos intervalos...

 

Bondinho - Chico, você se considera subversivo?

Chico - Não sou subversivo, não, porque inclusive não pretendo dizer nada por baixo... Se alguém me faz subversivo é a própria censura. Porque eu quero dizer as coisas claramente. Não quero dizer sub não. Inclusive eu acho chato que às vezes tenha que procurar uma imagem, uma metáfora, pra dizer um negócio. Eu gosto de dizer as coisas claras: "A Rita levou meu sorriso no sorriso dela..."; eu gosto de dizer essas besteiras. Agora, se disserem que não posso levar os bons discos de Noel, se tiver que fazer uma metáfora pra dizer, ah, a gente acaba virando subversivo mesmo. Não há um código, eu não escrevo em código não.

 

Bondinho - Agora, todo esse clima que, pelo visto, já era até subversão, porque as pessoas passam a ter que fazer as coisas por metáforas, está influenciando de uma maneira geral a música popular, você não acha?

Chico - Mas você vê que ela tá complicada. Vê as coisas complicadíssimas. Às vezes você ouve uma música e conhece o compositor e sabe o que ele tá querendo dizer, mas você mesmo não entende... você sabe o que ele quer dizer, mas você fica procurando... por quê? Porque ele tem que fazer subversão. Ele tem que dizer a coisa de uma maneira tão enrolada que não... eu não sei... eu não gosto. Eu acho que a música tá passando por isso.

 

Bondinho - Uma fase negativa.

Chico - Acho. Porque então o sujeito diz a coisa banal claramente, ou diz a coisa não banal de uma maneira tão complicada que fica sendo chata. E a música banal é chata, não gosto. Às vezes tem uma chave, de certa maneira, isso existe, é claro. Mas a maioria das vezes você quer dizer uma porção de coisas e isso é tão complicado, tão enrolado, que no fim não passa nada. O máximo que explica é na contracapa ou nas entrelinhas. Você tem que ler nas entrelinhas o que quer dizer. Deforma. Eu acho que isso deforma a música.

 

Bondinho - Diga uma coisa, Chico, há um monte de gente aí que partiu pra agradar a situação, com um tipo de música do maior mau-gosto. Isso também não estaria prejudicando a nossa música?

Chico - Pois é, tem dado um modelo, né? Inclusive eu acho que esses caras, agora vamos pichar mesmo, são gente pouco capacitada, gente tecnicamente ruim pra fazer música. Porque a gente vê na televisão filmes de propaganda muito bem-feitos. entende? Mas, em música, uns troços horrorosos, e não pega, não cola. Até agora não colou.

 

Bondinho - Você acha que é possível saírem músicas oficiais maravilhosas só porque são tecnicamente bem feitas?

Chico - Não sei. Por que não? Eu acho que há vários compositores, eu não sou tecnicamente bom compositor, acho que sou bom compositor porque sei fazer minhas músicas... Mas há compositores tecnicamente bons que poderiam fazer música em qualquer sentido. Poderiam ser ótimos jingleístas, formidáveis. Esses que estão aí são muito ruins. Don e Ravel são horrorosos, e são primários, entende? São compositores de colégio, parece aquelas músicas de formatura. Eu não vou dizer quem, mas acho que há compositores que podem fazer...

 

Bondinho - Jorge Ben não entrou nessa? Você não acha que o Jorge Ben é tecnicamente bom?

Chico - Não, Jorge Ben é outra coisa.

 

Bondinho - Mas ele entrou nessa...

Chico - Não. O que houve aí do Jorge Ben, foi, que eu saiba, não sei... ele é muito ingênuo também. Mas, agora, o que houve, esse negócio do Erlon Chaves que ele tá fazendo aí, aquilo não, aquilo ele fez com o pessoal do Pasquim e o Erlon Chaves começou a botar a transamazônica, 200 milhas, é coisa nossa, é coisa nossa! Ele fez a Coisa Nossa do Pasquim. Olha, o que eu gosto do Jorge Ben, que ele realmente é, como um Chico da Silva e eu, um primitivo mesmo. É um cara que pode perfeitamente acreditar e ver televisão, "porra, é mesmo!", e fazer os sambas dele. Esse caso você não pode recriminar. Eu pelo menos não me sinto em condições. Agora, um porra desses Don e Ravel, péssimos músicos, péssimos letristas, péssimos caráter, péssimos em tudo. Então quando digo, e alguém fizer, é espontaneamente, não é porque o cara vai parar de fazer, não. Fez porque achou bacana. Então, porra, música ufanista foi feita sempre. Ary Barroso e tal, já se fez e tal. Pô, o Tom, o Tom tem um frevo brasileiro e ufanista que é bacanérrimo mesmo. Muito bonito. Daquela época do Juscelino.

 

Bondinho - Não era clima criado...

Chico - Não era, era um troço espontâneo. Então, pô, Brasília, realmente, pô, era um troço emocionante. O negócio de Brasília eu era muito garoto, não me lembro de haver tanta bandeira, essa propaganda de cinco em cinco minutos pela televisão. Então havia aquele frevo que era "taram ra ra li ra ra... vem, vamos dançar ao Sol/ vem que a banda vai passar / vem ouvir os toques dos clarins anunciando o carnaval / e vão brilhando os seus metais/ por entre cores mil, verde mar, céu de anil/ nunca se viu tanta beleza/ ai, meu Deus, que lindo o meu Brasil. Trara ram pam..." Ôrra, maravilhoso, maravilhoso... Agora, se você juntar com as coisas...

 

Bondinho - Se você trocar o tempo...

Chico - É. Com a diferença que seria uma linda música agora. Eu até seria capaz de ficar emocionado vendo televisão...

 

Bondinho - Você, no tempo do Juscelino, seria capaz de fazer uma música ufanista?

Chico - É difícil. Não sei. Tinha 11 anos, 12. Eu ouvia meus pais falarem. Lembro que eles eram UDN, do Juarez, e eu me lembro de 1950, pregar cartaz, eu tinha 6 anos, pregar cartazes do Brigadeiro. "Brigadeiro é bonito e é solteiro." Agora, no tempo do Juscelino começou aquela coisa toda de cinema, quando comecei a me interessar por música também, comecei a tocar violão, a bossa-nova, quer dizer, eu não...

 

Bondinho - Era uma época mais criativa, né?

Chico - Ah, sim. Foi tudo ali. Acho que tudo isso que eles têm hoje em matéria de cinema, música - música eu sei, porque toda a minha geração começou ouvindo tudo o que fazia naquela época. Acho que cinema foi a mesma coisa. Acho que apareceu tanta coisa que...

 

Bondinho - E essa época atual pode fazer perder todo aquele trabalho na música, no cinema...

Chico - Eu acho que a gente vai ficando velho, né? Eu não vejo muito a garotada, sei lá, o que é que ela vê. O que ela tem na cabeça. Até aparecer outro negócio assim, não sou eu que vou fazer. Não vejo pessoal da minha geração em condições de. Cada um tem o seu caminho. Eu não tou com muito contato com ninguém. Nem tenho mais entusiasmo pra inventar, sei lá, ir na casa de não sei quem, como naquela época se fazia, entende? Ah, vamos na casa de não sei quem, pegar o violão... Não tem mais. Já tenho o meu caminho traçado, separado de todo mundo. Cada um tem o seu. é muito difícil de entender. Fica artificial. "Bom, amanhã vamo fazê..." existe muito disso, né? Ir na casa do Sérgio Ricardo ver o movimento. Que, nunca vai ninguém, pô! O cara lá chega atrasado, outro chega bêbado, outro chega com pressa. Não se faz mais isso. Isso tem que ser a garotada. A garotada, os caras de 19, 20 anos...

 

Bondinho - Você acha que eles têm clima pra fazer...

Chico - Eu não. Isso que eu acho, acho que peguei o rabinho, o finzinho de geração. O cara três, quatro, cinco anos mais moço que eu tem tido uma experiência brutal. Tem uma porção de outras coisas bacanas, mas não sei se vai poder fazer uma. Tem um "não" muito mais bacana, não é como o "não" da gente, que era meio misturado com um "sim". O cara, pô, eu vejo a garotada olhando assim, e eu chego mais perto do Tom que tem 14 anos mais que eu. Parece que eu sou mais geração dele que a minha, estou mais na geração dele que de um cara de 20 anos. Cara de 20 anos é um outro bicho. Tá aberto pra uma porção de coisa bacana pra burro, inclusive eu não vejo muito a condição dele fazer... eu não conheço, não vi aparecer nada. Sinceramente, não vi.

 

Bondinho - No meio disso tudo a música popular brasileira não tá perdendo terrivelmente a parada para a música estrangeira?

Chico - Está, mesmo porque o jovem de hoje, ao contrário dos jovens do meu tempo, procura na coisa internacional, uma coisa modelo inglês, ou modelo não sei o quê, uma libertação que aqui não existe. No meu tempo era muito diferente, né? Eu era garoto, quando comecei a cantar usava cabelo curto, porque a gente de minha idade não tinha aquele negócio de usar cabelo comprido pra parecer músico, pra parecer Beatle. O brasileiro não tinha de usar cabelo comprido. Agora, tem que usar, pô, tem que usar porque se não usar vou me atrapalhar, confundir, pensar que eu tô… naquela época era diferente, entende? O líder, sei lá, o líder estudantil era outra coisa, não tinha nada, conotação nenhuma com a tua geração. Agora não existe mais nenhum, entende? Não existe mais modelo nacional. Você não pode dizer: "não, eu uso cabelo curto e eu saio, sei lá...", alguma coisa assim. Que aí vão nos confundir com um negócio… bem, careta, ou pior, entende? Então, você falar inglês hoje, você saber falar uns troços em inglês, pode, tá, porque você é um cara bacana. Tá bem informado, tá sabendo de tudo que está se passando no mundo. Há cinco anos atrás, não era não. No tempo que eu comecei não era não. O que você tinha de saber era de Mário de Andrade, Vila Lobos, tinha que saber de Manuel Bandeira, tinha que saber essas coisas todas. Só podia se basear nesses caras pra dizer alguma coisa. Hoje não pode mais não. Então, ao mesmo tempo, a garotada que tem 20 anos, 19 anos, usa cabelos compridos até aqui e barba, e quer tocar cítara e não sei o quê. É um troço bacana dizer não a tudo isso, mas eu não vejo como é que eles vão, que é que eles vão fazer com isso, além do que já foi feito lá fora. Em que base eles vão tocar cítara? Por quê? O que isto tem que ver com a Índia, pô! Que ligação é essa? Que os Beatles foram à Índia e disseram pra tocar, e o brasileiro... Então você diz: não, é melhor você pegar o berimbau e aí você já fica achando: que é isso, porra? Você tá atacando de nacionalista... Não pode mais, confundiu tudo. Acho que naquela época, eu me f... um pouco nessa brincadeira, entende? Porque eu representava mais ou menos a imagem da música brasileira. De repente eu vi que não podia ser, que eu não sei fazer outra coisa senão samba. E adoro samba, adoro cultura brasileira, mas não posso ficar propagando isso por aí não, viu? Senão, vão me confundir com o Plínio Salgado.

 

Bondinho - Você acha que - pelo que eu estou sentindo no que você está falando - quem está sofrendo mais, sendo mais prejudicado, é a geração mais jovem, né?

Chico - Não tem dúvida. E tenho medo pela geração mais jovem: minha filha, por exemplo. Que que é? Vive desde o começo educação moral e cívica, essas coisas no colégio que eu não sei se daqui a vinte anos, se continuar assim, o que é que vai ser, né? Porque ninguém sabe nada. Ninguém sabe nada de cultura brasileira, coisa nenhuma. Se fosse ser hippie... Bem, a melhor coisa que tem é ser hippie. A garotada que eu conheço, 5 anos mais moça do que eu, gente de 20, 21, 22 anos que eu conheço, gente bacana, são todos hippies. A melhor coisa que se pode fazer é ser hippie, porra. Se eu fosse da idade deles, que é que eu seria, pó? Nisso tudo você viu que sinto que há uma diferença de geração como se fosse cem anos. E são cinco anos.

 

Bondinho - Isso, de uma forma geral, vai gerar um empobrecimento dessa cultura brasileira, não?

Chico - Eu acho que sim. Quer dizer, eu não vejo dentro desse nosso hippie e tal, como fazer... posso estar errado, pode ser que se faça, que se crie dentro de algum tempo... Essa gente que tá começando a ser hippie hoje, no Brasil, não sei o que eles vão poder fazer mais que artesanato com couro, quero dizer, em matéria de criação. De música, por exemplo.

 

Bondinho - Você falou de geração, de um espaço de cinco anos que parece muito maior. Isso de alguma forma te frustra, te dá problemas, você gostaria de estar falando com essa geração de diferença de 5 anos?

Chico - Me perturba muito. Contato com um cara assim em geral me inibe um bocado, né? Me dá... não sei se é sentimento de culpa. Não, ou me dá... não sei o que é... é um negócio estranho. Tem-se a impressão de que o cara tá olhando pra você e dizendo "Pô, como é que você deixou esta m..."como se a gente tivesse podido fazer qualquer coisa. Inclusive vejo esses caras com uma coragem muito maior que a minha.

 

Bondinho - Será que você localiza o porquê desse envelhecimento na nossa geração, esse buraco?

Chico - Você quantos anos tem?

 

Bondinho - Tenho 26. Será que daria pra gente identificar mais um pouco na falta do que foi realmente? Falta de universidades? Falta de comunicação?

Chico - Eu, por acaso, quando entrei pra universidade já era mais ou menos... tinha umas transas, conhecia bastante gente e tal. E vi amigos que ao entrar na faculdade se transformaram, começaram a enxergar as coisas. O cara dois anos mais moço que eu não tava na faculdade, tava cursando o vestibular. O cara que não teve essa transformação que a gente teve, né... entrando pra faculdade. Não é bem entrar na faculdade, quer dizer entrar em contato com novos tipos de informação. Pois é, sair da festa de família, da casinha, desse círculo fechado, partir pra outro negócio, começar a ver tudo direito. E o cara começou a ver tudo errado, tudo fechado do mesmo jeito. Porque tudo parece que virou um imenso colégio interno, né? Minha impressão é essa. Os caras saíram do ginásio e continuaram no colégio.

 

Bondinho - Eu acho que é por isso que se tem tanto interesse em modelo de fora, né? O interesse pela política surge muito dai, né?

Chico - Esse pessoal olha pra gente e diz: "porra, esses caras são uns merdas, porque esses caras vieram antes da gente e não ajudaram porra nenhuma!" E aí o cara que tem dois anos menos que eu, 3, 4, 5 anos, sabe que eu sou uma merda mesmo, eu e toda a minha geração. Então o que vão querer? Se identificar com o irmão mais velho? Não! Vão querer saber do primo lá que mora em Liverpool, Liverpool - que é uma cidade horrorosa... nem sabe porque é Liverpool, mas ouviu falar que lá tinha os Beatles, que aquilo era outro negócio, e no fundo não é porra! Isso é que me irrita mais. Não é, pô! Europa não existe, Suécia, que merda... Inglaterra, pô... merda. Daí não dá pra pensar em Brasil nestes termos, nem você sendo um cara de direita, esquerda, meio... não pode. Vai ser nada daquilo. Eu, como sonho, é um país maravilha, viu?

 

Bondinho - Essa impressão que você tem da Europa, como é que você colocaria mais nitidamente?

Chico - É porque é tudo tão velho, tão escroto, tão podre. Aquilo não tem remédio, não. A Itália não tem remédio, não tem, não adianta.

 

Bondinho - Quando se vai à Europa e se conversa com gente jovem... se esquece a política e se mostra samba, fala de Bahia, de berimbau, dessas coisas, tem-se a impressão de que todos eles queriam vir pra cá.

Chico - Mas é claro. Porque qualquer cara aberto lá quer, pois é, porque é perigoso falar disso por aí, porque o Brasil é o país da maravilha, poderia ser... aqui dá, é tudo pra ser feito, né? Não as estradas, mas é tudo. Porque ainda não tem nada. Pô, então você já viu que foi tudo feito errado lá fora, então vamos fazer diferente. Não é fazer o que querem fazer. Tão querendo fazer o exemplo do menos mal-sucedido de todos.

 

Bondinho - No meio de tudo isso, você compondo. Você como autor, não sei, no meio disso tudo, essas importações todas, você já pensou em mudar, tocar outra coisa, cantar outra coisa, compor outra coisa?

Chico - Não, o que acontece é o seguinte: eu não posso fazer outro tipo de música, outro ritmo. Eu, feliz ou infelizmente, sou muito condicionado à minha formação, entende? Minha formação é basicamente em música brasileira, samba... é difícil agora pegar e começar a fazer outro tipo de música, fazer iê-iê-iê. Não saberia fazer, não.

 

Bondinho - Uma outra coisa, também. Acredito que você passa se comunicando com gente jovem através de tua música. Você acredita nisso também?

Chico - Eu acredito que tenha receptividade, mas acho que há uma certa desconfiança. Isso pode ser impressão minha, pode ser problema meu.

Bondinho - Qual seria a desconfiança?

Chico - Há qualquer tipo de relação que eles fazem com a música atual, inglesa ou americana, não sei, música de... sei lá, enfim, os caras, pra eles, acho que são os ídolos mesmo. Não tem mais negócio de João Gilberto, não tem disso não, entende?

 

Bondinho - É o ídolo nacional perdendo a parada, né?

Chico - É isso tudo que a gente lá falando, eu acho. Eles vêem aquilo, se identificam com o jovem inglês, ou americano que seja, e com os ídolos, e por isso mesmo com os cantores de lá. Estão querendo saber dos discos importados. O que o idioma mesmo tá dizendo, acho que isso é mais importante pra eles do que o que eu tou dizendo.

 

Bondinho - Mas só se preocuparem com isso vai ser um traço ruim, né?

Chico - Eu sou suspeito de falar, né? Parece que se eu for dizer que sim, concordar contigo, parece que eu tou dizendo que... inclusive eu não acho que seja uma coisa tão radical. Acho que eles... eu tenho sentido que eles querem saber dessas coisas. Mas no fundo, no fundo, eles não confiam mais, eles confiam mais no John Lennon que no Sérgio Ricardo, como exemplo.

 

Bondinho - O Veloso já escapa desse esquema.

Chico - É. Inclusive a saída dele foi muito inteligente. Digo, dele, Gil e tal. O cara parte pra um esquema internacional, mesmo que ele não seja muito bem sucedido lá, aqui no Brasil se mantém como um cara que está fugindo, é a mesma coisa. Então, é claro que a garotada se identifique com o Caetano ou com o Gil e tal. O cara que procura ir lá fora... o camarada foge, o cara que sai e o cara que compõe em inglês. Quer dizer, eles mesmos quase que são da mesma geração, apesar de não ser dela, eles, muito mais que eu, se identificam com a geração mais nova. Isso eu digo com a maior isenção. Eu sinto isso. Desde o começo eles pegavam o negócio que tava aí.

 

Bondinho - É uma geração que está bem mais próxima da linha de interesse de agora. Cantar em inglês, o ritmo que tá lá fora...

Chico - Inclusive consciente; acho que é uma saída, porque eles sabem disso tudo. Caetano, Gil... Não são garotos deslumbrados com o negócio. São muito mais velhos que eu, eles viveram tudo que eu vivi e por um motivo ou por outro foram levados a isso e descobriram isso.

 

Bondinho - Nas coisas que você falou em termos de juventude, há mil coisas em contradição. Aquele negocio do "não", deles, o "não" é muito mais bonito que o da geração anterior, muito mais agressivo, mas você acha que vai levar a alguma coisa? Por exemplo, você não se casou formalmente, né?

Chico - Eu não me casei mesmo!

 

Bondinho - Não se casou mesmo e isso é uma coisa que faz parte das relações dessa gente mais nova. Não ligar pra isso

Chico - Pois é. Eu me identifico perfeitamente nisso com eles. É um problema quase que de atitude, entende? Eu tou fazendo montes pra casamento, tá na cara. Agora, eu não faço disso um estandarte, entende? Porque eu talvez não esteja mais em tempo de fazer isso. E eles fazem, eles estão na hora de fazer isso. Pode ser que eles consigam, sei lá, mudar tudo.

 

Bondinho - Chico, nota-se que nas músicas principais do seu último LP, as melodias se simplificaram totalmente. Não são melodias com refrão, pro nego embarcar junto, ficar cantando... elas dizem mais pelas palavras. Isso é um negócio intencional?

Chico - Não foi intencional, mas acho que você tem razão quando diz que é um disco mais pra ser ouvido que pra ser cantado. Mas não foi intencional.

 

Bondinho - Você mexe muito bem com as palavras, né? Você sente muita diferença em mexer com a palavra ou mexer com a melodia? Pessoalmente, você gosta mais de uma coisa ou de outra?

Chico - O que acontece é o seguinte: tenho mais habilidade de mexer com a palavra que com a música. Tenho bastante facilidade pra música. Quer dizer, eu não sei escrever poema, não escrevo, nem nunca me passou pela cabeça. A não ser quando era garoto. Um livro de poesia, por exemplo, eu não escrevo.

 

Bondinho - A reação é simultânea?

Chico - É simultânea. Mas eu sinto que na hora de puxar, talvez as palavras valham mais, elas pedem mais que a música na hora de puxar prum determinado caminho. Às vezes é o contrário. Às vezes tem uma idéia de música que me conduz prum outro negócio, então as palavras têm que obedecer o negócio, vão ter que seguir o caminho que a música for traçando. Mas não há uma dependência assim.

 

Bondinho - Você teve mais contato com gente de palavra que com gente de música, né? Gente... muito mais escritor, poeta, que gente de música, né?

Chico - Tive. Tive. Mas a casa de meu pai, por exemplo, que é uma casa cheia de livros, tem livros por todas as paredes, sempre tem muita música também, entende? Meu pai toca piano, mal e porcamente, mas toca de ouvido; e minha mãe é daquelas que aprenderam a tocar piano desde cedo. E tenho um tio-avô que foi maestro. Quer dizer, tem muita música nela. Sou muito ligado, não quero dizer que sou mais ligado em uma ou outra coisa, não quero distorcer porque não sou mesmo. Talvez fosse mais bacana ser, eu não sou, eu só sou ligado, ih, porra, eu leio bastante, mas eu não me emociono tanto com... porque é muita emoção, entende? Eu sou vidrado em Fernando Pessoa, ou Drummond que seja e tal, mas eu me emociono mais com Vinícius. Com a música, entende? Com Minha Namorada mais que com poema de Drummond de Andrade. E sou fanzoca doido de Drummond, de Fernando Pessoa, entende? Desses poetas todos que a gente lê todo dia. E de tudo que eu li. Sou vidrado, mas não me toca como me toca a música popular. Em suma, é isso. Nasci pra ser músico popular e acabou. E a música clássica também não me toca não. Também sou vidrado, pois volta e meia escuto Bach, Beethoven, mas não é a mesma coisa, né?

 

Bondinho - Você falou - outro dado de curiosidade - desses poetas, Fernando Pessoa, Drummond, e se deixasse você ia falar de outros, porque você lê todos os dias. Então, em música, hem? Quem eram então os da música popular?

Chico - Há uma diferença. Aí eu, parece que vou me contradizer, mas eu não escuto muito música, inclusive porque eu não gosto de ouvir, de pegar um disco e botar na vitrola, um troço que eu não... Mas quando eu tou num negócio pra ouvir, pra cantar, então aí é mais cantar, é lembrar, aí um Baden, um Tom, sem parar, entende? Nélson Cavaquinho, pô, aí me toca profundamente. Nélson Cavaquinho me toca profundamente. E não interessa aquilo orquestrado, nem a letra do Nélson Cavaquinho em volume... mas me interessa muito mais pegar, ouvir...

 

Bondinho - Na música a gente participa muito mais, né?

Chico - Pois é, acho que pessoalmente pra mim me pega pelos dois lados. E pega pela música, pega pela letra igualmente, não sei do que eu gosto mais, se é de Tom ou de Vinícius, quando escuto Insensatez. Ou de João Gilberto que está cantando simplesmente tocando violão, que é outra coisa; que além de Vinícius e Tom, tem João Gilberto. Tudo isso me pega, pô, me envolve pô, negócio genial. E eu gosto mais do que - aquilo que eu disse - dum poema, coisa mais maravilhosa que tem. Ou do que uma sinfonia.

 

Bondinho - Tua única incursão com a palavra foi a peça, né?

Chico - Eu gosto, eu escrevo, sabe? Tenho essa mesa cheia de besteiras que eu escrevo. Eu gosto. Volta e meia eu pego e sento... pra mim é um exercício muito... eu gosto paca, entende? Eu, não é... hum... não é a minha vocação, realmente não é o meu caminho. Pode ser que seja um dia, talvez, não sei... Um dia posso ter mais calma, tranqüilamente, sentar e coisar. Mas nisso sou muito tímido, muito cuidadoso, entende? Não quero... Eu teria que sentar e ficar escrevendo, pensando. Não tenho tempo pra isso não tenho saco, ou não tenho talento, não sei. Mas por enquanto não é o meu negócio. Apesar de gostar, como gosto de arquitetura. Fui estudar, cheguei no terceiro ano e... Inclusive adoro, pô, quando vejo uma planta fico olhando aquelas coisas...

 

Bondinho - Engraçado imaginar você na arquitetura.

Chico - Inclusive eu fiz um projeto que tinha nossa escola no fim do ano. Então tinha uma área enorme, não sei quantos mil metros quadrados, e tinha que botar tantas pessoas, localizar não sei quantas mil pessoas, aí passei a noite em claro, um cano, fiz o projeto e quando cheguei na escola de manhã cedo ouvi aquele papo: "Quantos edifícios? Fiz cento e sessenta"; outro: "Fiz cento e trinta e dois"; outro: "Cento e vinte", quer dizer, eu tinha feito dois... O que tinha feito menos era oitenta e quatro. Aí fiquei com uma vergonha que nem entreguei o trabalho.

 

Bondinho - Uma coisa, também, Chico. As letras das tuas músicas são muito incisivas, não sei se tá bem explicado; dificilmente elas são alegrinhas - vai entre aspas esse alegrinhas - e você é uma pessoa bem-humorada. Nos seus contatos você está sempre rindo, buscando alguma graça nas coisas. Por que será, bem, que a gente tem a impressão de que é muito difícil falar com você, de que você é muito sério, muito... sabe? E você é bem-humorado, gosta de...

Chico - Sei lá, não sei, aí eu não sei... Não quer dizer que eu seja mal-humorado quando trabalho, mas quando tou sozinho, quando tou trabalhando e tal, eu só trabalho sozinho mesmo. Não tem a ver com sorrisos, a simpatia e o papo, entende?

 

Bondinho - Dá a impressão que você e o pessoal do MPB-4, por exemplo, vocês devem matar uma porção de uísques, entende? Vocês estão juntos desde o início seu, né?

Chico - Estamos casados um com o outro. Desde de antes ainda.

 

Bondinho - Vocês se conheceram aqui no Rio?

Chico - Não, em São Paulo. Conheci eles lá no bar, lá na Quitanda.

 

Bondinho - O Bar Sem Nome, né?

Chico - É. Eu tava lá bebendo e eles estavam fazendo. Tinham ido pra São Paulo, estavam começando a carreira deles... e eu nada, tava lá bebendo. Tinha começado a compor, mas não tinha nada profissional. E eles foram fazer um show lá naquele... em cima do Cravo e Canela. Eles fizeram o show, o Chico de Assis apresentou a gente lá; ele é quem dirigia o show deles. Aí, quando logo depois, bom, eu fiz contrato com a Record, comprei um Volkswagen, subi na vida... Ai eu vim fazer um show aqui no Rio, no Arpege, aí já tava. Aí ficamos aí.

 

 




























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