“Não sou
subversivo, não, porque inclusive não pretendo dizer nada por baixo... Se
alguém me faz subversivo, é a própria censura. Porque eu quero dizer as coisas
claramente. Não quero dizer sub não. Inclusive eu acho chato que às vezes tenha
que procurar uma imagem, uma metáfora, pra dizer um negócio. Eu gosto de dizer
as coisas claras"
[Chico Buarque, Revista
O Bondinho, 1971]
1971 - Chico Buarque no Canecão |
A CIGARRA - Novembro de 1971 |
O Bondinho
Hamilton Almeida e Mylton Severiano
Entrevista Chico Buarque
Em dois encontros, conversamos 5 horas com Chico Buarque. No primeiro encontro, antes de sair para o seu show no Canecão, ele falou de futebol, de seu trabalho atual, da situação dos artistas em geral. Estava bem-humorado e fazia piada o tempo todo. A entrevista foi então marcada para o dia seguinte à tarde, em seu apartamento mesmo.
Chico
chegou atrasado com Marieta, sua mulher. Para evitar o barulho das suas crianças,
ele sugeriu gravarmos em seu quarto. Falou durante três horas, tomando Fernet e
cerveja. Começou a responder sentado na cama, bem disposto. E no fim do
trabalho, recostado, quase deitado, mostrava-se bastante triste. Um minuto
depois, de novo na sala com a mulher e as crianças, ele era o mesmo Chico da
noite anterior.
[Chico
Buarque falou aos repórteres Hamilton Almeida e Mylton Severiano; e foi
fotografado por Walter Firmo.]
Foto: Walter Firmo |
Bondinho - Contando os
acontecimentos que levaram você e os compositores... não precisa falar dos
outros se quiser... a não participar do FIC, o que é que aconteceu? Aquele
negócio de outubro, se desse pra você contar...
Chico - Os termos da
carta exatamente eu não me lembro, mas a gente saiu, se recusou a participar
depois de ter aceitado o convite da imprensa, em protesto. O documento é muito
claro. Protesto contra as atitudes da censura esse ano todo; a gente viu que ia
se realizar um festival e talvez até nesse festival, durante o festival, as
músicas não fossem tão severamente censuradas, face aí haver uma festa bacana e
tal... mas que o resto do ano inteiro tínhamos sofrido uma porção de cortes.
Bondinho - Praticamente,
você poderia dar um exemplo assim de quantas músicas você teve problemas no ano
que antecedeu este festival? Assim, se você tem música cortada, letra
cortada...
Chico - É. Mas antes de
responder tenho que dizer o seguinte: depois disso parece que houve uma certa
manifestação, liberaram inclusive músicas que tavam encrencadas lá.
Bondinho - Na época você
tinha algumas pendentes lá...
Chico - Tinha. Várias. A
proporção estava realmente de duas censuradas em três. Cada três músicas, duas
censuradas. Tava assim, nessa base.
Bondinho - De que maneira,
Mandando cortar?
Chico - Depende. Algumas
sim. Algumas inclusive eu cortei, eu mudei, como "Deus Ihe Pague", eu
mudei... "Samba de Orly", mesma coisa.
Bondinho - Como é que eram
as frases e como é que ficaram?
Chico - Olha, o
"Deus lhe Pague" eu vou ter que pensar um pouquinho porque nem me
lembro. "O Samba de Orly" foi uma frase só: "pede perdão pela
duração desta temporada." Então eu mudei. Aliás, essa foi que eu cortei. E
o "Deus lhe Pague" foi uma quadra que falava de tempestade e pelo
pavor... dessa tempestade que está aí, uma coisa assim... Mas isso é ainda o
que de melhor pode acontecer, no fim eu estava pedindo pra explicarem essa
frase, aquela frase eu mudo. Eu tava precisando, porque afinal das contas eu
não tava conseguindo... eu tou querendo fazer um long-play. Esse meu long-play
é do tempo de "Apesar de Você." "Apesar de Você" eu lancei
em janeiro, se não me engano. Antes até, dezembro... ano passado. Meu long-play
era pra sair depois do carnaval, março. Ai já, "Apesar de Você", que era
a música que ia puxar o long-play, já de cara fora censurada, outras tiveram
problemas. Então, eu cheguei em junho, julho e tô sem, não é possível, tinha
que gravar um long-play. Quer dizer, eu gravava meu long-play, ou fazia meu
trabalho, ou então realmente parava e partia pra outro negócio.
Bondinho -Você já tava há
quanto tempo sem gravar um long-play? Qual foi o espaço de tempo entre o último
e o atual?
Chico - O último tinha
sido em março do ano passado, entende? Então, normalmente, de ano em ano eu
lanço um long-play. Então, tava planejado. Bom, vamos lançar Apesar de
Você agora, no fim de dezembro, pega Natal, pega Carnaval, arrefece tal,
nos meses de janeiro, fevereiro, a gente grava. Aí não deu, entende? Não tinha.
Meu LP tem dez músicas e nessa época nem dez músicas eu consegui reunir,
entende? Nao tinha.
Bondinho
- O que acontecia era uma coisa mais ou menos sem explicação, a música era
vetada, não havia resposta nenhuma?
Chico - A coisa culminou
quando Mário Reis me pediu a música. Mário me pediu um samba que eu tinha
prometido a ele. Aí eu fiz a coisa mais uma brincadeira. Peguei, ouvi disco de
Mário Reis. Queria fazer uma coisa pro Mário Reis mesmo. Ouvi as coisas que ele
gravava, sambas antigos, aquelas coisas... Da Moreninha da Praia, das coisas
que estavam na moda. Bom, o que estava na moda? A bolsa. Vou fazer uma
brincadeira com a bolsa. Uma brincadeira! Aí censuraram. Alegaram que era uma
ofensa à mulher brasileira. Ofensa à mulher, não sei e não me diz respeito. Aí
eu vi que tava difícil mesmo. Quando eu entreguei na Odeon, um dos dirigentes
da Odeon falou: "agora só falta passar na censura", depois eu ouvi,
ah, ah, ah,... Como quem diz, é uma piada, né? Tá tudo gravado, como quem diz,
agora só falta a coisa mais comum, corriqueira. Aí, qual não foi minha surpresa
que ela é realmente censurada. Aí eu vi que a coisa tava preta mesmo.
Bondinho - Quando você diz
que a coisa tava preta era sob o ponto de vista do trabalho. Você trabalha com
isso...
Chico - É uma coisa
pessoal... não quero nem me alongar. Pro meu trabalho tava muito preto. Meu
trabalho é com música. Se alguém censura essa música, esta letra, "Bolsa de
Amores", então não dá pra fazer nada. Aí apareceu o negócio do Festival. Aí bom,
convidado, a imprensa, homenagem, aquela coisa... Aí chegou uma hora que a
gente disse, bom, também não era só comigo não. Todo mundo sentiu esse
problema, todo mundo, todo mundo se uniu, quase praticamente, outros não,
outros solidários, mas a maioria dos compositores tinha problemas assim,
entende?
Bondinho - Agora, Chico,
você acha que a música popular brasileira é normalmente uma música de protesto
que precise ser tão vigiada assim? A criação da música popular brasileira é de
protesto?
Chico - Inclusive, não
é. Se fosse esse problema, censurar a música de protesto. . . Mas não, a
censura está indo muito mais longe do que uma censura política, não sei. Talvez
fosse bom, pegasse a subversão, vamos lá; mas não, já transcende isso. E a
música brasileira não precisa ser uma música de protesto mas precisa haver uma
certa, uma pequenina liberdade pra você compor e não precisa ser uma coisa
política, não precisa ser nada de protesto, não precisa ser nada. Precisa ter
um pouco de liberdade pra fazer uma música falando de Bolsa de Amores, uma
bobagem, pô. Se a gente não tem liberdade pra isso, aí também não dá pé.
Bondinho - E nem existe
essa categoria de gente que faz música só de protesto.
Chico - Está fora de
cogitação.
Bondinho - E você acredita
que seja possível fazer música popular sem que se mexa com problemas do
dia-a-dia do povo que vai ouvir a música? Isto é, problemas sociais ou
políticos, ou mesmo de costumes? É possível fazer música popular sem tocar em
nada disso?
Chico - É claro que não
é possível. O que há é um limite que a gente mesmo reconhece, quer dizer, os
compositores já sabem mais ou menos até onde podem ir. Agora, se não puder
abordar problema nenhum, se não puder começar a coisa, aí, fica uma bobagem,
né? Você não pode ser contra, só pode ser isso ou aquilo, aí não quer dizer
nada. A música popular, afinal de contas, não quer dizer nada... Porque eu acho
sensacional, você ouve os carnavais antigos, ao mesmo tempo você ouve
"Lata D'água na Cabeça", um samba social, e ao mesmo tempo tem a
música de carnaval do Pierrot e tal e as duas coisas sempre existiram. Aí é que
não querem entender. Não é o problema de dizer "lata d'água na
cabeça", o problema é que não pode cortar o braço de uma pessoa. Cortar o
membro dum negócio. É a mesma coisa, seria tão grave, te digo não como política,
você não pode tirar uma parte nada. Não pode dizer que não pode falar. Pra mim
é tão absurdo como amanhã não poder falar: "eu te amo."
Bondinho - Você passou a ter esse
tipo de problema a partir de Roda Viva ou foi muito depois? Ou só foi a partir
de "Bolsa de Amores?" Com "Roda Viva" você já teve problema.
Chico - Tive. A peça foi
proibida.
Bondinho - Mas
musicalmente, do ponto de vista da música...
Chico - A peça foi
censurada com o que tinha dentro. Sobraram músicas que só... Havia “Roda Viva”
e “Sem Fantasia”, eram as duas da peça e que eram músicas de disco também.
“Roda Viva” já existia antes da peça. Quer dizer, foi gravada antes da peça. E “Sem
Fantasia” também. Já desde o começo, foi logo no comecinho, a música
“Tamandaré” foi censurada.
Bondinho - O que era a
música Tamandaré?
Chico - Era uma
brincadeira falando da nota de um cruzeiro. Foi considerada um desrespeito.
Bondinho - Quando foi a
censura?
Chico - Isso foi logo no
começo. No tempo de “Pedro Pedreiro”, em 66. Aí, mais dois anos, foi “Roda Viva”;
aí também eu fui embora e não fiz mais nada. Aí, com "Apesar de Você"
começou tudo de novo. Vamos dizer, marcação, né?
Bondinho - Com "Apesar
de Você", deixaram gravar, deixaram tocar e só depois..
Chico - Pois é, a
mancada aí foi essa. Quer dizer, existe censura prévia. Eu mandei a letra
direitinho pra censura, eles não gravam sem censurar; foi liberado, carimbado,
tudo certinho, foi gravado, censurado uma vez, voltaram a lançar e depois
retiraram. Agora, não foi uma coisa legal não, porque nem sei como mandaram
retirar, se houve algum papel ou ordem baseada em alguma coisa. Aí eu fiquei
sem saber mais nada.
Bondinho - Quando você
passou algum tempo na Itália, já tinha alguma coisa que ver com esse clima de
trabalho, ou não?
Chico - Eu fui porque eu
já ia mesmo, entende? Eu fui porque já tinha um negócio marcado lá. Já tinha o
MIDEM lá, aquele festival, aquela feira. isso já estava marcado antes de
qualquer coisa. Este ano acho que vai Maria Betânia. Eles marcam com
antecedência. Já estava marcado. Agora, eu não voltei evidentemente porque não
tava agradável de voltar. Eu prolonguei. Era pra ir e voltar em um mês, no
máximo. E ficou sendo um ano e três ou quatro meses.
Bondinho - Logo que você
surgiu você tinha Pedro Pedreiro. Uma música que abordava tema parecido com o
de "Construção"; o intervalo todo entre uma música e outra é fruto
desse clima, ou na época você estava simplesmente preocupado com outros temas
em suas músicas?
Chico - Aí tem que
colocar uma porção de coisas, Porque foram uns dois, três anos, que se eu for
pegar agora meus discos e te mostrar, entende? As músicas estavam todas lá,
inclusive continuação de "Pedro Pedreiro", quer dizer a ligação toda
tava lá. Ao lado disso eu sempre fiz música do tipo mais lírico. O fato de uma
música ter mais sucesso - "Carolina" teve mais sucesso - não depende
de mim. E não foi feito pensando em nada, é uma música como outra, entende?
Então meu disco tem "Desalento", um samba que eu adoro. Um samba que
não tem nada a ver com “Construção” e tá no disco Construção e eu acho que o
trabalho é isso tudo. Aí é que tá, quando eu digo que não pode censurar é
porque se eu fosse cantor de protesto por excelência, então censurasse todas.
Tá bom, não posso cantar, mas não... Eu acho que eu faço isto, faço aquilo...
Agora. Censurar uma parte, também não tá certo, porque não quero ser um cantor
não de protesto. Cantor de não-protesto, cantor de amor. Não sou, nunca fui, e
acho que isso está em todos os discos. Independente de faixa de certo tipo de
música fazer mais sucesso. Construção faz mais sucesso que as outras.
É mais bem feita que as outras, sei lá, teve uma promoção maior, não interessa.
É uma música que está aparecendo mais que as outras no disco. Tem outras
músicas lá que, se aparecessem mais, iam me perguntar por quê.
Bondinho - É um problema da
tua obra inteira.
Chico - Eu sempre
coloquei isso. Cada disco meu eu acho que sempre foi uma coisa assim. E não tô,
eu nunca quis, aliás, quando começou isso eu já disse noutra entrevista... mas
não custa repetir. Quando eu comecei a aparecer é que me perguntaram: "Por
que sua música é social, de tema social?" "Porque você não... Eu era
fanzoca de Vinícius. Porque Vinícius fala de amor, de mulher e eu queria
sempre... aí de repente eu começo a falar e tal, e aí de repente perguntam:
"por que só Carolina?" É outro negócio, tá junto. No outro lado do
disco, na faixa seguinte.
Bondinho - Uma coisa eu
queria te perguntar. Você acha que é um trabalho de todo mundo, todo mundo que
mexe com composição, criação, tá sofrendo esse tipo de coisa, não saber bem o
que está acontecendo?
Chico - Bom, a gente não
se reúne tanto, mas o pessoal que eu tenho contato, há já inclusive um
underground; gente que pega o violão e mostra, "olha!". Mostra e já
nem pensa no problema de gravar porque já sabe que não vai ser gravado. Estou
falando tudo isso apesar de agora terem liberado uma porção de músicas minhas
que estavam penduradas, entende? Fica uma situação um pouco esquisita, porque
eu não sei o que está acontecendo. As coisas vão acontecendo independentemente.
O que marcou mais não foi isso de liberarem as músicas. O que marcou foi terem
me censurado. Eu não vou esquecer isso, porque chegou uma hora que eu falei:
pôxa, então não dá, vou procurar uma outra coisa pra fazer porque não dá
mesmo...
Bondinho - Você chegou a
pensar em mudar de profissão?
Chico - Bom, eu pensei
nisso. É claro que eu pensei nisso. Ou então parar de gravar... partir pra
show, mas isso também não ia continuar muito tempo, não. Porque você não tem
muita condição de fazer um show sem um disco, a rádio que toca você. Apesar de
já ter um certo nome. Então, eu posso pegar um lugarzinho pequeno, pra me
apresentar toda noite, apresentar músicas novas. Sei lá, eu fiquei pensando
essas coisas... Que nem lá na Itália tem o que eles chamam de cabaré, que essa
gente, não porque é censurada, mas porque lá a coisa comercial já chegou a um
ponto tão grande que quem não tem grande sucesso comercial, não existe. Aliás,
não é o meu caso, pois estou com bom sucesso comercial e estou vendendo disco.
Mas se eu não estivesse vendendo muito bem mesmo eu não ia fazer porcaria
nenhuma. Porque eu não tinha acesso à televisão, acesso à rádio. Então, o que
faz? Faz uma espécie de clubezinho de gente que vai assistir jazz, vai assistir
Edu Lobo, a mim, Paulinho da Viola. Então a gente é outro negócio. Além disso,
é um submundo, e ao lado disso grava disco. Aí vende mil discos, e daí? Gravam
quase como um documento. É o que eles chamam de cabaré de lá. Os cantores de
cabaré. Eu seria um cantor de cabaré lá. Se eu fosse levar adiante o negócio,
partia pra isso. Que é um meio de sobreviver. Daqui a pouco aqui é capaz de
acontecer isso. Tem público pra isso, público de estudante. Que não é público
de comprar 100 mil discos, não.
Bondinho - Mas não ia ficar
estranho pro seu público?
Chico - Eu acho que
ficaria, claro, né? O público ia ficar muito menor também porque a coisa não ia
dar oportunidade de acesso a nenhum meio de divulgação maior, e sem gravar
disco e sem nada ia ser uma coisa pequena, restrita, mas ia dar pé. Agora, eu
não sei quanto tempo daria pra levar isso adiante, não. Tinha que pegar uma
boatezinha e ficar cantando. Aí, o pessoal vai lá ouvir música nova. Aí, depois
de dois anos já não interessa mais. A não ser lá na Itália, onde a coisa é
quase institucionalizada - o cantor de cabaré. Existe esse gênero. Porque já
não vende disco nenhum; vende pouquíssimo. Aquilo lá tem prestígio e tem um
pouco de sucesso.
Bondinho - Como é a censura
lá e aqui? Lá também tem que mandar a letra...
Chico - Não. Aqui só
existe de dois anos pra cá, uns três anos; antes disso não havia.
Bondinho - Como é o funcionamento
burocrático? Você pega a letra e manda pra onde? Pra quem, quem é que lê?
Chico - É uma coisa que
nunca me preocupou. Igualzinho o que era aqui. Eu não sei como é que era, mas a
gente não tinha que mandar a letra. A gente gravava o disco e pronto. Acabou.
Bondinho - E agora, como é
que é?
Chico - Agora, no meu
caso é a gravadora. Eu não vou bater papo, só falo quando sou chamado porque eu
não tenho nada interessante pra dizer.
Bondinho - Você, quando
voltou da Itália, teve a sensação de que voltou porque está melhor, daria pra
trabalhar?
Chico - Eu voltei porque
me garantiram que aqui estava tranqüilo e me ofereceram contratos. E na verdade
estava lá já de saco cheio, não é? Depois de um ano começou a encher muito o
saco. E comecei a brigar e comecei a... porque a Itália é maravilhosa, Roma é
uma cidade... eu tô morrendo de saudade dela. Agora, você morar lá um ano, mais
de um ano, tem que ser um cara especial. E eu não sou esse cara especial. Esse
cara, que é o Murilo Mendes, um poeta que a gente não sabe se é italiano ou
brasileiro. Eu me sentia lá um estrangeiro, não gostava de viver lá. Depois de
um ano passei a não gostar, passei a brigar e aí pensei: ih, não está ficando
bom, não. Aí apareceu o negócio de poder voltar que "não tem problema";
pelo contrário, a TV Globo me ofereceu pra fazer um programa especial, 20
milhões, e fazer um show na Sucata, eu achei que dava pé. Tava chato paca, no
fundo era isso.
Bondinho - Agora, quando
você fala assim porque disseram "pode voltar e tal", a gente, que não
é do meio como você, não dá pra perceber, porque... Quem era esse "pode
voltar"' assim... São as pessoas, são as televisões que passam a procurar
você de novo, o cara se afasfa em determinado momento, são os contratos que
deixem de existir em determinado tempo...
Chico - Não. Contrato
sempre houve. Não foi por isso que fui embora. E nem por isso que eu voltei.
Trabalho tinha, se eu quisesse trabalhar. O que há é o seguinte: é que tem duas
maneiras de ser indesejável num lugar. Ou te dizem claramente ou mandam um
indireto, entende? Então eu recebi indiretas, sempre, todo dia. "Melhor
você não voltar porque a barra está pesada, melhor você não voltar porque vão
fazer isso, melhor você não voltar porque o fulano disse." Pô, por via das
dúvidas, você não volta, né? Pelo menos eu não volto.
Bondinho - Esse tipo de
indiretas, você recebeu muitas no tempo de "Roda Viva"? Ou passou a
receber nessa época?
Chico - Não, só recebi
mesmo lá fora. Quer dizer é que prestei mais atenção lá fora, entende? Quer dizer,
antes disso, mesmo no tempo de "Roda Viva" eu senti muita coisa, mas
a mim pessoalmente não chegava, não. Inclusive porque na época do "Roda
Viva" a coisa foi muito distribuída e se atribuía muita coisa ao Zé Celso.
Zé Celso foi muito mais marcado que eu, por causa da linha dele, na peça. E a
coisa chegou à agressão física ao elenco, e eu não tava aqui não, tava noutra.
Quer dizer, aí chega o Nelson Rodrigues, diz que não, que eu sou um bom menino
e tal, que o Zé Celso deturpou tudo, falaram essas coisas...
Bondinho - Que você acha
disso?
Chico - Não, eu falei
cem vezes não, que não era verdade. Agora não vou ficar respondendo ao Nelson
Rodrigues. Falei que eu assumia inteiramente. Mas a verdade é que tinham mais
raiva do Zé Celso que de mim.
Bondinho - Você falou que
em determinado momento tinham raiva do Ze Celsó e não de você. Acho que havia
sempre uma tentativa de encarar você assim como bom menino, uma série de
coisas... Isolar, inclusive, seu trabalho do trabalho de outras pessoas como
Edu, Caetano, Gil e outros compositores. Você acha que sempre existia essa
separação, ou era um trabalho de música popular como outros também?
Chico - Não. Eu não acho
que havia... o Zé Celso é outra coisa. Um cara que só trabalha com teatro não é
cara de penetração popular. Por aí vai uma diferença muito grande. O sujeito
que tem uma certa penetração popular vai ao programa de televisão, dá
entrevista e tal, e canta. É uma coisa. E Zé Celso é outra.
Bondinho - A ferramenta de
trabalho é uma coisa...
Chico - Pois é. A gente
tem que contar isso tudo. E aí esse ódio é muito mais pessoal do que pelo
trabalho propriamente. Eu te digo, há muito mais raiva do Gil que do Caetano.
Odeia-se o Gil - não se gosta do Caetano mas também não se odeia. Você vê na
cara de um e entende por quê.
Bondinho - Pela cara?
Chico - Pela cara, pela
atitude, pela narina, pela cabeça do Gil; pelo Caetano que é mais branco e mais
magro, e franzino, raquítico. Há esse negócio.
Bondinho - Queria que você
localizasse mais. Tentaram, mais ou menos, intrigar os trabalhos de vários
compositores?
Chico - Mas aí foi um
outro negócio. Foi uma espécie de guerrinha de bastidores, criada para promover
uma porção de coisas, onde eu entrei de Cristo apesar de ser amicíssimo de todo
mundo aí. Agora, isso não foi criado por nenhuma força oculta, não. Isso foi
claro.
Bondinho - Foi mais um
problema do métier que...
Chico - Foi
simplesmente.
Bondinho - Você estava
preparando uma música pro FIC, você contou ontem. Como que era a música?
Chico - Por quê?
Bondinho - Por curiosidade.
Chico - É uma canção do
Tom que eu tinha feito a letra. Aliás, nem terminei, faltava ajeitar a letra.
Não terminou, qualquer hora a gente termina.
Bondinho - Você não pode
dizer a letra pra gente?
Chico - Eu tenho o
rascunho dela espalhado por aí. Qualquer hora eu posso achar, mas não está
pronta ainda. Ela não tem nada com o FIC, nem tem problema com o FIC. Isso
nunca ficou bem claro, apesar da carta ficar bem clara. Parecia que a gente ia
retirar; enfim, não é por causa da censura no FIC. Não, não era por causa da
censura. A minha música nunca foi censurada, não dava, pois não tava nem
pronta. Por causa da censura de uma maneira geral, censuraram todos.
Bondinho -Aproveitando a
oportunidade do FIC.
Chico - Já que estamos
todos aqui, vamos dizer que a censura não tava muito boa e nós todos saímos
fora do Festival. Inclusive pouquíssimos dos caras que assinaram mandaram as
músicas pro FIC. Ainda tava na fase de pensar se iam ou não iam mandar. Por
coincidência a música que o Paulo Sérgio Vale tinha mandado foi censurada, mas
isso não tem nada que ver com a carta. A minha música, acho que não seria
censurada. Não tem nada pra ser censurada.
Bondinho - Quando você fala
"eu acho", já entra a autocensura?
Chico - É claro. É
aquela do "não" e aquela do "talvez". Esta "não"
e tem aquela que "talvez" vão censurar. A "Bolsa de Amores"
eu achava que "talvez".
Bondinho - São três
categorias?
Chico - Tem a que é
censurada mesmo, essa o autor nem manda. Tem a talvez, vamos tentar. E tem aquela
que é tranqüila.
Bondinho - O "Apesar
de Você", em que categoria estava?
Chico - Eu não sei, tive
medo, tive um pouco de... achei... tava temeroso, se bem que comigo a barra
piorou depois de "Apesar de Você". Naquela época, justamente, se eu
tivesse mandado "Apesar de Você" depois do Apesar de Você, ela não
passava. Mas eu mandei, liberaram e eu falei "tá". Quer dizer que eu
mandei no talvez, né?
Bondinho - Isso tudo
explica que você não tem nada contra festivais. Você pode estar o ano que vem
participando de um festival. Seja o FIC, seja qualquer outro.
Chico - Não, a atitude
não foi contra o festival. De jeito nenhum, se bem que eu não goste. Não gosto
de festival e não tenho vontade de participar de festival. O FIC, o único que
existe atualmente, desse não há condições de gostar. Não há condições de fazer
um trabalho direito lá, porque ou você faz a coisa pro festival - que não me
interessa fazer -,ou então você vai se sujeitar à opinião de um júri. Ou então
o público que não tá ouvindo o som direito e não é culpa dele, ele não vai ter
condições de gostar ou não gostar da música. Ele vai engolir ou não vai
engolir. A gente não pode fazer música pra isso. Se o cara tá se lançando, aí
ele aceita um convite da imprensa, um negócio social. No fim, pra nós foi mesmo
uma oportunidade de manifestar o negócio. Manifestar o nosso repúdio à censura.
Bondinho - Bom, por causa
da censura, você acha que está sendo trancada a sua comunicação com o seu
público?
Chico - Olha, quando eu
disse aquele negócio das três músicas, a do "não", a do
"talvez", a do "sim", eu digo o seguinte: eu produzo muito
pouco. Não sou um cara de grande produção. Eu faço uma música por mês, vamos
dizer. Numa época faço várias músicas, e uma época não faço nenhuma. Eu não
faço música pra não ser gravada. Não faço mesmo. Nem por enquanto, tava falando
aquela hora, se fosse o caso; aí eu mudaria tudo, mas por enquanto só me
interessa a música pra ser gravada. Não me interessa eu cantar porque eu não
faço isso, pegar um violão pra te mostrar uma música: ah, olha aqui, ligo o
gravador pra te mostrar uma música. Não, só me interessa música que vai ser
gravada. Então, é claro, isso me limita uma porção de coisas, porque eu já sei
que essa música como eu fiz não vai dar pé, então eu vou aproveitar o trabalho
que tive com ela e vou transformá-la numa música que talvez dê pé. Isso muitas
vezes, ela perde uma porção de coisas.
Bondinho - E, além disso,
por que você parou de aparecer mais? Você só aparece em show ou disco, ou no
rádio. Você não aparece em programas de TV. Tem algum problema nisso?
Chico - Não tem programa
pra aparecer quase. O que tem eu não gosto e acho que não vale a pena. Eu tô
achando que dá pra fazer um trabalho de trabalhar, trabalhar de vender disco,
show, sem fazer TV. A televisão é um negócio que você tem que fazer concessão.
Quer dizer, é claro que tv é importante. Agora, pra mim, tudo que se passa em
televisão, ou quase tudo, me cheira a concessão. Ah, vou topar proposta do sr.
não sei o quê, patrocinador e tal. Acho que tá dando pé quase fazendo um
trabalho subterrâneo, entende? E apesar disso aproveitar a máquina do embalo da
gravadora, não sei o que... e vender discos e ser divulgado.
Bondinho - Pra uma
comunicação maior, usar o disco.
Chico - Bom, aí é que tá
o negócio. Sem o disco, aí, vira underground. Underground mesmo. O cabaré italiano.
Mas acho que aí há um meio - termo. No momento há. Eu não acho que público que
compre o meu disco precise me ver na televisão. Eu não gosto de TV já de cara.
Já não gosto, nunca gostei, então... Dinheiro, se for pra resolver o problema
de dinheiro, eles não pagam muito e depois pra você receber precisa pedir tanta
esmola porque, eles demoram meses pra pagar, não pagam, oferecem
liquidificador... Por dinheiro não vou fazer TV não.
Bondinho - Foi pensando
assim que você se juntou com Karabchevshi e Klein pra fazer o show do Canecão?
Pensando só nessa faixa, a faixa intermediária?
Chico - Eu já tava
fazendo show desde o começo do ano.
Bondinho - O Canecão é um show com mais
gente.
Chico - Pois é. Isso eu
pensei mesmo. Inclusive quando a gente fala em fazer circo, realmente é isso. O
circo é mais gente que o Canecão. Já que não é pra TV, também não tem sentido
ficar virando cantor de Zona Sul, de grã-fino, de publicozinho de elite. Não é
isso. Minha música não é música pra elite. Eu não quero que seja, pelo menos.
Então, já que não é pra fazer TV, procurar fazer um contato direto com um
público maior.
Bondinho - E o
desdobramento dessa experiência é o circo, né? Você podia dar uma explicada...
Chico - Agora não dá
certo ainda porque o circo caiu, né? Caiu com a ventania que bateu anteontem,
que derrubou até o cartaz do Canecão, também. A gente vai acertar um circo, e é
só isso, levar um show lá. A preço realmente popular. A arquibancada a seis
contos, preço de circo.
Bondinho - Como chama o
circo?
Chico - Fu-Man-Chu.
Bondinho - Você vai ficar,
ou sair por aí?
Chico - Bom, se as
coisas funcionarem, a gente vai. Tô achando genial. Só penso nisso. Faço o show
do Canecão pensando nisso. O show não é o mesmo, não; não vai ter o Isac nem o
Klein, eles já têm viagem marcada. Vai ser com a Marlene. Ela é bacana à beça,
tá animada, ela faz o carnaval, canta Lata D'água na Cabeça... Ela tá por
dentro de tudo.
Bondinho - Vai ser uma
experiência bacana.
Chico - Inclusive a
gente tá querendo manter algumas coisas do circo. Quer dizer, não é pra fazer
um show de música num circo, não! É pra botar, deixar palhaços, anão, alguma
coisa. Não vamos fazer número de circo mesmo, mas deixar de alguma forma. A
gente ainda não pensou, mas vamos dar um caráter circense ao negócio, né?
Claro, cantando uma música romântica, não vai deixar entrar um palhaço no meio
da música. Mas nos intervalos...
Bondinho - Chico, você se
considera subversivo?
Chico - Não sou
subversivo, não, porque inclusive não pretendo dizer nada por baixo... Se
alguém me faz subversivo é a própria censura. Porque eu quero dizer as coisas
claramente. Não quero dizer sub não. Inclusive eu acho chato que às vezes tenha
que procurar uma imagem, uma metáfora, pra dizer um negócio. Eu gosto de dizer
as coisas claras: "A Rita levou meu sorriso no sorriso dela..."; eu
gosto de dizer essas besteiras. Agora, se disserem que não posso levar os bons
discos de Noel, se tiver que fazer uma metáfora pra dizer, ah, a gente acaba
virando subversivo mesmo. Não há um código, eu não escrevo em código não.
Bondinho - Agora, todo esse
clima que, pelo visto, já era até subversão, porque as pessoas passam a ter que
fazer as coisas por metáforas, está influenciando de uma maneira geral a música
popular, você não acha?
Chico - Mas você vê que
ela tá complicada. Vê as coisas complicadíssimas. Às vezes você ouve uma música
e conhece o compositor e sabe o que ele tá querendo dizer, mas você mesmo não
entende... você sabe o que ele quer dizer, mas você fica procurando... por quê?
Porque ele tem que fazer subversão. Ele tem que dizer a coisa de uma maneira
tão enrolada que não... eu não sei... eu não gosto. Eu acho que a música tá
passando por isso.
Bondinho - Uma fase
negativa.
Chico - Acho. Porque
então o sujeito diz a coisa banal claramente, ou diz a coisa não banal de uma
maneira tão complicada que fica sendo chata. E a música banal é chata, não
gosto. Às vezes tem uma chave, de certa maneira, isso existe, é claro. Mas a
maioria das vezes você quer dizer uma porção de coisas e isso é tão complicado,
tão enrolado, que no fim não passa nada. O máximo que explica é na contracapa
ou nas entrelinhas. Você tem que ler nas entrelinhas o que quer dizer. Deforma.
Eu acho que isso deforma a música.
Bondinho - Diga uma coisa,
Chico, há um monte de gente aí que partiu pra agradar a situação, com um tipo
de música do maior mau-gosto. Isso também não estaria prejudicando a nossa
música?
Chico - Pois é, tem dado
um modelo, né? Inclusive eu acho que esses caras, agora vamos pichar mesmo, são
gente pouco capacitada, gente tecnicamente ruim pra fazer música. Porque a
gente vê na televisão filmes de propaganda muito bem-feitos. entende? Mas, em
música, uns troços horrorosos, e não pega, não cola. Até agora não colou.
Bondinho - Você acha que é
possível saírem músicas oficiais maravilhosas só porque são tecnicamente bem
feitas?
Chico - Não sei. Por que
não? Eu acho que há vários compositores, eu não sou tecnicamente bom
compositor, acho que sou bom compositor porque sei fazer minhas músicas... Mas
há compositores tecnicamente bons que poderiam fazer música em qualquer
sentido. Poderiam ser ótimos jingleístas, formidáveis. Esses que estão aí são
muito ruins. Don e Ravel são horrorosos, e são primários, entende? São
compositores de colégio, parece aquelas músicas de formatura. Eu não vou dizer
quem, mas acho que há compositores que podem fazer...
Bondinho - Jorge Ben não entrou nessa? Você não acha que o
Jorge Ben é tecnicamente bom?
Chico - Não, Jorge Ben é
outra coisa.
Bondinho - Mas ele entrou
nessa...
Chico - Não. O que houve
aí do Jorge Ben, foi, que eu saiba, não sei... ele é muito ingênuo também. Mas,
agora, o que houve, esse negócio do Erlon Chaves que ele tá fazendo aí, aquilo
não, aquilo ele fez com o pessoal do Pasquim e o Erlon Chaves começou a botar a
transamazônica, 200 milhas, é coisa nossa, é coisa nossa! Ele fez a Coisa Nossa
do Pasquim. Olha, o que eu gosto do Jorge Ben, que ele realmente é, como um
Chico da Silva e eu, um primitivo mesmo. É um cara que pode perfeitamente
acreditar e ver televisão, "porra, é mesmo!", e fazer os sambas dele.
Esse caso você não pode recriminar. Eu pelo menos não me sinto em condições.
Agora, um porra desses Don e Ravel, péssimos músicos, péssimos letristas, péssimos
caráter, péssimos em tudo. Então quando digo, e alguém fizer, é
espontaneamente, não é porque o cara vai parar de fazer, não. Fez porque achou
bacana. Então, porra, música ufanista foi feita sempre. Ary Barroso e tal, já
se fez e tal. Pô, o Tom, o Tom tem um frevo brasileiro e ufanista que é
bacanérrimo mesmo. Muito bonito. Daquela época do Juscelino.
Bondinho - Não era clima
criado...
Chico - Não era, era um
troço espontâneo. Então, pô, Brasília, realmente, pô, era um troço emocionante.
O negócio de Brasília eu era muito garoto, não me lembro de haver tanta
bandeira, essa propaganda de cinco em cinco minutos pela televisão. Então havia
aquele frevo que era "taram ra ra li ra ra... vem, vamos dançar ao Sol/
vem que a banda vai passar / vem ouvir os toques dos clarins anunciando o
carnaval / e vão brilhando os seus metais/ por entre cores mil, verde mar, céu
de anil/ nunca se viu tanta beleza/ ai, meu Deus, que lindo o meu Brasil. Trara
ram pam..." Ôrra, maravilhoso, maravilhoso... Agora, se você juntar com as
coisas...
Bondinho - Se você trocar o
tempo...
Chico - É. Com a
diferença que seria uma linda música agora. Eu até seria capaz de ficar
emocionado vendo televisão...
Bondinho - Você, no tempo
do Juscelino, seria capaz de fazer uma música ufanista?
Chico - É difícil. Não
sei. Tinha 11 anos, 12. Eu ouvia meus pais falarem. Lembro que eles eram UDN,
do Juarez, e eu me lembro de 1950, pregar cartaz, eu tinha 6 anos, pregar
cartazes do Brigadeiro. "Brigadeiro é bonito e é solteiro." Agora, no
tempo do Juscelino começou aquela coisa toda de cinema, quando comecei a me
interessar por música também, comecei a tocar violão, a bossa-nova, quer dizer,
eu não...
Bondinho - Era uma época
mais criativa, né?
Chico - Ah, sim. Foi
tudo ali. Acho que tudo isso que eles têm hoje em matéria de cinema, música -
música eu sei, porque toda a minha geração começou ouvindo tudo o que fazia
naquela época. Acho que cinema foi a mesma coisa. Acho que apareceu tanta coisa
que...
Bondinho - E essa época
atual pode fazer perder todo aquele trabalho na música, no cinema...
Chico - Eu acho que a
gente vai ficando velho, né? Eu não vejo muito a garotada, sei lá, o que é que
ela vê. O que ela tem na cabeça. Até aparecer outro negócio assim, não sou eu
que vou fazer. Não vejo pessoal da minha geração em condições de. Cada um tem o
seu caminho. Eu não tou com muito contato com ninguém. Nem tenho mais
entusiasmo pra inventar, sei lá, ir na casa de não sei quem, como naquela época
se fazia, entende? Ah, vamos na casa de não sei quem, pegar o violão... Não
tem mais. Já tenho o meu caminho traçado, separado de todo mundo. Cada um tem o
seu. é muito difícil de entender. Fica artificial. "Bom, amanhã vamo
fazê..." existe muito disso, né? Ir na casa do Sérgio Ricardo ver o
movimento. Que, nunca vai ninguém, pô! O cara lá chega atrasado, outro chega
bêbado, outro chega com pressa. Não se faz mais isso. Isso tem que ser a
garotada. A garotada, os caras de 19, 20 anos...
Bondinho - Você acha que
eles têm clima pra fazer...
Chico - Eu não. Isso que
eu acho, acho que peguei o rabinho, o finzinho de geração. O cara três, quatro,
cinco anos mais moço que eu tem tido uma experiência brutal. Tem uma porção de
outras coisas bacanas, mas não sei se vai poder fazer uma. Tem um
"não" muito mais bacana, não é como o "não" da gente, que
era meio misturado com um "sim". O cara, pô, eu vejo a garotada
olhando assim, e eu chego mais perto do Tom que tem 14 anos mais que eu. Parece
que eu sou mais geração dele que a minha, estou mais na geração dele que de um
cara de 20 anos. Cara de 20 anos é um outro bicho. Tá aberto pra uma porção de
coisa bacana pra burro, inclusive eu não vejo muito a condição dele fazer... eu
não conheço, não vi aparecer nada. Sinceramente, não vi.
Bondinho - No meio disso
tudo a música popular brasileira não tá perdendo terrivelmente a parada para a
música estrangeira?
Chico - Está, mesmo
porque o jovem de hoje, ao contrário dos jovens do meu tempo, procura na coisa
internacional, uma coisa modelo inglês, ou modelo não sei o quê, uma libertação
que aqui não existe. No meu tempo era muito diferente, né? Eu era garoto,
quando comecei a cantar usava cabelo curto, porque a gente de minha idade não
tinha aquele negócio de usar cabelo comprido pra parecer músico, pra parecer
Beatle. O brasileiro não tinha de usar cabelo comprido. Agora, tem que usar,
pô, tem que usar porque se não usar vou me atrapalhar, confundir, pensar que eu
tô… naquela época era diferente, entende? O líder, sei lá, o líder estudantil
era outra coisa, não tinha nada, conotação nenhuma com a tua geração. Agora não
existe mais nenhum, entende? Não existe mais modelo nacional. Você não pode
dizer: "não, eu uso cabelo curto e eu saio, sei lá...", alguma coisa
assim. Que aí vão nos confundir com um negócio… bem, careta, ou pior, entende?
Então, você falar inglês hoje, você saber falar uns troços em inglês, pode, tá,
porque você é um cara bacana. Tá bem informado, tá sabendo de tudo que está se
passando no mundo. Há cinco anos atrás, não era não. No tempo que eu comecei
não era não. O que você tinha de saber era de Mário de Andrade, Vila Lobos,
tinha que saber de Manuel Bandeira, tinha que saber essas coisas todas. Só
podia se basear nesses caras pra dizer alguma coisa. Hoje não pode mais não.
Então, ao mesmo tempo, a garotada que tem 20 anos, 19 anos, usa cabelos
compridos até aqui e barba, e quer tocar cítara e não sei o quê. É um troço
bacana dizer não a tudo isso, mas eu não vejo como é que eles vão, que é que
eles vão fazer com isso, além do que já foi feito lá fora. Em que base eles vão
tocar cítara? Por quê? O que isto tem que ver com a Índia, pô! Que ligação é
essa? Que os Beatles foram à Índia e disseram pra tocar, e o brasileiro...
Então você diz: não, é melhor você pegar o berimbau e aí você já fica achando:
que é isso, porra? Você tá atacando de nacionalista... Não pode mais, confundiu
tudo. Acho que naquela época, eu me f... um pouco nessa brincadeira, entende?
Porque eu representava mais ou menos a imagem da música brasileira. De repente
eu vi que não podia ser, que eu não sei fazer outra coisa senão samba. E adoro
samba, adoro cultura brasileira, mas não posso ficar propagando isso por aí
não, viu? Senão, vão me confundir com o Plínio Salgado.
Bondinho - Você acha que -
pelo que eu estou sentindo no que você está falando - quem está sofrendo mais,
sendo mais prejudicado, é a geração mais jovem, né?
Chico - Não tem dúvida.
E tenho medo pela geração mais jovem: minha filha, por exemplo. Que que é? Vive
desde o começo educação moral e cívica, essas coisas no colégio que eu não sei
se daqui a vinte anos, se continuar assim, o que é que vai ser, né? Porque
ninguém sabe nada. Ninguém sabe nada de cultura brasileira, coisa nenhuma. Se
fosse ser hippie... Bem, a melhor coisa que tem é ser hippie. A garotada que eu
conheço, 5 anos mais moça do que eu, gente de 20, 21, 22 anos que eu conheço,
gente bacana, são todos hippies. A melhor coisa que se pode fazer é ser hippie,
porra. Se eu fosse da idade deles, que é que eu seria, pó? Nisso tudo você viu
que sinto que há uma diferença de geração como se fosse cem anos. E são cinco
anos.
Bondinho - Isso, de uma
forma geral, vai gerar um empobrecimento dessa cultura brasileira, não?
Chico - Eu acho que sim.
Quer dizer, eu não vejo dentro desse nosso hippie e tal, como fazer... posso
estar errado, pode ser que se faça, que se crie dentro de algum tempo... Essa
gente que tá começando a ser hippie hoje, no Brasil, não sei o que eles vão
poder fazer mais que artesanato com couro, quero dizer, em matéria de criação.
De música, por exemplo.
Bondinho - Você falou de
geração, de um espaço de cinco anos que parece muito maior. Isso de alguma
forma te frustra, te dá problemas, você gostaria de estar falando com essa
geração de diferença de 5 anos?
Chico - Me perturba
muito. Contato com um cara assim em geral me inibe um bocado, né? Me dá... não
sei se é sentimento de culpa. Não, ou me dá... não sei o que é... é um negócio
estranho. Tem-se a impressão de que o cara tá olhando pra você e dizendo
"Pô, como é que você deixou esta m..."como se a gente tivesse podido
fazer qualquer coisa. Inclusive vejo esses caras com uma coragem muito maior
que a minha.
Bondinho - Será que você
localiza o porquê desse envelhecimento na nossa geração, esse buraco?
Chico - Você quantos
anos tem?
Bondinho - Tenho 26. Será
que daria pra gente identificar mais um pouco na falta do que foi realmente?
Falta de universidades? Falta de comunicação?
Chico - Eu, por acaso,
quando entrei pra universidade já era mais ou menos... tinha umas transas,
conhecia bastante gente e tal. E vi amigos que ao entrar na faculdade se
transformaram, começaram a enxergar as coisas. O cara dois anos mais moço que
eu não tava na faculdade, tava cursando o vestibular. O cara que não teve essa
transformação que a gente teve, né... entrando pra faculdade. Não é bem entrar
na faculdade, quer dizer entrar em contato com novos tipos de informação. Pois
é, sair da festa de família, da casinha, desse círculo fechado, partir pra
outro negócio, começar a ver tudo direito. E o cara começou a ver tudo errado,
tudo fechado do mesmo jeito. Porque tudo parece que virou um imenso colégio
interno, né? Minha impressão é essa. Os caras saíram do ginásio e continuaram
no colégio.
Bondinho - Eu acho que é por
isso que se tem tanto interesse em modelo de fora, né? O interesse pela política
surge muito dai, né?
Chico - Esse pessoal
olha pra gente e diz: "porra, esses caras são uns merdas, porque esses
caras vieram antes da gente e não ajudaram porra nenhuma!" E aí o cara que
tem dois anos menos que eu, 3, 4, 5 anos, sabe que eu sou uma merda mesmo, eu e
toda a minha geração. Então o que vão querer? Se identificar com o irmão mais
velho? Não! Vão querer saber do primo lá que mora em Liverpool, Liverpool - que
é uma cidade horrorosa... nem sabe porque é Liverpool, mas ouviu falar que lá
tinha os Beatles, que aquilo era outro negócio, e no fundo não é porra! Isso é
que me irrita mais. Não é, pô! Europa não existe, Suécia, que merda...
Inglaterra, pô... merda. Daí não dá pra pensar em Brasil nestes termos, nem
você sendo um cara de direita, esquerda, meio... não pode. Vai ser nada
daquilo. Eu, como sonho, é um país maravilha, viu?
Bondinho - Essa impressão
que você tem da Europa, como é que você colocaria mais nitidamente?
Chico - É porque é tudo
tão velho, tão escroto, tão podre. Aquilo não tem remédio, não. A Itália não
tem remédio, não tem, não adianta.
Bondinho - Quando se vai à
Europa e se conversa com gente jovem... se esquece a política e se mostra
samba, fala de Bahia, de berimbau, dessas coisas, tem-se a impressão de que
todos eles queriam vir pra cá.
Chico - Mas é claro.
Porque qualquer cara aberto lá quer, pois é, porque é perigoso falar disso por
aí, porque o Brasil é o país da maravilha, poderia ser... aqui dá, é tudo pra
ser feito, né? Não as estradas, mas é tudo. Porque ainda não tem nada. Pô,
então você já viu que foi tudo feito errado lá fora, então vamos fazer
diferente. Não é fazer o que querem fazer. Tão querendo fazer o exemplo do
menos mal-sucedido de todos.
Bondinho - No meio de tudo
isso, você compondo. Você como autor, não sei, no meio disso tudo, essas
importações todas, você já pensou em mudar, tocar outra coisa, cantar outra
coisa, compor outra coisa?
Chico - Não, o que
acontece é o seguinte: eu não posso fazer outro tipo de música, outro ritmo.
Eu, feliz ou infelizmente, sou muito condicionado à minha formação, entende?
Minha formação é basicamente em música brasileira, samba... é difícil agora
pegar e começar a fazer outro tipo de música, fazer iê-iê-iê. Não saberia
fazer, não.
Bondinho -
Uma outra coisa, também. Acredito que você passa se comunicando com gente jovem
através de tua música. Você acredita nisso também?
Chico -
Eu acredito que tenha receptividade, mas acho que há uma certa desconfiança.
Isso pode ser impressão minha, pode ser problema meu.
Bondinho - Qual seria a
desconfiança?
Chico - Há qualquer tipo
de relação que eles fazem com a música atual, inglesa ou americana, não sei,
música de... sei lá, enfim, os caras, pra eles, acho que são os ídolos mesmo.
Não tem mais negócio de João Gilberto, não tem disso não, entende?
Bondinho - É o ídolo
nacional perdendo a parada, né?
Chico - É isso tudo que
a gente lá falando, eu acho. Eles vêem aquilo, se identificam com o jovem
inglês, ou americano que seja, e com os ídolos, e por isso mesmo com os
cantores de lá. Estão querendo saber dos discos importados. O que o idioma
mesmo tá dizendo, acho que isso é mais importante pra eles do que o que eu tou
dizendo.
Bondinho - Mas só se
preocuparem com isso vai ser um traço ruim, né?
Chico - Eu sou suspeito
de falar, né? Parece que se eu for dizer que sim, concordar contigo, parece que
eu tou dizendo que... inclusive eu não acho que seja uma coisa tão radical.
Acho que eles... eu tenho sentido que eles querem saber dessas coisas. Mas no
fundo, no fundo, eles não confiam mais, eles confiam mais no John Lennon que no
Sérgio Ricardo, como exemplo.
Bondinho - O Veloso já
escapa desse esquema.
Chico - É. Inclusive a
saída dele foi muito inteligente. Digo, dele, Gil e tal. O cara parte pra um
esquema internacional, mesmo que ele não seja muito bem sucedido lá, aqui no
Brasil se mantém como um cara que está fugindo, é a mesma coisa. Então, é claro
que a garotada se identifique com o Caetano ou com o Gil e tal. O cara que
procura ir lá fora... o camarada foge, o cara que sai e o cara que compõe em
inglês. Quer dizer, eles mesmos quase que são da mesma geração, apesar de não
ser dela, eles, muito mais que eu, se identificam com a geração mais nova. Isso
eu digo com a maior isenção. Eu sinto isso. Desde o começo eles pegavam o negócio
que tava aí.
Bondinho - É uma geração
que está bem mais próxima da linha de interesse de agora. Cantar em inglês, o
ritmo que tá lá fora...
Chico - Inclusive
consciente; acho que é uma saída, porque eles sabem disso tudo. Caetano, Gil...
Não são garotos deslumbrados com o negócio. São muito mais velhos que eu, eles
viveram tudo que eu vivi e por um motivo ou por outro foram levados a isso e
descobriram isso.
Bondinho - Nas coisas que
você falou em termos de juventude, há mil coisas em contradição. Aquele negocio
do "não", deles, o "não" é muito mais bonito que o da
geração anterior, muito mais agressivo, mas você acha que vai levar a alguma
coisa? Por exemplo, você não se casou formalmente, né?
Chico - Eu não me casei
mesmo!
Bondinho - Não se casou
mesmo e isso é uma coisa que faz parte das relações dessa gente mais nova. Não
ligar pra isso
Chico - Pois é. Eu me
identifico perfeitamente nisso com eles. É um problema quase que de atitude,
entende? Eu tou fazendo montes pra casamento, tá na cara. Agora, eu não faço
disso um estandarte, entende? Porque eu talvez não esteja mais em tempo de
fazer isso. E eles fazem, eles estão na hora de fazer isso. Pode ser que eles
consigam, sei lá, mudar tudo.
Bondinho - Chico, nota-se
que nas músicas principais do seu último LP, as melodias se simplificaram
totalmente. Não são melodias com refrão, pro nego embarcar junto, ficar
cantando... elas dizem mais pelas palavras. Isso é um negócio intencional?
Chico - Não foi
intencional, mas acho que você tem razão quando diz que é um disco mais pra ser
ouvido que pra ser cantado. Mas não foi intencional.
Bondinho - Você mexe muito
bem com as palavras, né? Você sente muita diferença em mexer com a palavra ou
mexer com a melodia? Pessoalmente, você gosta mais de uma coisa ou de outra?
Chico - O que acontece é
o seguinte: tenho mais habilidade de mexer com a palavra que com a música.
Tenho bastante facilidade pra música. Quer dizer, eu não sei escrever poema,
não escrevo, nem nunca me passou pela cabeça. A não ser quando era garoto. Um
livro de poesia, por exemplo, eu não escrevo.
Bondinho - A reação é
simultânea?
Chico - É simultânea.
Mas eu sinto que na hora de puxar, talvez as palavras valham mais, elas pedem
mais que a música na hora de puxar prum determinado caminho. Às vezes é o
contrário. Às vezes tem uma idéia de música que me conduz prum outro negócio,
então as palavras têm que obedecer o negócio, vão ter que seguir o caminho que
a música for traçando. Mas não há uma dependência assim.
Bondinho - Você teve mais
contato com gente de palavra que com gente de música, né? Gente... muito mais
escritor, poeta, que gente de música, né?
Chico - Tive. Tive. Mas
a casa de meu pai, por exemplo, que é uma casa cheia de livros, tem livros por
todas as paredes, sempre tem muita música também, entende? Meu pai toca piano,
mal e porcamente, mas toca de ouvido; e minha mãe é daquelas que aprenderam a tocar
piano desde cedo. E tenho um tio-avô que foi maestro. Quer dizer, tem muita
música nela. Sou muito ligado, não quero dizer que sou mais ligado em uma ou
outra coisa, não quero distorcer porque não sou mesmo. Talvez fosse mais bacana
ser, eu não sou, eu só sou ligado, ih, porra, eu leio bastante, mas eu não me
emociono tanto com... porque é muita emoção, entende? Eu sou vidrado em
Fernando Pessoa, ou Drummond que seja e tal, mas eu me emociono mais com Vinícius.
Com a música, entende? Com Minha Namorada mais que com poema de Drummond de
Andrade. E sou fanzoca doido de Drummond, de Fernando Pessoa, entende? Desses
poetas todos que a gente lê todo dia. E de tudo que eu li. Sou vidrado, mas não
me toca como me toca a música popular. Em suma, é isso. Nasci pra ser músico
popular e acabou. E a música clássica também não me toca não. Também sou
vidrado, pois volta e meia escuto Bach, Beethoven, mas não é a mesma coisa, né?
Bondinho - Você falou -
outro dado de curiosidade - desses poetas, Fernando Pessoa, Drummond, e se
deixasse você ia falar de outros, porque você lê todos os dias. Então, em
música, hem? Quem eram então os da música popular?
Chico - Há uma
diferença. Aí eu, parece que vou me contradizer, mas eu não escuto muito
música, inclusive porque eu não gosto de ouvir, de pegar um disco e botar na
vitrola, um troço que eu não... Mas quando eu tou num negócio pra ouvir, pra
cantar, então aí é mais cantar, é lembrar, aí um Baden, um Tom, sem parar,
entende? Nélson Cavaquinho, pô, aí me toca profundamente. Nélson Cavaquinho me
toca profundamente. E não interessa aquilo orquestrado, nem a letra do Nélson
Cavaquinho em volume... mas me interessa muito mais pegar, ouvir...
Bondinho - Na música a
gente participa muito mais, né?
Chico - Pois é, acho que
pessoalmente pra mim me pega pelos dois lados. E pega pela música, pega pela
letra igualmente, não sei do que eu gosto mais, se é de Tom ou de Vinícius,
quando escuto Insensatez. Ou de João Gilberto que está cantando simplesmente
tocando violão, que é outra coisa; que além de Vinícius e Tom, tem João
Gilberto. Tudo isso me pega, pô, me envolve pô, negócio genial. E eu gosto mais
do que - aquilo que eu disse - dum poema, coisa mais maravilhosa que tem. Ou do
que uma sinfonia.
Bondinho - Tua única
incursão com a palavra foi a peça, né?
Chico - Eu gosto, eu
escrevo, sabe? Tenho essa mesa cheia de besteiras que eu escrevo. Eu gosto.
Volta e meia eu pego e sento... pra mim é um exercício muito... eu gosto paca,
entende? Eu, não é... hum... não é a minha vocação, realmente não é o meu
caminho. Pode ser que seja um dia, talvez, não sei... Um dia posso ter mais
calma, tranqüilamente, sentar e coisar. Mas nisso sou muito tímido, muito
cuidadoso, entende? Não quero... Eu teria que sentar e ficar escrevendo,
pensando. Não tenho tempo pra isso não tenho saco, ou não tenho talento, não
sei. Mas por enquanto não é o meu negócio. Apesar de gostar, como gosto de
arquitetura. Fui estudar, cheguei no terceiro ano e... Inclusive adoro, pô,
quando vejo uma planta fico olhando aquelas coisas...
Bondinho - Engraçado
imaginar você na arquitetura.
Chico - Inclusive eu fiz
um projeto que tinha nossa escola no fim do ano. Então tinha uma área enorme,
não sei quantos mil metros quadrados, e tinha que botar tantas pessoas,
localizar não sei quantas mil pessoas, aí passei a noite em claro, um cano, fiz
o projeto e quando cheguei na escola de manhã cedo ouvi aquele papo:
"Quantos edifícios? Fiz cento e sessenta"; outro: "Fiz cento e
trinta e dois"; outro: "Cento e vinte", quer dizer, eu tinha
feito dois... O que tinha feito menos era oitenta e quatro. Aí fiquei com uma
vergonha que nem entreguei o trabalho.
Bondinho - Uma coisa,
também, Chico. As letras das tuas músicas são muito incisivas, não sei se tá
bem explicado; dificilmente elas são alegrinhas - vai entre aspas esse
alegrinhas - e você é uma pessoa bem-humorada. Nos seus contatos você está
sempre rindo, buscando alguma graça nas coisas. Por que será, bem, que a gente
tem a impressão de que é muito difícil falar com você, de que você é muito
sério, muito... sabe? E você é bem-humorado, gosta de...
Chico - Sei lá, não sei,
aí eu não sei... Não quer dizer que eu seja mal-humorado quando trabalho, mas
quando tou sozinho, quando tou trabalhando e tal, eu só trabalho sozinho mesmo.
Não tem a ver com sorrisos, a simpatia e o papo, entende?
Bondinho - Dá a impressão
que você e o pessoal do MPB-4, por exemplo, vocês devem matar uma porção de
uísques, entende? Vocês estão juntos desde o início seu, né?
Chico - Estamos casados
um com o outro. Desde de antes ainda.
Bondinho - Vocês se conheceram aqui no Rio?
Chico - Não, em São Paulo. Conheci eles lá no bar, lá na Quitanda.
Bondinho - O Bar Sem Nome, né?
Chico - É. Eu tava lá
bebendo e eles estavam fazendo. Tinham ido pra São Paulo, estavam começando a
carreira deles... e eu nada, tava lá bebendo. Tinha começado a compor, mas não
tinha nada profissional. E eles foram fazer um show lá naquele... em cima do
Cravo e Canela. Eles fizeram o show, o Chico de Assis apresentou a gente lá;
ele é quem dirigia o show deles. Aí, quando logo depois, bom, eu fiz contrato
com a Record, comprei um Volkswagen, subi na vida... Ai eu vim fazer um show
aqui no Rio, no Arpege, aí já tava. Aí ficamos aí.
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