domingo, 6 de marzo de 2022

1972 - Revista O BONDINHO - Depoimento GILBERTO GIL

 


O Bondinho

n° 34

3/2 a 16/2 de 1972


Página 16

O sonho acabou Gil está sabendo tudo (*)

Depoimento a Hamilton Almeida 







“…Essa idéia do sonho acabou (do Lennon)… bom, eu comecei a fazer a letra em Glastonbury, no último festival que houve na Inglaterra em junho, dia 21 de junho de 1971, o dia de solstício de verão que é o dia mais longo do ano, é o dia que o sol vai mais alto, e era o dia exatamente que em Glastonbury se comemora o dia da fertilidade, no sentido ancestral da cultura, dos costumes ingleses. Inclusive esse vale foi escolhido porque é onde fica o Thor, monumento que fica numa montanha construída, uma montanha artificial. Esse monumento foi posto na linha do vale, que faz justamente no dia de solstício uma linha que vai direto até a pedra de Stonehenge, onde o sol se concentra naquele meio de pedra, e forma uma linha de força de energia que fertiliza toda a região, dentro do sentido da ligação, vamos dizer, mística, com a coisa cósmica, na visão dos antigos povos da ilha, ta entendendo? E foi o último também que a gente foi, tava o grupo todo, foi a turma toda. Eu, o Caetano, Dedé, Sandra, Macalé, Giselda, o Glauber Rocha, o Júlio Bressane, o Rogério Sganzerla, Helena Ignês, Tini, Nina, Moacir, Áureo e… sei lá rapaz, mais uns 40 brasileiros. E realmente no dia 21 de junho a gente sentiu o sol batendo, e a linha de força, as vibrações, tudo, era realmente um negócio muito forte, era um festival de música pop, era o último que tava se fazendo na Inglaterra. Havia aquela coisa toda, foi logo depois da entrevista do John Lennon falando que o sonho tinha acabado, daquela entrevista que o Caetano tinha feito para a revista Veja, onde ele falava de tudo isso.”

“Eu para falar que o sonho acabou, no sentido todo de que a música pop tinha chegado a um fechamento de ciclo e etc, era preciso que eu estivesse achando mesmo, acreditando mesmo. Eu não ia dizer assim de graça, porque John Lennon tava dizendo. Eu concordava com ele, a visão dele era perfeita, um dia inclusive eu tava conversando com Caetano, que disse: “É claro Gil, acabou pra ele, né?” Eu disse “lógico, acabou para ele, quando acabar para mim, eu falo”.” 

“O fim do tropicalismo foi uma coisa do destino. De repente a gente teve que parar o trabalho, a gente foi preso, teve que sair do país.” 

“Eu cheguei no Recife, fui fazer um show no Teatro Popular do Nordeste. Fiquei lá um mês e o pessoal em Recife tinha muito aquela coisa de cultura popular, naquela época era uma coisa bem viva pro pessoal universitário, tudo o mais eles tinham essa preocupação com folclore. Então eles achavam que eu era um dos artistas brasileiros interessados naquela coisa, então eles faziam questão de levar, de gravar ciranda pra mim, me levar pra ver a Banda de Pífaro em Caruaru. Eu chorei, fiquei emocionado, de ver aquela coisa tremenda. Então eu voltei do Recife para o Rio com a certeza de que alguma coisa tinha de ser feita em termos de movimento, em termos de integração daquelas necessidades que eu achava que já existiam no universitário brasileiro, ali… Onde Recife é bem um exemplo, cê ta entendendo? Foi uma porrada que eu tomei lá e que me fez vir tomar outra no Rio, ta entendendo? Quando eu comecei a reunir o pessoal, pra ver o que a gente fazia… isso foi em 1967, pouco antes do Festival de Domingo no parque, de Alegria, Alegria. Então nessa tentativa de reunir o pessoal nada deu certo. Chico inclusive fala, sem citar a época, mas ele fala na entrevista à vocês, onde se tentava reunir o pessoal, então chegava um bêbado, outro chegava tarde, outro tinha que sair… os outros não concordavam com nada daquilo. E eu com aquela ilusão de tentar reunir o pessoal. Na verdade era uma atitude minha, era reflexo de uma má consciência política, tentando misturar tudo com aquela confusão na cabeça de música de protesto, aquela coisa toda de música participante, não sei quê. Foi uma época em que eu estava realmente muito confuso. Muito por fora, cê ta entendendo? Mas também me desencantei logo, tudo ficou logo muito claro que não dava certo, aí fiz “Domingo no Parque”, fiz o “Frevo Rasgado”, fui aproveitar eu mesmo o material que tinha conseguido em Recife.” 

“A gente foi para a (TV) Tupi fazer o (programa) Divino Maravilhoso, ainda a gente foi com aquela disposição de oferecer o melhor, do sentimento, da vibração anterior da gente. Mas no fim a gente já estava quase desprovido dessa coisa, porque aí já estava terrível, a opinião pública toda dividida, prefeitos de algumas cidades do interior fazendo abaixo-assinados para a TV Tupi cortar o programa da gente. Ou seja, você começa a sentir que você ta marginal, que você está sendo visto como uma coisa monstruosa, como um câncer, e a imagem do câncer pra mim é uma coisa deprimente.” 

“… uma moça me entrevistando em Londres há pouco tempo, pra (revista) Manchete, me perguntou sobre a intencionalidade da violência, se a gente não tinha realmente intenção… ou seja, não era sádica a nossa atitude, ou masoquista. Não era sádica em relação ao público, no sentido de “ta, não está entendendo a gente? Então vamos aumentar a dose, vamos fazer pior ainda, no sentido de vocês não entenderem mais”. Também não era masoquista no sentido de “vamo ser sofredor, incompreendido”. Não era, era um misto de todas as coisas, era paranóia, todas essas coisas. Uma coisa muito difícil de analisar, no sentido de encontrar o órgão doente, cê ta entendendo? A doença estava no corpo inteiro.”

“Eu era visto como uma figura demoníaca, mefistofélica, com aquele bigode, aquela barba.” 

“Londres é roxo e verde. Essas duas cores são muito o símbolo da coisa londrina, roxo… Roxo, rapaz! Roxo que no Brasil é símbolo de luto, cê tá entendendo?  Roxo é cor de caixão de defunto. Na Inglaterra, roxo é como vermelho é aqui. Uma cor bonita, que combina com o acinzentado que eles têm na alma, uma cor meio desmaiada.” 

 

Gil: “Pra mim, pop era uma coisa urbana, cê tá entendendo?” 

Repórter: “Coisa asfáltica…”

Gil: “É… coisa concrética, era muito isso.”


LOUCURA: DISCO DE GIL NA PÁGINA 33



Gravação Realizada pela Equipe de Reportagem de “O BONDINHO”.

Este disco faz parte da edição 34 de “O BONDINHO”.

E não pode ser vendido separadamente.




1972 – GILBERTO GIL
 
Lado 1
1. O SONHO ACABOU (Gilberto Gil) 1971
2. ORIENTE (Gilberto Gil) 1971
 
Lado 2
1. FELICIDADE VEM DEPOIS (Gilberto Gil) 1962
2. EXPRESSO 2222 (Gilberto Gil) 1971
Philips EP n° 6069 009



1972
Revista inTerValo 2000
Ano X – n° 475











(*) O sonho acabou, Gil está sabendo tudo, entrevista realizada por Hamilton Almeida publicada no Bondinho n° 34, fevereiro de 1972, incluído no livro organizado por Antonio Risério: Gilberto Gil Expresso 2222. São Paulo, Ed. Corrupio, 1982, págs. 47 – 84.













Fotos ACERVO ARLETE SOARES

Antigo Pátio da Editora Corrupio. A sede da Editora, uma casa na Barra, que era também livraria, papelaria, laboratório e galeria foi um ponto cultural no começo dos anos 1980.











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