martes, 12 de julio de 2016

2016 - A RAZÃO DÁ-SE A QUEM TEM


“… Para não dizer que não há clássicos, tem um Ismael Silva e Noel Rosa, “A razão dá-se a quem tem”, originalmente um dueto criado por Francisco Alves e Mario Reis em 1933 e aqui recriado por Pedro Miranda e Caetano Veloso, ambos emulando, cada um a seu jeito, a intensa bossa da gravação original. A versão é respeitosa mas com pequenas ousadias: os contrapontos do bandolim de Luís Barcellos, a bateria de Oscar Bolão, o arranjo de sopros de Gilson Santos, prestem a atenção. Mas mesmo a composição, ainda que um “clássico” do samba, faz jus ao título do disco e é originalíssima na forma em que a segunda parte feita por Noel Rosa aproveita-se dos versos da primeira de Ismael Silva. Ou seja, como Noel desenvolve a letra a partir dos versos sugeridos por Ismael no estribilho, transformando “A razão dá-se a quem tem” numa obra-prima de vanguarda. Original, pois. …” 
[Hugo Sukman, Jun/2016, Release do CD Samba Original]




Compositores:
Noel Rosa (11/12/1910 – 4/5/1937), Ismael Silva (14/9/1905 – 14/3/1978) e Francisco Alves (19/8/1898 - 27/9/1952)
1933 Ed. Mangione


Se meu amor me deixar 
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem

Sei que não posso suportar
(Se meu amor me deixar)
Se de saudades eu chorar
(Eu não posso me queixar)
Abandonado sem vintém
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
Quem muito riu chora também
(A razão dá-se a quem tem)

Se meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem

Eu vou chorar só em lembrar
(Se meu amor me deixar)
Dei sempre golpe de azar
(Eu não posso me queixar)
Pra parecer que vivo bem
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
A esconder que amo alguém
(A razão dá-se a quem tem)

Se meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem





24/3/2015 - Foto: Alexandre Moreira



 
2016 - PEDRO MIRANDA
Participación Especial: CAETANO VELOSO 
Álbum “Samba original”
Tratore CD PM 002 / 7898614906152, Track 3.



1975, Teatro João Caetano, Ismael Silva, Caetano e  Cláudio Jorge
Foto: Clóvis Scarpino (Crédito: Blog do Cláudio Jorge)



Foto: Daryan Dornelles














                     Foto: Bruno Veiga / Divulgação
 





"Há muito tempo não ouço um disco inteiro com tanto entusiasmo no coração quanto esse Pimenteira. Acho que ouvi Pedro Miranda pela primeira vez numa faixa do CD de Teresa Cristina – e fiquei maravilhado com a musicalidade, a cultura entranhada, a naturalidade, o frescor. Comuniquei meu entusiasmo a Moreno e ele me disse que conhecia Pedro: logo eu estava com o primeiro CD de Pedro nas mãos. O CD confirmava a muito boa impressão causada pela faixa no disco de Teresa. De modo que, agora, quando ele me entregou uma cópia do seu novo disco, eu já me pus em alta expectativa. Mas não imaginava que estivesse diante de um trabalho de tamanho fôlego. Considero este um disco de grande artista. É um disco fácil de ouvir, maneiro, agradável, porém tem força histórica intensa e convida a reflexões complexas e tão profundas que nem a deliciosa paródia de texto acadêmico que vem no encarte (a respeito da alegoria deliberadamente ingênua de Edu Krieger, Coluna Social) poderia satirizar. Para começar, o estilo despojado do cantor, sem afetação, sem tiques nenhuns, dá conta de toda a possível cultura crítica atual relativa ao canto popular brasileiro. Voz maleável, incrivelmente confortável nas regiões agudas, ele mostra destreza e agilidade sem que se perceba esforço de sua parte. E o fraseado revela reverência e familiaridade com a história do samba. Mas é a escolha do repertório que ilumina as virtudes do seu estilo. Esse repertório (para cuja feitura ele agradece a colaboração de Cristina Buarque e Paulão 7 Cordas) diz tudo sobre o que deve ser dito a respeito do que vem acontecendo com o samba, desde que este se tornou emblema da musicalidade brasileira (“O mito é o nada que é tudo”), passando pelo furacão camuflado que foi a bossa nova e pela sua recolocação no ambiente que o forjou: a boemia que transita entre certos morros e certas áreas do asfalto carioca. Essa recolocação teve como marco inicial a virada que significou, no meio dos anos 1960, coincidirem as insatisfações de Nara Leão com o surgimento do Zicartola, o início das atividades de compositor de Chico Buarque em São Paulo e o estrelato conjunto de Paulinho da Viola e Clementina de Jesus no Rosa de Ouro. Todos os desdobramentos – de Beth Carvalho ao Art Popular, de Zeca Pagodinho ao Psirico, de Arlindo Cruz a Roberta Sá – estão homenageados nesse álbum coeso, sincero e de grande visão. O arco de compositores vai de Nelson Cavaquinho a Rubinho Jacobina – e, no entanto, a unidade de visão faz de Pimenteira uma obra autoral de Pedro Miranda. As melodias, em geral com sabor de choro a caminho da gafieira (mas sem deixar de fora nem a chula baiana nem o coco nordestino), sustentam um virtuosismo poético que, por força da perspectiva da escolha do material (e da ordem em que ele vem), sugere um gosto pessoal, a um tempo apurado, exigente e espontâneo, que atravessa todo o disco. Dos versos elegantes de Paulo César Pinheiro para a música rica de Mauricio Carrilho (com ecos de Bororó) ao fascinante jogo embaralhado de imagens atuais no samba de Moyseis Marques, passando pela Imagem, de Trambique e Wilson das Neves, e pelo show de bola de Elton Medeiros e Afonso Machado, tudo em Pimenteira transpira grande talento guiado por grande inteligência. O disco fala de tudo o que fala como Nei Lopes fala (na única nota de encarte que não foi escrita por Pedro e Luís Filipe) da série de mulatos que compõem a figura de Compadre Bento: com admiração e intimidade. Terminei citando muitos dos sambas do disco, mas não é por os achar menos interessantes que não citei alguns: todos são de alta extração, todos fazem o CD soar como uma coleção de obras-primas. O que faz com que esse disco ao mesmo tempo pareça o lançamento de um novo autor e uma antologia de clássicos. Na verdade, é o disco que já nasce antológico. A colaboração de Luís Filipe de Lima é decisiva na definição dos arranjos e da sonoridade. Sobre ele (e os demais colaboradores musicais e técnicos), Pedro fala melhor do que eu poderia, nas palavras de agradecimento que escreveu. Quanto a mim, sou mais levado a considerar que a oportunidade foi uma dádiva que Pedro lhes fez. Eu sempre sou citado como elogiador fácil de moças jovens bonitas que cantam samba. Nunca as elogiei sem que achasse justo fazê-lo. Dizer aqui que o CD de um marmanjo, que nem tipo gatinho é, é algo muito mais importante do que o que essas ninfas têm, em conjunto, alcançado deve dar ideia do quanto considero Pimenteira um evento especial em nossa música. E, de quebra, pode dar mais credibilidade aos elogios que faço às moças".

[Caetano Veloso, outubro 2009]





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