“… Para não dizer
que não há clássicos, tem um Ismael Silva e Noel Rosa, “A razão dá-se a quem
tem”, originalmente um dueto criado por
Francisco Alves e Mario Reis em 1933 e aqui recriado por Pedro Miranda e
Caetano Veloso, ambos emulando, cada um a seu jeito, a intensa bossa da
gravação original. A versão é respeitosa mas com pequenas ousadias: os
contrapontos do bandolim de Luís Barcellos, a bateria de Oscar Bolão, o arranjo
de sopros de Gilson Santos, prestem a atenção. Mas mesmo a composição, ainda
que um “clássico” do samba, faz jus ao título do disco e é originalíssima na
forma em que a segunda parte feita por Noel Rosa aproveita-se dos versos da
primeira de Ismael Silva. Ou seja, como Noel desenvolve a letra a partir dos
versos sugeridos por Ismael no estribilho, transformando “A razão dá-se a quem
tem” numa obra-prima de vanguarda. Original, pois. …”
Se meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
[Hugo Sukman, Jun/2016,
Release do CD Samba Original]
Compositores:
Noel
Rosa (11/12/1910
– 4/5/1937), Ismael Silva (14/9/1905 – 14/3/1978) e Francisco Alves (19/8/1898 - 27/9/1952)
1933 Ed. Mangione
Se meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem
A razão dá-se a quem tem
Sei
que não posso suportar
(Se meu amor me deixar)
Se de saudades eu chorar
(Eu não posso me queixar)
Abandonado sem vintém
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
Quem muito riu chora também
(A razão dá-se a quem tem)
(Se meu amor me deixar)
Se de saudades eu chorar
(Eu não posso me queixar)
Abandonado sem vintém
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
Quem muito riu chora também
(A razão dá-se a quem tem)
Se
meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem
Eu
vou chorar só em lembrar
(Se meu amor me deixar)
Dei sempre golpe de azar
(Eu não posso me queixar)
Pra parecer que vivo bem
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
A esconder que amo alguém
(A razão dá-se a quem tem)
(Se meu amor me deixar)
Dei sempre golpe de azar
(Eu não posso me queixar)
Pra parecer que vivo bem
(Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém)
A esconder que amo alguém
(A razão dá-se a quem tem)
Se
meu amor me deixar
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem
Eu não posso me queixar
Vou sofrendo sem dizer nada a ninguém
A razão dá-se a quem tem
24/3/2015 - Foto: Alexandre Moreira |
Participación
Especial: CAETANO VELOSO
Álbum “Samba original”
Tratore CD PM 002 / 7898614906152,
Track 3.
1975, Teatro
João Caetano, Ismael Silva, Caetano e Cláudio Jorge Foto: Clóvis Scarpino (Crédito: Blog do Cláudio Jorge) |
Foto: Daryan Dornelles |
Foto:
Bruno Veiga / Divulgação
"Há
muito tempo não ouço um disco inteiro com tanto entusiasmo no coração quanto
esse Pimenteira. Acho que ouvi Pedro
Miranda pela primeira vez numa faixa do CD de Teresa Cristina – e fiquei
maravilhado com a musicalidade, a cultura entranhada, a naturalidade, o
frescor. Comuniquei meu entusiasmo a Moreno e ele me disse que conhecia Pedro:
logo eu estava com o primeiro CD de Pedro nas mãos. O CD confirmava a muito boa
impressão causada pela faixa no disco de Teresa. De modo que, agora, quando ele
me entregou uma cópia do seu novo disco, eu já me pus em alta expectativa. Mas
não imaginava que estivesse diante de um trabalho de tamanho fôlego. Considero
este um disco de grande artista. É um disco fácil de ouvir, maneiro, agradável,
porém tem força histórica intensa e convida a reflexões complexas e tão
profundas que nem a deliciosa paródia de texto acadêmico que vem no encarte (a
respeito da alegoria deliberadamente ingênua de Edu Krieger, Coluna Social)
poderia satirizar. Para começar, o estilo despojado do cantor, sem afetação,
sem tiques nenhuns, dá conta de toda a possível cultura crítica atual relativa
ao canto popular brasileiro. Voz maleável, incrivelmente confortável nas
regiões agudas, ele mostra destreza e agilidade sem que se perceba esforço de
sua parte. E o fraseado revela reverência e familiaridade com a história do
samba. Mas é a escolha do repertório que ilumina as virtudes do seu estilo.
Esse repertório (para cuja feitura ele agradece a colaboração de Cristina
Buarque e Paulão 7 Cordas) diz tudo sobre o que deve ser dito a respeito do que
vem acontecendo com o samba, desde que este se tornou emblema da musicalidade
brasileira (“O mito é o nada que é tudo”), passando pelo furacão camuflado que
foi a bossa nova e pela sua recolocação no ambiente que o forjou: a boemia que
transita entre certos morros e certas áreas do asfalto carioca. Essa
recolocação teve como marco inicial a virada que significou, no meio dos anos
1960, coincidirem as insatisfações de Nara Leão com o surgimento do Zicartola,
o início das atividades de compositor de Chico Buarque em São Paulo e o
estrelato conjunto de Paulinho da Viola e Clementina de Jesus no Rosa de Ouro.
Todos os desdobramentos – de Beth Carvalho ao Art Popular, de Zeca Pagodinho ao
Psirico, de Arlindo Cruz a Roberta Sá – estão homenageados nesse álbum coeso,
sincero e de grande visão. O arco de compositores vai de Nelson Cavaquinho a
Rubinho Jacobina – e, no entanto, a unidade de visão faz de Pimenteira uma obra
autoral de Pedro Miranda. As melodias, em geral com sabor de choro a caminho da
gafieira (mas sem deixar de fora nem a chula baiana nem o coco nordestino),
sustentam um virtuosismo poético que, por força da perspectiva da escolha do
material (e da ordem em que ele vem), sugere um gosto pessoal, a um tempo
apurado, exigente e espontâneo, que atravessa todo o disco. Dos versos
elegantes de Paulo César Pinheiro para a música rica de Mauricio Carrilho (com
ecos de Bororó) ao fascinante jogo embaralhado de imagens atuais no samba de
Moyseis Marques, passando pela Imagem, de Trambique e Wilson das Neves, e pelo
show de bola de Elton Medeiros e Afonso Machado, tudo em Pimenteira transpira
grande talento guiado por grande inteligência. O disco fala de tudo o que fala
como Nei Lopes fala (na única nota de encarte que não foi escrita por Pedro e
Luís Filipe) da série de mulatos que compõem a figura de Compadre Bento: com
admiração e intimidade. Terminei citando muitos dos sambas do disco, mas não é
por os achar menos interessantes que não citei alguns: todos são de alta
extração, todos fazem o CD soar como uma coleção de obras-primas. O que faz com
que esse disco ao mesmo tempo pareça o lançamento de um novo autor e uma
antologia de clássicos. Na verdade, é o disco que já nasce antológico. A
colaboração de Luís Filipe de Lima é decisiva na definição dos arranjos e da
sonoridade. Sobre ele (e os demais colaboradores musicais e técnicos), Pedro
fala melhor do que eu poderia, nas palavras de agradecimento que escreveu.
Quanto a mim, sou mais levado a considerar que a oportunidade foi uma dádiva
que Pedro lhes fez. Eu sempre sou citado como elogiador fácil de moças jovens
bonitas que cantam samba. Nunca as elogiei sem que achasse justo fazê-lo. Dizer
aqui que o CD de um marmanjo, que nem tipo gatinho é, é algo muito mais
importante do que o que essas ninfas têm, em conjunto, alcançado deve dar ideia
do quanto considero Pimenteira um evento especial em nossa música. E, de
quebra, pode dar mais credibilidade aos elogios que faço às moças".
[Caetano Veloso, outubro 2009]
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