Você vai comandar
um programa no Canal Arte 1 chamado Poesia com Maria Bethânia?
Maria Bethânia — Não vou comandar, apenas participar. A
Monica Monteiro, do Arte 1, assistiu a uma apresentação que fiz em Braga,
Portugal, recentemente e me convidou.
“A marca principal do programa é a descontração”, conta Mônica Monteiro , CEO da Cine Group, a produtora responsável pela série. “Uma estimulante e descontraída conversa entre amigos.”
O GLOBO
Bethânia estreia programa
‘Poesia e prosa’ no canal Arte 1
Série tem entre os convidados Chico Buarque e Jorge
Mautner
por Leonardo Lichote
24/06/2016
FOTO: LEO MARTINS |
RIO - Na infância em Santo Amaro, Maria Bethânia tinha poesia nas
paredes de seu quarto. Eram versos que destacava entre os que ouvia dos poetas
amigos de seu pai (“De dez amigos dele, oito eram poetas”, lembra), nos
encontros em sua casa. Reuniões que nada tinham de graves, sérias — era a
poesia como a vida, grandiosa e cotidiana. É assim que a palavra poética
aparece em “Poesia e prosa com Maria Bethânia”, programa que estreia no dia 3
de julho, às 22h, no canal Arte 1 — a série de quatro episódios continua por
mais três domingos, no mesmo horário.
— Eles riam muito — conta Bethânia, hoje aos 70 anos, referindo-se a seu
pai e seus amigos poetas. — Lembro muito de meu pai falando poesia andando pelo
corredor longo lá de casa. A palavra “poesia” rolava muito.
Essa perspectiva de vida e poesia entrelaçadas atravessa o programa,
dirigido por Mônica Monteiro (a historiadora Heloisa Starling trabalhou na
idealização e coordenação da pesquisa). No primeiro dos quatro episódios,
dedicado a Clarice Lispector, Caetano Veloso lembra como chegou à obra da
escritora — e como a apresentou à sua irmã. O próprio formato de “Poesia e
prosa com Maria Bethânia” aponta nesse sentido, de trazer a palavra poética
para perto da vida comum.
Em todos os episódios, há um convidado do universo da canção (mais
popular, cotidiana) e um estudioso do personagem-tema do dia. Na estreia, além
de Caetano, participa a professora da USP Nádia Gotlib, biógrafa de Clarice. No
segundo programa, sobre Guimarães Rosa, estão o historiador Alberto da Costa e
Silva e o compositor Paulo César Pinheiro. O terceiro episódio, dedicado a João
Cabral de Melo Neto, tem o professor da UFMG Wander Miranda e Chico Buarque. O
último da série, sobre Castro Alves, tem novamente Costa e Silva, além da
professora Vânia Aparecida e de Jorge Mautner.
— Conheci o professor Alberto pelo livro que fez sobre Castro Alves.
Adorei, achei que era um garoto (ele tem 85 anos) — diz a cantora. — Porque ele
não só conhece, estudou profundamente, mas fala de um modo fácil, é uma delícia
ouvi-lo. Gosto de aprender, todos ali foram chamados por isso. E partindo dessa
ideia de que escolho um poema, um texto, não para estudar, mas para me
emocionar. É como escolho repertório.
Os convidados ligados à música entraram pela proximidade com a obra do
autor em questão — proximidades às vezes que escapam à obviedade. Como a
relação entre Chico e João Cabral, que é sempre lembrada pelo fato de o
compositor ter musicado os versos de “Morte e vida severina”, mas que tem
outros marcos.
— Eu e Chico cantamos “Construção” no programa, uma canção que tem
estrutura, ele mesmo diz, completamente cabralina — explica Bethânia. —
Caetano
foi quem me apresentou Clarice (no programa, ele canta com a irmã músicas
inspiradas no livro “A hora da estrela”, que Bethânia interpretou no espetáculo
de mesmo nome nos anos 1980). Mautner traria um olhar diferente, o olhar de sua
geração, sobre Castro Alves (juntos, eles cantam “Negro blues”).
E Paulinho
Pinheiro fez “Sagarana” (com João de Aquino), trabalhou com Tom numa época em
que eles estudaram muito Guimarães Rosa, “Matita perê”.
PROJETO DE DISCO COM SAMBAS DA MANGUEIRA
Em meio à música e a declamações de poesia e prosa, o programa se
sustenta sobre uma conversa ao mesmo tempo informativa e informal, recheada de
curiosidades e histórias divertidas. Bethânia adorou saber, por Costa e Silva,
que o apelido de Castro Alves era Cecéu. Pinheiro diz que “Águas de março” é
uma canção que só foi possível porque Tom mergulhou no universo de Rosa.
— Chico conta que João Cabral escreveu uma dedicatória para ele: “A
Chico Buarque, que não sei quem é” — conta Bethânia, lembrando, entre risos, a
personalidade dura do poeta. — Tenho certeza que João Cabral odiava que
dissessem os poemas dele. Ele os considerava resolvidos depois que ele
terminava de escrever, qualquer coisa que viesse depois era excesso. Tem uma
frase dele que o professor Alberto lembra que explica isso: “Saio de meu poema
como quem lava as mãos”.
Um programa voltado para a prosa e a poesia, tendo a canção como
elemento fundamental, é algo totalmente afinado à obra de Bethânia. Sobretudo a
partir do encontro com o autor e diretor Fauzi Arap, no show “Comigo me
desavim” (1967).
— Esse cruzamento de poesia e música é criação do Fauzi, sou aluna dele.
Ele descobriu a pólvora pra mim. Desde criança, queria o teatro, a poesia, a
música. Caetano foi me guiando, ele tinha disciplina. Mas eu sou geminiana,
queria tudo ao mesmo tempo. E quero até hoje. Então esse formato do Fauzi me
deu isso.
A popularização do texto do livro — prosa ou poesia — pela canção (ou
pela TV, como Bethânia procura agora) também fascina a cantora. Ela conta um
recente episódio que ilustra exatamente a força da música como veículo.
— Gravei há poucos dias uma participação no DVD “Quintal do Pagodinho”.
Zeca sempre se disse fã do “Drama — Luz da noite” (disco de Bethânia de 1973).
No dia da gravação, quis homenageá-lo dizendo o texto do Bigode (o diretor Luiz
Carlos Lacerda) da introdução de “Essse cara”. No meio, Zeca tirou o microfone
de minha mão e seguiu declamando: “Arrasto os móveis, incenso”.
A ideia é que o programa continue no ano que vem (“Temos muitos poetas
para fazer, como Manuel Bandeira”, afirma a diretora), mas não há nada
confirmado. Entre os projetos de Bethânia, está também a produção de um disco
de Arlindo Cruz pelo selo Quitanda, que a cantora tem na Biscoito Fino, e um
disco com alguns dos sambas da Mangueira que não ganharam a disputa deste ano,
quando a cantora foi o enredo da escola:
— Tem Nelson Sargento, Leci Brandão, Tantinho... E os anônimos, claro,
com sambas lindos. É uma forma de agradecer aos compositores.
.
O Estado de S.Paulo
Maria
Bethânia estreia na TV programa em que fala de literatura
Na série, cantora confessa a dificuldade em
declamar verso de João Cabral e relembra encontros faiscantes com Clarice
Lispector
Ubiratan Brasil, O Estado de S.Paulo
26 Junho 2016
RIO - Quando menina, Maria Bethânia recebeu um
conselho que veio quase como uma ordem de seu irmão, Caetano Veloso: “Leia essa
escritora, sei que você vai gostar”. Era Clarice Lispector, cuja obra ardente,
enigmática e responsável por um movimento ficcional absolutamente novo havia
despertado a paixão do jovem compositor baiano. “Caetano me mostrou Clarice
quase como um professor, do jeito dele, lendo de forma mágica, me dando uma
orientação para eu ler”, conta Bethânia ao Estado, em conversa na quarta-feira,
22, na Villa Riso, um local paradisíaco, cercado de árvores centenárias, em São
Conrado, no Rio.
O encontro serviu para Bethânia detalhar seu novo
projeto, relacionado com literatura. A partir do dia 3 de julho, às 22 horas, a
cantora poderá ser vista como entrevistadora do programa Poesia e Prosa com
Maria Bethânia, a ser transmitido pelo canal Arte 1. Inicialmente, serão quatro
episódios, um a cada domingo, nos quais Bethânia vai conversar com seus
convidados sobre autores que transformaram sua carreira e também sua
existência. O primeiro, no dia 3, será justamente sobre Clarice Lispector. Em
seguida, os homenageados serão Guimarães Rosa (dia 10), João Cabral de Melo
Neto (17) e Castro Alves (24). “A marca principal do programa é a descontração”,
conta Mônica Monteiro, CEO da Cine Group, a produtora responsável pela série.
“Uma estimulante e descontraída conversa entre amigos.”
E que amigos! Sobre Clarice, Bethânia troca ideias
com Caetano e a professora Nádia Gotlib; Guimarães Rosa inspira a conversa com
o historiador Alberto da Costa e Silva e o compositor Paulo César Pinheiro; a
obra de João Cabral é tema da reunião com Chico Buarque e o professor Wander
Miranda; e, finalmente, a poesia de Castro Alves inspira o papo com Costa e Silva
e o cantor e compositor Jorge Mautner.
Cantora. Talento para comentar e declamar - Foto: Divulgação |
A literatura ganha novos tons e contornos quando
interpretada por Maria Bethânia. Desde o já célebre Rosa dos Ventos, espetáculo
dirigido por Fauzi Arap em 1971, quando a cantora deu nova vida à linguagem
literária, ela criou uma nova gramática para se declamar e cantar a poesia.
“Maria Bethânia é hoje a mais requintada intérprete do Brasil, capaz de
explorar, por meio da voz e da interpretação, com talento e audácia, as
possibilidades de nossa língua poética”, observa a historiadora Heloisa
Starling, que trabalhou na idealização e coordenação da pesquisa da série.
Bethânia - Foto: Divulgação |
“Isso é o trabalho de interpretação”, diz Bethânia.
“Foi o que aprendi nesses anos todos, o tempo de cena, de conhecimentos, a
felicidade de conhecer grandes autores, grandes diretores. Fauzi me guiou muito
bem, encontrou essa maneira de eu me expressar completa. Ele me fez ver que sou
música, que sou teatro, que sou palavra. Ele conseguiu pescar isso em mim -
transformou e elaborou a dramaturgia que eu sigo e que realmente me traduz.”
Bethânia. Ela tanto declama como canta “Negro Blues” com Jorge Mautner - Foto: Divulgação
|
Poesia e Prosa com Maria Bethânia traz o equilíbrio
perfeito entre erudição e descontração. Logo no primeiro programa, Bethânia
fala de sua relação com Clarice Lispector. A escritora acompanhou os ensaios de
Rosa dos Ventos, mas foi na estreia que falou diretamente com a cantora.
“Quando terminou o espetáculo, eu estava no camarim, que ficava abaixo do
palco. Eu me preparava para subir quando vi Clarice lá em cima, como uma
estátua, deslumbrante, rodeada de luz. Ao me ver, gritou assim: ‘Faíscas,
faíscas no palco!’. Eu falei: ‘Clarice...’. E ela repetiu: ‘Faíscas, faíscas no
palco!’. E foi embora. Essa história me faz lembrar de outra, também linda, de
quando conheci Mãe Menininha. Fui levada por Vinicius de Moraes, que me disse: ‘bote sua cabeça no chão’. Eu botei e
ela falou: ‘Ave Maria, quanta faísca, meu
Deus!’. Não é lindo, as duas falarem de faíscas?”
Outro momento marcante desse primeiro episódio é a
canção, inspirada no livro A Hora da Estrela, interpretada por Bethânia e
Caetano. Aliás, são de pequenas grandes revelações que se formam todos os
programas da série. Quando o homenageado é João Cabral de Melo Neto, Bethânia
ouve de Chico Buarque que uma de suas obras-primas, Construção, tem uma
estrutura essencialmente cabralina. A dupla, aliás, interpreta justamente essa
canção.
Bethânia faz questão de ressaltar que a poesia de
Cabral não é apenas seca e cerebral, como habitualmente é tachada, mas também
romântica, ainda que de uma forma peculiar. Ela confessa também a dificuldade
que ainda encontra para declamar versos do poeta. “A sensação que tenho é que
sua escrita é tão forte, tão bonita e completa que qualquer coisa ali sobra.
Até a sonoridade das palavras interfere. Imagino o João Cabral reclamando: ‘mas
que inferno essa mulher dizendo meus versos. Deixa meu poema! Ele está escrito.
Basta!’.”
Com Chico. Ele fala sobre a estrutura de “Construção” - Foto: Divulgação |
A cantora também é surpreendida por seus
convidados. É o que acontece, por exemplo, quando ouve de Paulo César Pinheiro,
no programa sobre Guimarães Rosa, a confissão de que compôs um de seus
clássicos, Matita Perê, especialmente para Bethânia interpretar. Mas ela teria
recusado, alegando não “cantar música de festival”.
O mal-entendido se desfaz com uma belíssima
apresentação.
Aqui, como nos demais episódios, a presença de um acadêmico
serve para temperar a discussão, com observações mais profundas. O artista
plástico e pesquisador Roberto Corrêa dos Santos, por exemplo, diz que Clarice
Lispector buscava chegar ao limite da loucura, mas sem perder a consciência.
Mas é de Alberto da Costa e Silva o comentário mais maroto, ao falar sobre o
abolicionismo fervoroso que marca os poemas de Castro Alves: “mas ele tinha
escravos”.
A TARDE
Cultura
Sáb, 2/7/2016
"Santo
Amaro é uma terra de poetas", diz Bethânia
Daniel Oliveira
Bethânia vai estrear um programa de poesia e prosa no Arte1 |
A literatura ocupa lugar
essencial na vida de Maria Bethânia. Não apenas como fruição cotidiana, mas
também no trabalho musical. A poesia e a prosa estão constantemente presentes
em suas interpretações nos palcos, nos fonogramas e em outros projetos
especiais. A raiz dessa relação é primordial: encontra-se em Santo Amaro,
quando ainda garota convivia com os numerosos poetas do Recôncavo.
"Escuto poesia desde
menina, meu pai tinha amigos poetas. Quando era criança, brincando, ouvia a
palavra em meio àqueles senhores conversando sentados. Gostava muito. Santo
Amaro é uma terra de poetas", diz Bethânia.
Um pouco mais tarde, morando em Salvador na adolescência, recebeu preciosa indicação de Caetano Veloso, num tom extremamente afetuoso: Clarice Lispector. A cantora não recorda com exatidão qual era o conto, "talvez Desassossego". "Lembro da força. Ele me falou: 'você vai se identificar, menina'. Na primeira frase, de cara, afirmei: 'Caetano, é isso aqui!'.
Um pouco mais tarde, morando em Salvador na adolescência, recebeu preciosa indicação de Caetano Veloso, num tom extremamente afetuoso: Clarice Lispector. A cantora não recorda com exatidão qual era o conto, "talvez Desassossego". "Lembro da força. Ele me falou: 'você vai se identificar, menina'. Na primeira frase, de cara, afirmei: 'Caetano, é isso aqui!'.
Por conta dessa conexão, o
irmão é o convidado do primeiro episódio - dedicado à obra literária de Clarice
- do programa Poesia e Prosa com Maria Bethânia, que estreia hoje, às 22h, no
Arte 1. A atração resulta da parceria do canal com a produtora Cine Group, tem
direção geral de Mônica Monteiro e exibe a cantora Bethânia também no papel de
entrevistadora.
Temas profundos e eternos, como a emoção, o dito e o não dito e a loucura, a partir do texto e da personalidade de Clarice, fazem parte do enredo do bate-papo entre Caetano, Bethânia e a professora da Universidade de São Paulo, Nádia Gotlib, biógrafa da autora.
O programa tem quatro
semanas - sempre aos domingos, no mesmo horário. Além do irmão, Bethânia recebe
Paulo César Pinheiro, Chico Buarque e Jorge Mautner. Eles discutem
respectivamente Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Castro Alves.
Especialistas em literatura brasileira participam das conversas, entremeadas
por descontração, declamações e canções. "Pedi para sempre ter alguém de
música para mostrar a sonoridade dos autores", explica.
"Na urgência de quatro,
fomos fechando. Tinha que ter Guimarães Rosa, João Cabral, Clarice e exigi que
tivesse Castro Alves, porque é um poeta que deve ser lido, os jovens devem
aprender Castro Alves. Em um mundo tão violento, racista, retrógrado, burro,
ele é avançado. Fez aquilo aos 23 anos com tanta clareza", afirma a
cantora sobre o poeta baiano abolicionista. Ela, entretanto, faz ressalva sobre
o autor: "apesar disso tudo, tinha escravo".
Em um trecho do livro
Verdade Tropical, ao falar do período em que viveu com Bethânia em Salvador,
Caetano Veloso narra que a irmã "lia Carson McCullers, Clarice
Lispector e escrevia uns textos bonitos de prosa poética". Bethânia
conta que parte desses escritos se perderam no tempo. Atualmente, a
produção literária da cantora é fugaz. Logo após escrever, o que estava
fazendo, aliás, em sua casa no Rio de Janeiro antes de começar a
entrevista com reportagem de A TARDE, ela diz que costuma atear fogo nos
papéis.
"Escrevo sempre, mas
queimo. É um exercício que sempre me exigiu, me cobrou. Isso de
queimar deve ter uma relação no nível mais alto do significado. Parece
uma coisa melodramática, mas não é. Acho que sacraliza, fica perene e, ao mesmo
tempo, transforma. Escrevo para aguentar a vida".
Maria Bethânia também lembra
que, na juventude, Caetano sempre estimulava essa atividade. "Em Salvador
(anos 1960), ele falava: 'você vai ser escritora'. Eu dizia, 'eu gosto de
palco, escritora é dentro de casa'. Como Caetano era muitas coisas, pintor,
crítico de cinema, compositor, ele também achava que eu poderia abrir um leque
maior. Mas ele gostava do que eu escrevia".
Com Poesia e Prosa, que a
priori não terá segunda temporada, Bethânia contribui ainda mais na difusão da
literatura brasileira, o que já faz em seus shows. "A poesia nunca se
abala. Nem aqui nem em qualquer outro lugar do mundo!", assegura.
3 / 7 / 2016
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: CLARICE LISPECTOR
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: CLARICE LISPECTOR
A estreia traz o músico Caetano Veloso, irmão de Bethânia, e a
professora da USP (Universidade de São Paulo) Nádia Gotlib falando da linguagem, delicadeza e percepção da
escritora Clarice Lispector (10/12/1920 - 9/12/1977). Nádia é biógrafa de Clarice
Lispector. O programa contará ainda com o depoimento do artista plástico e
pesquisador Roberto Corrêa dos Santos. Ele é professor da UERJ (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) e organizador dos livros “As Palavras” e “O Tempo”,
baseados na obra de Clarice Lispector. Bethânia interpreta trechos de contos e crônicas
da escritora, como “As Três Experiências”
e “Maio, a Perigosa Yara”. A cantora
e Caetano interpretam ainda canções compostas para o espetáculo apresentado por
Bethânia nos anos 1980, inspirado no livro “A
Hora da Estrela”. Cada programa tem meia hora de duração.
Mônica Monteiro e Caetano Veloso nos bastidores do programa "Prosa e Poesia" |
"Esclarecimentos: Explicação de uma vez por todas" (14/11/1970)
"... E a história é
a seguinte: eu nasci na Ucrânia, terra de meus pais. Nasci numa aldeia (*), que não figura no mapa de tão
pequena e insignificante. Quando minha mãe estava grávida de mim, meus pais já
estavam se encaminhando para os Estados Unidos ou Brasil, ainda não haviam
decidido: pararam na aldeia para eu nascer, e prosseguiram viagem. Cheguei ao
Brasil com apenas dois meses de
idade. Eu sou brasileira naturalizada, por uma questão de meses, poderia ser brasileira nata. Fiz da língua portuguesa a
minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de
amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me
alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro..."
"...Se minha família tivesse optado pelos Estados Unidos, eu
teria sido escritora? em inglês, naturalmente, se fosse. Teria casado
provavelmente com um americano e teria filhos americanos. E minha vida seria
inteiramente outra. Escreveria sobre o qué?. O que é que amaría? Seria de que Partido?
Que gênero de amigos teria?. Mistério. ..."
(*) Tchechelnik
Capa
da primeira edição do livro de contos
A legião estrangeira (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964). |
A última entrevista de Clarice Lispector foi concedida a
TV Cultura em 1977
"...
Clarice, a partir de qual momento você efetivamente decidiu assumir a
carreira de escritora?
Eu nunca assumi.
Por quê?
Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu, faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade.
Eu nunca assumi.
Por quê?
Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu, faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade.
..."
[Entrevista
concedida ao jornalista Júlio Lerner, em 1 de fevereiro de 1977, para o
programa “Panorama”, da TV Cultura, de São Paulo.]
"As Três Experiências" (11/5/1968)
"... Sempre
me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me
trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste
mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma
garantia. Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É
como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me
espera."
"... Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de nos renovar à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever..."
“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou a minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. "O amar os outros" é tão vasto que inclui até o perdão para mim mesma com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida . Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca. E nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que, foi esta que eu segui. Talvez porque para outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. ..."
A Professora Nádia Gotlib, fala da "dimensão humanística muito grande".
“Caetano Veloso declara que ler Clarice é como conhecer uma pessoa”
[MANZO, Lícia. Era uma vez: EU - A não
ficção na obra de Clarice Lispector.
Juiz de Fora: Editora UFJF,
2002. (p. 54)]
|
A HORA DA ESTRELA DE CINEMA
Música y letra: Caetano
Veloso
© 1984 Gapa / Saturno
Embora minha pele cáqui
Sem rosa ou verde, sem destaque
E minha condição mofina, jururu, panema
Embora, embora
Há uma certeza em mim, uma indecência
Que toda fêmea é bela
Toda mulher tem sua hora
Tem sua hora da estrela
- Sua hora da estrela de cinema
Capibaribe, Beberibe, Subaé, Francisco
Tudo é um risco só, e o mar é o mar
E eu quase, quase não existo
E sei, eu não sou cega
O mundo me navega
E eu não sei navegar
Existe um homem que há nos homens
Un diamante em minhas fomes
Rosa claríssima na minha prosa
Sem poema e fora e fora
De mim, de dentro afora uma ciência
Que toda fêmea é bela
Toda mulher tem sua hora
Tem sua hora da estrela
- Sua hora da estrela de cinema
O NOME DA CIDADE
Música
y letra: Caetano Veloso
© 1984
Gapa / Saturno
Onde será que
isso começa
A correnteza sem paragem
O viajar de uma viagem
A outra viagem que não cessa
Cheguei ao nome da cidade
Não a cidade mesma espessa
Rio que não e rio: imagens
Essa cidade me atravessa
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
Será que todo me interessa
Cada coisa é demais e tantas
Quais eram minhas esperanças
O que é ameaça e o que é promessa
Ruas voando sobre ruas
Letras demais, tudo mentindo
O Redentor que horror! que lindo!
Meninos maus, mulheres nuas
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
A gente chega sem chegar
Não há meada, é só o fio
Será que pra o meu própio rio
Este rio é mais mar que o mar
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
Sertão...
Sertão, êh, mar!
A correnteza sem paragem
O viajar de uma viagem
A outra viagem que não cessa
Cheguei ao nome da cidade
Não a cidade mesma espessa
Rio que não e rio: imagens
Essa cidade me atravessa
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
Será que todo me interessa
Cada coisa é demais e tantas
Quais eram minhas esperanças
O que é ameaça e o que é promessa
Ruas voando sobre ruas
Letras demais, tudo mentindo
O Redentor que horror! que lindo!
Meninos maus, mulheres nuas
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
A gente chega sem chegar
Não há meada, é só o fio
Será que pra o meu própio rio
Este rio é mais mar que o mar
Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
Sertão...
Sertão, êh, mar!
O segundo programa é sobre a
obra de Guimarães Rosa (1908-1976). O escritor revelou um sertão mágico
por meio da sua linguagem e realizou uma das obras mais significativas da
literatura brasileira: “O Grande Sertão: Veredas”. Embaixador, historiador e
membro da Academia Brasileira de Letras, Alberto
da Costa e Silva participa da conversa ao lado do cantor e compositor Paulo César Pinheiro, autor de “Matita
Perê”, clássico da música brasileira, inspirado na obra do poeta. O programa
contará com depoimentos do escritor moçambicano Mia Couto e da escritora e pesquisadora Ana Maria Machado.
17 / 7 / 2016
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: JOÃO CABRAL DE MELO NETO
No terceiro episódio, é a vez de visitar o trabalho de João Cabral de Melo Neto (1920-1999). O poeta não se interessava por uma poesia que expressasse os seus sentimentos, mas que despertassem sentimentos no leitor. O professor Wander Miranda, que dá aulas de teoria literária e literatura comparada na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Hollanda são o convidados da edição. Ainda bem jovem, Chico fez algo impensável na época e musicou trechos do poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
24 / 7 / 2016
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: CASTRO ALVES
Poesia & Prosa com Maria Bethânia
Episódio: CASTRO ALVES
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