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Edu Lobo, Caetano Veloso e Othon Bastos na Passeata dos Cem
Mil. Rio de Janeiro, junio 1968.
© Foto de Evandro Teixeira/CPDOC-JB.
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Hugo Carvana, Caetano Veloso e Nana Caymmi |
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Foto: Campanela Neto |
No
dia 26 de junho de 1968, cerca de cem mil pessoas ocuparam as ruas do centro do
Rio de Janeiro e realizaram o mais importante protesto contra a ditadura
militar até então. A manifestação, iniciada a partir de um ato político na
Cinelândia, pretendia cobrar uma postura do governo frente aos problemas
estudantis e, ao mesmo tempo, refletia o descontentamento crescente com o
governo; dela participaram também intelectuais, artistas, padres e grande
número de mães.
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A passeata dos cem mil |
Desde
67, o movimento estudantil tornou-se a principal forma de oposição ao regime
militar. Nos primeiros meses de 68, várias manifestações tinham sido reprimidas
com violência. O movimento estudantil manifestava-se não apenas contra a
ditadura, mas também à política educacional do governo, que revelava uma
tendência à privatização. A política de privatização tinha dois sentidos: era o
estabelecimento do ensino pago (principalmente no nível superior) e outro, o
direcionamento da formação educacional dos jovens para o atendimento das
necessidades econômicas das empresas capitalistas (mão de obra especializada).
Essas expectativas correspondiam a forte influência norte-americana exercida
através de técnicos da USAID que atuavam junto ao MEC por solicitação do
governo brasileiro, gerando uma série de acordos que deveriam orientar a
política educacional brasileira. As manifestações estudantis foram os mais
expressivos meios de denúncia e reação contra a subordinação brasileira aos
objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano.
Prisões
e arbitrariedade eram as marcas da ação do governo em relação aos protestos dos
estudantes, e essa repressão atingiu seu apogeu no final de março com a invasão
do restaurante universitário "calabouço", onde foi morto Edson Luís,
de 17 anos.
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Edson Luís |
O
fato, que comoveu e revoltou todo o país, serviu para acirrar os ânimos e
fortalecer a luta pelas liberdades. Durante o velório do estudante, o confronto
com policiais ocorreu em várias partes do Rio de Janeiro, sendo que o cortejo
fúnebre foi acompanhado por 50 mil pessoas. Nos dias seguintes, manifestações
sucediam-se no centro da cidade, com repressão crescente até culminar na missa
da Candelária (2 de abril), em que soldados a cavalo investiam contra
estudantes, padres, repórteres e populares.
Nos
outros estados o movimento estudantil também ampliava seu nível de organização
e mobilização; em Goiás, a polícia baleou 4 estudantes, matando um deles, Ivo
Vieira.
Durante
todo o ano de 68 as manifestações estudantis ocorreram, assim como
intensificou-se a repressão, até a decretação do AI-5, em 13 de dezembro.
CPDOC
Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) é a Escola de
Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas.
Sérgio
Lamarão
FONTES:
CASTELO BRANCO, C. Militares; Fatos e Fotos (18/4/68); FIECHTER, G. Regime;
FLYNN, P. Brazil; Jornal do Brasil (5/4/68); MELO, J. Revolução; ROMAGNOLI, L.
Volta; Última Hora (27/6/68).
PASSEATA DOS CEM MIL
Denominação
com que ficou conhecida a manifestação realizada no Rio de Janeiro em 26 de junho
de 1968, da qual participaram cerca de cem mil pessoas que protestavam contra
as violências praticadas pela polícia alguns dias antes no centro da cidade,
atingindo estudantes e populares. Promovida pelo movimento estudantil — na
época o principal núcleo de oposição ao regime militar instaurado no país em
março de 1964 —, a marcha contou também com a participação de intelectuais,
operários, profissionais liberais e religiosos, além da adesão maciça de
populares. As principais reivindicações dos manifestantes eram o
restabelecimento das liberdades democráticas, a suspensão da censura à imprensa
e a concessão de mais verbas para a educação.
A UNE na
ilegalidade
Uma
das primeiras medidas tomadas pelos militares que afastaram o presidente João
Goulart do poder foi o fechamento, em abril de 1964, da União Nacional dos
Estudantes (UNE), entidade representativa dos estudantes universitários que
havia apoiado o governo do presidente deposto. Embora ilegal e bastante
debilitada, a UNE se manteve e em julho de 1966 realizou seu XXVIII Congresso
em Belo Horizonte. Nesse encontro, os estudantes concentraram suas críticas no
acordo firmado pouco antes entre o governo federal e a United States Agency for
International Development (USAID), conhecido como Acordo MEC-USAID, que entre
outros pontos visava estimular a privatização do ensino superior brasileiro
através da transformação das universidades mantidas pelo Estado em fundações.
O
XXIX Congresso da UNE foi realizado em agosto de 1967, num mosteiro beneditino
perto de Campinas (SP), sempre na ilegalidade. Pouco antes do encontro, haviam
ocorrido conflitos de rua entre policiais e estudantes na capital paulista. Na
reunião, as maiores críticas dirigiram-se contra a política educacional do
governo, que admitia a interferência de organismos estrangeiros em sua
orientação, e contra a contenção geral dos salários posta em prática pelos
militares. Até o final de 1967, os estudantes promoveram numerosas
demonstrações de protesto em diversas cidades brasileiras.
A morte de Edson
Luís
O
nível de tensão entre o governo e o movimento estudantil ganhou nova dimensão
em 28 de março de 1968, quando o estudante secundarista Edson Luís Lima Souto,
de 18 anos, foi morto a bala pela polícia no Rio durante uma manifestação
contra o fechamento do restaurante do Calabouço, que atendia sobretudo a
estudantes pobres oriundos de outros estados. Cerca de 20 estudantes saíram
feridos da agressão policial. A morte de Edson Luís foi imediatamente
denunciada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição, na
Assembléia Legislativa do então estado da Guanabara, para onde o corpo do
estudante foi levado.
No
dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre até o
cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação transcorreu
normalmente, sem a intervenção policial. No resto do país, entretanto,
ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo Horizonte,
Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque com as forças
policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.
Em
31 de março, data do quarto aniversário da derrubada de Goulart, ocorreram
novas demonstrações de repúdio contra o assassinato do estudante. O governador
da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, temeroso de perder o controle da
situação, solicitou a presença do Exército para garantir a ordem pública. Os
protestos de rua acabaram se convertendo num conflito aberto entre estudantes e
populares de um lado, e efetivos do Exército do outro, que provocou a morte de duas
pessoas, ferimentos em quase cem e cerca de duzentas prisões.
No
dia 4 de abril, foram celebradas duas missas de sétimo dia pela alma de Edson
Luís na igreja da Candelária, no centro do Rio. A primeira, encomendada pela
mesa da Assembléia Legislativa da Guanabara, realizou-se às 11:30h da manhã.
Cerca de mil pessoas compareceram ao ato fúnebre e um número muito maior se
concentrou fora do templo. Encerrada a missa, a multidão foi atacada por
policiais a cavalo armados de sabres e cassetetes, enquanto helicópteros da
Marinha e aviões da Força Aérea Brasileira sobrevoavam a área da Candelária. O
esquema repressivo contou também com a participação de agentes do Departamento
de Ordem Política e Social (DOPS), que lançavam bombas de gás lacrimogêneo em
qualquer agrupamento de pessoas. Por outro lado, todo um vasto aparato bélico
encontrava-se de sobreaviso. Os contingentes em regime de prontidão reuniam 20
mil homens do I Exército, dez mil da Polícia Militar (PM), 1.200 da Guarda
Civil e quatrocentos detetives da Secretaria de Segurança, concentrados,
sobretudo, no Centro e na Zona Sul da cidade. O comandante do I Exército,
general Cunha Garcia, acompanhou de perto a mobilização.
Durante
a tarde do dia 4, o policiamento do Centro do Rio continuou ostensivo, com os
soldados e agentes de segurança procurando impedir a presença de estudantes e
populares nas proximidades da Candelária, já que uma outra missa — encomendada
pela UNE e pela União Metropolitana dos Estudantes (UME) — fora marcada para as
18:15h. A cerimônia começou na hora estabelecida, com a igreja totalmente
tomada por 2.500 pessoas. A PM dispersou todos os que não conseguiram entrar na
igreja e se aglomeravam do lado de fora.
Encerrada
a missa, percebendo a possibilidade de uma ação policial, o padres saíram na
frente da multidão formando um cordão protetor. Embora não tivessem sido
registrados incidentes na saída do templo, em vários pontos do Centro da cidade
— completamente cercado pela PM e por soldados das três forças armadas —
ocorreram violências. As agressões ficaram por conta dos homens da PM e dos
agentes do DOPS, que agrediram a socos e pontapés estudantes e populares. Entre
16 e 22 horas, 380 pessoas foram detidas pela PM e pelo DOPS; cerca de duzentas
já haviam sido presas no início da tarde e levadas para a fortaleza de Santa
Cruz, em Niterói.
Além
da Candelária, igrejas de vários bairros do Rio oficiaram missa pela alma de
Edson Luís. Por iniciativa da UNE e de entidades estudantis locais, foram
celebradas missas em diversas capitais, entre as quais Porto Alegre, Goiânia,
Recife, Belém, João Pessoa e Belo Horizonte. Nestas duas últimas cidades,
registraram-se choques de rua entre policiais e estudantes. Em outras cidades,
como São Paulo, Santo André (SP) e Salvador, houve passeatas de protesto contra
a morte do estudante.
O movimento em
recuo
Depois
da missa de sétimo dia de Edson Luís, o movimento estudantil experimentou um
ligeiro recuo, produzido em grande parte pelas medidas policiais e pelas
disposições repressivas contidas na Instrução nº 177, portaria baixada em 5 de
abril pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva.
No
final de abril, o governo teve de enfrentar um outro antagonista, praticamente
ausente do cenário político desde março de 1964: o movimento operário. Com
efeito, no dia 22 daquele mês, foi deflagrada em Contagem, cidade industrial
próxima a Belo Horizonte, a primeira greve no país desde a ascensão dos
militares. A paralisação envolveu cerca de 6.700 operários metalúrgicos que
tinham como principal reivindicação um aumento salarial de 25%. Ameaçados pelas
autoridades de enquadramento na Lei de Segurança Nacional, os grevistas
voltaram ao trabalho depois de três dias de suspensão das atividades.
Em
maio, duas iniciativas tomadas na área de governo ligavam-se diretamente ao
movimento estudantil. No dia 14, foi divulgado o relatório do general Carlos de
Meira Matos referente à situação universitária do país. No documento, o
oficial, além de admitir a existência de numerosos problemas no ensino superior,
chamava a atenção do presidente da República, marechal Artur da Costa e Silva,
para o fato de que uma “repressão excessiva leva a uma radicalização crescente
das reivindicações”. No dia 22, buscando reforçar os poderes da polícia, os
menores de 18 anos foram declarados responsáveis nos casos de certas infrações,
entre as quais os crimes contra a segurança nacional.
Na
última semana de maio, sob o impacto do movimento estudantil irrompido naquele
momento na França e em outros países europeus, os estudantes voltaram às ruas
em diversas cidades do país. No dia 24, ergueram barricadas no centro de São
Paulo e enfrentaram os policiais; na parte da tarde, promoveram uma passeata,
autorizada pelo governo estadual. Essa autorização do governador Roberto Abreu Sodré
desagradou ao comandante do II Exército, general Manuel Rodrigues de Carvalho
Lisboa, que emitiu uma nota a respeito. No dia seguinte, houve uma grande
passeata de estudantes, que contou com a participação de professores e do
deputado federal Davi Lerer, do MDB. Na ocasião, foi jogada uma bomba na
redação do jornal O Estado de S. Paulo. Em Brasília, os policiais dissolveram
uma passeata que os estudantes tentaram organizar. Em Belo Horizonte, 120
estudantes foram presos na Escola de Medicina.
Um
aspecto importante dessa etapa do movimento estudantil é que as passeatas do
final de maio já contaram com a participação expressiva de trabalhadores,
descontentes com a política salarial do governo. As tentativas governamentais
de conter a adesão dos operários às palavras de ordem dos estudantes — como foi
o caso da Lei nº 5.451, sancionada em 12 de junho, concedendo aos trabalhadores
um abono de emergência e revendo certos pontos da política salarial — não
lograram o resultado esperado.
A Passeata dos Cem
Mil
Na
segunda metade de junho, o movimento estudantil entrou em nova fase de ascenso,
tendo atingido nesse período seu ponto mais alto em termos de mobilização de
massa. Mais uma vez, as principais manifestações tiveram lugar no Rio. No dia
18, uma passeata promovida pelos estudantes cariocas convergiu para o palácio
da Cultura, antiga sede do Ministério da Educação e Cultura (MEC), no Centro da
cidade, onde foi reprimida pela polícia. Durante a manifestação, foi preso o
líder estudantil Jean Marc van der Weid, acusado de ter incendiado uma viatura
policial.
Na
tarde do dia seguinte foi realizada uma assembléia geral de estudantes na
reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual foi decidido
que se incluiria a libertação dos estudantes detidos em manifestações
anteriores na lista de reivindicações do movimento. Após a assembléia, mais de
trezentos estudantes foram presos por numeroso contingente policial.
Em
21 de junho, depois de uma concentração em frente ao MEC, os estudantes saíram
em passeata em direção à avenida Presidente Wilson. Pararam em frente à sede da
embaixada norte-americana, sendo recebidos a bala por dois policiais de
plantão. Os estudantes reagiram, quebrando os vidros do prédio a pedradas.
Inicialmente rechaçados pelos manifestantes, os policiais — com seus efetivos
reforçados — voltaram à carga quando a passeata já estava praticamente no fim.
A partir desse momento, desencadeou-se um violento conflito entre tropas de
choque da PM e populares, armados de pedras, tijolos e material de construção.
Durante horas, a avenida Rio Branco transformou-se num verdadeiro campo de
batalha, cercado de nuvens de gás lacrimogêneo. Na praça 15 de Novembro,
viaturas policiais foram queimadas. O confronto só terminou às 20 horas, com um
saldo de 28 mortos, segundo informações dos hospitais — ou três, segundo a
versão oficial —, centenas de feridos, além de mil prisões. O episódio ficou
conhecido como a “Sexta-Feira Sangrenta”.
No
dia seguinte, 22 de junho, o conselho universitário da UFRJ suspendeu as aulas
por tempo indeterminado, e o governador da Guanabara, Francisco Negrão de Lima,
antecipou as férias na rede estadual de ensino.
As
lideranças estudantis marcaram uma manifestação de grande envergadura para a
quarta-feira seguinte, dia 26 de junho, que acabou sendo permitida pelas
autoridades depois de superadas as divergências entre o governo federal e o
estadual. A autorização foi em grande parte motivada pela crescente oposição
pública ao comportamento do governo, pelas violentas críticas da imprensa à
repressão policial e pelo anúncio da presença, na passeata, do bispo-auxiliar
do Rio de Janeiro, dom José de Castro Pinto, além de outros religiosos. Assim,
na noite do dia 25, Negrão de Lima compareceu à televisão para anunciar que a
passeata fora autorizada e que a PM não estaria nas ruas. No dia seguinte,
antes do início da manifestação, o general Luís França, secretário de Segurança
da Guanabara, informou que a PM carioca dispunha de dez mil homens prontos para
entrar em ação “caso houvesse baderna”.
Na
manhã do dia 26, o Centro do Rio foi tomado por grupos de estudantes, artistas,
intelectuais e outros setores da população, que se concentraram em diversos
pontos da área. A Cinelândia abrigou um elevado número de estudantes, enquanto
artistas de teatro, cinema, música e artes plásticas se reuniam em frente à
loja Mesbla, no Passeio Público.
Pouco
antes das duas horas da tarde, teve início a marcha reunindo cerca de 50 mil
pessoas — incluindo numerosos padres e freiras que carregavam cartazes e faixas
com dizeres como “O povo organizado derruba a ditadura” e “Abaixo o
imperialismo” e proferiam lemas do mesmo teor.
Munidos
de frascos de tinta de tipo spray, os manifestantes pichavam as ruas do Centro
com frases contendo reivindicações e críticas ao governo. Durante o trajeto, a
passeata foi engrossada por grande número de populares e estudantes. Às 15
horas, quando a passeata já reunia cerca de cem mil pessoas, o líder estudantil
Vladimir Palmeira fez um discurso em frente à igreja da Candelária. A marcha
terminou por volta das 17 horas diante do palácio Tiradentes, sede da
Assembléia Legislativa carioca, e em suas três horas de duração não se
registraram incidentes.
A
organização e o comando geral da marcha couberam à cúpula estudantil centralizada
em Vladimir Palmeira e assessorada pelos comandos de intelectuais, de
religiosos, de trabalhadores e de mães. Cada categoria contava com um
chefe-geral e era dividida em setores. Por exemplo, os intelectuais — liderados
pelo psicanalista Hélio Pelegrino — dividiam-se em setores de artes plásticas,
cinema, teatro, música e jornalismo, cada um com seu respectivo chefe; o clero
tinha um chefe para os lazaristas, um para os dominicanos, um para os jesuítas
etc. As várias faculdades de uma mesma universidade obedeciam a um superior.
Por sua vez, cada setor dividia-se nos chamados “grupos dos dez”, copiados dos
estudantes franceses.
Convocada
como uma forma de protesto contra as mortes, as prisões e a violência policial,
a Passeata dos Cem Mil — como ficou conhecida a marcha — paralisou o Rio de
Janeiro durante quase todo o dia 26 e marcou o momento de maior amplitude do
movimento estudantil brasileiro desde 1964.
A
imprensa carioca deu grande cobertura à manifestação. O jornal Última Hora
ressaltou “a capacidade da própria massa popular de manter a ordem, na ausência
de uma polícia que até então só fizera perturbá-la”, e elogiou “a decisão
política do senhor Negrão de Lima, jogando a sorte do seu governo nesse lance,
quando tantos ainda indicavam o caminho da repressão”. O elogio foi extensivo
ao general Siseno Sarmento, comandante do I Exército, por não ter cedido à
insistência de certos setores “para repetir um show armado na cidade”.
Depois
da Passeata dos Cem Mil, o presidente Costa e Silva mostrou-se propenso a
iniciar um diálogo com os estudantes. Por intermédio de dom Castro Pinto, foi
marcada para 2 de julho, em Brasília, uma audiência entre o presidente e uma
comissão do movimento. A comissão, escolhida em praça pública durante a passeata,
foi formada por Hélio Pelegrino, Irene Papi — representante das mães —, o padre
João Batista Ferreira e dois estudantes, Marcos Medeiros e Franklin Martins.
Suas quatro reivindicações básicas, já apresentadas na manifestação de 26 de
junho, eram as seguintes: libertação dos estudantes presos, reabertura do
restaurante do Calabouço, fim de toda repressão policial e suspensão da censura
às artes. A princípio conciliador — admitiu soltar os presos em troca do fim
das passeatas —, Costa e Silva acabou rejeitando em bloco todos os pedidos da
comissão.
Após
a negativa do governo federal em atender às reivindicações do movimento, foi
realizada nova manifestação de protesto no centro do Rio. Embora de menores
proporções, a chamada Passeata dos 50 Mil foi mais radical em termos políticos
do que a anterior, e assinalou o início do descenso da ação de massas do
movimento estudantil.
Em
5 de julho, o clima de tensão reinante entre governo e estudantes se agravou
com a proibição, pelo ministro Gama e Silva, da realização de qualquer tipo de
manifestação em todo o território nacional. A medida foi ratificada pelo
Conselho de Segurança Nacional nos dias 11 e 17 daquele mês.
Em
meados de julho eclodiu nova greve, dessa vez em Osasco, cidade industrial da
Grande São Paulo, criando mais um foco de tensão para o regime militar. Três
mil metalúrgicos paralisaram suas atividades e ocuparam seis fábricas. O
sindicato da categoria foi colocado sob intervenção federal e 60 grevistas
foram presos. Perto de seiscentos operários foram demitidos depois da suspensão
do movimento paredista.
A escalada da
repressão
O
mês de agosto foi marcado pela intensificação da repressão policial contra as
lideranças estudantis e contra o movimento como um todo. Vladimir Palmeira foi
preso no Rio no dia 2 de agosto, e nos dias que se seguiram à sua prisão a
polícia efetuou cerca de 650 detenções; mais de 14 mil soldados foram
requisitados para manter a ordem no Centro da cidade, onde dois mil estudantes
promoviam demonstrações de protesto. Também houve incidentes em São Paulo onde,
no dia 4, cerca de trezentos estudantes foram presos. No dia 15, o Supremo
Tribunal Federal recusou o pedido de habeas-corpus impetrado pelos advogados de
Vladimir Palmeira. No dia 21, a Câmara dos Deputados rejeitou um projeto de lei
que previa a anistia para estudantes e operários comprometidos nas
manifestações. Em 30 de agosto, a Universidade Federal de Minas Gerais foi
fechada após intervenção da polícia. Nesse mesmo dia, a Universidade de
Brasília foi invadida pela PM.
Depois
de um mês de setembro relativamente calmo, no dia 2 de outubro, no centro da
capital paulista, os estudantes da Faculdade de Filosofia da Universidade de
São Paulo entraram em choque com alunos da Universidade Mackenzie, liderados
por elementos do Comando de Caça aos Comunistas (CCC). O conflito prosseguiu
pelo dia seguinte, quando o secundarista José Guimarães foi morto por uma
rajada de balas vinda do prédio do Mackenzie.
Mas
o acontecimento mais importante do mês de outubro ocorreu sem dúvida no dia 12,
quando o XXX Congresso da UNE, realizado na ilegalidade em Ibiúna (SP), foi
desbaratado pela polícia. Mais de setecentos estudantes foram presos, e entre
eles as principais lideranças do movimento — Vladimir Palmeira (libertado no
Rio pouco antes), José Dirceu, Luís Travassos, Franklin Martins e Jean Marc van
der Weid.
No
dia 16, o Conselho de Justiça Militar de São Paulo condenou Travassos, José
Dirceu e Vladimir a vários meses de prisão. Nos dias seguintes foram promovidas
manifestações de protesto em todo o país, sendo deflagradas greves em Belo
Horizonte, Fortaleza e Aracaju e realizadas passeatas em Florianópolis, Belém,
Aracaju e Rio de Janeiro. Em 22 e 23 de outubro, conhecidos como os “Dias de
Protesto”, foram registradas no Rio pelo menos três mortes, de um estudante e
dois operários.
A
repressão ao congresso de Ibiúna marcou o início do refluxo do movimento
estudantil enquanto movimento de massa e a entrada de seus primeiros
integrantes para a clandestinidade. Esse quadro agravou-se ainda mais com a
promulgação, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, que conferiu
contornos mais autoritários e centralizadores ao regime instaurado em março de
1964, e do Decreto-Lei nº 477, em 26 de fevereiro de 1969, que vedou
terminantemente qualquer atividade de cunho político no interior das
universidades.
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Ala dos intelectuais: Carlos Scliar, Clarice Lispector, Oscar Niemeyer, Glauce Rocha, Ziraldo e Milton Nascimento |
Fotos: David Drew Zingg
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