viernes, 26 de mayo de 2023

1966 - O GLOBO - Primeira entrevista

 

“Um dia, Caetano chegou pra ficar”, assim dizia o título da reportagem assinada pelo crítico Sérgio Bittencourt, na edição do GLOBO de 25 de novembro de 1966. O texto anunciava a chegada ao Rio de Janeiro de um “compositor jovem, vindo da Bahia”, que acabara de conquistar o prêmio de melhor letra no II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, com a música “Um dia”, interpretada pela cantora Maria Odete. Na ocasião, “o moço simples, de Santo Amaro da Purificação”, decretava, em tom profético:

 

— Começo a sentir os primeiros sintomas de uma nova virada. 

Ela está para acontecer, não tenham dúvidas. 

Eu quero estar na crista dessa virada, com todo o meu coração.

 

O moço também é baiano e chegou por aqui trazendo a irmã pelo braço, que o pai não queria que ela viesse sozinha. Caetano Veloso veio porque Maria Bethânia cismou de vir. Mas voltou logo. Na Bahia, à sua espera, havia um curso de Filosofia e os amigos da roda de música. Aqui, no Rio, Bethânia começava a pontificar, impondo o seu nome como substituta de Nara Leão no espetáculo “Opinião”. Caetano, na Bahia, roendo as unhas. E acabou vindo, ele, seu violão e poucas canções feitas, prontinhas para o disco.

No recente Festival da Música Popular Brasileira, em São Paulo, o menino conquistou o prêmio destinado ao autor da melhor letra, com a canção “Um dia”, defendida pela cantora Maria Odete, em cima da hora. Ninguém esperava por isso. Nem ele próprio.

Moço simples de Santo Amaro da Purificação, Caetano Veloso conta, num bate-papo informal no Teatro Casa Grande, depois de apresentar-se com a conterrânea Gal Costa, que tudo nele nasce aos poucos e muito elaborado. O pedaço de letra nasce com a melodia, ele guarda, às vezes a ideia não consegue ir adiante, até que um dia tudo toma forma. Assim foi com “Um dia”. — Primeiro me nasceram alguns versos: “Abre os olhos/ Mostra o riso/ Quero, careço, preciso/ De ver você se alegrar/ Eu não estou indo embora/ Tô só preparando a hora/ De voltar”. A música estava nascendo para minha irmã, Maria Bethânia, que havia pedido uma canção que falasse em despedida. Mas acabei mandando a coisa para o concurso.

Caetano gravou, em São Paulo, um compacto com músicas suas. Nem viu o disco. Sabe que saiu, mas não botou os olhos na bolachinha. Gravadas na voz de Bethânia, Elis Regina e outras, tem sete músicas. E como deixou a faculdade, vive exclusivamente de música. Ou não vive, como gosta de acrescentar, já que seus direitos autorais, pelo tempo que tem de gravações, ainda não chegaram, na totalidade, ao seu bolso: — Já gostei menos de “Um dia”. Achava a música feia. Hoje gosto um pouco mais, embora reconheça que se trata de uma canção desmembrada, de fórmula meio violenta. Maria Odete foi muito bem cantando a música, mas o seu estilo não é o meu. Bem, ela fez tudo com muita seriedade.

Para o moço, não existe o tal “grupo baiano” e ele gosta de dissertar sobre o assunto, para evitar más interpretações do fenômeno: — Nós não estamos fazendo nenhum movimento. Eu, pessoalmente, não gosto que chame a gente de grupo. Todos nós viemos individualmente, cada um por sua conta. Claro, na Bahia, trabalhamos todos juntos e um dia nos dispersamos. Já nos conhecemos e sabemos de nossas carências. Mas, isso de nos chamarem de “Grupo Baiano” nos confere uma responsabilidade que nós não podemos aceitar. Não existe grupo. Há, sim, baianos.

O compositor de “Um dia” é, de fato, um encantado com a voz e a interpretação da irmã. E acha que, entre os baianos aqui radicados, Gilberto Gil é o melhor músico. Sobre Bethânia, tema de toda hora, diz Caetano Veloso: — O que me espanta nela não é só a interpretação, mas a capacidade intuitiva de selecionar os elementos de comunicação, raríssima entre nossos artistas. No recente espetáculo “Pois é” não gostei muito dela. Mas no resto ela conseguiu superar todas as expectativas.

Ao contrário de outros, Caetano Veloso vê, no movimento bossanovista, um marco da maior importância na música popular brasileira. E acrescenta: — A bossa nova foi o único momento sintético da música popular moderna. E nós ainda nos encontramos na sua faixa. João Gilberto e Tom Jobim, por exemplo, instauraram um horizonte artístico que nós não conseguimos, por ora, transpor. Isto é da maior importância e nos estimula a ir em frente. E surge uma profecia nas palavras do compositor jovem, vindo da Bahia. Ele para e olha firme para o palco do Casa Grande. Ali, há poucos minutos, ele mostrou sua arte, acompanhando-se ao violão. Caetano Veloso tem a afirmação dos moços nos olhos fundos: — Começo a sentir os primeiros sintomas de uma nova virada. Ela está para acontecer, não tenham dúvidas. Eu quero estar na crista dessa virada, com todo o meu coração. No mais, pode dizer no seu jornal que sou doido por Orlando Silva e Dorival Caymmi.


23/11/1966





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