Os
bastidores da conversa com Caetano Veloso no bairro da Gávea, no Rio de
Janeiro.
Leia
a entrevista “Ninguém de boa-fé pode ser
contra os direitos autorais” na edição de Época desta semana
Atrasado
Caetano
chega adiantado para a entrevista. Mas seu relógio está uma hora atrasado.
Durante esta época do ano (fevereiro) ele costuma estar na Bahia e o relógio
marca a hora de lá. “Assim não preciso mudar quando volto.”
Clássico
como um índio
É um
relógio de modelo clássico, todo em metal prateado, com caixa retangular e
muitos tracinhos pretos por onde se vê a hora com dificuldade. “Eu gosto de
relógio feito índio gosta”, diz Caetano. “Acho bonito, divertido ter um
relógio.”
O
Santo Expedito de Gisele Bündchen
Ele
também acha bonito usar uma corrente fina e dourada com as imagens de Nossa
Senhora das Graças e de Santo Expedito. “Eu nunca tinha ouvido falar no Santo
Expedito. Uso porque ganhei de presente. E também porque a Gisele Bündchen
usava uma igual.”
Disfarce
na foto
Já
nos óculos redondos ele não vê graça nenhuma. Diz que são um sinal dos tempos,
da velhice. Mesmo assim, reclama quando o fotógrafo de Época pede que ele os
tire para a câmera. “Agora eles deram de me pedir isso”
Em
cima da hora
Ao
se despedir da reportagem, um assessor fica satisfeito por não ter ocorrido
nenhum atraso. “Estamos britânicos”, diz ele. Poucas horas depois, Caetano
quase perde a hora. Na sala de embarque do aeroporto Santos Dumont, ele se
anima: “Pensei que ia perder o avião para São Paulo, mas quando cheguei aqui o
vôo estava atrasado.”
“Olha
lá, amor, o Caetano está aqui.”
Sentado
na primeira fileira da aeronave, ele é um dos primeiros a levantar depois da
aterrissagem. Lá atrás, uma senhora – que até então havia passado o vôo todo
visivelmente em pânico e agarrada ao marido – sorri. “Olha lá, amor, o Caetano
está aqui.”
Foto: Daryan Dornelles |
2011
Revista
ÉPOCA
Edição
nº 667 – 25 de fevereiro de 2011
Caetano Veloso: “Ninguém de boa-fé pode ser contra os direitos autorais”
O autor de “É proibido proibir” assume, pela primeira vez, uma posição
conservadora: a defesa da propriedade intelectual
Mariana Shirai
QUEM É
Caetano Emanuel Viana Teles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 1942
Caetano Emanuel Viana Teles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 1942
O QUE FEZ
Um
dos mais cultuados compositores brasileiros, liderou a Tropicália, que alinhou
o pop internacional à música brasileira e a transformou
O QUE PUBLICOU
Além
dos mais de 40 discos, é autor do ensaio Verdade tropical (1997)
Eu vi muitos cabelos brancos na fonte
do artista/O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece. É com versos de
“Força estranha” que Caetano Veloso encerra seu novo disco, MTV ao vivo – Caetano zii e zie (Universal). A cada
refrão da música o cantor baiano de 68 anos omite o trecho “no ar”. Assim era a
versão original da canção, composta em 1978 por Caetano. Em seu registro mais
popular, ela foi modificada por Roberto Carlos, que introduziu o “no ar” após o
verso “por isso essa força estranha” – uma maneira de tirar a carga negativa do
trecho sentida por Roberto. Essa pode ser uma questão ultrapassada, mas Caetano
não parece disposto a renunciar a seus princípios, mesmo que para isso seja
necessário deixar a plateia cantando sozinha o “no ar” no Vivo Rio, onde
ocorreu, em outubro de 2010, a gravação do CD.
Um
das convicções das quais Caetano não abdica é “organizar o Carnaval”. Leia-se:
fazer polêmica. Ele lançou uma há poucas semanas, em sua coluna no jornal O
Globo, com a seguinte declaração: “Ninguém toca em nem 1 centavo dos meus
direitos autorais”. A tentativa de “puxar a discussão”, como diz, causou
surpresa.
Nesta
entrevista, ele recua ante a repercussão: diz confessar sua “ignorância no
assunto”. O assunto é a preservação da propriedade do autor, defendida pela
nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, posição contrária à da gestão
anterior, dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Pela primeira vez em
sua longa carreira, Caetano foi criticado por assumir uma atitude considerada
conservadora. Seria a idade?
Caetano
recebe a reportagem com o rosto cansado, tosse e andar lento. “Tô velho, tô
velho”, diz, com um sorriso melancólico. A frase contrasta com suas roupas
modernas: camisa estampada e tênis de skatista. O visual tem a ver com a
convivência com os jovens de sua banda, encabeçada pelo guitarrista Pedro Sá,
amigo de seu filho, Moreno. Foi com eles que Caetano fez a mais recente
transformação em sua carreira, iniciada com o disco Ce, de 2006. Ali, usou rock indie em letras despojadas.
Com a mesma banda lançou, em 2009, Zii
e zie
(Tios e tias, na tradução do italiano), a partir de uma série de shows
experimentais e do blog Obra em Progresso. Em Zii e zie, Caetano e sua banda de
garotos antenados fazem rock com base no samba, criando o que ele chama de
“transamba” e “transrock”. O CD e o DVD que saem agora são os registros da nova
sonoridade.
Parte
da melancolia de Caetano pode ter um fundo artístico. Embora continue
experimentando – com uma coragem incomum entre os artistas de sua geração –,
seus novos trabalhos não têm o mesmo impacto que as revoluções que provocou na
juventude.
É
difícil encontrar quem discorde da influência de Caetano na nova geração
musical brasileira. A não ser ele próprio. “Não sou (mentor dos jovens), isso é um erro.” Em breve, Caetano
lançará outro DVD, acompanhado da jovem e popular cantora paulistana Maria
Gadú, de 24 anos. Mas diz que é ele quem pega carona com Gadú, e não o
contrário.
Isso não
quer dizer que Caetano tenha largado os velhos companheiros, como sua
correligionária tropicalista Gal Costa. Os dois estarão juntos no próximo
disco. “Estou compondo todas as canções, que terão uma tônica eletrônica.”
Caetano não sabe criar essa tônica no computador, mas diz conhecer quem saiba,
como o produtor carioca Kassin. “Quero explorar estruturas que não consigo
fazer com a minha voz, mas, com a da Gal, sim”, diz. A voz é uma preocupação
atual de Caetano, sobretudo depois de uma gripe contraída em novembro. “Fico
achando que minha voz não voltou a ser o que era e talvez nunca volte mais a
ser”, diz. “Mas, se não voltar, mesmo assim eu canto.” Ao fim da entrevista,
uma equipe de vídeo é chamada para gravar algumas perguntas para o site de
ÉPOCA. Diante da câmera, ele passa por uma metamorfose.
Abre
aquele sorriso superbacana e relaxa. Com a pose, parece mostrar que, polêmicas
à parte, essa “força estranha” não o abandona.
ÉPOCA – Sua banda atual, a Banda Cê, é
composta de três músicos jovens. Essa união com artistas mais novos é um modo
de rejuvenescer?
Caetano Veloso – É muito bom estar com pessoas
jovens. Eu gosto, mas me dou bem também com pessoas da minha idade e com
pessoas mais velhas que eu. Esse encontro foi muito natural. Eu conhecia o
Pedro Sá (guitarrista) desde menino, ele é amigo de Moreno, meu filho. Ele já
tocava comigo em shows e, como conhece muita coisa de música, a gente
conversava muito. Nós planejamos fazer uma brincadeira, um disco de rock sem o
meu nome, paralelo, escondido. Eu ia cantar de um modo diferente e deformar a
minha voz para parecer um disco de um artista desconhecido. Mas depois
decidimos fazer um disco meu mesmo. Se eu tivesse levado a cabo essa história
de enganar todo mundo, seria um negócio com coisas mais malucas.
Todos nós somos bissexuais. Sexo é a coisa mais importante da vida, é a
realidade central
ÉPOCA - Zii e zie é um disco carioca, mas você diz que o título, em italiano, é uma maneira de aproximá-lo de São Paulo. Como assim?
Caetano – Eu tenho uma ligação muito forte com São Paulo. Moro no Rio de Janeiro, mas não fiz uma escolha muito nítida dentro de mim sobre a cidade. A primeira casa que eu tive na vida foi em São Paulo. Sinto uma saudade danada daquele apartamento lindo no centro e daquele período. O Tropicalismo foi todo feito em São Paulo, a cidade era mais interessante culturalmente que o Rio, com uma sensação cosmopolita. Morei dois anos em São Paulo, até que fui preso e exilado. Quando voltei de Londres fui para a Bahia. Eu queria voltar para São Paulo depois de alguns anos. Eu tinha feito psicanálise em Londres e queria continuar. Procurei analista em São Paulo, mas a Dedé, minha mulher então, achava pesado ir para São Paulo, o Rio ainda tinha praia. Então fomos para o Rio. Gosto de ir sempre que posso a São Paulo, para conversar com umas pessoas, ver umas coisas, sentir a onda. Tem todo um modo de ser de São Paulo que sem ele não dá.
ÉPOCA - Desde
então você sempre fez psicanálise?
Caetano – Eu tinha uma atração intelectual
com a psicanálise. Mesmo criança, pré-adolescente, eu sonhava com um médico que
fosse para conversar. Não sabia que isso já existia. Depois da prisão, no
exílio, eu fiquei com uns problemas emocionais esquisitos. Aí fui procurar um
psicanalista. Depois fiquei uns dez anos sem fazer, mas há alguns anos voltei.
ÉPOCA - A velhice
é um problema?
Caetano – A velhice é um dos problemas, claro.
Nunca tive de usar óculos como hoje, eu tinha uma visão excelente. Isso já é
uma coisa, e não é pouco. Você fica muito menos resistente, não aguenta correr
tanto, fica arfando. Quase que só há desvantagens em envelhecer.
ÉPOCA - Você acha
que apoiar e incentivar novos artistas, como fez com Maria Gadú, tem benefícios
para sua própria carreira?
Caetano – Maria Gadú não tem nada a me
agradecer. Ela já era um fenômeno da geração dela. Na verdade, fui eu quem
pegou carona no fenômeno Maria Gadú. Foi muito bom para mim. Ela é uma pessoa
agradável, muito musical, boa de trabalhar. E ela conhecia as minhas músicas,
sabia as letras de algumas que eu já não lembrava.
ÉPOCA - Como vê a
criatividade musical das novas gerações? Acha muito distante em intensidade do
que viveu em sua juventude?
Caetano – São Paulo e Rio estão muito
animados. O Rio tem muitos grupos que fazem colaborações. A atividade em São
Paulo está muito revitalizada. Tem Tiê, Tulipa (Ruiz), Thiago (Pethit), Leo
Cavalcanti. É a chegada de uma geração, mas não configura um movimento, com um
estilo predominante. Isso tem a ver com o modo como as coisas ficaram, mais
diversificadas. Aliás, a Tropicália desejava que acontecesse isso. Ela queria
diluir. De fato, cada um de nós, tropicalistas, virou uma figura ao lado das
outras no pop brasileiro. Muita gente reclamou disso como se a gente devesse
manter uma postura de vanguarda distante ou ser internacional. Eu não dou muita
importância a nenhuma dessas duas coisas.
ÉPOCA - E a
música da Bahia?
Caetano – Eu participei de um momento em
que a vida da Bahia era voltada para a universidade, para a vanguarda. Depois
essa energia migrou para as áreas de baixa renda. Então surgiu Ilê Aiê, o
Olodum. Os trios elétricos, que já dominavam o Carnaval da cidade, terminaram,
através de Moraes Moreira, atraindo os temas e os ritmos dos blocos afro. Isso
virou uma onda forte de música com grande potência comercial e alto nível de
execução. É a axé-music, algo de grande vitalidade e que eu amo muito. É um
orgulho ter Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Luiz Caldas, Chiclete com Banana,
um mundo que gera negócio, emprego, dinheiro, sucesso e adestramento de
instrumentistas. Ficou tão rico e tão forte que ninguém tem medo de xingar tudo
isso como xingavam as multinacionais nos anos 60. E agora tem o neopagode, que
é meio parecido com o tecnobrega e o funk carioca em termos de negócio. A
indústria está se transformando, por causa desse negócio de internet.
ÉPOCA - E esse
negócio de internet? O que faz você fincar o pé na preservação dos direitos
autorais?
Caetano – Acho que não tem ninguém que de boa-fé venha dizer em público que é contra os direitos autorais e sua preservação.
Caetano – Acho que não tem ninguém que de boa-fé venha dizer em público que é contra os direitos autorais e sua preservação.
ÉPOCA - Gilberto
Gil fez um ministério todo buscando flexibilizar as regras da propriedade intelectual
e colocou à disposição de qualquer um todas as suas composições.
Caetano – Acho muito moderno e saudável
que o Ministério da Cultura de um país como o Brasil tenha sido pioneiro em
acolher esse tema. O problema maior não é tanto de baixar, e sim o upload.
Alguém ganha dinheiro com esse negócio. Por que o autor não vai ganhar? Isso
tem de ser estudado direito. A internet não é o ar que nós respiramos. É um
negócio que começou no Pentágono. Há companhias que têm grande poder e que
significam grande dinheiro pela sua atuação na internet. Aos poucos, vamos
vendo como os autores vão receber e como vai se legislar diante disso. É um
assunto que tem de ser analisado com responsabilidade. Eu, pessoalmente, tenho
uma reação instintiva contra o lado muito deslumbrado, a coletivização da
criação, a morte do autor. É um democratismo meio suspeito aos meus olhos.
Quando entrou a ministra Ana (de Hollanda), os que já se opunham a essa
tentativa de flexibilização se animaram a pedir a ela ou a induzi-la a fazer uma
defesa dos direitos autorais tais como eles já existem. Então, na minha coluna
do jornal O Globo, quis fazer uma mediação para esse diálogo se dar no mais
alto nível possível. Mas confesso as minhas ignorâncias.
ÉPOCA - Você acha
que há uma onda de conservadorismo no Brasil?
Caetano – Há, sim. Mas me lembro uma vez
de dizer, quando não conseguiam juntar nem 250 pessoas para uma parada gay, que
eu não dava dez anos para o Brasil ter a maior passeata gay do mundo. E hoje
tenho orgulho que a de São Paulo seja a maior.
ÉPOCA - Você é
bissexual?
Caetano – Claro, todos somos. Somos
sexuais, nem homo, nem hétero, nem bi. Sexo é a coisa mais importante da vida.
Mas não quero falar de sexo, não.
ÉPOCA - Parece
que você está tremendo...
Caetano – Eu tremo, sempre tremi. Com a
idade um pouco mais. E com essa conversa, mais ainda.
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