“A
tranquilidade
com que cada acorde
escolhido
sugere a
entrada da voz
de Teresa
refina a alma
do ouvinte...”
com que cada acorde
escolhido
sugere a
entrada da voz
de Teresa
refina a alma
do ouvinte...”
(C. Veloso)
18/1/2017
Caetano Veloso fala da cena musical baiana: 'O que mais tem me
impressionado é o pagodão'
Cantor falou ainda da amizade com Gil, do show com Teresa Cristina e dos
verões em Salvador
Osmar Marrom Martins
Presença
constante no Verão em Salvador, o cantor e compositor Caetano Veloso, 74 anos,
já circula há um bom tempo pela cidade, enquanto aguarda a estreia por aqui do
elogiado show que faz em parceria com a cantora carioca Teresa Cristina, 48
anos. As apresentações acontecem sexta e sábado, a partir das 19h, na Concha
Acústica do Teatro Castro Alves.
A turnê que
marca o primeiro projeto internacional dos artistas juntos é batizada de Caetano Apresenta Teresa e chega depois
dela encantar o Brasil com o show Teresa Canta Cartola, em que faz uma homenagem
ao grande poeta de Mangueira.
Após assistir
à estreia do show, em janeiro de 2016, com Teresa no palco acompanhada apenas
pelo violão de Carlinhos Sete Cordas, Caetano escreveu: “A tranquilidade com que cada acorde escolhido sugere a entrada da voz
de Teresa refina a alma do ouvinte. E Teresa cresce a cada melodia, a cada
palavra, a cada segundo. Todos os brasileiros deveriam ver e ouvir o que se
passou no Theatro Net Rio naquela noite”. O show na capital baiana é uma
realização da UNS Produções, com produção local da Ivanna Soutto Produção de
Conteúdo e da produtora Tereco Lino.
Em entrevista
via e-mail para o CORREIO, Caetano fala de como conheceu e se aproximou da
sambista carioca e demonstra todo o carinho que tem pela artista. Também fala
carinhosamente de sua amizade com Gilberto Gil de quem é amigo irmão há 50 anos
e de como ele o influenciou em sua carreira durante todo esse tempo.
Emocionado, Caetano mostrou-se preocupado quando Gil ficou doente com problemas
renais e procurava sempre saber como estava o amigo. Revelou que ficou feliz
quando soube, através de Bem Gil, que o amigo está compondo bastante.
Admirador da
axé music e um dos destaques do documentário de Chico Kertész que conta a
história dessa cena musical que conquistou o Brasil, Caetano elogiou a aparição
do chamado pagodão, tecendo elogio ao Harmonia do Samba de Xanddy e companhia.
E faz uma declaração de amor a Salvador e ao Verão na Bahia, que ele faz
questão de curtir e celebrar esse clima de alegria na velha São Salvador. A
seguir a entrevista na qual o mestre Veloso está cada vez mais Caetano.
Você sempre
acolhe novos talentos e até grava discos e faz shows com eles. Está sempre
interagindo com artistas da nova e da velha geração. Agora, você está
fazendo show com Teresa Cristina, uma artista de talento indiscutível. Como foi
essa aproximação com ela?
Me aproximei
de Teresa quando estava fazendo o disco Zii e Zie. Já faz alguns anos. Eu tinha
ouvido uma gravação dela do meu samba Gema e tinha gostado muito. Aí pedi a ela
que cantasse comigo na série de shows que eu fazia então, um semanal que eu
chamei de Obra em Progresso. Conhecê-la de perto me deixou maravilhado com a
cultura de música popular que ela tem e com a inteligência com que ela fala
disso.
Como tem sido
essa química entre vocês dois?
Agora, quando
ela ia fazer o show com as músicas de Cartola, conversei com ela na casa de
Paulinha Lavigne (que a está empresariando e orientando). Foi uma conversa
breve. Eu me queixava da neutralidade das interpretações dela, da falta de
nuance e de entrega emocional. Quando fui ver o show, sentado na plateia,
fiquei maravilhado com o que ela fazia junto ao violão de Carlinhos Sete Cordas
- e com as mostras de inteligentíssimo aproveitamento das ideias surgidas na
nossa conversa. Quando passamos a fazer um show duplo em conjunto - pensado
mais para divulgar o CD/DVD que foi lançado internacionalmente do Teresa Canta
Cartola - começamos a ter muito mais tempo para conversar sobre música e tudo o
mais. Teresa é uma grande pessoa.
Há projeto de
transformar esse show num CD ou DVD?
Esse show
nasceu da existência do CD/DVD de Teresa. Agora, no segundo dia da Concha, vai
ser transmitido pelo canal Bis. Pode ser que o material depois venha a ser
comercializado. Mas não tenho planos de fazer nada assim. O mais bonito para
ser gravado já o foi: as canções de Cartola com Teresa e Carlinhos. Minha parte
tem um repertório interessante, todo diferente do show com Gil. Mas não sei se
tem qualidade para registro. Eu preciso treinar mais meu violão e
minha voz não é mais a mesma de quando eu tinha 36 anos. Bem, pode ser que as
canções que fazemos juntos quando a plateia pede bis sejam material bom para
ser gravado.
Esse seu
comportamento de sempre apoiar novos valores ficou também muito evidente na
chamada axé music, que teve seu apoio total. Passados 30 anos, como Caetano
Veloso vê essa música que nasceu na Bahia e ecoou pelo Brasil? E quem
destacaria em toda a cena?
O que mais
tem me impressionado nos últimos anos é o pagodão. Depois do magnífico Harmonia
do Samba, vieram Fantasmão, Parangolé, Psirico, Canário e outros cujos nomes
não me vieram à mente agora, todos fazendo experimentações com a base de
samba-de-roda ou de chula que marcou essa entrada do samba no Carnaval da Bahia
quando surgiu o Gerassamba que virou É o Tchan. Vi o filme Axé - Canto do Povo
de um Lugar. Fico orgulhoso ter título de canção minha como subtítulo de um
documentário sobre esse fenômeno que me apaixona desde quando ainda era um
embrião. Mas a parte final do filme mistura certas queixas erradas com um fácil
diagnóstico de decadência, sem mostrar o que há de importante no mundo da chula
eletrificada. Ainda bem que Ivete desqualifica as queixas e Letieres Leite tem
a lucidez de reconhecer que algo que chegou onde o axé chegou não morre mais. O
repertório relevante do Carnaval carioca teve força massiva nacional dos anos
30 aos 60. Isso com a aprovação getulista do samba e a celebração permanente
pela imprensa. O axé (que ganhou esse nome num dos gestos destrutivos dos seus
inúmeros detratores) resistiu à neurose, ao desrespeito e ao pseudo-elitismo
por mais de três décadas e ainda está aí, ajeitando sua convivência com certa
aprovação social, refazendo o samba e canibalizando arrochas e sertanejos.
Repassando na lembrança e vendo o filme, que é exuberante como o tema exige,
fica difícil destacar personalidades sem encher toda a página do jornal com
nomes e sem cometer injustíssimas omissões.
Há 50 anos,
você e Gil são dois irmãos “siameses” que conviveram e convivem nos bons e maus
momentos. Inclusive, agora, quando Gil enfrentou problemas de saúde. O que
Gilberto Passos Gil Moreira representa na vida de Caetano Emanuel Viana
Teles Veloso?
Gil foi e é
meu mestre desde que o vi na TV. Ficamos amigos apaixonados logo que Roberto
Santana nos apresentou. Tomei coragem de tentar aprender a tocar violão com
ele. Imitava as posições que ele fazia e ia entendendo as relações entre os
acordes. Às vezes, perguntava uma ou outra coisa a respeito do sentido das
harmonias. Mas só às vezes. Ele me ensinava por ser tão da música e estar tão
perto. O show que fizemos juntos por mais de um ano resultou grandioso por
causa disso. Quase não ensaiamos. Nem fizemos uma estrutura de show bem
pensada. Estreamos inseguros. Mas o conteúdo real de nossa relação terminou por
se sobrepor a tudo. Quando ele ficou doente (logo antes de nossa apresentação
aqui em Salvador) fiquei muito preocupado. Mas depois que estive com ele e com
alguns dos médicos que o acompanham, me tranquilizei mais. Quando ele teve de
suspender o show de nossa volta ao Rio, depois de todas as viagens e descansos,
voltei a ficar apreensivo. Fui à casa dele e de novo me tranquilizei. Faz pouco
estive com ele numa festa e achei que ele estava muito bem, animado, falando
muito, como de costume, conversando de pé. Fiquei feliz. Agora ouvi de Bem que
ele está compondo bastante e já tem um bom número de novas canções. Eu, que não
tenho composto nada há bastante tempo (a última música que escrevi foi Não Sei
Amar, para a nora dele, Ana Claudia Lomelino, cujo disco já saiu há meses),
fiquei maravilhado com a notícia. Gil é o gênio da grandeza musical que tomou
conta do Brasil no final dos anos 1950 e que veio para tão perto de mim! Sem
ele, eu não estaria fazendo música.
Desde o
início dos anos 1980 quando frequentávamos sua casa, eu, Marcelo Schwab,
Derinho Carvalho, nós só considerávamos que o Verão estava começando quando
você chegava (risos). Até hoje, eu e muita gente pensamos assim. E você
continua personificando e curtindo o Verão principalmente na Bahia. Caetano,
Bahia e Verão são inseparáveis?
Felizmente
sim. Eu sou louco por Salvador e adoro vida de Verão. O Verão em Salvador é
muito gostoso em janeiro: é o único mês que não tem chuva quase nenhuma (aqui
chove muito o resto do ano todo), a cor do céu e do mar é deslumbrante, o ânimo
das pessoas é gostoso, e tem a brisa.
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