Caetano Veloso voltou aos tempos de crítico de cinema em sua coluna no jornal O Globo deste domingo. O músico, que na juventude escreveu sobre cinema em um jornal na Bahia, falou sobre as comédias Os Amantes Passageiros, novo filme do espanhol Pedro Almodóvar, e Minha Mãe É Uma Peça, produção nacional do comediante Paulo Gustavo dirigida por André Pellenz.
O cantor Caetano Veloso curtiu o longa metragem no Brasil
|
Coluna
Caetano Veloso
O colunista escreve aos domingos
13/07/2013 15:26
Escapismo
Pedro Almodóvar, ao optar escancaradamente pela
comédia nesse seu “Amantes passageiros”, disse que era natural querer rir das
coisas, quando a Espanha está com problemas tão difíceis de resolver
Quando
eu escrevia crítica de cinema em Salvador — e só andava com cinéfilos — a gente
ouvia sempre que, durante a depressão dos anos 1930, Hollywood se voltou para
as comédias: era um modo de fugir da realidade sombria. Pedro Almodóvar, ao
optar escancaradamente pela comédia nesse seu “Amantes passageiros”, disse que
era natural querer rir das coisas, quando a Espanha está com problemas tão
difíceis de resolver (embora ele tenha enfatizado o aspecto alegórico da trama
em que um punhado de gente não sabe onde vai parar). O filme foi mal recebido
pela crítica, tanto aqui quanto na Espanha natal — e, quem sabe, em outras
paragens —, mas eu fui assistir e gostei.
Não
diria que tenho motivos para defendê-lo criticamente. Apenas gostei de como ele
é filmado. As cores são fotografadas de modo incrivelmente elegante. O
movimento de câmera que vai da visão do avião de meio-perfil (e em contre-plongé)
até a espiral que gira no centro da turbina é muito bonito — e essa firmeza de
composição, por incrível que pareça, se mantém por todo o filme. É verdade que
a gente ri mais no que resulta engraçado em meio aos melodramas do diretor do
que nesta comédia que finge gritar “eu sou uma comédia” desde as primeiras
imagens. Digo que finge porque a estilização irrealista e as caracterizações
caricatas são pensadas para dar esse grito, mas o gosto refinado com que elas
são realizadas (um ultracolorido diferente do ultracolorido dos outros filmes
de Almodóvar) o amortece. Não de todo — e seguramente não de modo desagradável.
Ao contrário: os debruados das poltronas do avião e das roupas dos aeromoços
compõem sempre visões relaxantes e doces ao olhar. Mas a unidade com que isso
se mantém através do filme, invadindo ruas e casas de Madri, aonde a película
desce através de telefonemas de passageiros que falam com amantes em terra (na
parte que talvez seja a mais quente de um filme suavemente frio), não ajuda a
produzir gargalhadas.
Estou
em Curitiba, onde acabo de fazer show num teatro muito bom de acústica. Depois
saí para jantar com os caras da banda. Na TV do restaurante (é muito comum hoje
em dia restaurantes terem aparelhos de televisão nas salas) vi imagens de pneus
sendo queimados em estradas, líderes do MTST e da Força Sindical dando
entrevistas, reincidência de truculência da polícia carioca, nesta quinta-feira
de greve geral. Os pensamentos que se esboçavam em minha mente diante dessas
imagens me faziam lembrar da tese do escapismo do cinema diante de crises.
Pensei em Almodóvar e no que senti diante do filme dele. Mas pensei no sucesso
de “Minha mãe é uma peça”, filme muito mais engraçado do que o do meu amigo
espanhol, que vem reafirmando a tendência do público brasileiro para fruir
comédias. Terá tal tendência prefigurado uma crise que parecia não existir faz
um mês? Que, na verdade, parecia impossível de eclodir? Nada no filme de Pedro
me deixou triste. Não é um bom filme, mas, mais importante, não é um filme mau.
É bondoso. Mas tudo me deixa alegre no filme de André Pellenz. As risadas
espontâneas que ele provoca, o sucesso que faz, a surpresa que é ver Paulo
Gustavo fazer uma mulher na telona e nunca o fato de ser um cara travestido se
sobrepor à credibilidade das situações, mesmo as mais naturalistas. E Niterói!
Que beleza ver Niterói tão poeticamente captada num filme! Fiquei emocionado e
me lembrei de quando conheci Paulo Gustavo, por intermédio de Luana Piovani,
atuando ao lado de Fábio Porchat. E, bem depois, de quando vi “Minha mãe é uma
peça” ainda no teatro, aonde fui mais de uma vez com meu filho Tom, que era
ainda bem pequenininho e adorava o espetáculo (hoje ele tem 16 anos: já foi ver
o filme e me disse que gostou e achou engraçadaço). Tudo isso me enternece. Se
é para escapar das preocupações que a pergunta sobre a entrada dos sindicatos e
dos grupos sociais organizados na onda de protestos põe para os políticos, as
novas cores de Almodóvar servem de calmante, mas as falas da mãe niteroiense (e
de seus irresistíveis filhos, amigos, parentes, ex-marido e desafetos) nos
arrancam da cadeira e nos sacodem (no sentido pernambucano da palavra) os
grilos fora.
No
caso Ecad, só digo que Fernando Brant, na reunião, sentou-se com conforto, ao
lado da advogada que foi com ele, em posição central, com visão ampla de todos
os que estavam na sala. Inverdade o que ele diz quanto a isso no texto que
espalhou. Eu já disse isso a ele. Tendo agora a crer que a ida de minha turma a
Brasília afina mais com o clamor das ruas do que contrasta com ele. Mas não
quero tratar aqui de coisas complicadas. Só quero pensar em Paulo Gustavo,
Niterói, Tom e o cinema que faz rir.
No hay comentarios:
Publicar un comentario