12/6/2009, Credicard Hall
15 de Junho de 2009
Mesmo com canções 'difíceis' para seu público tradicionalista, Zii e Zie, a nova obra de Caetano Veloso, progride no palco
Crítica Lauro Lisboa Garcia
Nem sempre bons discos rendem bons shows -
e vice-versa. Zii e Zie, de Caetano Veloso, que enfim aterrissou em São Paulo no
fim de semana, tem canções que compatibilizam com a acústica do local onde foi
apresentado, o nefasto Credicard Hall: parecem não ter solução, mas podem
surpreender. Apesar da reverberação persistente, o som que vinha do palco
estava bom. Os desavisados que acabaram reclamando de "ter pago caro pra
ver aquilo" deviam se informar melhor antes de sair de casa antes de se
arriscar. As canções podem ser um tanto "difíceis", não correspondem
à expectativa dos tradicionalistas que se deliciam com O Leãozinho, mas o show
está longe de ser desprezível.
Ao contrário, a obra recente de Caetano ganha vulto e progride no palco, impulsionada por sua verve de transgressor. Com a feliz cumplicidade da ótima Banda Cê, formada por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcello Callado (bateria), Caetano converte o transambista ou transroqueiro em neotropicalista. Reprocessa o passado psicodélico e faz as coisas conversarem "com coisas surpreendentes", como diz na letra de Eu Sou Neguinha?, com que encerra o roteiro, cheio de dengo e trejeitos provocativos, em interpretação e arranjo mais fortes do que na gravação original.
O bis ainda tem Incompatibilidade de Gênios (João Bosco/Aldir Blanc) um tanto menos interessante do que no disco e no show preparatório deste (Obra em Progresso), Manjar de Reis (Jorge Mautner/Nelson Jacobina), Três Travestis (que, pelo baixo grau de aceitação, pouca gente entendeu o propósito) e Força Estranha (dedicada com um viva a Roberto Carlos). Um anticlímax sem concessões a greatest hits dançantes.
Manjar é do ótimo álbum que ele gravou com Mautner e foi produzido por Kassin. Do mesmo CD, Tarado é melhor que Tarado ni Você e Coisa Assassina poderia casar com Odeio - grande momento roqueiro do show e única canção do álbum anterior, Cê - pelas referências críticas à cocaína. Kassin, além de citado na letra de Lapa (outro destaque), assina outra das melhores canções do bem amarrado roteiro, uma Água caribenha para um Caetano rebolativo. De latinidad também tem a tradição de um tango de Gardel, Volver, traduzido para a nova linguagem sonora, minimal.
Caetano e banda já estão posicionados no palco quando as cortinas se abrem e eles mandam ver sem rodeios A Voz do Morto, pérola tropicalista que ele fez para Aracy de Almeida e gravou com os Mutantes em 1968. "Viva o Paulinho da Viola", brada com veemência, saudando essas glórias nacionais, misturando rock, samba e kuduro, citando Psirico e Fantasmão. Em seguida vem Sem Cais e uma versão balsâmica, levíssima, da contemplativa Trem das Cores. Perdeu, faixa de abertura de Zii e Zie, é uma das que crescem ao vivo. Do novo álbum, aliás, só faltaram Ingenuidade (Serafim Adriano), samba gravado por Clementina de Jesus em 1976, e Diferentemente.
O passado experimentalista volta revigorado em Não Identificado (emocionante, talvez o ápice de tudo), em que ele brinca com a asa delta que compõe o cenário, e na linda sequência que reúne as homenagens a duas de suas irmãs, Maria Bethânia (da fase londrina) e Irene (do "álbum branco"). A primeira ele dedicou ao extraordinário teatrólogo Augusto Boal, recém-morto, e aproveitou para reforçar sua ligação afetiva com São Paulo. Foi aqui que ele e Bethânia aprenderam muito com o "grande mestre", uma "pessoa inesquecível".
A asa delta e os vídeos projetados constantemente no telão ao fundo têm relação com o Rio, mas a sonoridade carregada, com solos cheios de distorções de Pedro Sá, como em Perdeu, tem mais a ver com o caos urbano da capital paulista mesmo. As costuras dissonantes e temáticas de algumas letras são mais interessantes do que algumas das novas canções em si, como é o caso de Lobão Tem Razão. As antigas respiram novos ares pela salutar integração de Caetano com a banda.
Ele fica sozinho ao violão em apenas uma canção, a bonita e amorosa Aquele Frevo Axé, uma das que têm relação ou citam o carnaval. Canção-título de um álbum de Gal Costa (subestimado pela própria cantora), está bem no meio do roteiro. A maioria das novas canções não tem a mesma fluência melódica que esta e outras delícias recuperadas dos anos 1960 e 70. Porém, para além do significado subjetivo - tédio para uns, júbilo de descoberta para outros -, o voo livre de Caetano é coerente com seu histórico de inquietação.
Ao contrário do que fazia em Obra em Progresso, ele falou pouco com a plateia - que tinha Arnaldo Antunes, Seu Jorge, Bob Wolfenson, Zé Pedro e Péricles Cavalcanti, entre outros -, mas estava visivelmente satisfeito. "Isto é São Paulo", disse diante de aplausos entusiasmados. "Obrigado, São Paulo. Esta é a terra", prosseguiu. Até provocou risos no final, ao conferir com o olhar os limites do palco, quando cantava Força Estranha, para evitar repetir o episódio do tombo em Brasília durante essa canção.
Ao contrário, a obra recente de Caetano ganha vulto e progride no palco, impulsionada por sua verve de transgressor. Com a feliz cumplicidade da ótima Banda Cê, formada por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcello Callado (bateria), Caetano converte o transambista ou transroqueiro em neotropicalista. Reprocessa o passado psicodélico e faz as coisas conversarem "com coisas surpreendentes", como diz na letra de Eu Sou Neguinha?, com que encerra o roteiro, cheio de dengo e trejeitos provocativos, em interpretação e arranjo mais fortes do que na gravação original.
O bis ainda tem Incompatibilidade de Gênios (João Bosco/Aldir Blanc) um tanto menos interessante do que no disco e no show preparatório deste (Obra em Progresso), Manjar de Reis (Jorge Mautner/Nelson Jacobina), Três Travestis (que, pelo baixo grau de aceitação, pouca gente entendeu o propósito) e Força Estranha (dedicada com um viva a Roberto Carlos). Um anticlímax sem concessões a greatest hits dançantes.
Manjar é do ótimo álbum que ele gravou com Mautner e foi produzido por Kassin. Do mesmo CD, Tarado é melhor que Tarado ni Você e Coisa Assassina poderia casar com Odeio - grande momento roqueiro do show e única canção do álbum anterior, Cê - pelas referências críticas à cocaína. Kassin, além de citado na letra de Lapa (outro destaque), assina outra das melhores canções do bem amarrado roteiro, uma Água caribenha para um Caetano rebolativo. De latinidad também tem a tradição de um tango de Gardel, Volver, traduzido para a nova linguagem sonora, minimal.
Caetano e banda já estão posicionados no palco quando as cortinas se abrem e eles mandam ver sem rodeios A Voz do Morto, pérola tropicalista que ele fez para Aracy de Almeida e gravou com os Mutantes em 1968. "Viva o Paulinho da Viola", brada com veemência, saudando essas glórias nacionais, misturando rock, samba e kuduro, citando Psirico e Fantasmão. Em seguida vem Sem Cais e uma versão balsâmica, levíssima, da contemplativa Trem das Cores. Perdeu, faixa de abertura de Zii e Zie, é uma das que crescem ao vivo. Do novo álbum, aliás, só faltaram Ingenuidade (Serafim Adriano), samba gravado por Clementina de Jesus em 1976, e Diferentemente.
O passado experimentalista volta revigorado em Não Identificado (emocionante, talvez o ápice de tudo), em que ele brinca com a asa delta que compõe o cenário, e na linda sequência que reúne as homenagens a duas de suas irmãs, Maria Bethânia (da fase londrina) e Irene (do "álbum branco"). A primeira ele dedicou ao extraordinário teatrólogo Augusto Boal, recém-morto, e aproveitou para reforçar sua ligação afetiva com São Paulo. Foi aqui que ele e Bethânia aprenderam muito com o "grande mestre", uma "pessoa inesquecível".
A asa delta e os vídeos projetados constantemente no telão ao fundo têm relação com o Rio, mas a sonoridade carregada, com solos cheios de distorções de Pedro Sá, como em Perdeu, tem mais a ver com o caos urbano da capital paulista mesmo. As costuras dissonantes e temáticas de algumas letras são mais interessantes do que algumas das novas canções em si, como é o caso de Lobão Tem Razão. As antigas respiram novos ares pela salutar integração de Caetano com a banda.
Ele fica sozinho ao violão em apenas uma canção, a bonita e amorosa Aquele Frevo Axé, uma das que têm relação ou citam o carnaval. Canção-título de um álbum de Gal Costa (subestimado pela própria cantora), está bem no meio do roteiro. A maioria das novas canções não tem a mesma fluência melódica que esta e outras delícias recuperadas dos anos 1960 e 70. Porém, para além do significado subjetivo - tédio para uns, júbilo de descoberta para outros -, o voo livre de Caetano é coerente com seu histórico de inquietação.
Ao contrário do que fazia em Obra em Progresso, ele falou pouco com a plateia - que tinha Arnaldo Antunes, Seu Jorge, Bob Wolfenson, Zé Pedro e Péricles Cavalcanti, entre outros -, mas estava visivelmente satisfeito. "Isto é São Paulo", disse diante de aplausos entusiasmados. "Obrigado, São Paulo. Esta é a terra", prosseguiu. Até provocou risos no final, ao conferir com o olhar os limites do palco, quando cantava Força Estranha, para evitar repetir o episódio do tombo em Brasília durante essa canção.
01/11/2009
Caetano Veloso
volta a se apresentar em São Paulo
Shows acontecem
de sexta a domingo, no Citibank Hall
Redação
iG Música
Caetano Veloso
estará de volta a São Paulo. Depois de passar com sua nova turnê pela cidade em
junho, ele retorna para outros três shows no Citibank Hall, em Moema.
No show, Caetano
mistura músicas de seu novo álbum, Zii e Zie, com algumas canções
antigas, como "Força Estranha", "Maria Bethânia" e
"Não Identificado".
As apresentações
acontecem de sexta (06/11) a domingo (08/11), com ingressos custando entre R$
80 e R$ 170. Veja abaixo o repertório da turnê:
A VOZ DO MORTO
SEM CAIS
TREM DAS CORES
PERDEU
POR QUEM?
LOBÃO TEM RAZÃO
MARIA BETHÂNIA
IRENE
VOLVER
AQUELE FREVO AXÉ
TARADO NI VOCÊ
MENINA DA RIA
NÃO IDENTIFICADO
ODEIO
FALSO LEBLON
BASE DE GUANTÁNAMO
LAPA
ÁGUA
A COR AMARELA
EU SOU NEGUINHA
SEM CAIS
TREM DAS CORES
PERDEU
POR QUEM?
LOBÃO TEM RAZÃO
MARIA BETHÂNIA
IRENE
VOLVER
AQUELE FREVO AXÉ
TARADO NI VOCÊ
MENINA DA RIA
NÃO IDENTIFICADO
ODEIO
FALSO LEBLON
BASE DE GUANTÁNAMO
LAPA
ÁGUA
A COR AMARELA
EU SOU NEGUINHA
BIS
INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS
MANJAR DE REIS
TRÊS TRAVESTIS
FORÇA ESTRANHA
INCOMPATIBILIDADE DE GÊNIOS
MANJAR DE REIS
TRÊS TRAVESTIS
FORÇA ESTRANHA
O
Estado de S. Paulo
quinta-feira,
5 de novembro de 2009
'Sempre achei que o Brasil é um país
com destino de grandeza e uma originalidade fatal', diz o cantor e compositor
Caetano Veloso.
As últimas de Caetano Veloso, em
entrevista exclusiva
Cantor e compositor
baiano traz de volta a SP o show 'Zii e Zie' e fala sobre Brasil, violência,
eleições...
Sonia
Racy
Foto:
Fábio Motta/AE
|
RIO
- À exceção de alguns momentos mais incisivos, Caetano Veloso deixou claro, na
entrevista ao Estado, semana passada, na sede da Natasha Produções, no Rio, que
a maturidade lhe subiu à cabeça. Uma boa sabedoria emerge, fácil, da sua
tranquilidade interior. O posicionamento rebelde do início da carreira, que às
vezes assumia as cores da esquerda, deu lugar, hoje, a um discurso racional,
realista. Que nada tem, no entanto, das desilusões de quem perdeu a esperança -
e isso transparece, com força, quando anuncia sua opção pela candidatura de
Marina Silva. "Não posso deixar de votar nela. É por demais forte,
simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo.
Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como
o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem."
Sobre
as mudanças propostas na Lei Rouanet, Caetano se esquiva: " Eu sou
daquelas moças... não estudei direito", diz o artista que, na era da
tecnologia, não usa sequer o celular, não gosta do Twitter, mas se comunica
sempre por e-mail.
E
cadê as novas pessoas com a força do talento de um Caetano, um Gil ou Chico? O
mundo hoje é de gente pré-fabricada pelo marketing e meios de comunicação? Nada
disso. Para Caetano, houve uma mudança tecnológica imensa e também
desdobramentos históricos. "Fico me perguntando: aqueles pintores que
ficaram famosos, foram mais sagazes em seduzir príncipes ou reis, ou eram mesmo
os mais talentosos? Ou foram os que combinaram melhor as duas coisas? Ou os que
tiveram a sorte de encontrar um príncipe que gostou deles? A diferença hoje
passa por outros canais." E isso é bom ou é ruim? "Nem bom nem ruim,
é o que é."
Caetano
volta a São Paulo amanhã - por três dias - para seu show Zii e Zie, no Citibank
Hall. Que depois, em 2010, transformará em turnê internacional: março pela
América Latina, abril nos EUA, julho Europa e talvez Austrália e Ásia em
setembro. Só ao final dele é que pensará no futuro de seu futuro. Aqui. trechos
da conversa.
Como você vê o Brasil?
Acabei
de ler no New York Times que, possivelmente, o Brasil é o País mais importante
do mundo para o qual estão voltados todos os olhos do mundo. Não que o artigo
todo seja a favor, é até crítico e contra. Mas parte do pressuposto de que o
Brasil é um êxito histórico aos olhos deles, estrangeiros, muito maior do que a
gente imagina. Partem do pressuposto de que o Brasil é algo grandioso e falam
justamente sobre as provas de que o País não superou o que há de horrendo nele.
Se referindo à derrubada daquele helicóptero por traficantes no Rio, à
violência, e a uma passividade do Brasil em relação às finanças internacionais,
como que dizendo que o País deveria liderar uma virada nessa questão.
E você, o que acha?
Sempre
achei que o Brasil é um país com destino de grandeza e uma originalidade fatal.
O que é uma
"originalidade fatal"?
Somos
um país de dimensões continentais, cujo povo fala português nas Américas, com
uma população altamente miscigenada... São muitos fatores estranhos... O
português é considerado assim o "túmulo de espírito". O próprio padre
Antonio Vieira disse isso da língua. No entanto, essas desvantagens apontam
para uma originalidade enorme, que a gente pode ou não aproveitar. Então eu
gosto, por exemplo, de uma entrevista do (ex-ministro) Mangabeira (Unger) no
Estadão sobre a Amazônia, em que ele diz que o Brasil devia fazer dela uma
experiência de vanguarda tecnológica e de desbravamento de atitudes com relação
ao desenvolvimento sustentável. Uma coisa de grande ambição, experimental. Acho
que essas visões é que apontam para a verdadeira vocação do Brasil. É assim que
eu penso. E olhe que minha candidata à Presidência é Marina Silva.
Você já escolheu?
Pode
botar aí. Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente
para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio
preta, é uma cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula
que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem. Mas olha, eu
concordo com o Mangabeira sobre a vanguarda tecnológica e o desbravamento.
Parece uma contradição? Mas é assim.
Talvez
não seja. Em nenhum momento o Mangabeira fala em destruição, em uso não
sustentável...
Não
sei se a Marina diria dessa forma. E acho que há, sim, uma tensão da posição
dela em relação à de Mangabeira, embora ela seja a minha candidata. Se ela for,
voto nela, com a esperança de que ela, com sensatez que sempre demonstra,
acolha a complexidade da realidade. E, no poder, seja mais pragmática que Lula.
E mais elegante, o que já é.
A
Marina teria condições de gerir um país deste tamanho?
Acho
que ela é muito responsável e muito sensata. Se empenhar as energias para
ganhar e se tornar capaz disso, ela levará a sensatez ao ponto de poder gerir.
Suponho que agora ela não parece ter essa capacidade, com as coisas como estão.
Serra
faria um bom governo?
Pode
fazer. O Serra foi um excelente ministro da Saúde. Agora, ele é o tipo do cara
que, se tivesse ganho no lugar de Lula, em 2002, teria trazido mais problemas à
economia brasileira. Ele teria feito um governo mais à esquerda e a economia
talvez tivesse problemas que não está tendo porque o Lula fez a economia de
direita. E ouve os conselhos de Delfim Neto, que o Serra não ouviria. O Lula
foi mais realista que o rei. Foi bom, a economia deslanchou.
E Dilma?
Não
tenho ideia. Ela tem um trabalho de pura gestão, mas sem experiência de poder
político direto. Ela nunca foi eleita a coisa nenhuma.
A Marina tem?
Ela
tem. Os candidatos são todos de nível bom. Vou falar em Aécio, de quem eu gosto
muito. Talvez seja meu favorito entre os gestores. Porque acho que o Serra
talvez ficasse mais isolado que o Aécio. E a Dilma talvez ficasse muito presa
ao esquema estabelecido de ocupação dos espaços estatais pelo governo do PT.
Qual a função do
Estado no processo de desenvolvimento?
Não
tenho uma ideia precisa. Simpatizo muito com a tradição liberal inglesa e
anglófona. Mas não me identifico plenamente com a ideia de Estado mínimo, de
liberdade para as transações.
Antes da crise
econômica, você era a favor do Estado mínimo?
Não.
Eu tinha uma certa raiva daquela onda de Margaret Thatcher e Ronald Reagan,
embora simpatize com o liberalismo de língua inglesa. Sempre me vem à cabeça a
ideia de que a Margaret Thatcher estaria dizendo algo do tipo "eu
privatizaria o ar, se pudesse..." Acho que ela chegou mesmo a dizer isso,
pelo menos corre a lenda a respeito. E quando eu vejo essa gente dizer que a
única coisa que deve mover as pessoas é o desejo de lucro tenho vontade de me
agarrar em São Francisco de Assis, entendeu?
O Estado tem que
mexer na Lei Rouanet?
Não sou muito bom nesse negócio. Sou como umas moças
que eram bonitas e apareciam nuas nos filmes, e tinham de ter uma opinião
política. Eu sou assim. Não sei se tem que mudar. Fico com pena do leitor de
jornal, quando sai assim "a excursão de tal cantora foi recusada", ou
"foi aprovada", ou ainda "pode captar". Para música
popular, o máximo da captação é 30%. Mas 30 % de quê? O público lá sabe o que é
isso? Para música clássica, pode chegar a 100%... Mas repito: eu sou daquelas
moças... não estudei direito.
Mas voltando ao
Estado brasileiro, ele é eficiente?
Meu
pai foi funcionário público, dedicadíssimo à sua função. Embora estatísticas
provem o contrário, ele contrariava as estatísticas. Então eu tenho uma ideia
de que o serviço público pode ser amado, a pessoa pode dar todo seu sangue
àquilo. E que não apenas o lucro capitalista é a única motivação.
O
Estado deve ser um regulador...
Justamente,
a ideia é essa. Que ele seja o regulador do equilíbrio de forças. Os governos
têm de se submeter à lei, para estar representando o Estado.
Mas é o problema:
cumpre-se a lei?
Não,
muitas vezes não. Mas esse negócio de Estado muito forte não me atrai. Acho que
ele tem de ser firme, mas não tem de ser um Estado de força. A lei tem de ser
nítida, obedecida por todos, em primeiro lugar por quem manda. Ele não tem de
se meter, tem de regular, para criar um equilíbrio. Agora, é preciso saber se
os seres humanos têm essa saúde mental para querer que as coisas funcionem
assim. A vida é complicada, dolorosa, difícil, as pessoas na verdade vão para
atitudes muito irracionais... Sabe quem eu acho que tem o discurso mais
interessante sobre como a gente, em coletividade, se comporta e como é
complicado ter esperança? Freud. Acho que Freud fala de modo mais interessante
sobre possibilidades do homem como ser social, do que os marxistas e do que
muitos liberais. Pessoas não podem ter esses poderes enormes.
E o que acha da
América Latina? No que ela está se transformando com pessoas que têm esses
poderes enormes?
Tem
uma recaída num negócio que é tradicional aqui, a figura do líder populista -
uma linha demagógica liderada por Hugo Chávez. Mas o interessante é que Lula
tem um papel bem diferente disso. Lula é um grande líder populista, mas é mais
pragmático - mesmo com essa euforia em que entrou desde a posse até hoje. Ter
tido Fernando Henrique e Lula em seguida é um luxo. Saíram melhor que a
encomenda, ambos.
O Rio tem um
desafio, de se pôr em ordem até 2016. Vai dar?
Ele
tem de conseguir alguma coisa. Eu li na semana passada, no The Economist, que
um dos agravantes para o Rio é o relativo igualitarismo da economia do tráfico.
A revista não dá ênfase à derrubada do helicóptero, falam é da economia do
tráfico. Que os drug lords do Rio não têm aquela vida de carrões, dinheiro,
mulheres... diferentemente do resto da sociedade, onde as diferenças são
abissais. A gente devia atentar pra isso.
Algum dia pensou em
se mudar?
Não,
nunca.
A violência o
assusta?
Sempre
assusta, até em filmes. Mas não vivo com medo.
As pessoas perderam
a capacidade de se indignar?
Não
acredito muito nisso. Hoje as pessoas aceitam a violência, o Congresso com essa
corrupção toda... O povo não é tolo assim. Hoje há mais exposição dessas
coisas. . Então não é que as coisas mudaram, é que elas vieram à tona. Suponho
que o povo percebe. Passei um ano no Rio e vi como eram as coisas, não se pode
dizer que era melhor. E não se falava muito do assunto. Ele apenas veio à tona.
Mas olha, vir à tona é uma melhoria.
Como você se
relaciona com a tecnologia?
Sou
um pouco parcimonioso. Por exemplo, não tenho celular. Nunca tive. Vivo como se
estivesse em 1957. Sei que o celular veio bem depois, mas eu ajo com relação a
isso como se fosse 1957. Escolhi esse ano porque é um ano que eu gosto.
E o Twitter?
Twitter
não. Eu gosto muito de e-mail.
Caetano
Veloso
Citibank Hall (1.450 lug.)
6ª (6/11) e sáb (7/11), 22 h; dom(8/11) 20 h.
7
de novembro de 2009
Caetano homenageia Neguinho do Samba
na estreia em SP
Percussionista
fundador do Oludum morreu na semana passada em Salvador
Lucas
Nóbile, de O Estado de S.Paulo
SÃO
PAULO - Nada de política. Na estreia do show Zie e Zie em São Paulo, na noite
desta sexta-feira, Caetano Veloso fez homenagens. A Roberto Carlos, a Levi
Strauss e, principalmente, ao percussionista Neguinho do Samba.
Roberto,
com quem dividiu o palco no ano passado nas comemorações dos 50 anos da Bossa
Nova, ganhou um "Viva Roberto Carlos" no meio da interpretação de
Força Estranha. A canção foi uma das quatro que não fazem parte do mais recente
disco - que dá nome ao show - que entraram na apresentação no CitiBank
Hall, em Moema.
A
citação, no bis, ao antropólogo francês que morreu nessa semana foi a senha
para a homenagem ao percussionista fundador do Olodum e considerado um dos
criadores do samba reggae. Após dizer que foi bastante procurado pelos jornais
para escrever sobre Levi Strauss, Caetano lamentou que ninguém o procurou para
escrever sobre Neguinho do Samba, que morreu na semana passada. Lembrou que
costumam criticar o axé por não ter importância e, batendo no peito, afirmou
"pra mim tem", para emendar o sucesso do grupo baiano Avisa Lá como
encerramento do show.
As
apresentações de Caetano em São Paulo prosseguem neste sábado e domingo. Na
estreia desta sexta, causou frisson a presença do ator mexicano Gael Garcia
Bernal.
No hay comentarios:
Publicar un comentario