Durante entrevista para o “Estadão”, Caetano foi convidado
para ele mesmo capturar a foto que ilustraria a capa da reportagem. A
inspiração da imagem partiu do autorretrato do cineasta Stanley Kubrick e foi
tirada no banheiro do hotel do músico em São Paulo.
O ESTADO DE S.PAULO
Caderno 2
Fim da trilogia
Com Abraçaço, Caetano
fecha fase marcada pela
mudança de rumo
Foto: Caetano Veloso
Fotógrafo.
Músico faz
autorretrato
em espelho
1949 - Leika III |
28/11/2012 - Canon Powershot G10 |
Caetano Veloso comenta fim de trilogia
Em entrevista ao
'Estado', cantor também fala sobre os velhos dilemas retomados por ele
30
de novembro de 2012
Julio
Maria - O Estado de S.Paulo
Sua
relação com a canção e com os fãs que esperam dele a volta do Caetano Veloso
das antigas. Sua indignação com petistas que dizem ser o mensalão um invenção
da “imprensa golpista”. Sua descrença com o Ministério da Cultura, um “peso
pequeno no aparato do Estado”. Caetano, aos 70 anos, pode parecer mais sereno
do que foi em outras eras, mas suas palavras ainda cortam.
Discos como Cê, de 2006, Zii e Zie (2008) e agora Abraçaço parecem um ato
de coragem. Um fã clássico de Caetano dos anos 70 os ouve e diz que você deixou
de fazer canções como fazia.
Eu
sou assim mesmo, sempre fui. E não houve uma vez em que eu tenha lançado um
disco que as pessoas não tenham dito algo parecido com isso.
Mas é uma provocação não voltar à corrente de
canções que o fã clássico espera que volte?
Mas
esse fã clássico que você descreve não é clássico. É um fã mediano. Os anos
1970 foram para mim um período com canções que se tornaram sucesso, algumas até
tardiamente. Quando surgiu, Terra não tocava no rádio porque era longa e alguns
diziam ser chata. Sampa não tocava quando saiu. Leãozinho
é chavão de canção querida, mas teve muita reação contrária. Odara teve mais
ainda. Elis Regina ridicularizou a música Gente, por decisão dos diretores do
show que ela fazia, mas ela me pediu desculpas.
As pessoas tocarão a música que você faz hoje no
violão, quando estiverem na sala de suas casas?
As
canções têm vocações diferentes. Algumas convidam as pessoas a tocá-las e outras,
não. Mas conheci no Rio uns garotos de 19, 20 anos que têm banda de rock. E vi
um menino tocando no violão uma canção do Zii e
Zie.
Mas não é isso que diz que uma música funciona. Pode ser que muita gente
precise mais ouvir um disco como o Cê tal e qual ele está gravado, com as
canções como estão ali.
Mas grande canção não é aquela que fica bela
quando passa pelo teste do violão?
Isso
é uma das maneiras de uma canção pegar as pessoas, mas há outras. Há canções
que não têm vocações violonísticas.
E é aí onde você está?
Não
sei. Sabe que eu toco Odeio (do disco Cê) só no violão e acho mais bonita
assim até do que com a banda toda?
O tempo tem feito você se preocupar menos em
agradar aos outros e mais a si mesmo?
Não,
eu ainda penso no ouvinte hipotético, sinto a presença dos ouvintes
hipotéticos, os imagino, mas a canção vai se impondo.
Sua obra traz letras enigmáticas, algumas bem
difíceis. Acha que sua voz é o que valida a profundidade de uma canção ainda
que ela não seja entendida?
Bem, para isso servem as vozes
(risos). Mas
canções com letras que parecem indecifráveis têm muito apelo, têm atração
forte. Na língua inglesa é uma tradição de décadas, você praticamente não
entende nada e, no entanto, as pessoas gostam daquelas canções. São sugestivas
porque têm palavras escolhidas que calham bem naquela melodia. Estou lendo o
livro do David Byrne, How Music Works, em que ele conta
como decidia as palavras que usava nas melodias. E elas muitas vezes partiam do
som. Aquilo é sugestivo, não explícito, não mastigado. Qualquer Coisa foi um grande sucesso, mas é quase um texto abstrato.
Prova de que as pessoas não ligam mesmo para o
sentido daquilo que elas ouvem?
São
os tempos. A Bossa
Nova É Foda, do disco novo, é quase um jogo de palavras cruzadas,
uma charada, mas o importante é o essencial. E o essencial é que a bossa nova é
foda. Ali há outras referências. Ao ouvir “o bruxo de Juazeiro”, não é possível
que uma pessoa não saiba a quem estou me referindo. E mesmo que “o magno
instrumento grego antigo” seja uma maluquice, como se fosse outro desafio de
palavras cruzadas, em seguida você ouve que “diz que quando chegares aqui que é
um dom que muito homem não tem que é influência do jazz”. Não é possível que
não perceba que eu estou falando de Carlos Lyra.
Carlos Lyra?
Sim.
Quando chegares aqui é o dom que muito homem não tem, da música Maria Ninguém,
e a influência do jazz! São momentos-chave na história da composição de Carlos
Lyra. E aí você pensa em magno, associa com Carlos. E instrumento grego antigo?
Lyra. É uma brincadeira, mas não precisa a pessoa fazer isso. Eu faço, acho
bacana.
Foi a ditadura que o ensinou a fazer isso?
Nunca
atribuí à ditadura essa habilidade. Sei que muitas pessoas tiveram de fazer
coisas em linguagem cifrada, mas isso vem do gosto mesmo, sou de uma geração
que foi influenciada pelas letras de Bob Dylan, mas o clima da época induzia a
isso.
Estou
Triste deve ser a canção mais triste que você já fez na vida. De
onde saiu tanta tristeza?
Das
coisas da minha vida (olha para baixo). Fiz porque estava mesmo triste
e até fazer a canção me ajudou a superar aquele momento...
Você é um homem
triste?
Também
sou, mas não especialmente... Não sei dizer... Sou muito feliz com meus filhos,
gosto muito de cada um, Moreno, Tom, Zeca...
Na única vez que
tentamos falar sobre o mensalão senti que você não queria entrar no assunto,
uma postura que não condiz com alguém que lutou até do exílio pela democracia
do País...
Mas
acho que não precisa de grandes interferências quando o Supremo Tribunal
Federal já julgou essas pessoas. Me meter para quê? Agora, eu não compartilho
com a visão dos petistas de que isso é um golpe da mídia golpista, acho
ridículo e desrespeitoso com a população. Logo que o mensalão foi denunciado, Lula
disse que tinha sido traído. Depois, de Paris, deu a entender que era caixa 2 e
que todo mundo fazia no Brasil, ou seja, não tinha nada de mais. E agora está
dizendo, ou insuflando as pessoas a dizerem, que é tudo golpe da mídia. Eu não
gosto disso, sou contra essas jogadas superficiais. Mas acho Lula uma grande
figura histórica, que esse período do Brasil é muito aproveitável e que coisas
como essa são dores do crescimento. Acho que é isso, eu não sou... Olha, tem
uma parte da imprensa, eu não vou falar... Eu me sinto mal. Quando eu vi a
revista Veja com fogos de artifício na capa, eu achei vulgar, cafona, não me
identifiquei com aquilo. E quando ouço também meus amigos petistas dizerem “ah,
isso é um golpe da mídia”, também acho que é ridículo e desrespeito com
público. Minha opinião é independente dessas duas coisas. Acho que o que está
acontecendo é o que tem de acontecer (as condenações). Fico triste de saber que
José Genoino está nessa situação? Fico. Fico alegre porque José Dirceu está
nessa situação? Não, mas acho que tem de ser. É isso, pronto, falei.
Passando ao
Ministério da Cultura: Ana de Hollanda saiu sem conseguir fazer praticamente
nada...
Mas
ninguém consegue fazer muita coisa no Ministério da Cultura. Ana não teve tempo
porque houve fatos eleitorais que a levaram ser substituída por Marta,
motivações eleitorais.
Você está falando
do apoio de Marta ao prefeito eleito Fernando Haddad, em São Paulo?
É,
é isso. O que não quer dizer que ambas não sejam pessoas interessantes.
Ela deve fazer mais
que sua antecessora?
Ela
tem energia, mas eu não espero muito do Ministério da Cultura, o Ministério da
Cultura é um negocinho.
Mas não é lá que deve estar a solução para os
dilemas da Cultura de um País?
Pode até ser, mas não espero muito, é uma coisa com verba pequena, com peso pequeno no aparato do Estado. Gil fez muitas propostas importantes, um ministério marcante, mas não realizou coisas incríveis.
Pode até ser, mas não espero muito, é uma coisa com verba pequena, com peso pequeno no aparato do Estado. Gil fez muitas propostas importantes, um ministério marcante, mas não realizou coisas incríveis.
Você está falando tudo com uma calma
surpreendente...
Eu
acordei faz pouco tempo...Mas você quer que alguma coisa me enerve? (risos).
Sabe que há um tempo um cara de um outro jornal chegou com um negócio escrito
em um telex, em Salvador, no verão, enquanto eu lhe dava uma entrevista com uma
preguiça, uma calma. E ele tentando tudo para me deixar nervoso. Depois, ele me
mostrou o telex e disse: Olha aqui o que me mandaram da redação: “Tentar
irritá-lo ao máximo.” (risos).
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