Revista Veja |
“Teatro Opinião. Rio de
Janeiro, 1968.
Bethânia no palco substituindo Nara Leão. Ninguém a conhecia. Chegara
da Bahia trazida por Vianinha. Aquela quase menina, na arena do Opinião,
parecia, pela potência dramática, postura corporal, força emotiva, uma deusa-mulher
adultamente deslumbrante e sedutora.
Quando acabou de cantar Carcará, a plateia
entrou em delírio. A baianinha tornara- se a musa de toda uma geração romântica,
audaciosa e revolucionária. Em uma das apresentações, subi ao palco e li o início
de um poema que escrevi em sua homenagem.
Posteriormente desenvolvi o tema e
nasceu o polifônico ‘Maria Bethânia Guerreira Guerrilha’.
Era véspera do AI
-5. Com a publicação do livro, considerado justamente
subversivo, fui
processado. E deixei minha musa em uma posição muito delicada. A edição foi
apreendida, retirada das livrarias. Minha casa, invadida”.
[Reynaldo Jardim, SP, 13/12/1926 — Brasília, 1/2/2011]
JARDIM,
Reynaldo.
Maria Bethania guerreira guerrilha.
Rio de Janeiro: Cooperativa Editoral da GB – Poder Jovem, 1968. s. p. formato
35x18 cm. Seleção tipográfica: Analuce Estrella. Foto da capa: Humberto
Franceschi. Composto e paginado no Correio da Manhã. Impresso na Companhia
Editora Fon-Fon e Seleta. Folhas de gramatura bem encorpada, sem informação
sobre o papel. Col. A.M. (EE)
1968
Revista inTerValo
Ano
VI - n° 310
Semana
de 15 a 21 de dezembro
Capa:
Taiguara
Foto
de Cynira Arruda
Natal de 1969, María Bethânia dedica o livro a Bibi
Ferreira.
“O período da Ditadura Militar foi terrível.
Duas horas da manhã, eles invadiram minha casa. Me levaram para um quartel,
depois de rodarem por muitas horas. Fui interrogada até amanhecer. Já tinham
presos Caetano e Gil, em São Paulo. Achavam que eu sabia do Vandré. Me
prenderam por conta de um livro, escrito em minha homenagem, por Reynaldo
Jardim. Eles queriam saber por que este cara escreveu este livro para mim. O
livro é um poema lindo. Um gesto de amor. E Reynaldo já tinha sido preso. Eles
me mostraram o depoimento dele. Que coincidia com o que eu dizia. Sou uma mulher
de palco. Ele, um intelectual, poeta. Quis escrever um poema. E foi publicado.
Depois, proibido”.
“Aquele foi um
período horrível. Caetano e meus amigos, exilados. E, pela dificuldade de ele
sobreviver ao exílio, por causa de sua sensibilidade diante da maneira
grosseira como isto tudo aconteceu, eu sentia uma dor muito grande. Sofri
demais. Meu pai se acabou, neste período. Eu fiquei no Brasil. E a maneira que
eu tinha de manter o meu trabalho era receber as canções que eles faziam no
exílio. Não só Caetano, mas também os amigos. Aqui, eu cantava para dar alguma
notícia deles, mantendo um sentimento por eles. Mas foi o período mais triste
que passei em minha vida. Foi horrível. Caetano sofreu demais também”
[14/6/1992, Maria Bethânia, em entrevista a Marília Gabriela]
Oswaldo
Coimbra: A prisão de Bethânia, na Ditadura
27/9/2017
Por Oswaldo Coimbra
Por Oswaldo Coimbra
O
poeta alemão, de origem judaica, Christian Johann Heinrich Heine morreu sem
saber que, com uma única frase, ele havia anunciado o que iria ocorrer no país
dele, 77 anos depois, como desdobramento do destino dado a seus livros e a de
outros intelectuais também descendentes de membros do mesmo grupo étnico e
religioso. Entre os quais Thomas Mann, Walter Benjamin, Bertold Brecht,
Erich Maria Remarque, Sigmund Freud, Albert Einstein e Karl Marx.
Heine morreu em 1856. Havia dito que “onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”. Em 1933, na pátria dele, foram queimados, em praça pública, livros escritos por ele e aqueles outros autores, a mando dos representantes do governo nazista. Que, depois, mataria 6 milhões de pessoas em fornos crematórios.
Entre
os livros incinerado de Heine havia um ligado ao Brasil. Em “Das
Sklavenschiff”, poema concluído em 1854, portanto dois anos antes da morte do
poeta, Heine trata de negros aprisionados na África, e, transportados, como
escravos, num navio, para o Rio de Janeiro. Temática apropriada, cinco anos
mais tarde, por Castro Alves, num poema com o mesmo título do de Heine,
traduzido: “O Navio Negreiro”.
À
queima de livros, em maio e junho de 1933 – um ritual tenebroso de culto ao
ódio à liberdade de pensamento e criação, próprio dos regimes totalitários -,
ficaria para sempre associada a peça de um poeta e dramaturgo nazista, Hanns
Johst, intitulada “Schlageter”. Na qual, um personagem, estudante, declara:
“Quando ouço falar em cultura, saco logo meu revólver”.
O
“Navio Negreiro” de Castro Alves nunca foi queimado em praça pública, no
Brasil. Mas, durante a Ditadura Militar Pós-1964, aconteceu algo pior. O livro
de outro poeta, Reynaldo Jardim, escrito em homenagem a Maria Bethania, teve
seus exemplares confiscados pelo Governo Militar. Reynaldo foi preso. E a
cantora, supreendida com a invasão de seu apartamento, no Rio de Janeiro, por
20 policiais. Depois, ela foi levada para a sede do DOPS, centro de tortura a
presos políticos, onde a submeteram a longo interrogatório. Durante três meses,
Bethânia ficou obrigada a se apresentar no DOPS, duas vezes por semana.
Ela,
era, então, uma jovem de 22 anos de idade. Reynaldo escreveu “Maria Bethânia,
Guerreira, Guerrilheira”, após conhecê-la como simples espectador de teatro.
Hoje,
no Youtube há uma antiga entrevista dada pela cantora à Marília Gabriela, no
programa “Cara a Cara”, em que, Bethânia conta como, já abalada pelo exílio do
irmão, Caetano Veloso, e, pelo abatimento profundo causado em seu pai, ela
entrou em depressão. Tomou doses crescentes de tranquilizantes, até ser
conduzida para um hospital, desacordada, onde sofreu lavagem estomacal. Seus
amigos acharam que ela havia tentado se matar.
No
programa, ela detalhou este acúmulo de sustos e inquietações. Relatou: “O
período da Ditadura Militar foi terrível… Duas horas da manhã, eles invadiram
minha casa…. Me levaram, depois de rodarem por muitas horas, para um quartel.
Fui interrogada até amanhecer…. Já tinham presos Caetano e Gil, em São Paulo.
Achavam que eu sabia do Vandré. Me prenderam por conta de um livro, escrito em
minha homenagem, por Reynaldo Jardim. Eles queriam saber por que eu causei este
livro. Por que este cara escreveu este livro para mim. O livro é um poema
lindo. Um gesto de amor. E Reynaldo já tinha sido preso. Eles me mostraram o
depoimento dele. Que coincidia com o que eu dizia. Sou uma mulher de palco.
Ele, um intelectual, poeta. Quis escrever um poema. E foi publicado, depois,
proibido…. Um período horrível. Caetano e meus amigos foram exilados. E, pelo
jeito de Caetano, pela dificuldade de ele sobreviver ao exílio, por causa de
sua sensibilidade diante da maneira grosseira como isto tudo aconteceu, eu
sentia uma dor muito grande.. Sofri demais. Meu pai se acabou, neste período….
Eu fiquei, aqui, no Brasil. E a maneira que eu tinha de manter o meu trabalho
era receber as canções que eles faziam no exílio. Não só Caetano, mas também os
amigos. Aqui, eu cantava para dar alguma notícia deles, mantendo um sentimento
por eles. Mas foi o período mais triste que passei em minha vida. Foi horrível.
Caetano sofreu demais”
Em
2011, estava em preparação o lançamento da 2ª edição do livro, quando Reynaldo
morreu. Marcio Debellian e Ramon Mello. os responsáveis pela iniciativa, contam
num texto da nova edição: “O desejo de reeditar “Maria Bethânia: Guerreira,
Guerrilha”, surgiu da vontade de ler esta obra. Lançada em 1968. Mas que nunca,
propriamente, chegou ao público. Da tiragem de cinco mil exemplares impressos
na gráfica Fon- Fon, poucos restaram. Lançado às vésperas do AI -5 — o ápice do
regime ditatorial que barbarizava o País —, este livro entrou na lista negra do
Governo Militar. Foi considerado subversivo e pornográfico, confiscado, e
retirado das livrarias. Reynaldo Jardim conseguiu salvar algumas cópias, que
enviou às pressas para a casa de sua cunhada. Maria Bethânia teve a sua cópia
queimada. Os exemplares que restaram adquiriram status de raridade e passaram a
ser comercializados a preços exorbitantes em sebos e sites na internet”.
O
próprio Reynaldo, num texto que já tinha preparado para esta outra edição,
deixou o registro de como conheceu Betânia, em 1968, e do que aconteceu depois:
“Teatro Opinião. Rio de Janeiro, 1968. Bethânia no palco substituindo Nara
Leão. Ninguém a conhecia. Chegara da Bahia trazida por Vianinha. Aquela quase
menina, na arena do Opinião, parecia, pela potência dramática, postura
corporal, força emotiva, uma deusa- mulher adultamente deslumbrante e sedutora.
Quando acabou de cantar “Carcará”, a plateia entrou em delírio. A baianinha
tornara- se a musa de toda uma geração romântica, audaciosa e revolucionária.
Em uma das apresentações, subi ao palco e li o início de um poema que escrevi
em sua homenagem. Posteriormente desenvolvi o tema e nasceu o polifônico Maria
Bethânia Guerreira Guerrilha. Era véspera do AI -5. Com a publicação do livro,
considerado justamente subversivo, fui processado. E deixei minha musa em uma
posição muito delicada. Teve que prestar depoimento no DOPS. A edição foi
apreendida, retirada das livrarias. Minha casa, invadida”.
No
final, ele revelou por que autorizou a republicação do poema: “Republico aqui o
livro só para reverenciar essa que, sendo a melhor atriz da canção brasileira,
é um padrão de soberba dignidade”.
22/10/1969
Relatório inquérito policial militar (ipm) referente a apreensão de livro sobre Maria Bethânia, chamado “MARIA BETHANIA GUERREIRA GUERRILHA”, considerado de caráter subversivo.
1975
Foto: Rodrigo Amaral |
|
Maria Bethânia, Elias Andreato e Jaime Alem |
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