viernes, 26 de octubre de 2018

2018 - OFERTÓRIO - Fortaleza




Caetano Veloso: Inventivo e contínuo

De volta a Fortaleza, Caetano Veloso comenta a turnê que divide com os filhos e declara que teme pela qualidade da democracia brasileira

26/10/2018


O clã Veloso: Tom, Zeca, Caetano e Moreno - Divulgação

"Temo que a democracia brasileira perca qualidade com essa conjuntura. Mas, quem sabe, talvez estejamos escrevendo certo por linhas muito tortas"
É o que diz Caetano Veloso diante de um Brasil às portas do segundo turno das eleições presidenciais. Sem esconder suas preferências políticas, ele busca tranquilidade na família e se cerca dos filhos na turnê Ofertório, que volta este fim de semana a Fortaleza. Em única apresentação no Centro de Eventos, o show traz o ídolo baiano ao lado de Zeca, Tom e Moreno, e todos apresentam suas experiências em música num encontro de afetos e histórias pessoais.

Em entrevista ao O POVO, por email, Caetano narra esse percurso que saiu de dentro de casa e ganhou os palcos do mundo.


O POVO- Imagino que haja uma diferença grande entre ser um pai presente em casa e sair em turnê com a família. Como tem sido essa experiência?
Caetano Veloso - Pra mim tem sido uma felicidade. Eles já estão crescidos, esse é um jeito de eu ficar mais tempo perto deles. E é uma maravilha que eles cantem e toquem comigo. É bom ver que eles também se sentem bem, se comovem e se divertem.

O POVO - É muito natural que boa parte do público vá ao show querendo ver Caetano Veloso. De que forma você pode apresentar o trabalho dos seus filhos para que o público perceba que este é mais que um show de Caetano Veloso?
Caetano - É um show meu, mas o conteúdo é místico e meus filhos são os raios de uma luz que vem da minha família em Santo Amaro. Além disso, cada um deles é um artista genuíno em si mesmo. Em todos os lugares por que passamos as plateias são tomadas pela atmosfera que emana da nossa turma - e fica extasiada com Zeca cantando Todo homem, Moreno cantando Um passo à frente ou Tom dançando passinho. Também os quatro cantando em vozes O seu amor, de Gil, é um fato cultural que tem valor único. Diz respeito à parte essencial da história da música brasileira moderna. Nós somos a experiência de um momento da vida brasileira que engrandece as pessoas.

O POVO - No texto que você escreveu sobre o novo show, existe muita afirmação sobre o caráter sentimental do projeto, mas você também fala da "responsabilidade de apresentar números com qualidade profissional". Como é hoje sua autocobrança pela qualidade do trabalho? Com o tempo, isso cresceu, diminuiu, se manteve?
Caetano - Escrevi aquilo antes de termos o show ensaiado. À medida que ia ficando pronto, me surpreendi com a dedicação de Zeca e a naturalidade do talento de Tom. Moreno já é profissional há muitos anos, com uma obra refinada. Mas primeiro pensamos que iríamos convidar instrumentistas profissionais pra tocar conosco. Aos poucos, vimos que era mais bonito o som especial que produzimos nós mesmos. Não somos virtuoses, mas fazemos a música com respeito e cuidado. O sentimento dos temas e dos nossos afetos dá intensidade emocional ao que seria apenas correto. E mesmo alguns leves tropeços vêm com seu encanto.

O POVO - O "berço" sempre foi muito presente na sua música. Além de Bethânia, Nicinha esteve nos seus discos, você tem músicas dedicadas a Dona Canô, a Paula Lavigne e a Santo Amaro. Como esses elementos foram costurados no novo show? Isso foi um facilitador na hora de selecionar o repertório?
Caetano - Foi facilitador e também dificultador, porque tem muitas músicas feitas pra Dedé e pra Paulinha, tem muitas feitas para eles e tem muitas sobre meus pais, meus irmãos: o tema da família é abundante em meu trabalho. A questão era fazer um roteiro que tivesse estrutura e passasse pelo tempo como um filme passa.

O POVO - Ainda sobre o repertório, o que foge a essa ideia de celebrar a casa e a família no show?
Caetano - As coisas da vida, o gosto da música. Tom me pediu que cantássemos O seu amor, que pertence ao repertório dos Doces Bárbaros. Achamos que tinha ficado tão bonito que íamos abrir o show com ela. Zeca sugeriu que eu cantasse Alegria, alegria antes. Isso já mudou o show - e já mostra quão abrangente, para além da família, é nosso espetáculo. E há também o mero gosto: Tom e Zeca pediram pra eu cantar o Trem das cores. O cristal vai-se abrindo para mil lados, mostrando planos e arestas diferentes. Quando canto Gente, é ainda celebração de sermos gente real, uma família, mas já é a família humana toda.

O POVO - Passados 50 anos, ainda é comum usar expressões como "eterno tropicalista" para se referir a você. O que você acha desse tipo de expressão? Você se vê assim, como um "eterno tropicalista"?
Caetano - Eu gostaria de ser um eterno tropicalista. Bem, gostaria de ser eterno, de todo modo. O que desbravamos no tropicalismo me trouxe até aqui. Meus filhos nasceram depois de tudo aquilo e são também resultado daquilo tudo. Não haveria o tropicalismo sem Dedé e eu não encontraria Paulinha se não tivesse havido o tropicalismo. Quando Tom toca bem o violão e canta seus próprios versos bem escritos, vejo resultado do que Gil e Mutantes e Duprat e Tom Zé e Gal e eu fizemos entre 1967 e 1968.

O POVO - Lá em 1967, você era capaz de imaginar que, 50 anos depois, ainda estaríamos falando de tropicalismo?
Caetano - Às vezes é capaz que sim. Mas não tinha tempo para pensar em futuro tão longínquo. Eu queria fazer ainda algumas coisas em música e deixar isso para fazer filmes. Aí veio a prisão e veio o exílio e eu, ao fim de três anos de sofrimento, já não tinha forças para mudar a direção da minha vida. E a música é uma coisa muito forte entre nós brasileiros.

O POVO - Seu show acontece na véspera de um segundo turno que será disputado por dois candidatos com pensamentos bem distintos. Que leitura você faz desse momento histórico e quais suas expectativas para o Brasil a partir de 2019?
Caetano - Neste momento, preparo-me para votar em Haddad. Votei em Ciro Gomes no primeiro turno. E gostaria que Lula tivesse se abstido de se dizer candidato e de ter candidatura própria do PT. Bolsonaro, embora seja um fenômeno genuíno dentro da sociedade brasileira, representa ideias opostas às que me interessam. Temo que a democracia brasileira perca qualidade com essa conjuntura. Mas, quem sabe, talvez estejamos escrevendo certo por linhas muito tortas. Eu tenho fé no Brasil e não deixei de ter porque essas tensões se apresentam.

Show Ofertório 
Quando: sábado, 27/10, às 20 horas
Onde: Centro de Eventos (av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz)
Quanto: R$ 160 (arquibancada), R$ 200 (plateia B) e R$ 260 (plateia A) - Preços de inteira. À venda nas lojas Feitiço e Aliança de Ouro







A política do afeto
Pela segunda vez, Ofertório emocionou o público no Centro de Eventos

30/10/2018


AO LADO dos filhos, Caetano Veloso voltou a Fortaleza com o show Ofertório
 Maria Clara Medeiros / Especial para O POVO

Quem esperava muitos "ele não" na noite do último sábado, 27, véspera da eleição, deve ter saído decepcionado do Centro de Eventos. Na segunda passagem da turnê Ofertório por Fortaleza, a maior parte dos comentários políticos foi feita pelo público, que não se furtou o direito de usar camisas, adesivos e puxar palavras de ordem. Já no palco, Caetano Veloso e seus filhos Zeca, Tom e Moreno contaram histórias que saíram de Santo Amaro da Purificação e ganharam o mundo. Ainda assim, na hora do bis, sozinho no palco, Moreno puxou o assunto com um "primeiramente, ele não" e se disse do orgulho de ter antepassados cearenses.

O tom de Ofertório era outro. Caetano e os filhos falaram de muitos brasis, de família, de respeito, da Bahia, do Rio de Janeiro, do mundo todo. Logo na abertura, Alegria Alegria transportou o público - que encheu o espaço sem aperto - para o fim dos anos 1960, tempos de ditadura e tropicalismo, de festivais de música, luta por democracia, contracultura e sol nas bancas de revista. Seguindo o roteiro, que já foi registrado em CD e DVD, a canção foi a largada para uma grande viagem entre muitas memórias.

Em entrevista ao O POVO, publicada no dia do show, Caetano contou que chegou a cogitar a presença de músicos profissionais em Ofertório. No fim, a ideia foi dispensada e figuram apenas ele e os filhos em cena, com suas qualidades e limitações técnicas. Abraçados por um lindo cenário de Hélio Eichbauer, que remete a Guimarães Rosa e cresce os sentidos com iluminação impecável, os quatro estavam à vontade para conversar sobre religião, gostos musicais e outros temas, à medida que emendavam Trem das Cores, Deusa do Amor, A Luz de Tieta, Alguém Cantando e Genipapo Absoluto. Muitas delas acompanhadas de histórias sobre como e quando nasceram.

Mesmo sem sair do roteiro (e sendo a segunda passagem por Fortaleza), o público não deixou de aplaudir os momentos mais esperados do show. Zeca Veloso garantiu a concentração em Todo Homem e ainda tentou ensaiar uns passos duros de samba. Tom fez a dança do passinho em Alexandrino, antes de sentar e entornar uma garrafa inteira de água. Moreno também sambou ao lado do pai e era o mais sorridente dali. E Caetano, visivelmente rouco, exalava a sobriedade da experiência e a realização de estar ao lado dos filhos. Orgulhoso, mas discreto, em muitos momentos, era possível vê-lo atento aos movimentos deles, como se fosse um jurado do The Voice. Mas ali ninguém seria "excluído do programa", já que Ofertório é uma bela cerimônia familiar, uma passagem de bastão para uma nova geração de compositores que, como disse Moraes Moreira em 1980, "vai botar pra quebrar lá pelos anos 2000".




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