jueves, 11 de octubre de 2018

1987 - CAETANO VENENOSO

O Nacional foi a última invenção do jornalista gaúcho Tarso de Castro. 
Seu pai, Múcio de Castro (1915/1981), tinha sido dono de um diário com este nome em Passo Fundo.

Jornal O Nacional

29 de abril de 1987

Entrevista a Tarso de Castro


Agosto de 1987 - Chico Buarque, Caetano Veloso, Rodrigo Argolo e Tarso de Castro



T - Me diz uma coisa: você lê todos os jornais?
C - Não, sr. Só tenho assinatura do Jornal do Brasil e da Folha. Eles dois. Esses jornais entram em minha casa todos os dias trazidos por um sujeito que os distribui e eu dou uma sacada na 1° página de cada um e, se houver alguma coisa que me interesse muito, eu dou uma olhadinha uma pouco mais lá prá dentro; olho o "B" e a "Ilustrada".

T - A minha pergunta é a seguinte: eu tenho muita irritação com jornalista porque eu acho que é uma classe muito desonesta e muito analfabeta, no Brasil. Inculta posando de arrogante. Eu lhe perguntei, então, esse negócio de jornais, se você lê todos os jornais porque eu queria situar mais ou menos. Os jornais têm que falar a respeito dos compositores, artistas e coisas. Até que ponto vai a sua irritação dessa campanha que fazem contra você?
C - Depende do momento. Às vezes têm coisas que são, realmente, que têm tom de campanha. Aí, eu fico indignado. Às vezes, reajo e tal. E têm coisas, é, como é que se diz, é crítica ou objeções ao meu trabalho, ao que faço, ao que pensam de mim, que eu simplesmente aceito, não digo nada, passa.

T - Por exemplo isso que o Jornal do Brasil divulgou, de uma maneira sacana, que você estava em campanha contra o Rio.
C - Isso daí. Você foi absolutamente correto em dizer que o JB divulgou de uma maneira sacana. Porque eu acho que o Jornal do Brasil pegou o trecho de uma entrevista que eu dei em Salvador e transformou aquilo numa espécie de onda de escândalo, não é, para tentar me colocar mal diante das pessoas que são do Rio ou quem amam o Rio de Janeiro.

T - Como você, aliás.
C - Eu amo muito o Rio e tenho que dizer. Vou lhe contar uma estória bem rápida do que é aquilo e você já sabe mais ou menos o que é que é. Essa coisa de antipatia pelos baianos, que foi desenvolvida por certa ala do pessoal que ficou no Pasquim, depois que você saiu, não é, de uma certa forma chegou no Paulo Francis, que é o mais sofisticado deles, e, mais tardiamente, de maneira superior, isso me irritou. Desde a vez que Paulo Francis escreveu aquele negócio sobre a minha participação na entrevista que o Roberto d’Ávila foi fazer com Mick Jagger, eu fiquei com raiva do Paulo Francis. O que ele escreveu sobre mim era de meter raiva. E depois ele fica toda hora fazendo piadinha contra baiano. Isso me dá um pouco de raiva e me lembra um período em que o Millôr disse coisas semelhantes, que ele deixou, depois, de dizer.

T - Deixa eu isolar um pouco (bate na madeira).
C - Entendeu? Então, aquilo pra mim faz um sentido. Aquilo tudo tem uma espécie de coerência e representa um tipo de resistência que uma certa área, assim do pessoal do Rio, da época em que nós começamos a trabalhar, desenvolveu contra nós. Então, eu tenho é muita alegria em fazer o que falo. Eu sinto quando percebo uma resistência que precisa, por vezes, ser até desonesta para se exercer, contra o que faço. Eu me sinto no direito de ficar irado, entendeu? Então, eu não sou jornalista, quer dizer, não vou descrever.

T - Graças a Deus.
C - Eu tenho outro tipo de poder diante da opinião pública, que não é o mesmo tipo do poder do jornalista, entendeu? Então, eu não posso estar escrevendo artigos para analisar o que fulano disse, o que beltrano falou. Enfim, uma vez ou outra eu dou uma entrevista, como a que lhe estou dando. Falo casualmente, não é? E faço a minha música e, também, meu cinema. Agora eu fiz um filme. Então, eu vejo essa coisa como uma utilização que o Jornal do Brasil fez pra fazer esse tipo, dessa minha ira contra o negócio do Paulo Francis que é, também, uma ira que não tem muita importância, não é verdade?

T - Porque o Paulo Francis não tem muita importância...
C - É. Vai ver que não tem. Quer dizer, pode ter pra mim porque eu sou muito mais jovem do que ele, sou da província, então conheço ele, como o Millôr, também. O Millôr, no primeiro momento, quando ele começou a reagir contra mim, aquilo me doía porque eu era muito fã dele quando era menino. Não do Paulo Francis, desse jeito. Paulo Francis, depois que eu estava maior um pouco, ainda em Salvador, a partir da revista Senhor. Eu tinha 17 anos. Então eu ficava, gostava muito de ler o Paulo Francis. Até hoje eu leio com... algum prazer porque acho que ele tem um estilo próprio, engraçado, interessante, mas de vez em quando eu perco o saco e não leio. E durante o verão, em Salvador, eu não li porque não tinha a Folha, quer dizer, tem na banca mas eu não ia comprar e aqui eu leio porque vem em recibo assinado. Mas eu não queria fazer daquilo uma coisa muito grande. É que estava um jornalista de Salvador se referindo a alguma coisa mais ou menos recente que o Paulo Francis teria escrito à qual ele queria se referir, uma coisa dessa esnobação do mulato, do subdesenvolvido, do baiano, não sei que, e o jornalista de Salvador, nesse dia da coletiva, ele parecia estar um pouco revoltado e humilhado por aquilo. Na hora em que eu vi ele se referindo àquele negócio dele falar "que a Bahia não tem cultura"... Isso eu já tinha lido, já tinha visto a resposta de Risério, tinha achado que era legal a resposta de Risério e já tinha até ouvido em São Paulo que a resposta de Risério não provinha, não sei o que. Eu pensei assim: bom, no momento em que me perguntarem, eu estou do lado do Risério. Para mim, não tem nuance nesse caso, entendeu? Eu sei raciocinar muito. Mas eu não quero dedicar meu raciocínio para esse tipo de nuance. Eu estou com Risério, nesse caso não há a menor dúvida, entendeu? Eu acho suspeito o jeito de o Paulo Francis falar do negócio da Bahia. Acho que na verdade é aquela mesma coisa que foi feita no Pasquim, durante aquele período. É a mesma coisa que o Millôr disse, numa entrevista anos atrás.

T - É um tipo de fascismo.
C - É uma coisa...

T - Discriminação.
C - De discriminação, que, enfim, eu não sei. Eu acho que a reação que eu tive contra essa discriminação é legítima. Eu tenho o direito de ter. O Jornal do Brasil não teria o direito de transformar isso num pagode, de ofensa gratuita contra uma cidade, entendeu? Para parecer que eu vou ser apredejado no Rio de Janeiro. Aquilo é uma bobagem. É querer viver de coisas que não existem. Porque do ponto de vista do escândalo que eles tentaram fazer não resultou, mas muita gente fica magoada. Eles fizeram aquela enquete, chamando pessoas por telefone para falar mal de mim. E as pessoas falaram mal de mim. O Lobão veio atacando, mas o Lobão é um sujeito interessante. Mas o ataque era pobre. É uma questão de objetividade. A gente vê quando o Marcelo Nova fala em matéria de limpar a área, tirar essa onda de Gil, Caetano, Bethânia, Gal, tropicalismo, anos 60, mil coisas, entrar no outro negócio, ir com a parentela dele pelo lado do Raul Seixas. Ela faz de uma maneira muito clara, e isso resulta bom para todo mundo, mesmo que seja uma coisa que, aparentemente, esteja negando. O Lobão tem um pouco disso na rebeldia dele, mas se perde, não tem tanta firmeza. Então, aquelas respostas do Jornal do Brasil, das pessoas que deram ao JB contra mim, provocadas pelo JB... é meio chato até responder a essas pessoas; às vezes, a gente tá em casa, o Jornal do Brasil telefona....

T - É uma coisa produzida?
C - É uma coisa produzida pelo Jornal do Brasil. É uma coisa totalmente artificial.

T - Zuenir Ventura, tão inteligente, tão amigo, né?
C - O Zuenir sempre pareceu meu amigo, sempre me disse que era meu amigo. Eu achei suspeita a maneira como eles noticiaram a estréia do meu filme, no FestRio; o modo como eles puseram. Eu disse isso ao Zuenir pelo telefone. Ele ficou sentido, me disse, porque quando ele escreveu um elogio ao meu respeito eu não telefonei a ele para agradecer. Mas a verdade é que a chamada da capa do 1º Caderno do FestRio era estranha porque tinha uma fotografia do Lulu Santos me dando um beijo na boca e uma legenda que dizia: "Lulu Santos foi prestar solidariedade a Caetano Veloso" (risos)

24/11/1986 - Foto: Marcelo Carnaval - Jornal do Brasil

T - Já joga pra baixo, mesmo.
C - É uma coisa de jogar pra baixo, pra da um tom que não é real. Lulu foi falar comigo alegríssimo. Realmente, adorou meu filme e como outras pessoas também gostaram, a gente estava falando normal, entendeu? Não se tratava de me prestar... mas tudo bem. Ele disse que não era intenção, pois eu acho que vocês não são tão ingênuos. Mas, enfim, ficou por isso. Mas com o Chico, eles foram sacanas e eu xinguei o Jornal do Brasil, entendeu?

T - Mas me diga uma coisa: você sabe que é bom se tocar nisso porque a gente falou muito, muitas vezes do Jornal do Brasil, e o João Ubaldo, o nosso João Ubaldo, outro dia me disse o seguinte: "Olha, Tarso, nós fomos praticamente educados pra não gostar d’O Globo, é difícil, porque tem atitudes reacionárias e coisas... Agora, O Globo nessas coisas é muito mais correto do que o ...
C - Muito mais correto do que o Jornal do Brasil. Mas é verdade. eu já percebi isso há muito tempo. O Globo é mais correto do que o Jornal do Brasil nessas coisas.

T - Porque, de repente, um jornal diz assim: nós somos os liberais, e podemos fazer tudo o que quisermos. O Tom Jobim já me disse assim: "Meu Deus, Tarso, se o Jornal do Brasil é o liberal, então nós estamos fodidos".
C- É hilário, porque, veja bem, eles transcreveram a entrevista que eu dei em Salvador.

T - Você falou duas horas, não foi?
C - É. Eles tiraram o que eles quiseram, botaram o que eles queriam botar. Agora, eles transcreveram trechos da entrevista que dei em Salvador. Onde você lê na transcrição do Jornal do Brasil a palavra panaca, que eu na verdade não uso, eu tinha falado babaca e saiu no jornal de Salvador babaca. São uns babacas. E saiu são uns panacas. O Jornal do Brasil copidescou, tirou a palavra babaca e botou panaca. Eu quero que você ponha no seu jornal que eu disse "são uns babacas" e não uns panacas, porque eu acho que o Jornal do Brasil considera a palavra babaca muito grossa.

T - Todo babaca é só babaca e panaca (risos).
C- Eu acho que os babacas são panacas. E eu falei babacas; não falei panacas. E eu acho que o Jornal do Brasil é engraçado. Não pode botar babacas. Eu acho que não é veículo ideal para o Lobão.

T - Ah! Me diz uma coisa: e o Cinema Falado é um negócio engraçado. Eu sempre brinquei com a coisa...
C - Houve, houve reação contra o fato de eu ter feito um filme, né?






T - Mas você esperava uma reação assim?
C - Não, eu não sabia que tipo de reação ia ter. Eu estava muito envolvido em fazer o filme. Dá muito trabalho fazer um filme. Eu acordava todo dia às 7 horas da manhã.

T - E não me chamou pra fazer o papel principal.
C - Não, não lhe chamei para o papel principal. Não se pode dizer que no meu haja um papel principal. O filme é todo de falações, né! Então, os atores vão se alternando. Mas o negócio da reação contra o fato de eu fazer um filme, sempre vem de um jeito que a gente não espera. Durante o filme, passando pela primeira vez, três mulheres que fazem cinema e não tinham visto o filme já xingando.

T - Dê os nomes...
C - A que dirigiu "A Hora da Estrela", Suzana Amaral, aquela Vera Figueiredo e a Tizuka Yamazaki. A Suzana Amaral me chamou de urubu da vanguarda.

T - (risos)
C - Xingou. Só faltou xingar a minha mãe. A Vera Figueiredo disse que era uma porcaria dos anos 60, que ela nem queria nem ver. E a Tizuka Yamazaki, que não falou mal do filme, disse assim: "Ah, Caetano, nunca quis fazer cinema. Ele sempre quis fazer polêmica". Então, ele está fazendo polêmica. De uma certa forma, sem falar mal, mas ela já descartou a possibilidade de o filme ser um filme, de ser visto, de que eu fazer um filme fosse uma coisa ceitável, possível. Mas as duas primeiras me xingaram e nenhuma das três viu o filme, não viram nada, e diziam abertamente na entrevista que não tinham visto e que não queriam ver. E que eu não tinha nada que fazer cinema. Isso eu acho um absurdo. É chato. Quem diz quem é que pode, quem não pode fazer cinema... Então na época, eu respondi. Eu disse assim: é engraçado que as donas de casa possam fazer cinema e os artistas não possam.

T - E você gosta do filme?
C - Gosto muito.

T - Qual é a sensação de você dirigir um filme assim?
C - É o máximo! Parece uma aventura, uma viagem. É alegre e corrido, e vou ficar com um rítmo de vida diferente. Parece que vai mudar o seu metabolismo.

T - Que coisa! Você fala mal das pessoas dizendo que elas são discriminativas.
C - Eu me auto discrimino.
Mas eu não sou contra a discriminação totalmente. A capacidade de discriminar as coisas pode ser útil, entende? Pode ser útil. Eu estou dizendo que é uma questão de a gente não perder a perspectiva assim do que a gente está falando, né? Porque eu não sou um partidário das rixas e das discriminações, nem das convenções que se formaram do que é a alta cultura, cultura popular, enfim, essas coisas todas na verdade estão num nó difícil de desatar. Enfim, essas coisas estão num momento esse que ninguém pode dizer com muita clareza onde está o mais importante sendo produzido em matéria de cultura, entendeu? E muita gente se sente mal com isso e até eu às vezes, me sinto mal, mas muita gente se sente bem, também. E eu às vezes me sinto muito bem porque parece que há uma certa vitalidade nessa situação, que é boa. Tem algo de difícil e tem algo que venha, talvez, resultar muito mal para a história do mundo. Mas pode ser que não. Pode ser que daí saia uma coisa maravilhosa e que já tem proporcionado vivências maravilhosas. Essa situação de você não saber de onde está saindo a informação, e a criação mais importante, entendeu, o que é que é o primeiro plano hoje em dia, exatamente. Muitas vezes não se sabe. Muita gente está dizendo: "Não!". Temos que voltar a exigir essas delimitações de alta cultura, baixa cultura e tal, e botar as coisas nos seus lugares. Eu acho louvável o intuito, e acho que muito disso deve ser feito. Mas acho que é muito difícil fazer, e que não há propriamente um retorno possivel no sentido do que já se experimentou até aqui. Eu acho que, realmente, uma situação nova a esse respeito aconteceu, né. E então eu não sei lhe dizer o que é, o que eu faço. O que é que o Bob Dylan faz, o que é que o Prince faz, o que é que o Akira Kurosawa faz, entendeu? Eu não sei porque cinema. Eu estava dizendo, eu me sentia atraído por coisas que eram ligadas diretamente com o público assim em geral. Era uma questão de sentir vitalidade nessas coisas, entendeu?

T - Você se sente bem hoje?
C - Me sinto.

T - É bom, né? E quando chega aquela gente com você?
C - De cantar com o público, eu adoro. Quando é bom, é muito bom. A coisa que eu mais gosto de fazer é cantar. Eu canto através das pessoas, por dentro, passando por entre as pessoas, a voz...

T - Chamada força estranha.
C - É superlegal!

T - Pois é, você fez a coisa mais bonita do programa que o Roberto já cantou, na minha opinião. Quer dizer, eu gosto muito do Roberto cantando, mas...
C - É Roberto é bacana.

T - "Força estranha" é fantástico. Agora, e essa briga de vocês?
C - Eu não briguei com o Roberto, propriamente.

T - Você brigou com a teoria do Roberto?
C - Eu briguei com a atitude que ele tomou quando o filme "Je vous salue Marie", que foi um filme que eu adorei quando vi em Paris, foi proibido pelo presidente...


T - Pelo chefe do governo. Não tem presidente da República.
T - É claro, porra! Não foi eleito.
C - Pois é. Por influência da igreja. Eu achei aquilo horroroso, né? E olha até fiz um elogio ao Paulo Francis porque ele teve uma reação na Folha de S. Paulo, que eu achei absolutamente perfeita do ponto de vista jornalístico. Não se poderia ter tido uma atitude mais lúcida, mais corajosa e mais límpida da qual ele teve naquele momento. E o Roberto Carlos se apressou em mandar um telegrama...

T - Foi triste aquilo.
C - O presidente, o chefe do governo, dizendo que apoiava e que era contra o desrespeito à Virgem Maria. Eu fiquei com raiva de tudo que se relacionava com a proibição do filme. Achei o Roberto... Quis deixar bem claro que eu discordo frontalmente da atitude dele; que minha atitude ficasse bem clara, que a minha atitude era oposta a dele; que eu exigia a liberação do filme, que eu continuo exigindo. Eu acho que é absolutamente inaceitável que isso tenha acontecido no Brasil, entendeu? Não tem nenhuma justificativa para que isso tenha acontecido. Isso, é apenas uma vergonha para o Brasil, que o presidente tenha proibido um filme, pessoalmente, porque nem a censura dele tem cara de proibir. Então, eu não briguei com o Roberto. Eu gosto do Roberto. Agora, eu fiquei com raiva dele falar, dele tomar aquela atitude, que eu acho aquilo uma coisa burra e acho hipócrita, esquisito. Vai ver o Roberto - é certo, tudo dele tem um tom de sinceridade - vai ver que ele é sincero por um lado; ele tem as devoções dele. Enfim, as transas místicas, as superstições, as fés (risos)

T - É, você também tem...
C - Também tenho. Mas eu tenho horror ao obscurantismo, entendeu? Isso é, eu acho que de jeito nenhum toda essa carga do irracional que irrompeu é com a minha geração e que eu acho que foi uma coisa assim, inevitável e maravilhosa, entendeu? Não me interessaria, absolutamente, se fosse um caminho para negar qualquer, como é que se diz, possibilidade de clareza, entendeu? Com relação às coisas, possibilidade de razão, entendeu? Eu, no fundo, gosto da razão. E o Jorge Mautner dizia com ironia, pra mim, em Londres: você é um iluminista (risos).

T - Me diga uma coisa. Você tocou aí no negócio de relações pessoais. Por que é que surgiu aquela onda de você brigado com o Chico? Você se lembra disso?
C - Não me lembro direito a época.

T - Já houve algumas.
C - Foi mesmo. Houve algumas coisas. Teve um período quando eu comecei a ficar famoso, o Chico é que era a figura mais famosa assim da música popular no Brasil e naquela época ainda se tinha o hábito de pensar. Não sómente isso. Tinha-se o hábito de pensar que não havia lugar para mais do que um ídolo de primeira.

T - A Globo continua pensando a mesma coisa.
C - Mas, na verdade, o povo não. Hoje em dia você vê, tem inúmeras pessoas do primeiro time em música popular no Brasil.

T - E foi bom trabalhar com o Chico nesse programa?
C - Muito bom. Trabalhar com o Chico no programa foi muito bom. E a única razão que me deixa um pouco de tristeza por ter parado o programa, embora eu mesmo tenha decidido parar, pois a convivência com o Chico, que era boa, foi ficando ótima; e de ótima foi ficando excelente, entendeu?


T - Houve penetração, não? (risos)
C - Eu não vou revelar.

T - (Risos)
C - Eu adorei os meninos da Camisa de Vênus que disseram que não aceitavam participar do Chico e Caetano porque não queriam participar de triângulo amoroso na TV. (risos)

T - Namoro na TV é sensacional (risos). Somos dois vagabundos né?
C - É sensacional.

T - Agora, vem cá! E esse negócio de neguinho como secretário de Cultura, como é o caso de Gilberto Gil?
C - É menino...

T - Eu quero saber sua opinião.
C - Acho muito bom, acho que é assim mesmo. Eu acho que é o risco que as pessoas devem correr, chegar lá, tentar fazer, as pessoas que têm pique como o Gil. O Gil tem pique pra negócio de trabalhar, administrar e não sei o que. Ele gosta desse negócio e precisa de alguém que faça alguma coisa.

T - E tenha coragem para fazer este tipo de coisa.
C - E que tenha coragem de chegar lá. O Capinan também está lá. Agora tá lindo lá, né?

T - Risério, Capinan, Gil...
C - O pessoal está trabalhando. Vamos ver no que dá. O problema é o Brasil ser ou não ser viável.

T - Vem cá, Caetano, tem um negócio que eu quero muito falar. É o seguinte: eu te acho muito corajoso, até discuti, briguei com o Tom Jobim. O Tom, quando lê o jornal diz assim: "O, Tarso, amanhã eu vou dar uma entrevista dizendo que o Jornal do Brasil é uma escrotidão total, que me discrimina." Aí, eu falo pra ele do João Ubaldo. Os dois estão vivos, então, posso falar claramente. Eu digo assim: "Vocês têm palavra, vocês têm palavra de ordem, vocês têm que falar essas coisas porque é muito melhor para o país o que se faz no palco. E sempre cito você como exemplo. Digo: "Olha, o Caetano vai no palco e diz que está puto...
C - Ah, cansei de fazer!

T - Você não acha que isso deveria ser seguido por outros artistas também? De falar no palco? Afinal, o palco é a tribuna dos artistas.
C - Ah! E eu fiz isso muito tempo porque houve um período que realmente o lance de campanha contra mim, contra o que representava o meu trabalho, era tão frequente e as mentiras tão absurdas, que eu ía pro palco e respondia e provava, argumentava, desmentia, entedeu? Desafiava. Agora, eu não sei se isso deve ou não ser seguido por outros porque dependente do temperameno e da situação.

T - Mas qual é a abertura que o artista tem? Você acha que a imprensa tem dado espaço?
C - Por exemplo, o Carlos Drummond de Andrade, enquanto poeta, disse que jamais discutiria nenhuma crítica de qualquer tipo feita à poesia dele. Que uma vez feito o poema, todo o mundo tem o direito de dizer o que pensa.

T - Mas com isso você não dá espaço pra crítica.
C - Eu tenho vocação crítica.

T - Você não acha que responder é bom?
C - Eu tenho vocação crítica, então eu tenho vocação pra responder.

T - Sei. Você não dá espaço pra ditadura da imprensa, quando você não fala, não responde.
C - Eu sou desse tipo. Eu preciso exercer minha atividade crítica explicitamente, também. Mas, por exemplo, o Milton Nascimento, o Chico.... O Milton Nascimento não é de falar muito, mas teoriza, não sei que. Mas a música que ele faz mexe o mundo. O João Gilberto não dá entrevista, não fala nada com ninguém, mas ele, pô, ele tapa a boca de um crítico, faz o outro falar só com a música dele. Ele mexe o mundo, entendeu? Eu acho que a tribuna do artista mesmo é a sua arte, tudo o que ele faz. O que não quer dizer que a pessoa não tenha uma atuação mista, como eu tenho, de também falar, enfim, de dar as minhas entrevistas no palco do show, em alguns momentos, em discutir as coisas que me parecem que vão atrapalhar.

T - (risos) Venha cá, vamos mudar um pouco de coisa agora. A gente já está chegando ao fim. O que você está achando desse país? Nós somos frustados pela estranha morte do Tancredo, e tem o PDS no poder. Como é que você vê esse país politicamente?
C - Eu senti profundamente todas essas frustações a que você se referiu e acho que a gente está numa situação péssima, no momento. E eu sou otimista por temperamento ou por decisão. Sempre fui, sempre fui otimista. Mas, como se diz, basta ler os jornais ou ligar a televisão para que você considere o seu otimismo ridículo (risos). E eu acho que a situação brasileira é péssima. Eu tenho uma coisa que me dificulta pensar sobre isso. É que eu não entendo de economia e acho muito difícil entender; e sempre tive preguiça, medo e dificuldade pra pensar nesse terreno árido das contas. Eu fico sem ter nada de interressante a dizer a ninguém a respeito desse assunto, a não ser que eu perceba que a situação está péssima e que, apesar de eu ter um otimismo básico, eu não tenho razão pra estar esfusiante com relação ao Brasil, de jeito nenhum. Agora, eu espero que o Brasil possa superar essas coisas porque tenho muitas esperanças em outros campos. Não quero que o Brasil pife no momento em que Arraes chegou ao governo de Pernanbuco. Eu quero algumas coisas viáveis no momento.

T - Waldir Pires, meu Deus.
C - Eu quero algumas coisas móveis no momento em que Waldir Pires chega ao governo da Bahia. Não é agora que eu quero que o Brasil caia.

T - Mas qual é a solução?
C - Não vou aceitar isso. Eu acho muito também sério ser pessimista demais.

T - Mas me diga uma coisa. Você não acha que está na hora de mudar o governo, colocar eleições diretas, alguma coisa?
C - Acho, eu acho que deveria ter diretas logo.

T - Mas não sentimos nada há 23 anos.
C - É, há muito tempo! Pois é! Há muito tempo.

T - Você pagou por isso já.
C - E muito. As coisas são todas feitas diretamente, saem diretamente do presidente da República. O presidente sai assinando. Você não pode chamar isso realmente de uma democracia. É uma transição. Não é que é lenta e gradual. Não está havendo mais nada. O que está havendo parece que é uma espécie de constipação um entupimento do canal que levaria a alguma democracia.

T - É. É uma coisa triste, né!
C - Pois eu acho que o problema fundamental é crônico e isso eu acho muito triste. Não é que eu ache que a situação seja péssima porque tá confuso, porque não deu certo o Plano Cruzado, porque o uso do Plano Cruzado, como campanha para eleger alguns governadores ligados ao governo, foi um desrespeito ao povo. Não é somente por isso. É que a situação social no Brasil é apavorante. Quer dizer, o número de pessoas na rua e um estado de mendicância que você encontra no Rio de Janeiro, sem falar nas cidades do Nordeste, mas no Rio, em São Paulo, entendeu? Os automóveis, tudo, as pessoas saem para o restaurante com um gravardozinho na mão...

T - A coisa é triste.
C - Tiram o cassete de dentro do carro, levam debaixo do braço, botam em cima da mesa do restaurante. É um negócio tristíssimo. Todos os carros têm alarme, todos eles disparam porque todo mundo se esquece e ninguém sabe se foi o ladrão ou o dono. Ninguém liga mais. Aqueles prédios de São Conrado têm metralhadora, polícia, microfone nos elevadores. No meu filme, eu falo claramente disso. Tá explicitamente falado. E eu acho isso. É uma coisa da questão social que você vê todo o dia.

T - E a mentirada que você vê todo o dia?
C - Então, eu acho que o Sarney foi um pouco uma pessoa que caiu ali por acaso e que não tem muita capacidade de realizar uma coisa forte assim. Não sei.

T - Não adianta.
C - Não sinto, firmeza, como se diz aqui no Rio. Agora também não sinto antipatia por ele, mas acho que ele é um sujeito, um cara que votou contra as diretas e agora é presidente da abertura, não é?

T - Quer dizer uma coisa de...
C - Me diga você uma coisa: durante todos os vinte anos da ditadura mesmo, eu tendo sido preso e exilado eu disse pra muitos dos meus amigos da esquerda, e disse de público, muitas vezes, que a gente precisava tirar da cabeça aquela fantasia de que a ditadura caiu de Marte. Eu achei sempre que a gente nunca se deu conta que a ditadura era a expressão legítima do Brasil. O Brasil era uma coisa que o Brasil podia fazer no momento em que o Brasil fez, e que expressava o Brasil de uma maneira genuína; e tanto isso é verdade que você, olhando em retrospecto poucos períodos de democracia que tivemos no Brasil, quase nenhuma, então eu lhe pergunto: será que a gente consegue fazer um estado democrático razoável, ter uma política liberal, respeitável, entendeu? Ou a gente tem que estar sempre sob o regime de força, sem que apareça ou um líder carismático. Ou voltar às Forças Armadas, entendeu? Pra botar essa gente nos eixos. Que gente somos nós? Por que a gente não se dá ao respeito? Por que eu perco a paciência com isso? Eu acho que, estarem as coisas como estão, a gente fica com uma impressão de que sempre a gente vai precisar de uma ditadura, ou será que terá que ser a ditadura do proletariado como revolução na frente? Eu acho que todo mundo devia se perguntar isso.

T - Eu acho o seguinte: o nosso problema é que nós temos o pior empresariado do mundo, que não dá uma fatia de bolo e que coloca as Forças Armadas exatamente como funcionários dessa ditadura; dessa ditadura da burguesia, não é? E as Forças Armadas aceitam esse papel. Eu acho que basicamente é um problema de falta de educação, sabe! Nós temos o pior empresariado do mundo, os fascistas. São piores no empresariado do que nas forças armadas, entendeu? Sendo que essa você pode ver. O 3º Exército, que é o maior Exército do Brasil com exceção dos Estados do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, e Sta. Catarina; eles, os fazendeiros, geralmente casam as filhas com oficias do Exército.
C - Enfim, formam uma casta de dominação.

T - É, formam aquele negócio. Nós não temos Forças Armadas. Nós temos na verdade funcionários dos fazendeiros, latifundiários e dos empresários.
C - É. Isso é uma loucura. E como é que isso pode, de algum modo, mudar? Você acha que é possível o esclarecimento dessas elites econômicas?

T - Não é que o Brasil é tão horrível, que fingiu que deu liberdade ao negro, só que colocou o negro na "classe" dele, entendeu?
C - A história do negro do Brasil depois da Abolição é a própria Abolição, o jeito...

T - Outro dia encontrei o porteiro do meu edifício falando mal de negro com meu filho. Levou um esporro. Entende?
C - É...

T - Aquele negrinho, sabe! Quer dizer, é foda!
C - Aqui mesmo nesse prédio, eu tenho amigos negros. Outro dia que teve uma reunião, negócio de síndico, não sei o que, de condôminos, e alguém disse sobre aquele negócio de trancar a porta para não passar da área de serviço para o elevador social, não sei o que. Eu sou contra esse negócio.

T - Acho chato, isso.
C - Não sabem como resolver isso.

T - Por onde é que o Gil entra? (risos)
C - Pois é, o Gil entra pela frente, pelo elevador social. Porque ia ser muito engraçado se fosse impedido de entrar.

T - Que coisa mais absurda. É um racismo total.
C - Mas não. Existir elevador de serviço, já é um negócio ridículo. É um negócio horroroso.

T - Encerrando o negócio político. Diga uma coisa: você tem um filho que estava aqui agora há pouco, o Moreno. O Moreno hoje tem 10 anos, não é?
C - Não, ele tem 14 anos...


1986 - Scarlet Moon de Chevalier, Moreno Veloso e Pedro de Lita

T - 14 anos? Eu estou ficando velho. Mas vamos supor que o Moreno tivesse 5 anos e que você o levasse até a Central do Brasil para ele ir ao surbúrbio. Aí você encontrava lá um sujeito que era o José Sarney. Você confiava o Moreno ao José Sarney?
C - Não. E por quê?

T - Não sei. (risos)


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