viernes, 1 de marzo de 2013

1984 - O NOME DA CIDADE




“Bethânia estava preparando um espetáculo todo inspirado em A hora da estrela, de Clarice Lispector. Tentei fazer uma canção de chegada ao Rio. Como sempre, não busquei tempo para retrabalhá-la bem. Entreguei achando-a ainda insatisfactória. Depois, anos depois, ouvi Adriana Calcanhoto cantá-la e achei bonita. Na verdade fui tentar cantá-la eu própio, em casa, e fiquei emocionado.”
(Caetano Veloso, Sobre as letras, Página 56)


Música y letra: Caetano Veloso
© 1984 Gapa / Saturno

Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!

Onde será que isso começa
A correnteza sem paragem
O viajar de uma viagem
A outra viagem que não cessa
Cheguei ao nome da cidade
Não a cidade mesma espessa
Rio que não e rio: imagens
Essa cidade me atravessa

Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!

Será que todo me interessa
Cada coisa é demais e tantas
Quais eram minhas esperanças
O que é ameaça e o que é promessa
Ruas voando sobre ruas
Letras demais, tudo mentindo
O Redentor que horror! que lindo!
Meninos maus, mulheres nuas

Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!

A gente chega sem chegar
Não há meada, é só o fio
Será que pra o meu própio rio
Este rio é mais mar que o mar

Ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô, êh, boi!, êh, bus!
Sertão...
Sertão, êh, mar!

   

1984 - MARIA BETHÂNIA
6253 2405 / 2:21
Álbum "A beira e o mar"
Philips LP 824.187-1, A-1.

1992 - ADRIANA CALCANHOTO
6450 5804 / 3:10
Álbum "Senhas"
Columbia/Sony Music LP 177.275/1-464.280, B-4.
Columbia/Sony Music CD 850.161/2-464.280, Track 11.


 
1996 - BELCHIOR
Álbum " Vício Elegante"
GPA Music CD 003-2, Track 8.


 
2007 - MARIA BETHÂNIA
Álbum “Dentro do Mar tem Rio – Maria Bethânia Ao Vivo”
Gravado Ao Vivo no Canecão nos dias 17, 18 e 19 de agosto de 2007
Biscoito Fino 2 CD’s bf 807, CD 1, Track 4.3.


2009 – MARIA BETHÂNIA
Álbum “Dentro do Mar Tem Rio”
Gravado no Citibank Hall (SP) em dezembro de 2007.
Biscoito Fino DVD BF 746, Track 4.3.


2011 – MARIA BETHÂNIA
Álbum “Dentro do Mar Tem Rio – Ao Vivo”
Gravado no Citibank Hall (SP) em dezembro de 2007.
Biscoito Fino Blu-ray BDBF 132, Track 4.3.



2014 – ADRIANA CALCANHOTTO
Álbum “Olhos de onda – Vivo Rio”
Grabado el 1° de febrero de 2014 en Vivo Rio (Rio de Janeiro)
Sony Music CD 888430 48672, Track 1. | DVD 88430 48689, Track 1.



● ● ● ● ● ● ● ●     ● ● ● ● ● ● ● ●



A HORA DA ESTRELA: A REPRESENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS PERSONAGENS DE CLARICE LISPECTOR POR CAETANO VELOSO E WALY SALOMÃO

(2006, Carlos André Rodrigues de Carvalho)


O NOME DA CIDADE: MACABÉA E A METÁFORA DA VIAGEM

Para narrar as desventuras de Macabéa, Caetano Veloso compôs O Nome da Cidade e A Hora da Estrela de Cinema. Na primeira, o compositor, partindo da metáfora da viagem, assume a personalidade de Macabéa, que narra suas impressões sobre os primeiros contatos com a cidade grande, no caso o Rio de Janeiro.

Ao contrário de Rodrigo S.M., que trata “de dramatizar ficcionalmente o ato da criação literária e vivenciá-lo como porta-voz de uma experiência de vida que lhe é social e existencialmente estranha” (FARIAS, 1992:8), Caetano Veloso transfere à Macabéa a tarefa de narrar suas impressões da cidade grande. O compositor, no entanto, aproveita muitas informações que ficaram nas entrelinhas da narrativa de Clarice e usa como chave principal para abrir A Hora da Estrela a partir do não-dito no livro:

Ôôôôôôô ê boi! Ê bus!
Onde será que isso começa
A correnteza sem paragem
O viajar de uma viagem
A outra viagem que não cessa
Cheguei ao nome da cidade
Não à cidade mesma, espessa
Rio que não é rio: imagens
Essa cidade me atravessa

Com uma melodia que mistura aboio (Definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: Melopéia plangente e monótona com que os vaqueiros guiam as boiadas ou chamam os bois dispersos). com lamento sertanejo, o compositor já inicia a canção com um verso que denuncia o estranhamento de Macabéa diante da cidade grande. O boi e o ônibus, respectivamente, meios de transporte da cidade natal da personagem e da metrópole onde ela foi parar, deixa isso bem claro para o ouvinte/leitor.

Mais que a saída de uma cidade do interior nordestino para uma metrópole, a viagem de Macabéa descrita por Caetano é também uma viagem muito mais longa, poder-se-ia até dizer que nunca termina. É a viagem dos sonhos irrealizáveis, da esperança em algo que a personagem talvez nem saiba o que é, tamanha sua ingenuidade perante a vida. Nos dois últimos versos, informações que dão uma pista das impressões de Macabéa da metrópole: uma, a poluição do rio, que não é desfrutável (como o da cidade dela), resumindo-se apenas a imagens; a outra, a insignificância dela para as pessoas que passam. “Essa cidade me atravessa” pode ser traduzida como a indiferença das pessoas com a protagonista.

Será que tudo me interessa?
Cada coisa é demais e tantas
Quais eram minhas esperanças?
O que é ameaça e o que é promessa?
Ruas voando sobre ruas
Letras demais, tudo mentindo
O Redentor que horror! Que lindo!
Meninos maus, mulheres nuas

A segunda estrofe é iniciada com três indagações de Macabéa diante da profusão de coisas que ela se depara. Diante desse mundo enorme, o que é ameaça e o que é promessa? Os viadutos, os cartazes e outdoors, os “trombadinhas” e as prostitutas em pleno trottoir ganham, na visão de Macabéa, definições de uma ingenuidade, no mínimo, comovente e, no caso destes dois últimos (os meninos de rua e as prostitutas) sem qualquer preconceito. O espanto, diante do Cristo Redentor, chega a ser maior do que a fé da personagem, que antes de se sensibilizar com a imensa estátua em concreto de braços abertos, se assusta.

A gente chega sem chegar
Não há meada, é só o fio
Será que pra o meu próprio rio
Este rio é mais mar que o mar
Ôôô ôô ô ô êh boi êh bus
Sertão, sertão ê mar...

Para compreendermos a sensação de abandono da nossa protagonista no Rio
de Janeiro, recorreremos a um texto clássico Georg Simmel (1976: 12), que busca na metrópole as características que condicionam e problematizam a vida moderna. Ele realiza em seu percurso uma radiografia desse espaço, diferenciando-o de outras formações urbanas do passado e associando-o com elementos da modernidade. A metrópole, para ele, é o lugar do fluxo constante de pessoas e objetos; é a sede da economia monetária, onde a dimensão econômica uniformiza as pessoas e as coisas e determina relações e atitudes; é, ainda, uma estrutura impessoal, que se sobrepõe aos indivíduos, indiferenciando-os. É, também, o lugar da divisão econômica do trabalho, da especialização, da fragmentação e do rompimento com vínculos históricos tradicionais.

Para Simmel, o mundo da metrópole moderna estaria impregnado do que ele chama de espíritos subjetivo e objetivo, com este último predominando. Ou seja: a metrópole é marcada por uma mentalidade racional, intelectual nesse sentido, que desconsidera os aspectos emocionais e existenciais dos indivíduos como forma de dar resposta aos variados estímulos e às demandas da “economia do dinheiro”. Daí, por conseguinte, uma atitude “prosaicista” é assumida, nivelando individualidades e diferenças, dessacralizando e dessubstancializando pessoas e objetos.

Macabéa só consegue a atenção dos estranhos na hora da morte, mesmo
assim é uma atenção relativa, já que todos se aproximam dela, mas ninguém se prontifica a ajudá-la: “Algumas pessoas brotaram no beco não se sabe de onde e haviam se agrupado em torno de Macabéa sem nada fazer assim como antes pessoas nada haviam feito por ela, só que agora pelo menos a espiavam, o que lhe dava uma existência” (LISPECTOR, 1977: 81).

Com base na teoria de Georg Simmel, notamos no primeiro verso que
Macabéa/Caetano reforça a indiferença da multidão já narrada antes. Ela é apenas mais uma no meio de tanta gente. Com o corre-corre da cidade grande, a presenta dela, como a dos outros, é ignorada. Se não a notam, como podem compartilhar da sua dor? O verso, assim, soa mais como uma queixa do que como uma constatação.

E ela chega a uma conclusão a partir de uma brincadeira com a expressão “o fio da meada”. Se em Alagoas a expressão faz sentido, no Rio de Janeiro a meada não existe: “tudo é um risco só”, como diz Caetano em A hora da Estrela de Cinema, a próxima canção a ser analisada.

O espanto diante do rio da cidade grande é tamanho que a personagem não
exita em perguntar se, para o rio da cidadezinha de onde ela saiu, aquele rio que ela agora vê é maior que o próprio mar. Demonstrando uma grande carga poética na sua narrativa, Caetano evita o pastiche literário. Cria uma Macabéa a partir da de Clarice Lispector, mas sem repetir passagens do livro que marquem a protagonista, como o hábito de ouvir a rádio relógio, a mania de tomar aspirina ou comer sanduíches.

No hay comentarios:

Publicar un comentario