El álbum Estranhos Frutos de Maria Bethânia -en homenaje a Billie Holiday con arreglos de Rogério Duprat-, anunciado por la Revista VEJA, en su nº 29 del 26 de marzo de 1969, pág. 82, nunca vió la luz.
Es probable que Caetano haya completado la versión en portugués de Strange Fruit de Lewis Allan (Estranhos Frutos) grabada en 1939 por Lady Day: por esa época estaba en Salvador confinado bajo régimen de prisión domiciliaria y muy poco después dejaría Brasil.
Tambien existe una versión en portugués de Gloomy Sunday (Rezso Seress/Laszlo Javor), Domingo sombrio registrada por Maria Bethânia y Piti (Robernival Costa Ribeiro/Pitti Costa).
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MARGOLICK,
David. Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção
Traducción de José Rubens Siqueira
Prefacio de Hilton Als
Presentación de André Midani
Editora Cosac Naify
2012
O GLOBO – Cultura
04/08/2013
Coluna
Caetano Veloso
O colunista escreve aos domingos
Lendo
A mensagem libertária de 'Strange fruit', de Billie
Holiday, sobre um jovem de Santo Amaro
Em “Billie Holiday e a
biografia de uma canção” — livro que ganhei de presente em João Pessoa —, David
Margolick observa que “Depois de um ciclo inicial de popularidade, “Strange
fruit” caiu em desuso por muitos anos, vítima do conservadorismo de uma era, do
idealismo e da esperança de outra e da desilusão de uma terceira.” Reconheci o
retrato dos anos 1950, 1960/70 e 1980. Devo ao ator Echio Reis e ao diretor
teatral João Augusto Azevedo o contato com a arte de Billie Holiday.
Amante da bossa nova de
João Gilberto, cheguei a Salvador, vindo de Santo Amaro, em 1960. Eu gostava de
Dolores Duran, Nora Ney e Maysa. Tinha ficado maravilhado com Ella Fitzgerald.
Echio e João Augusto me mostraram um leque variado de estilos que enriqueceu
minha sensibilidade. Entre Chet Baker e Ray Charles, Thelonius Monk e David
Brubeck, Billie surgiu como um universo estilístico à parte. Dentro desse
universo, “Strange fruit” era um caso especial. Não parecia uma canção de jazz.
Tinha mais parentesco com as canções de Kurt Weil para a “Ópera dos três
vinténs” de Brecht, que eu já conhecia da montagem de Martim Gonçalves para a
Escola de Teatro. Billie me hipnotizava. E “Strange fruit” me despertava pela
sua diferença. Eu mal começava a entender alguma coisa das letras em inglês. As
boas Emiliana e Celeste Aída, do Severino Vieira, tinham compensado o que o
curso ginasial ficara me devendo, mas ainda hoje tenho dificuldades de entender
inglês cantado. Echio me trazia
algumas letras escritas. E me contava histórias das canções. Explicou-me a
estranheza de “Strange fruit”. Eu ficava mais e mais impressionado com ela. E a
cantava com erros. Foi assim que a cantei no teatro Vila Velha, no meu show
solo, intitulado “Cavaleiro”, em 1965. Li agora que Nina Simone a gravou
nesse mesmo ano.
Nando Barros, o único
colega de sala no clássico que falava inglês, andava com uma moça americana,
preta, que tinha vindo numa missão do Peace Corps. Acho que ela foi a primeira
pessoa de quem ouvi que o racismo aqui era pior do que nos EUA. Essa observação
me impressionou muito, e quando ouvi, muitos anos mais tarde, opinião
semelhante dos lábios de Abdias do Nascimento, já conhecia a complicada reação
que isso provocava em mim: um misto de excitação curiosa (pela consciência de
que estava diante de algo inusitado, que exigia novos esforços mentais) e
amargura profunda. “Strange fruit” falava dos linchamentos de negros no Sul dos
Estados Unidos e, na minha lembrança, Nando foi ao teatro com essa garota preta
americana. Já disse que
cometia erros (de pronúncia e de entendimento das palavras). Mas a cena era
bonita. João Augusto nos ajudou (a mim e a Duda Machado, que tinha escrito e
estava dirigindo o show para mim) a iluminar as cenas em que Dedé, então minha
namorada, se metamorfoseava em Diadorim, cangaceiro, Carlitos... A roupa dela
era toda cáqui, com blusa e saia-calça: com posturas, gestos e a iluminação,
ela mudava de figura a cada música. Em “Strange fruit”, se não estou delirando,
ela punha uma flor onde Billie punha a famosa gardênia. A imagem composta por
Dedé de um lado, sob uma luz roxa que fazia seu traje parecer um vestido
noturno, eu do outro, cantando, e a escuridão. É gozado pensar no
provincianismo de vanguarda (como dizia Décio Pignatari) que devia ser essa
cena teatralmente presunçosa (mas bem-acabada) em que um cantor praticamente
desconhecido (e despreparado), numa cidade de província brasileira (e a de
maior população negra do país), cantava a canção que as eras obsoletavam. Eu
sentiria vergonha de ouvir como soava esse canto, mas não posso deixar de me
orgulhar de ter cantado essa canção quando ela estava ainda soterrada sob os
conservadores anos 1950 e às vésperas de sumir sob a maré de protestos que ia
se formar. A gravação de Nina não nos era conhecida (talvez nem tivesse
ainda sido feita).
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