sábado, 22 de mayo de 2021

2021 - ROBERTO MACHADO

 

1942, Recife (PE) - 19/5/2021, Rio de Janeiro (RJ)


28/6/2017 - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


“Devo a Nara Leão ter conhecido Roberto Machado. Eu não sabia que ele era professor de filosofia e que tinha estudado com Deleuze. Eu voltara de Londres e vivia na Bahia. Nara apareceu com o que julguei ser um namorado em minha casa de Ondina. Eu tinha acabado de ler O Anti Édipo e falei com humor e irreverência sobre o livro e os cacoetes dos pós-estruturalistas. Roberto ria muito. Fiquei sabendo que ele era autoridade em Deleuses e Foulcaults e toda essa turma. Nasceu uma amizade. Por um bom número de anos, encontrei Roberto com frequência, sempre com prazer e proveito intelectual. Também afetivo. Num dado momento, ele não mais apareceu em lugar nenhum em que eu estivesse. Devo ter dito ou feito alguma coisa que o levou a concluir que não perderia mais tempo comigo. Penso nisso sempre. Mas só com saudade. Sem mágoa ou culpa. Agora a saudade é total. Acabo de saber que ele morreu. Na introdução da edição comemorativa de Verdade Tropical digo o quanto ele foi importante na minha inconclusa, confusa formação. Roberto era refinamento parisiense em sotaque pernambucano intacto. Tenho muita pena de saber que não vou mais poder passar a limpo nossas conversas.”

[Caetano Veloso, 21/5/2021, Instagram]

 



Ademir Luiz da Silva e Carlos Augusto Silva

Trecho da entrevista feita com Roberto Machado entre setembro e outubro de 2012.


"...

Ademir Luiz da Silva: fala-se muito sobre o crepúsculo do livro em papel. O próprio Umberto Eco, que publicou em 2010, ao lado de Jean-Claude Carrière, o volumen Não contem com o fim do livro, fazendo uma defesa da perenidade do livro enquanto objeto, tem dado entrevistas em que reconhece ter retrocedido, reconhecendo a praticidade do livro digital. como o senhor de posiciona nessa polêmica?

Roberto Machado: Nasci no Recife, e moro no Rio de Janeiro. Há pouco tempo, voltando a minha cidade natal, encontrei um primo que não via há anos, e ele me lembrou um episódio esquecido de minha vida. Uma vez foi me chamar para jogar futebol, mas eu estava lendo um livro e lhe disse que não poderia. Querendo que eu fosse de todo jeito, ele insistiu: “Vamos rapaz, é bom!” E ele ainda se lembrava do que eu respondi: “olhe, o mesmo prazer que você tem jogando bola, eu tenho lendo um livro. Deixe eu continuar minha leitura. Depois eu vou!” conhecer essa pequena história me fez ver, com alegria, que o prazer que sinto até hoje com a leitura de um livro existe desde que eu era menino. Foi a leitura que me deu a primeira experiência do outro, do diferente. Ler deve ter sido a coisa que mais fiz na vida, e até hoje vivo maravilhado com essa possibilidade de, sem sair da solidão, entrar no mundo das pessoas que mais pensaram em todos os tempos e extrair, roubar delas o que mais nos interessa, inclusive o desejo de escrever. Ler ensina a ver com intensidade.

No final da década de 1990, Caetano Veloso compôs a música “Livros” em que diz que podemos amar os livros à semelhança “do amor táctil que votamos aos maços de cigarro”, comparação curiosa que pode hoje sugerir que, assim como o amor táctil pelos maços de cigarro é cada vez mais coisa do passado, o do livro também poderia se tornar. Tenho convivido com o livro em seu formato em papel, e tenho certeza de que vou desaparecer antes dele. Mas se, algum dia, ele vai desaparecer ou não, para mim isso não é o mais importante. Evidentemente, o livro é um objeto muito bonito, e os que são feitos atualmente no Brasil o são cada vez mais. Mas, quando fazia pesquisas de história das ciências no Rio e em Paris, quantas vezes detestei ter nas mãos um livro velho, mofado e poeirento! Estamos acostumados ao livro impresso, não podemos viver sem ele, mas, se ele desaparecer, as futuras gerações não terão saudade dele, do mesmo modo que não temos saudade dos papiros. o importante, para mim, é o que o livro diz e o que ele nos permite pensar, qualquer que seja o seu formato.

 ..."


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