1977
Revista Ele Ela
Ano
IX
Maio
de 1977 – n° 97
Editora
Bloch
Capa:
Jolanta Von Zmuda
Boleros e Sifilização
Caetano Veloso
1968
"I
want to hear and see everything".
Quando a gente não pode fazer
nada. Eu tenho muita sensibilidade. Anda, Luzia. Luz difusa do abajour lilás.
Tenho mesmo chorado no cinema. Entre dez estrelas, nove me fazem chorar. Tango,
choro, James Dean etc. Tudo é perigoso. Quando você sente as sutilezas da
qualidade; quando você se torna um perito, nervo por nervo; você deve começar a
pensar na probabilidade de seus delírios estarem-se agitando num universo
limitado e superável. Você pode estar a dois passos da impotência total,
comovido e deslumbrado, num útero. Estou falando sobre música popular no
Brasil, não tenho pensado muito em nada, mas o pouco que penso por esses tempos
é quase sempre sobre este assunto. Cada vez que eu falo, digo que o negócio é o
João Gilberto. Mas é que é. A gente avancalha e depois se esculhamba.
Quando a gente não pode fazer
nada, a gente avacalha... e se esculhamba. Eu acredito, entretanto, que, não
sei não, mas... quando a gente sente mesmo alguma coisa... sei lá... a gente
pode ver longe também. De repente essas teorias de Décio Pignatari me encheram
e me deu vontade de dizer que só a mentira, só a mentira atrasa. Só quando o
cara não sentiu mesmo. Só tenho medo é que ela tenha olhado pra mim naquele dia
e pensado: continua o mesmo: sem caráter e sem convicção. Só tenho medo é que
ela pense mal de mim. What's
music m'love? PUFF... PUFF.
Janis Joplin segue a tradição:
canta como se fosse um instrumento. Como se fosse uma guitarra elétrica com
distorção e tudo. Billie Holliday não tem mais jeito: quando a gente ouve
entende muitas coisas. Deixem eu falar à vontade. À vontade. Agora eu não estou
com medo. Estou com Pedro. Mas na hora de voltar à tona já não havia os
encantos submarinos e reaparecia a ânsia do afogamento. Você sabe? Você sabe,
por acaso? A essa hora onde andará meu amor? A essa hora, onde andarão os meus
amores? Meus dois, três amores? Onde andarão a essa hora? Onde está você? Adiós
muchachos, compañeros etc. Fome de amor. Por que elas me deixaram sozinho numa
hora tão difícil de se entender? A primeira, onde andará? E a única? E a OUTRA?
A primeira, a única e a outra, engraçado. Três grandes figuras. É pela única
que eu realmente estou procurando a essa hora. E a outra? Para ser mais exato.
Tem horas que me falta saco
para toda essa juventura. Estarei envilecendo? Brasil ou não o negócio é este
mesmo: quanto mais eu leso, mais expedição me aparece. Veja o presente caso
exemplar: se você escreve uma frase inteligível, melhor, não codificável (por
enquanto? as pessoas podem reclamar contra sua frase etc. etc., mas que
pessoas? É bem possível que nada seja mais inteligível e codificável do que uma
frase não inteligível e não codificável: é de esperar que alguém se obstine em
fazer coisas assim. Mas pra que também essa originalidade toda? Nada interessa?
Não sei. Mas, Brasil ou não, o certo é que a discussão volta a repousar nos
primeiros princípios: se os há ou não etc. &
daí? A bossa jornalística de São
Paulo é pior do que a do Rio? Belém, Belém do Pará... ah... "tem mangueira
na rua, nega / tem mangueira lá"... Belém, "Sombra Verde".
"El mundo fué y será una porqueria, ya lo sé", Libertad, Libertad.
Fico olhando pra Gal: depois de
um acontecimento facilmente reconhecível como genial (show, disco etc.), lá
está ela com os olhos em chamas, na sua angústia, sentindo com toda verdade o
verdadeiro sentimento ou, talvez, apenas como eu (mais infeliz), tendo a
sensação de ter perdido uma noite sob o sol dos boleros, na boca do lixo. Streptococus
& pepsi-cola.
O mistério da coca-cola. Se
algum dia ao menos se soubesse alguma coisa. O homem. O homem e sua coca-cola.
Gil sempre fala nesse fascínio pelo gosto da coca- cola. Gil fascinado?
Indiferente. Não acredito. Nada é menos suportável do que a idéia de que há
alguém indiferente. Eu só tenho medo. Eu só tenho medo de ficar indiferente
como de vez em quando tenho tido certos ataques ultimamente. Dizer que nesses
momentos nada importa é pouco: na verdade tudo se desmente, se destrói, se desconcerta
com uma rapidez insuportável, cansativa, agradável como água fria corrente
transparente, negra. Saudade é só o que resta como ístimo. (?). Quero estar
aqui entre as coisas visíveis. Mas bem que eu sei e é isso que me alegra e me
desgraça um pouco: estou é neurótico. Preciso fazer um tratamento
psiquipsicanalítico. Entretanto, como tenho sido feliz... Those are the days,
my friends. Essa canção me arrebata quando estou andando pelas ruas alegremente
e me amarga também: por causa do verbo no passado (were) e a alegria presente
da própria melodia. Mas eu tenho um antídoto: "Se você pensa" é a
música da salvação. Eu estou desafiando as forças do mal, a escuridão etc.
Daqui pra frente tudo vai ser diferente. Se você pensa que vai fazer de mim o
que faz com toda a gente que te ama. Vida, vida, tu deixaste em minh'alma uma
dor que seguirá sempre comigo. Sempre associo Roberto Carlos a Anísio Silva e
isso significa um pixe para o Roberto: ao invés de aparecer como inovador e
revolucionário líder da jovem guarda revitalizadora etc. etc., ele aparece como
mais um choramingas da geléia geral brasileira. Mas, no fundo, sei lá... eu
adoro Roberto e Anísio e muitas coisas mais. Neste caso por exemplo: Vida,
vida, se você pensa qua vai fazer de mim... há um tal amor, um perigo nisso
tudo. Parece que a podridão da nossa alma brasileira, a podridão pode revelar
pontos essencias. Que moleza. Boleros e balidos. Havemos de morrer todos como
carneiros calados? Brasil ou não, uma coisa é certeza: seria bom viver com
saúde e suportar o tempo e a morte sem pânico. Como eu odeio o misticismo negro
que me ronda!!!...
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