miércoles, 4 de marzo de 2020

1977 - BOLEROS E SIFILIZAÇÃO





1977
Revista Ele Ela
Ano IX
Maio de 1977 – n° 97
Editora Bloch

Capa: Jolanta Von Zmuda






Boleros e Sifilização

Caetano Veloso
1968


"I want to hear and see everything".

     Quando a gente não pode fazer nada. Eu tenho muita sensibilidade. Anda, Luzia. Luz difusa do abajour lilás. Tenho mesmo chorado no cinema. Entre dez estrelas, nove me fazem chorar. Tango, choro, James Dean etc. Tudo é perigoso. Quando você sente as sutilezas da qualidade; quando você se torna um perito, nervo por nervo; você deve começar a pensar na probabilidade de seus delírios estarem-se agitando num universo limitado e superável. Você pode estar a dois passos da impotência total, comovido e deslumbrado, num útero. Estou falando sobre música popular no Brasil, não tenho pensado muito em nada, mas o pouco que penso por esses tempos é quase sempre sobre este assunto. Cada vez que eu falo, digo que o negócio é o João Gilberto. Mas é que é. A gente avancalha e depois se esculhamba.

    Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha... e se esculhamba. Eu acredito, entretanto, que, não sei não, mas... quando a gente sente mesmo alguma coisa... sei lá... a gente pode ver longe também. De repente essas teorias de Décio Pignatari me encheram e me deu vontade de dizer que só a mentira, só a mentira atrasa. Só quando o cara não sentiu mesmo. Só tenho medo é que ela tenha olhado pra mim naquele dia e pensado: continua o mesmo: sem caráter e sem convicção. Só tenho medo é que ela pense mal de mim. What's music m'love? PUFF... PUFF.

    Janis Joplin segue a tradição: canta como se fosse um instrumento. Como se fosse uma guitarra elétrica com distorção e tudo. Billie Holliday não tem mais jeito: quando a gente ouve entende muitas coisas. Deixem eu falar à vontade. À vontade. Agora eu não estou com medo. Estou com Pedro. Mas na hora de voltar à tona já não havia os encantos submarinos e reaparecia a ânsia do afogamento. Você sabe? Você sabe, por acaso? A essa hora onde andará meu amor? A essa hora, onde andarão os meus amores? Meus dois, três amores? Onde andarão a essa hora? Onde está você? Adiós muchachos, compañeros etc. Fome de amor. Por que elas me deixaram sozinho numa hora tão difícil de se entender? A primeira, onde andará? E a única? E a OUTRA? A primeira, a única e a outra, engraçado. Três grandes figuras. É pela única que eu realmente estou procurando a essa hora. E a outra? Para ser mais exato.

    Tem horas que me falta saco para toda essa juventura. Estarei envilecendo? Brasil ou não o negócio é este mesmo: quanto mais eu leso, mais expedição me aparece. Veja o presente caso exemplar: se você escreve uma frase inteligível, melhor, não codificável (por enquanto? as pessoas podem reclamar contra sua frase etc. etc., mas que pessoas? É bem possível que nada seja mais inteligível e codificável do que uma frase não inteligível e não codificável: é de esperar que alguém se obstine em fazer coisas assim. Mas pra que também essa originalidade toda? Nada interessa? Não sei. Mas, Brasil ou não, o certo é que a discussão volta a repousar nos primeiros princípios: se os há ou não etc. & daí? A bossa jornalística de São Paulo é pior do que a do Rio? Belém, Belém do Pará... ah... "tem mangueira na rua, nega / tem mangueira lá"... Belém, "Sombra Verde". "El mundo fué y será una porqueria, ya lo sé", Libertad, Libertad.

    Fico olhando pra Gal: depois de um acontecimento facilmente reconhecível como genial (show, disco etc.), lá está ela com os olhos em chamas, na sua angústia, sentindo com toda verdade o verdadeiro sentimento ou, talvez, apenas como eu (mais infeliz), tendo a sensação de ter perdido uma noite sob o sol dos boleros, na boca do lixo. Streptococus & pepsi-cola.

    O mistério da coca-cola. Se algum dia ao menos se soubesse alguma coisa. O homem. O homem e sua coca-cola. Gil sempre fala nesse fascínio pelo gosto da coca- cola. Gil fascinado? Indiferente. Não acredito. Nada é menos suportável do que a idéia de que há alguém indiferente. Eu só tenho medo. Eu só tenho medo de ficar indiferente como de vez em quando tenho tido certos ataques ultimamente. Dizer que nesses momentos nada importa é pouco: na verdade tudo se desmente, se destrói, se desconcerta com uma rapidez insuportável, cansativa, agradável como água fria corrente transparente, negra. Saudade é só o que resta como ístimo. (?). Quero estar aqui entre as coisas visíveis. Mas bem que eu sei e é isso que me alegra e me desgraça um pouco: estou é neurótico. Preciso fazer um tratamento psiquipsicanalítico. Entretanto, como tenho sido feliz... Those are the days, my friends. Essa canção me arrebata quando estou andando pelas ruas alegremente e me amarga também: por causa do verbo no passado (were) e a alegria presente da própria melodia. Mas eu tenho um antídoto: "Se você pensa" é a música da salvação. Eu estou desafiando as forças do mal, a escuridão etc. Daqui pra frente tudo vai ser diferente. Se você pensa que vai fazer de mim o que faz com toda a gente que te ama. Vida, vida, tu deixaste em minh'alma uma dor que seguirá sempre comigo. Sempre associo Roberto Carlos a Anísio Silva e isso significa um pixe para o Roberto: ao invés de aparecer como inovador e revolucionário líder da jovem guarda revitalizadora etc. etc., ele aparece como mais um choramingas da geléia geral brasileira. Mas, no fundo, sei lá... eu adoro Roberto e Anísio e muitas coisas mais. Neste caso por exemplo: Vida, vida, se você pensa qua vai fazer de mim... há um tal amor, um perigo nisso tudo. Parece que a podridão da nossa alma brasileira, a podridão pode revelar pontos essencias. Que moleza. Boleros e balidos. Havemos de morrer todos como carneiros calados? Brasil ou não, uma coisa é certeza: seria bom viver com saúde e suportar o tempo e a morte sem pânico. Como eu odeio o misticismo negro que me ronda!!!...




































No hay comentarios:

Publicar un comentario