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ÉPOCA - Em 1965, você escreveu o artigo 'Primeira feira de balanço', contra os ataques do crítico José Ramos Tinhorão à bossa nova no livro Música Popular: um tema em debate. Ali já havia um gérmen da Tropicália?
Caetano Veloso -
Eu já tinha um lance pop tropicalista no
próprio título, inspirado no anúncio de numa grande loja de departamentos em
Salvador que liquidava para balanço. Foi uma utilização ready-made. Eu estudava
na Faculdade de Filosofia quando alguém me pediu um artigo para a revista Ângulos, da Faculdade de Direito. A
esquerda estava entusiasmada com o Tinhorão, que apoiava a xenofobia. Embora eu
falasse naquele tempo mal do rock e da Jovem Guarda, o gérmen tropicalista
estava ali.
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Fonte:
GIRON,
Luís Antônio. A vocação de
criticar. Entrevista com Caetano Veloso. Revista Época,
n° 390, 7 de novembro de 2005.
Primeira feira de balanço
Caetano Veloso
1965
I – Parêntesis
(A julgar pelos artigos histéricos reunidos
em livro pelo senhor José Ramos Tinhorão - infelizmente o único a colocar o
assunto música popular brasileira em discussão - somente a preservação do
analfabetismo asseguraria a possibilidade de se fazer música no Brasil. Embora
assim não esteja explícito em palavras no livro, a atuação dos artistas da
classe média é (se levarmos até o fim esse raciocínio) apenas um acidente
nefasto: não houvesse ocorrido isso e o futuro nos asseguraria pobres
autênticos cantando sambas autênticos, enquanto classe-médias estudiosos, como
o senhor Tinhorão, aprenderiam os nomes das notas. Restando apenas saber para
que aprendê-los.
Quanto a nós, resta esclarecer por que nos
demorarmos no comentário de um livro tão apaixonado, superficial quanto
pretenciosos de ser lúcido e profundo: esta comentário parece-nos ter sua
oportunidade justificada não apenas no fato de ser o livro do senhor José Ramos
Tinhorão o único que toca o assunto agora, mas principalmente, na certeza de
que ele representa a sistematização de uma tendência equívoca da inteligência
brasileira com relação à música popular. Sem dúvida, por amor à beleza do
samba, muitos salvadores têm conduzido seu pensamento de reação à inautenticidade
por um caminho enviesado: ao fim de um artigo em que proíbe orquestração, nega
Villa-Lobos, desanca as "tentativas nacionalistas" de Carlos Lyra, o
senhor José Ramos Tinhorão pára diante do fato absurdo e inexplicável de que
João Gilberto é um artista "realmente original")
II – Exposição
(Qualquer um pode ver claro que os
problemas culturais do Brasil estão bem longe de serem resolvidos. Depois da
elforia desenvolvimentista (quando todos os mitos do nacionalismo nos
habitaram) e das esperanças reformistas (quando chegamos a acreditar que
realizaríamos a libertação do Brasil na calma e na paz), vemo-nos acamados numa
viela: fala por nós, no mundo, um país que escolheu ser dominado e, ao mesmo
tempo, arauto-guardião-mor da dominação da América Latina. Se se fechou o
círculo vicioso da economia e da política abjetas, isto é, se os problemas
básicos estão distantes da solução a ponto de permitirem soluções às avessas,
não será no campo da cultura que nos teremos aproximado de uma autonomia definitiva.
Não se pense que estas palavras demonstram a tendência
simplista de estebelecer uma relação causal entre cada evento
político-econômico particular e os fatos culturais: sabemos a que proximidade
do ridículo tem-se chegado no afã de fazer uma ligação direta entre a
construção de Brasília, a pretensa indústria automobilística e a bossa nova.
Entretanto é necessário compreender a impossibilidade de a realidade cultural
extrapolar a totalidade que ela compõe).
A discussão sobre a música popular brasileira - raramente organizada em artigos, uma só vez em livro, mas sempre sugerida em shows e na seleção de repertórios - essa discussão difusa tem-se lançado na direção de algumas conclusões a respeito da validez cultural do movimento que se caracterizou por uma conscientização mais amadurecida da influência do jazz e que veio a se chamar, carioquissimamente, de bossa nova. Os menos ingênuos não esqueceram que há muito os elementos jazzísticos habitam os nossos gostos e os nossos ouvidos: o cinema falado é o grande culpado da deformação de excelentes vocações musicais; isto é, do desenvolvimento técnico malbaratado de artistas como Johnny Alf, Dick Farney: a produção desses rapazes corresponde a uma alienação da classe média subdesenvolvida cuja meta é assemelhar-se à sua correspondente no país desenvolvido dominante, tal como lhe é apresentada pelas cores de sonho do cinema que é produzido para isso.
Certo. Entretanto é
necessário ir além - compreender esse processo mas sob outro enfoque:
tratando-se de arte é sempre perigoso fugir à perspectiva estética. Ora. Depois
das invenções impressionistas de Debussy, o jazz foi a maior contribuição para
a música erudita contemporânea; como enriquecimento técnico e inovação formal,
como nova visão criativa-interpretativa-crítica, enfim, como revolução cultural
no seio da música, o jazz no processo alienatório que nos levou a tentar
dançar, cantar e mesmo namorar, viver como nos filmes americanos, não teremos
entendido corretamente esse processo se não atentarmos para o fato de que o
conhecimento do jazz pode representar de qualquer modo, uma necessidade
verdadeira de todos os estudantes de música, no mundo: o resultado do trabalho
de Carlos Gonzaga e Celly Campello não tem o mesmo sentido do de Luís Eça. Isto
é, claramente se diversificam os que querem a todo preço representar diante de
si mesmos e dos outros brasileiros a "grandeza" de se parecerem com
os americanos porque são americanos, dos que ouviram mais do que tudo, por
todos os motivos e mais um que é o fato de eles serem dotados do mistério da
musicalidade, o jazz. Sem dúvida, a imitação grosseira da pior música americana
e a busca de igualar-se tecnicamente aos melhores jazzmen não são senão dois
aspectos do mesmo processo de alienação. Mas quando se começou a falar em bossa
nova, outra coisa tinha acontecido: o surgimento do cantor João Gilberto em
discos orquestrados por Jobim - lançando os sambas do próprio Jobim - Carlos
Lyra - Vinícius de Moraes, revivendo Caymmi & Ary e citando Orlando Silva -
o surgimento de João Gilberto tem, musicalmente , um novo significado cuja
importância independe do fato de ele ter, por motivos de conforto profissional,
transferido residência para New York. Porque em João Gilberto (isto é, nos
arranjos de Jobim, na composição de Lyra, de Gilberto Gil, Chico Buarque de
Hollanda, no canto de Maria da Graça, enfim, em todos que aprenderam tanto com
João Gilberto) o jazz não é senão um enriquecimento da sua formação musical, um
ensinamento de outras possibilidades sonoras, com as quais se está mais armado
para compor, cantar e mesmo interpretar, criticar, redescobrir a tradição
legada por Assis Valente, Ary Barroso, Orlando Silva, Vadico, Noel Rosa, Ismael
Silva, Ciro Monteiro, e o grande Caymmi. Quer dizer, o disco chamado
"Chega de Saudade" - e tudo o que veio depois com força bastante para
ser fiel às suas maiores conquistas (malgrado o inevitável degringolamento
publicitário circundante) - esse disco superou a alienação que o antecedeu
exatamente por não ter fugido ao reconhecimento dos elementos que enriqueceram
inutilmente a técnica dos seus antecessores. E nos armou para revê-los: eles
tiveram a importância histórica de, seja por que caminhos que tenha sido, nos
colocar na possibilidade do domínio de uma técnica musical resultante de um dos
mais importantes movimentos surgidos em nosso século, no seio da música, e que
se tornou conhecido pelo nome de jazz.
Resta saber se tudo isso tem alguma coisa a
ver com o samba, essa forma que, levada pelos negros da Bahia, evoluiu no Rio e
de lá ganhou o Brasil através do rádio e do disco. Se acompanharmos a evolução
do samba até onde nos agrada ou interessa e o cristalizarmos num momento que
nos parece definitivo, poderemos nos ater ao samba de roda da Bahia e renegar
até o mais primitivo partido alto carioca reagindo contra a possível
inauteração do samba, muitos se voltaram para o morro e alguns acreditaram que
somente lá ele existe realmente: Carlos Lyra fez um samba sobre esse assunto e
foi compor com Zé Kéti e Cartola. Entretanto o samba há muito deixou de se
restringir ao morro como houvera deixado de se restringir à Bahia. E ninguém
pode de boa-fé, acusar Ary Barroso de uma apropriação indébita por expressar-se
em samba sem ter vivido no morro e sem ser semi-analfebeto. De resto, a
parceria de Carlos Lyra com o pessoal do morro não resolveu os seus problemas
de composição que só vieram a ter sugerida a sua resolução quando ele
compreendeu que é nessa tradição, representada por Ary, Caymmi, Orlando, Leo
Peracchi, que se inserem os nomes de João, Jobim e o seu próprio - artistas não
primitivos cujo trabalho está além do conceito pejorativo, de estilização.
(Ter atingido a consciência de que se pode
saber os nomes das notas e estar a par do que vem acontecendo com elas no
mundo, sem deixar de ser brasileiro, não é tudo. O problema do músico
brasileiro é o problema da libertação do Brasil. Depois de Jobim apareceram,
com um atraso de decênios, novos jazzmen subdesenvolvidos, toda a onda
publicitária que se fez (na imprensa como nas próprias produções musicais) em
torno da obra de João Gilberto; a reação contra isso (da parte dos que admitem
que os letrados façam samba), a princípio inspirada com equívocos e acertos nos
acertos e erros da protest song, terminou por gerar uma nova onda publicitária,
dessa vez fundada em demagogias esquerdizantes; tornou-se, então, comum a
combinação ostensivamente ridícula das duas coisas: mocinhas alegres por todo
Brasil repetiam os passos inventados por Lennie Dale enquanto, sorriso de Doris
Day nos lábios sustentando uma vocalização "just jazzy", discorriam
sobre os privilégios ou incitavam os pescadores à luta. Hoje (da parte dos que
não admitem samba a não ser primitivo) diz-se que a volta de Zé Kéti, Nelson
Cavaquinho e Cartola é a prova definitiva de que a bossa nova, mera onda
superficial, dá-se por finda. No entanto essa "volta" não parece
passar de uma necessidade da própria bossa nova, um elemento exigido pela sua
própria discussão interna. Não há nenhuma volta, eles sempre estiveram lá: até
hoje o samba de roda da Bahia permanece a despeito de Pixinguinha. De resto,
discos como "Roda de Samba" e "Rosa de Ouro" têm seu
sucesso restrito aos universitários. Enquanto o povo (e aqui podemos dar à
palavra povo o seu sentido mais irrestrito, isto é, a reunião das gentes) desmaia
aos pés do jovem industrial Roberto Carlos.
Pelo menos por intuição, concluímos que, agora a grande
guinada a dar na nossa discussão, é voltar ao ponto nevrálgico que a gerou:
rever o legado de João Gilberto. Os grandes sambistas tradicionais continuam
produzindo, mais que isso, sambistas novos surgem nos morros cariocas a
despeito da corrupção das escolas de samba (os "tradicionalistas"
argumentariam melhor se se apegassem à demonstração de sambas como
"CoraçãoVulgar" ou "Conversa de Malandro" de Paulinho da
Viola, compositor da Portela, de 23 anos). Se quisermos ser fiéis a Paulinho
sem deixar de fazer samba, temos de tomar com João Gilberto a melhor lição - a
que nos dá sua extraordinária intuição seletiva.
Quanto aos grandes problemas,
o da verdadeira popularização do samba, da sua volta como linguagem entendida e
forma amada de todo o povo brasileiro, o da desalienação das massas oprimidas
em miséria, slogans políticos e esquemas publicitários; esses, não os
resolveremos jamais com violões).
III – Interpretação
Os sons que Antônio Carlos Jobim organizou
com flauta, violinos, bateria, contrabaixo, madeiras, metais e João Gilberto
(canto e violão), isto é, a organização sonora que lhe foi sugerida pelo
entendimento do violão e do canto de João Gilberto é, ao mesmo tempo, samba
popular e música de câmara, com muitos ensinamentos colhidos no jazz. Mas não é
jazz. Basta ouvir "Rosa Morena" de Caymmi: um assobio malandro, uma
flauta lírica parecem nascer do violão que, por sua vez, resulta das notas e das
palavras da melodia; tudo compondo uma peça de forma redonda e acabada. Não se
trata de uma superposição de formas nem de uma (como muitas) tentativa (desde a
premissa, frustrada) de resolver uma forma pela outra: aqui não se aprimoram as
fórmulas conhecidas para dar uma aparência de "jazz" ou de
"clássico" ao samba que se interpreta, nem se considera o samba um
mero tema a partir do qual se pode realizar uma peça "erudita" ou
"jazzística". Todo o conhecimento técnico, adquirido onde quer que
seja, está a serviço da recriação da forma samba, do jogo rico que se faz com
seus elementos, os sons distribuem-se ritmicamente para reencontrar o gosto
pelo gingado, o domínio do ritmo complexo do samba, para, daí, atingir (como
poucas vezes se conseguiu) seus conteúdos: a malícia, uma certa nostalgia, o
dengo.
É que João Gilberto é, de todos os tempos,
o intérprete brasileiro que melhor compreende a bossa, esse mistério que habita
o sambista, e melhor pode jogar com ela. Apenas Orlando Silva houvera intuído
de forma tão completa, nuance por nuance, a musicalidade brasileira, sua
filigrana. Sendo que João tem a vantagem de ser um músico mais formado: seu
violão, sua capacidade harmônica lhe possibilitam estar presente em todo o
instrumental que o acompanha, expandir seu canto até a brisa dos violinos, até
o gemido do trombone, o ornamento da flauta. Como disse Jobim: "quando
Joãozinho se acompanha, a orquestra também é ele".
Fora da história do jazz, que é
principalmente uma arte de intérpretes, raramente um cantor ou um
instrumentista chegou a reformular tão profundamente toda uma cultura musical,
sugerindo, inclusive, caminhos para os compositores: dos sambas que João
Gilberto lançou ("Chega de Saudade", "Saudade fez um
Samba", "Insensatez", "Outra Vez", "Coisa mais Linda")
podemos dizer, parodiando Jobim, que também são João Gilberto. Porque através
dele é que os compositores descobriram, com mais segurança, como organizar seus
conhecimentos no sentido de expressar-se com fidelidade à sua sensibilidade de
brasileiros.
Sem dúvida, alguns aspectos da sua maneira
peculiar de ver e cantar as coisas foram, de boa ou má-fé, distorcidos pela
confusão que se faz entre o que um artista pode dar aos outros em abertura de
visão e o que de mais exterior pode ser reconhecido no que há de pessoal em seu
trabalho. Equívoco que é a descoberta do tesouro para os que têm o olho fixo
nas facilidades comerciais proporcionadas pela redução publicitária: a atitude
poética impotente e fresca, a pirotécnica musical, os mil barquinhos e
florezinhas e marzinhos azuisinhos tão odiados por Narinha são o resultado
final disso.
Mas os verdadeiros frutos da obra de João
Gilberto não são as deformações publicitárias e sua maior conquista não é ter
gravado um disco nos Estados Unidos, no qual o esforço simpático de Stan Gets
em tocar música brasileira não é bastante para criar interesse por nada além do
próprio João cantando "Pra machucar meu coração" ou "O grande
amor": os grandes frutos de sua obra são a "Marcha da quarta-feira de
cinzas", a briga de Nara que possibilitou o surgimento de Maria Bethânia,
as buscas de Edu, Chico Buarque de Holanda, a necessidade de reestudar a música
brasileira, o show "Rosa de Ouro"; o fruto de seu trabalho é o
trabalho daqueles que souberam discernir entre ensinamento e o estilo. (No
fundo o que gerou muita confusão foi o fato de o gosto poético musical de João
ser aquele que só vamos encontrar realizado em Caymmi, compositor. Isto é, uma
forma muito mais próxima dos sambas da Bahia do que do sambão. Muitos
acreditaram que o negócio era basear-se nessa diferença e alguns - porque, de
resto, o grande sambista Dorival Caymmi nunca foi devidamente reconhecido em
sua grandeza - acusaram Joãozinho de assassino do sambão, pra eles o único
verdadeiro samba).
O fruto do trabalho de João Gilberto é o trabalho daqueles que aprenderam com ele apenas porque uma canção só tem razão se se cantar.
IV – Depoimento
O que chamamos, hoje, de música popular não
passa de uma forma vulgar de expressão poético-musical. Na medida em que se
tornou um jogo inculto e semi-erudito de formas várias, de elementos colhidos
em diversas tradições, tendendo a quedar desligado de qualquer tradição e,
sendo vinculável a cultura nenhuma impotente de impor-se, ele próprio, como
tal. Isto é: o samba, passando a ser divulgado pelo rádio e pelo disco, (vale dizer
- por e para a classe média), mostra uma linha de evolução clássica (no sentido
de coerente com a organicidade evolutiva de uma cultura) bastante tênue e
interrompida, perdida no emaranhado flutuante da mediocridade. Ou ainda: os
sambas primitivos da Bahia, os partidos-altos e sambas-de-morro cariocas, etc.
são uma cultura; mas o resultado global do que sai em disco e se ouve no rádio
não significa absolutamente nada. Mais: é diluída na incultura apátrida que o
artista que necessite vai buscar a possível continuidade evolutiva de uma forma
de expressão das mais importantes na sugestão de uma cultura brasileira; e
através do mecanismo comercial que exige essa diluição é que ele leva à feira
os seus trabalhos.
É a duras penas que o samba aflora com
espontaneidade em Ary possivelmente ninguém perfez uma obra como a de Caymmi: a
tendência de ampliar os meios expressivos esteve sempre a serviço da
vulgarização.
Penso que este ainda é o nosso problema, ou
melhor, que o movimento que surgiu com o nome de bossa nova valeu
principalmente por nos exigir a colocação desse problema. Vejo que é a muito
duras penas que se conseguem alguns momentos de organicidade em nosso trabalho;
que raramente alguma coisa reconhecível se adensa para logo depois se perder na
confusão: a gente faz um samba quase sem querer de tão bonitinho, exulta por
acreditar ter realizado um bom momento na trajetória dessa linguagem - eis que
são tão poucos os músicos ainda capazes de ouvi-lo, enriquecê-lo, compreender o
que ele pode significar, aprender com ele ou, no correr dahistória,
reensiná-lo; e mesmo esses têm poucas oportunidades de se responderem uns aos
outros. É simples: se eu componho porque gosto do samba e tento - tendo
aprendido a cantar com Ciro, Noel, Lyra, Caymmi - voltar ao lirismo simples do
samba de roda e lançar o resultado disso para o futuro, isto é, para Gracinha,
Chiquinho, Edu, Berré, aí eu me concedo pensar que estou fazendo alguma coisa e
creio na validez de continuar fazendo, mas se a tentativa que exigia ser
entendida e complementada termina por trasmitir-se numa linguagem fragmentada
ou, mesmo quando se insinua uma unidade semântica, por vender-se na feira de
retalho onde suing, cool, renascença, poesia brasileira moderna, blue,
esquerdismo, bop e até samba são comprados em quantidade de liquidação, aí
tem-se que reconhecer que não se está dizendo nada.
Com os meios de divulgação (servindo-se da)
mediocrização das massas, o samba e sua discussão interna são do interesse de
uma elite. Os grandes sambas tradicionais do Rio de Janeiro cada vez se afastam
mais do carnaval. Sem demagogia, temos de reconhecer que mantemos acesa a brasa
do samba graças ao interesse de uma facção da juventude universitária pelo
futuro da cultura no Brasil. E isso diz respeito a todos nós - de Edu a
Batatinha. Quando João Gilberto, de volta aos Estados Unidos, recusou-se a
cumprir um contrato em São Paulo, um jornalista afoito acusou-o de temer a
concorrência com a "nova fase" da música brasileira, e de estar
desatualizado em relação a ela. Eu acho que a gente não se deve deixar enganar:
estamos ainda na primeira etapa; a inevitável eclosão da bossa nova é,
comercialmente, natimorta e, culturalmente, vive safando-se do comércio, tanto
quanto precisa dele, o que lhe possibilita apenas andar bem devagar. Estamos
tentando a linha perdida. Há uma facção da juventude brasileira que não aceita
com facilidade a aplicação que se faz - na interpretação de fenômenos
publicitários que sustentam algumas mocinhas tão suburbanas quanto Emilinha
Borba e rapazes a meio caminho entre beatle e Francisco Carlos como ídolos - de
frases (mais ou menos inteligentes) ditas na Europa a respeito de juventude e
"ritmos alucinantes" porque, encontrando-se bem mais diante de uma
realidade difícil mas palpável do que do caos, não as pode considerar
aplicáveis a ela própria. Bem mais preocupados em assumir e resolver essa
realidade, os jovens brasileiros exigiram-se rever suas tradições e criar uma
cultura verdadeira que os sedimente como brasileiros. No seio da música, esta é
a primeira investida: as primeiras discussões que foram postas ainda não foram
ultrapassadas. Esta terminou sendo, também, a primeira investida publicitária,
em grande escala, da música brasileira: na feira onde balanço, bostela e monkey
se equivalem, é que tentarmos vender a nossa busca do samba em paz.
2005 |
Estimada Angelina, parabéns pelo seu incrível trabalho de garimpagem e publicação de uma parte importante da história da cultura brasileira. Abraços, Mario Ramiro, São Paulo
ResponderEliminarops... estimada Evangelina!
ResponderEliminarMuito obrigada!!!!
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