Paris, 13/6/2000 - Foto: Frederic Reglain |
4/6/2000 - Basel - Suisse - Stadt Casino
5/6/2000 - Zurich - Suisse - Kongress Saal
5/6/2000 - Zurich - Suisse - Kongress Saal
7/6/2000 - Koln - Germany - Philarmonic Hall
9/6/2000 - Telaviv - Israel - Perf Arts Center
10/6/2000 - Telaviv - Israel - Perf Arts Center
10/6/2000 - Telaviv - Israel - Perf Arts Center
13/6/2000 - Paris - France - Teatre Grand Rex
15/6/2000 - Londres - England Barbican
16/6/2000 - Londres - England Barbican
16/6/2000 - Londres - England Barbican
17/6/2000 - Bruxelles - Belgique - Palais des Beaux Arts
19/6/2000 - Milano - Italia - Teatro Smeraldo
20/6/2000 - Milano - Italia - Teatro Smeraldo
20/6/2000 - Milano - Italia - Teatro Smeraldo
22/6/2000 - Lisboa – Portugal - Coliseu
23/6/2000 - Lisboa - Portugal - Coliseu
24/6/2000 - Espinho - Portugal - Cassino
26/6/2000 - Porto - Portugal - Coliseu
27/7/2000 - Porto - Portugal - Coliseu
23/6/2000 - Lisboa - Portugal - Coliseu
24/6/2000 - Espinho - Portugal - Cassino
26/6/2000 - Porto - Portugal - Coliseu
27/7/2000 - Porto - Portugal - Coliseu
29/6/2000 - Barcelona - Espanha - Pueblo Espanhol-OA
1/7/2000 - Malaga - Espanha - Teatro Cervantes
3/7/2000 - Madrid - Espanha - Cuartel Don Duque
1/7/2000 - Malaga - Espanha - Teatro Cervantes
3/7/2000 - Madrid - Espanha - Cuartel Don Duque
5/7/2000 - Roma – Italia - Piaza Navone
Alemanha - Catedral de Colônia |
13/6/2000 - Paris - Henri Salvador, Caetano e Georges Moustaki |
13/6/2000 - Paris - Paula Lavigne, Caetano e Pina Bausch |
FOLHA DE S.PAULO
16/6/2000
São Paulo, domingo, 27 de agosto de
2000
Pina Bausch
Aquela coisa toda
"Encontrei uma força viva que
funcionava como se estivesse
recebendo o "Sgt. Pepper's" e os
contos de Clarice"
por Caetano Veloso
Ensaio todos os meus shows sentado de frente para
os músicos. Os movimentos de corpo que vou adicionando, depois subtraindo,
substituindo -mas que, ao longo das temporadas, vão se multiplicando- , começam
a se formar quando o show já está diante do público. Isso é o que me permite
uma atitude desabusada com respeito às quase-danças que acompanham minhas
apresentações de canções no palco. Não sou dançarino. Já na estréia de
"Livro Vivo", em São Paulo, eu deliberadamente fazia, num determinado
momento, gestos repetitivos, maquinais-obsessivos, num estilo que muitos
associam ao trabalho de Pina Bausch: era um aceno a essa artista que me
apaixona.
Na canção "Jorge de Capadócia", quando na
letra se diz "cordas e correntes arrebentem/ sem o meu corpo
amarrar", eu repetia diversas vezes (e independentemente do ritmo em que
estava cantando) o gesto de desatar amarras, passando um pulso pelo outro com
rispidez e abrindo os braços até meio-caminho, onde o movimento se interrompia
e recomeçava. Era uma referência, parente dos flashes de Carmem Miranda ou de
Mick Jagger que brilhavam por alguns segundos no show de "Transa", em
Londres, 1971. Fora essa citação, não há nada da dança de Pina Bausch nas
minhas dancinhas de "Livro Vivo". Embora hoje haja muito de Pina
Bausch em mim.
Pina estava em Paris na platéia de "Livro
Vivo", no mês passado. Lá também estava Betty Milan, que escreveu um texto
muito terno sobre o show. Nesse texto, Betty conta ter percebido a presença
constante da dança de Pina na minha dança. Mas a verdade é que a grande
influência no desenvolvimento do meu gestual cênico vem de outra dançarina:
Maria Esther Stockler, sobre quem escrevi palavras entusiásticas no livro
"Verdade Tropical" (e de cuja arte se podem ver exemplos no filme
"O Cinema Falado"), mas cuja contribuição propriamente artística não
encontrou, no referido livro, o espaço de comentário que mereceria.
Curiosamente, foi Betty Milan quem me chamou a atenção para o fato de ser esse
meu tão extenso livro uma conversa entre homens, em que as mulheres não parecem
ter presença de criadoras ou pensadoras.
De fato, por mais impactante que tenha me parecido
o estilo pessoal (e literário) de José Agrippino de Paula, Maria Esther
Stockler não poderia estar no livro apenas como sua namorada, quando, no fim
das contas, há mais influência direta da arte dela sobre a minha do que poderia
haver da dele. "Clube do Bolinha". (Tampouco aparece no livro
referência ao trabalho de Eveline Hoisel sobre "Panamérica", trabalho
que li antes mesmo de ser publicado e que desmente minha afirmação de que a
"epopéia" de Agrippino não teve acompanhamento crítico
significativo.) Maria Esther, com sua independência, sua feroz radicalidade,
resguarda do lixo vulgar do mundo publicitário em que atuamos os passos
sagrados, os acenos a um tempo viscerais e etéreos, os meneios cultos e
orgânicos que ela tem sabido desenvolver. É o que vejo nela que, quase sem
pensar, busco nos esforços de purificação corporal libertadora com que, entre
outras coisas, tento salvar-me de mim mesmo. Maria Esther Stockler, uma
bailarina brasileira.
Conquista pela surpresa
Pina Bausch é outra coisa para mim. Chegou muito
depois e me conquistou pela surpresa. O importantíssimo acontecimento que foi a
volta ao Brasil de Gerald Thomas como diretor de teatro trouxe às conversas que
ouvi -e aos artigos que li- dois nomes: Bob Wilson e Pina Bausch. Ligavam
sempre ambos a uma estética de alta formalização e a uma temática do desespero
expresso em movimentos obsessivos. Nunca vi nada de Wilson. Vi as encenações de
Thomas e, embora me impressionasse a adequação da produção aos efeitos
almejados -e ele me parecesse, ao menos quanto a isso, deixar o resto do teatro
brasileiro na pré-história-, nada chegou a me encher as medidas como o tinham
feito o "Zumbi" de Boal e "O Rei da Vela" de Zé Celso -e
como veio a fazê-lo o recente "Ventriloquist" do próprio Gerald.
As primeiras peças dele a que assisti me sugeriam
vitrines bem-arrumadas em que se expunha, não sem uma certa ironia, a
estetização de um pessimismo de convenção. Quando vi o grupo de Pina pela
primeira vez, no Municipal do Rio, com um espetáculo em que se dizia que os
bailarinos dançavam sobre lama e uma mulher chorava por 15 minutos, com grito e
montanha no título, fiquei estarrecido. Em vez da butique do desespero que seus
supostos admiradores brasileiros anunciavam, encontrei uma força viva, uma
inspiração genuína que funcionava em mim como se eu estivesse recebendo pela
primeira vez (e ao mesmo tempo) os contos de Clarice Lispector e o "Sgt.
Pepper's Lonely Hearts Club Band".
As roupas ocidentais modernas nunca foram
comentadas pela dança com tanta profundidade. A lama era um desafio cenográfico
que, por se lograr do modo como se lograva, perdia o caráter de notícia e,
ainda assim, não se gastava como efeito, sempre oferecendo grandes
oportunidades de experiências tenras, novas -isso ao longo de horas. A mulher
que chorava no intervalo trazia um tal sinal de frescor do ânimo do grupo, era
um tal testemunho da realidade do teatro e da teatralidade do real, que a gente
não tinha como reagir com uma resposta pronta: a gente tinha que se demorar,
conviver, pensar, parar de pensar, parar para pensar. Um uivo de lobo com lua
de papel colada no fundo do palco; uma mulher que andava sobre um imaginário
chão vertical na linha da cortina lateral do palco, repetidamente carregada por
um grupo de homens desde o chão até o mais alto que desse; um torneio de
natação (a lama sobre o palco). Em suma, eu me comovia e me esquecia de mim e
reencontrava lugares do espírito que aos poucos reconhecia e era levado a
outros lugares que desconhecia até então e que me faziam entender melhor os
antigos lugares. Tinham me anunciado um show de idéias cromadas e eu encontrava
a vida. Me falavam de Gerald e de Antunes e de Bia Lessa e de Bob Wilson e eu
só me lembrava de "Aquela Coisa Toda" do Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Instância precária
Isso aqui é uma confissão algo acrítica de um espectador que se sente artista enquanto assiste. "Aquela Coisa Toda" foi uma das minhas mais intensas experiências como espectador de teatro. Não poderia talvez criticamente comparar-se ao "Zumbi", ao "Rei da Vela", ao "Macunaíma". Contemporâneo deste último, o espetáculo do Asdrúbal era-me, então, grandemente preferível. É que a instância crítica é uma instância precária.
Instância precária
Isso aqui é uma confissão algo acrítica de um espectador que se sente artista enquanto assiste. "Aquela Coisa Toda" foi uma das minhas mais intensas experiências como espectador de teatro. Não poderia talvez criticamente comparar-se ao "Zumbi", ao "Rei da Vela", ao "Macunaíma". Contemporâneo deste último, o espetáculo do Asdrúbal era-me, então, grandemente preferível. É que a instância crítica é uma instância precária.
Os atores do Asdrúbal tinham necessariamente que
ser aquelas pessoas. O palco de repente ficava nu, enquanto eles surgiam em
pontos dispersos da platéia para lançar perguntas aos integrantes do grupo.
Essas perguntas eram cômicas, tocantes, embaraçosas: e o palco vazio e silente
deixava-nos com um espaço aberto na mente, um pouco assustados, um pouco
melancólicos, como na experiência de certos poemas. Quando a situação de
repente se invertia e os atores se amontoavam no palco e respondiam perguntas que
não se ouviam, o silêncio da platéia saía de cada espectador como se fosse uma
exposição de suas responsabilidades. De repente, Dionisos em pessoa fazia uma
aparição. Quando, ao final, depois de os atores quase-dançarem um périplo pelos
Estados do Brasil, eles aderiam, com palavras justas e passo marcado, às greves
então arriscadas e pioneiras dos operários paulistas, a dimensão política se
nos revelava como uma questão moral íntima, como um movimento do afeto.
Isso tudo era considerado pela crítica profissional
como "narcisismo", um "olhar para o próprio umbigo". E,
como o público convencional de teatro acompanhava a crítica no entusiasmo pelo
"Macunaíma" de Antunes, e o público especial que o Asdrúbal tinha
criado para si com "Trate-Me Leão" não reencontrava o costumismo
dessa peça em "Aquela Coisa Toda", assisti a esta última muitas vezes
quase sozinho no teatro. O que me deixou na memória um segredo estético que não
compartilho bem nem com os responsáveis pelo espetáculo. De fato, foi essa qualidade
de alma que reencontrei na primeira visão do teatro de Pina -mas Hamilton Vaz
Pereira, o diretor de "Aquela Coisa Toda", na platéia do Municipal
naquela noite, me confessou não ter percebido o encanto do Tanztheater de
Wuppertal.
Eu, porém, entre Rio e Nova York -e depois em
Wuppertal, na celebração dos 25 anos da companhia- , vi tudo o que pude de
Pina: quase todo o repertório. E sempre a renovação e o aprofundamento da
esplendorosa impressão inicial. E sempre a surpresa.
Propus-me a saudar Pina Bausch quando aceitei
escrever aqui sobre sua arte. E, no fim, me entreguei a digressões que são
retalhos de autobiografia (e reparos à quase-autobiografia que já publiquei em
livro). E o que sinto que falta dizer não é de outra natureza.
Devo aqui saldar uma dívida enviesada com o
teatro-dança de Tom Zé. O momento em que ele tirava partido do fato de estar
sentado numa cadeira diante de um microfone, com minuciosa inventividade, foi
um dos mais entusiasmantes para mim do show que ele apresentou, faz poucos
anos, no teatro Vila Velha, na Bahia. Paula Lavigne, que estava comigo, me
disse depois do espetáculo: "Você é legal, tudo o que você faz pode ser
interessante, mas isso aí é diferente: isso aí é um gênio". Foi no
"Circuladô" que eu fiz, pela primeira vez, um número de cantar
meio-dançando sentado na cadeira: era o tango "Mano a Mano" e eu
contracenava com o violão.
Depois, no show "Fina Estampa", criei
variações para isso em "Lamento Borincano".
O que vi de Tom Zé no Vila Velha era tão diferente do que faço que eu nunca pensei em relacionar as duas coisas. Muito menos em considerar precedências. Mas é certo que Tom Zé estava ali repetindo -ele o disse- um número que ele tinha feito na TV anos antes. Ao me ver recentemente no show "Livro Vivo", fazendo um número assim, Tom Zé sentiu-se mal. E me disse isso. Como muita gente viu "Livro Vivo", e muito pouca gente viu Tom Zé fazendo aquele número, preciso dizer de público que, em matéria de cantor cantar dançando-representando sentado na cadeira, o número de Tom Zé não é apenas diferente do meu, mas muito melhor. E talvez anterior. Além de não ser seguro que eu não tenha, inconscientemente, pegado algum detalhe exterior daquilo que ele fazia. Muita dor atravessa esses anos todos em que fui famoso e Tom Zé não.
Antes disso, ele e eu aprendemos muito com Boal. O
"Arena Canta Bahia" era sobretudo teatro-dança. Chico Buarque acha
que, no meu livro, fui injusto com Boal. Não fui. É injusto deixar parecer que,
no livro, não traço, ao falar dele, o retrato de alguém grandioso
artisticamente. Pediria a quem pensou como Chico que reconsiderasse o teor dos
elogios ali contidos à personalidade artística de Boal. Que houve, no momento
do tropicalismo, um antagonismo explícito entre nós e ele, não quis (nem
deveria) negar. Narrei-o. Qualquer leitor pode decidir que Boal, e não os
tropicalistas, é que tinha razão.
Deveria falar também da angústia de ter demorado
tantos anos para ver Denise Stoklos no palco. Se este fosse um artigo crítico,
eu não poderia deixar de medir a importância que ela tem para mim. E os que
fazem dança propriamente, no Brasil: o grupo Corpo, Débora Colker, tantos. Mas
a dança, em estado puro, tinha que ficar aqui representada por Maria Esther
Stockler.
E Pina Bausch? Lá vai Caetano, dirão, olhando para
o próprio umbigo, escrevendo sobre si e sobre o que vai escrevendo sobre si.
Mas não é. É que entrar em contato com uma artista grande como Pina é
arriscar-se a passar por mudanças que requerem auto-reexame. Em outras
palavras: a quem me dá a vida não posso oferecer nada menos do que isto: a
minha vida.
Caetano Veloso é compositor e cantor, autor do livro
"Verdade Tropical" (Companhia das Letras).
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