martes, 21 de junio de 2016

1975 - Revista NAVILOUCA






 




































































 




 
Revista de poesia e arte de vanguarda editada por Torquato Neto e Waly Salomão. 
Foi editada em 1972 mas lançada somente em 1974, como "primeira edição única"




Waly Sailormoon/Waly Salomão


Ivan Cardoso e as Ivanps



Poema de Caetano Veloso
   



Capa: 17 escritores e artistas que participaram da publicação; da esquerda para a direita, e de cima para baixo: Lygia Clark, Luiz Otávio Pimentel, Duda Machado, Hélio Oiticica, Jorge Salomão, Stephen Berg, Waly Salomão, Rogério Duarte, Torquato Neto, Ivan Cardoso e as "Ivanps", Óscar Ramos, Luciano Figueiredo,  Augusto de Campos, Chacal, Décio Pignatari, Caetano Veloso e Haroldo de Campos.









Maqueta Revista Navilouca - Archivo Lafuente - Foto: Ivan Cardoso








1975
Revista Amiga
n° 267
2 de julho de 1975

Fotos: Francisco Jorge




7/6/1975







 
VELOSO, Caetano. Alegria, Alegria – Uma Caetanave organizada por Waly Salomão. 1ª edición. Rio de Janeiro: Pedra Q Ronca Edições e Produções Artísticas, 1977. 220 pág.
Pág. 147



 
FRANCHETTI, Paulo y PÉCORA, Alcyr. Caetano Veloso – Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1981. 114 pág.


Fotos da edição


 


Foto: Abril Press
Foto: Abril Press


Foto: Irmo Celso

Foto: Arnaldo da Silva




Textos: Pág. 37 / 38 / 39 / 40
 



         de tentativa de simulação

         de salada de treino de

         sais eram (espelho) maresias

         eram olhe (pés, mãos) onde         anda

                                                                                          nada

                                                                                   do

ainda                                          soam doen
                                  no meu coração de poeta romântico

antigo amor
         (sempre entre o mar e aquilo que o mar espelha)

                                                  as palavras



primeiro tentando roubar os nomes às coisas, logo costurando-

se/os/as (oh meus olhos estão acostumados e moverem-se horizontal-

mente por causa do mar e da escrita, por exemplo).

   contemplar aqui há milênios amaranilanilinalinarama - troca

d'olho - amaré, amarel anil: verde perto (o poeta augusto na pitu-

ba, fora da barra, '69) há milênios sentemplar o perto e branco do pa-

pel um horizonte de letras o horizonte das letras um horizonte de le-

tras o infinito sempre continuado horizonte das letras mas a profun-

didade dos números um horizonte superfície flor d'água de letras e a

profundidade abissal dos números o vértice da poesia ah o vértice

da poesia é o vértice da poesia que quero trazer para esta pá contu-

do o mesmo mar que tudo contudo para esta o mesmo mar que tudo

espelha se espalha (variante: o mesmo mar que tudo espalha se espel-

ha) nesta página do meu repertório oiro repercutecute cinco letras

cinco - o vórtice da poesia o antigo sonho de viagem dos poetas de

trazer transparência fundura abismo adivinhação vertigem ao pa-

pel plano das palavras escritas à horizontalidade morta das letras à

retilínea mudez delas oh os poetas inventaram inventarão para sim

mesmos o mito de que as assim palavras foram antes som de ser pa-

lavras - alma: alga: lama mal amalgamada - som como a mágica

música som como a alma do mundo que temos os olhos separados

dos ouvidos), velando e revelando o talvez nome sem nome que as coi-

sas têm de nós dentro:

   evadeus se duma quando o céu todo se desconstela diadão: é aqui

que s'urge o personave freminino. ger'um dia. vem sanhassonhando,

cantarrolando aurorabaixo, assabiando. andorindo, passarando pas-

so-perto.


- "à tarde, quando de volta da serra
com os pés sujinhos de terra
vejo a cabocla passar" –



- asparece o presonagem maculino.



!- "as flores vêm pra a beira do caminho pra

ver aquele jeitinho que ela tem de caminhar"



rasto de gente abaianada



- "e quando ela na rede adormece

e o seio moreno esquece de na camisa ocultar"



O dele olhar apenas guimarãesroça (15) a dela epidorme.



- "à noite de seus cabelos os grampos"



quando tudo muricoça lagartrisca, sapode, tudo cobra, tudo

louva-deus, tudo, deus pôs, maripousa borbolentamente.



- "somente com o nome dela na boca

pensando nessa cabocla

fica um caboclo acordado."

   essa angústia que o paralisava ao crepúsculo deve-se apenas ao fa-

to de ele ser o personagem central deste livro. este livro é a maldi-

ção daquele menino na medida em que é a salvação do seu autor.



ou:



   morbia um cigarro num dos cantos da boca enquanto palarvas es-

carriam pelo outro. arredação, nojo ornamentiras - e aqui vai uma

homenagem ao meu amigo e proeta michael chapman, gigante de

portobello, único jornalista e único jornaleiro do “daily liar” -, em-

sourdescia aos berros das palredes de exgosto, no dactilogro amado

ar falto do raio de enganeiro. nesse mamento de glandeza, o nosso

pessonhagem se esporrama na caldeira e pensa, tanaz: o brasil arde. R

eparaliza no olear as duras únicas pernas da esgarrindo-se novisca

extasiária e fá-la: deus te abençoe, minha filha. e trepois: ai minha

filha, ai minha filha, ai minha filha. reticente-se cheio de vilhice,

fardigado estica os suspensérios e quase escrouve: a moral brasilei-

ra vai ganhar muito com isso. enquanto lá fora tarachimbunda a li-

xeiratura machonal. (16)


(15) “guimarãesroça” é um trocadilho com o nome de um dos grandes escritores brasileiros surgidos após o movimento modernista, o mineiro João Guimarães Rosa, cuja criação, como se sabe, incidiu fortemente sobre o universo rural doBrasil. Além dessa referência explícita a Guimarães Rosa, uma série de outras “dissimulações” no texto acabam por remeter a ele. Como de outras vezes, o desenvolvimento do discurso de Caetano realiza o seu próprio caminho através de seguidas referências a outros discursos, mais ou menos facilmente indentificáveis.
(16) Verifique como este último parágrafo, em quase todas as suas palavras alteradas, faz intervir imagens sexuais.



ENTREVAVISTA


a que você atribui o fato de ter a opinião pública o distinguido?
- Meu pecado muito originalquando eu nasci um anjo torto desses
uma pedra no meio do caminho vai que é mole eu sou o lobo mau eu
sou o lobo mau eu sou o tal tal tal tal tal (17) talvez quem sabe terei eu
apenas setenta centímetros de altura faltame-há uma perna  neste
país não meu filho né pois é né será né meu coração vaga né pois é
né e diria inclusive aqui e agora minha idade verdadeira né é né e
agora josé a minha idade verdadeira é a idade da pedra polida e
pronto né de todas as minas de bahias de onde venho assim
cansado de que marcha de que samba das minhas minas bahias gerais de to-
das todos os meus amigos são reencarnações de lampião de dom bos-
co de rodolfo valentino de akenaton eu né eu não eu sou a reencar-
nação de um cujo nome não consta homem neolítico e por isso.



você já viu algum disco voador?
- Só de fotografia.

o que acha do LSD?

- Certa feita eu tomei um LSD, uns amigos vieram, eu tinha que
fazer essa experiência, eu tomei um, cê sabe, achei uma boa droga.

que acha de Millôr Fernandes?
- Prefiro Nelson Rodrigues.



você assegura que esteve nos aposentos do Papa Paulo VI?
- Y lo puedo probar. No tengo miedo de esos que no tienen el cora-
ge de poner la cara. He dicho que dormi con el Papa y lo pruebo. Por-
que yo tengo el corage de poner la cara. Yo no soy un henano, soy
un niño. Para aquellos que hicieron lo que hicieron con mi madre,
con mi madre, MI MADRE, señores, no se puede hacer una cosa de
esas a una madre, para esos yo ofresco mi deprecio. Algunos dicen
que yo soy comunista, que yo soy un hombre de isqui-quierdas; pero
mi filosofia es la filosofia pura, la filosofia del amor, de la sonrisa y
de la flor. Tampoco soy un hippy o participo del movimiento de la bossa
nova. Soy un niño y soy sociólogo sicólogo filósofo matemático místi-
co bailarino escritor dentistta poeta y etc. etc. etc. No soy un henano
y no tengo miedo. Gracias, Señor. (18)



você é antes de tudo um forte ou não passa de um mestiço neurastê-
nico do litoral?
- O nosso machonalismo é merdavarelo e puti.

(17) As imagens do “anjo torto” e da “pedra no meio do camino” remetem a dois dos mais conhecidos poemas de Carlos Drumond de Andrade (a primeira imagem tendo sido inclusive retomada em um poema de Torquato Neto, poeta fundamental no movimiento da Tropicália) As imagens seguintes (“eu sou o lobo mau, eu sou o tal”) referem-se a uma das canções de Roberto e Erasmo Carlos do tempo da Jovem Guarda, manifestação cuja importância nos rumos da música popular brasileira Caetano jamais deixou de reconhecer.


(18) Neste trecho Caetano se utiliza do castelhano, mas como você certamente notou esta não é a única língua que ele va empregando ao longo dos seus textos. Procure discernir a função que essa assimilação de línguas distintas, algunas vezes em uma mesma frase, pode ter para o sentido geral destes textos.


Contracapa




Novembro / 1985

 
 

 

 
 

 

 
 
 







[do livro Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir, 2008]

Capítulo XIV

Navilouca – O Almanaque dos Aqualoucos



Ivan Cardoso


O Torquato Neto veio com a idéia de fazer a Navilouca em 1971. Ele convidou o Waly Salomão para ser o co-editor e me chamou para ser o fotógrafo. Foi outra coisa inesperada, porque eu não tinha experiência quase nenhuma. Já me garantia na fotografia, mas não era profissional, tinha apenas começado a me exercitar. A Navilouca teve grande importância porque reuniu os principais expoentes da vanguarda da época. Segundo o Décio Pignatari, foi a primeira publicação pop-construtivista feita no Brasil. Foi por causa da Navilouca que me aproximei do Luciano Figueiredo e do Óscar Ramos. O Luciano já morava na casa do Óscar, no Cosme Velho, onde foram feitas todas as reuniões editoriais e a programação visual da revista.

Todas as matérias são ilustradas com fotografias. Só não fiz as fotos do Chacal, do Steve Berg, do Caetano Veloso (que não estava no Brasil) e do próprio Torquato. As fotos da Lygia Clark e a do Hélio Oiticica foram feitas pelo Eduardo Clark, filho da Lygia. O resto das fotos todas, incluindo as da capa, eu que fiz. No final, tentava até me esquivar de tirar essas fotos, porque já tinha feito demais. A editora da Navilouca me pagou um viagem a São Paulo, para fotografar os irmãos Campos e o Décio Pignatari. Essa foto ficou famosa porque foi um remake, feito vinte anos depois, de uma foto importante que havia saído na revista Noigandres. A Ana Araújo, mulher do Torquato, sempre disse, em tom de brincadeira, que a Navilouca era um álbum de figurinhas do Ivan Cardoso.

Como o Torquato convenceu o Lúcio Abreu, dono da Gernasa, a editar a Navilouca é que eu não sei. São coisas misteriosas. Depois o projeto da revista ficou encalhado por um longo período. O Lúcio, que era amigo do Torquato dos tempos do Partidão, foi atropelado e isso degringolou o negócio. O projeto da revista só foi retomado após a morte do Torquato e a Navilouca foi lançada em julho de 1974 – com recursos da Polygram, conseguidos graças a influência do Caetano Veloso.

Impulsionado pela repercussão da Navilouca e da série Quotidianas Kodaks, minha carreira como fotógrafo foi meteórica. Fui do zero ao zênite, num piscar de olhos. Havia me tornado um artista da moda. Logo em seguida a Navilouca, fiz fotos que foram capa de alguns discos importantes: o LP Fatal, álbum duplo ao vivo lançado pela Gal Costa; o primeiro disco do Jorge Mautner; e o Araçá Azul, do Caetano Veloso – que considero um dos meus melhores trabalhos para capa de disco. Também fiz as fotos de capa para o primeiro livro do Waly Salomão (o Me segura que eu vou dar um troço); para a antologia póstuma do Torquato, chamada O últimos dias de Paupéria; e para o livro Xadrez de Estrelas, do Haroldo de Campos.

Além das cinqüenta e quatro fotos minhas que ilustram praticamente toda Navilouca, o Torquato ainda incluiu, na contracapa da revista, a reprodução de um trabalho de artes plásticas que eu fazia. Na época, eu enchia uns pratos com tinta óleo vermelha e esperava secar. Quando a tinta secava, formava uma espécie de nata na superfície. Eu pintava o prato todo de preto e, depois, passava uma gilete para deixar a tinta vermelha escorrer. Era uma coisa que remetia, de certa maneira, ao filme do Buñuel. Apesar de ser uma coisa ligada as artes plásticas, o prato que aparece na contracapa da Navilouca foi feito especialmente para a abertura do Nosferato do Brasil. O Hélio achou aquilo o máximo. Foi uma coisa que também foi respaldada pelos poetas concretos.

A Navilouca também está repleta de anúncios e textos que promovem os meus filmes Super 8. Tem dois textos do Oiticica sobre o Nosferato do Brasil e os cartazes do Nosferato e do Sentença de Deus. Na minha parte tem também duas páginas dedicada aos Ivamps. A revista foi feita sem a menor preocupação com custo. Cada um fazia a sua matéria do tamanho que queria. Na Navilouca, as coisas eram feitas, ao mesmo tempo, com muito e nenhum critério. Para você entrar na revista tinha que ser amigo do Torquato ou do Waly.

Tirei todas as fotos de graça, nem os filmes me pagaram. Aliás, ninguém recebeu nada. Esse era um problema que me assombrou durante muitos anos. Até O Segredo da Múmia não ganhei dinheiro com cinema. Quer dizer, depois da fase do Super 8, inventaram uma lei de obrigatoriedade para o curta-metragem e acabei ganhando algum dinheiro. Mas o ato de filmar, para mim, foi sempre por amor ao cinema, por amor à arte. Nos Super 8 então, todo mundo trabalhava de graça mesmo. As pessoas se sentiam participantes daquele movimento e colaboravam para que aquilo desse certo.



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