Documentário, 90 min | 2010
Rio de Janeiro/RJ
Direção: Geneton Moraes Neto
Roteiro: Geneton Moraes Neto
Produção: Jorge Mansur
Fotografia: Adreas Palluch
Montagem: Geneton Moraes Neto e Jorge Mansur
Direção De Arte: Joana Passi
Trilha Sonora: Caetano Veloso, Gilberto Gil
Mautner e Macalé participam
Os detalhes dessa história, contados pelos dois personagens, já seriam motivo para Geneton Moraes Neto realizar "As canções do exílio - Uma labareda que lambeu tudo", documentário em três partes de 50 minutos cada, que o Canal Brasil exibirá amanhã, quarta e quinta-feira, às 22h. Mas há pelo menos mais um motivo: Geneton inspirou-se na foto em que, aos 15 anos, aparece entrevistando Caetano para o "Diário de Pernambuco", e a partir dela se entregou ao que considera uma guinada profissional. Tendo começado a vida como jornalista e caído na TV quase por acaso, esses anos todos ele deixou de lado o que realmente queria fazer: cinema documental.
- Este é o meu rompimento amigável com o jornalismo e a retomada da carreira de cineasta interrompida pela TV - diz Geneton, antecipando que os 150 minutos da série serão reduzidos a 120 para os cinemas.
Na produção, e também na edição do filme, ele contou com a parceria de Jorge Mansur, cujos modernos recursos tecnológicos viabilizaram uma empreitada que, na era pré-digital, seria financeiramente inviável.
Caetano e Gil - mais Jorge Mautner e Jards Macalé, que, por diversos caminhos, foram se encontrar com os amigos no exílio - contam a história cronologicamente.
A detenção, o ano-novo passado atrás das grades, os tempos de prisão domiciliar, a proibição de fazer shows e gravar discos, a vinda ao Rio de um chefe de polícia de Salvador para mostrar aos superiores o absurdo da situação. Graças a isso, foi dada autorização (ou ordem) para que saíssem do país. A fim de que os dois conseguissem dinheiro para a viagem, os militares permitiram que fizessem dois shows em Salvador.
Permissões como esta, em tom de favor, fazem da história um retrato do Brasil da época, mistura surrealista de brutalidade com cordialidade. Um episódio narrado por Gil é exemplar: os mesmos homens que o prendiam sem motivo arranjaram-lhe um violão e ainda pediram que fizesse um show para os soldados do quartel. Outro oficial, generosamente, ajudou-o em sua dieta vegetariana.
- Se eu fosse antropólogo ou sociólogo, poderia escrever, partindo deste documentário, um tratado sobre a alma brasileira - diz Geneton.
Pelos depoimentos, constata-se que o exílio foi menos doloroso para os outros do que para Caetano. Gil, por exemplo, admite ter "caído na gandaia", frequentando a noite londrina sem pensar tanto no que ficara para trás. Já para Caetano, a palavra depressão pontua algumas das passagens de sua narrativa.
Mas, no homem que lembra, e não no que viveu, há lugar para humor, como suas discussões com Glauber Rocha. E palavras afetuosas, como as que dedica a Violeta Arraes ("Ainda a adoro, vou adorá-la sempre"), a mulher que abria o coração aos exilados que a procuravam em Paris.
Deprimido, Caetano chegou ao Rio para o que esperava ser um reencontro feliz: autorizaram-no a participar da festa dos 40 anos de casamento de seus pais.
Logo ao desembarcar, foi preso e levado para um depoimento de seis horas, cujo objetivo era tão somente pressioná-lo a fazer uma canção enaltecendo a Transamazônica. Negativo. Só concordou com duas apresentações na TV, quando, em vez de cantar algo a alegre, pop, como supunham ele ter trazido de Londres, reviveu a triste "Adeus, batucada".
Callado, futebol e Chico
Gil guarda detalhes de sua prisão e, mais ainda, do exílio: o apoio que o escritor Antônio Callado lhe deu no cárcere ao vê-lo de cabeça raspada; a criação de "Aquele abraço"; como "Can't find my way home" virou sua canção de exílio; as palavras "Rivelino revelation" pintadas nos muros de Chelsea no dia seguinte à vitória do Brasil sobre a Inglaterra em 1970 (torcer ou não pelo Brasil de Médici era a questão, resolvida pela paixão maior pelo futebol). Gil conta, ainda, como escreveu com Chico Buarque a proibida "Cálice" (ou "Cale-se"), já de volta a um país ainda sem liberdade.
Caetano fala do medo de morrer e da certeza de que matar, mesmo, os militares só queriam o Geraldo Vandré. E de como prefere não passar recibo da informação que os policiais lhe deram sobre quem eram seus "colaboradores".
As histórias são muitas e se desenrolam depois de a atriz Lorena da Silva lembrar trechos de crônicas de Caetano para o "Pasquim" e de Paulo César Peréio dizer um texto de Geneton sobre seu projeto.
Jorge Mautner, que foi dos Estados Unidos para a Inglaterra ao encontro dos amigos, tem de tudo uma visão mais filosófica. E, mais que tudo, positiva. Acreditava e ainda acredita que o futuro está no Brasil. Dizendo-se "filho do Holocausto criado no candomblé", não esquece o pai judeu para quem toda a cultura europeia acabou em campos de concentração. "Isso aqui é o Brasil", bradava o velho Mautner.
Jards Macalé viajou a convite de Caetano para ajudá-lo no que seria o LP "Transa". Vêm dele as únicas referências à relação do grupo com as drogas, já que, sabidamente, todos, menos Caetano, recorreram a elas nos tempos de exílio. Foi sob a ação de LSD que Macalé, em visita ao museu de Madame Tussaud, apaixonou-se por uma Branca de Neve de cera. Não fosse o guarda, teria matado o desejo ali mesmo: "Ainda hoje sinto saudades daquela Branca de Neve." É dele o subtítulo de "Canções do exílio". Ao retornar ao Rio, vindo do inverno britânico, sentiu uma forte calor entrar pela porta do avião adentro, como "uma labareda que lambeu tudo".
1973 - Recife 2010 - Rio de Janeiro
Jorge Mansur e Geneton Moraes Neto |
Caetano
revela: militares gravaram interrogatório a que foi submetido no Rio de Janeiro
e pergunta: “Onde estarão estas fitas ?”
E mais: o dia em que Chico Anysio se
ofereceu para ajudar Caetano a voltar do exílio
Pouco depois de chegar a Londres, para um exílio
que duraria dois anos e meio, Caetano Veloso teve uma surpresa : recebeu uma
carta em que o humorista Chico Anysio se oferecia para intermediar um possível
retorno ao Brasil. O gesto solidário de Chico Anysio comoveu Caetano –
que tinha sido preso em São Paulo, juntamente com Gilberto Gil, duas semanas
depois da decretação do AI-5, o ato que dava poderes absolutos ao regime
militar. Trazidos ao Rio de carro, os dois passaram por três quartéis, até
viajarem para Salvador, onde passaram seis meses sob regime de prisão
domicilar. Em seguida, em meados de 1969, receberam autorização para sair do
Brasil. Destino: Londres. Voltaram ao Brasil no início de 1972.
Diz Caetano:
“Chico Anysio me escreveu uma carta bem cedo, logo
que eu tinha chegado a Londres. Respondi: “Chico, agradeço muito. Não há nada
que eu queira mais do que voltar ao Brasil. Mas não quero dialogar com essas
autoridades que trataram do jeito que me trataram….”. É a primeira vez que
estou contando assim. Mas aconteceu. As cartas provavelmente estarão perdidas”.
A referência a Chico Anysio é parte do longo
depoimento que Caetano Veloso gravou para o nosso documentário “CANÇÕES DO
EXÍLIO: A LABAREDA QUE LAMBEU TUDO” (a ser exibido nesta terça, quarta e
quinta, em três episódios de 50 minutos, no Canal Brasil. A negociação para a
volta ao Brasil é parte do segundo episódio. Além de Caetano Veloso, o
documentário, produzido pela Multipress Digital para o Canal Brasil, traz
depoimentos de Gilberto Gil, Jards Macalé e Jorge Mautner – e participações
especiais de Paulo César Peréio e Lorena da Silva).
Cerca
de um ano depois da oferta de Chico Anysio, Caetano Veloso recebeu, por fim,
uma autorização para uma viagem ao Brasil: iria comparecer à comemoração dos
quarenta anos de casamento dos pais, na Bahia. Maria Bethânia, irmã de Caetano
Veloso, se encarregou de fazer os contatos, numa operação que incluiu o
empresário Benil Santos e – de novo – o próprio Chico Anysio. “Bethânia estava
trabalhando com o empresário Benil Santos – que trabalhava, também, com Chico
Anysio”, diz Caetano, no documentário. “Chico se dispôs, através de Benil
Santos, a ajudar Bethânia. De fato, ele ajudou Benil a ajudar Bethânia a
conseguir”
A
autorização foi dada para que Caetano Veloso permanecesse um mês em Salvador.
Mas, ao desembarcar no Rio, uma surpresa esperava Caetano Veloso, ainda na
pista do aeroporto:
“Vim
com Dedé (n: mulher de Caetano na época). Quando chegamos ao Galeão, a
gente desceu aquela escadinha. Já no pé da escada, tinha um Fusca: me pegaram e
dali mesmo saíram comigo. Levaram-se para um apartamento na avenida Presidente
Vargas (centro do Rio) e, ali, me interrogaram. Estavam com um gravador de
rolo. Onde estarão estas fitas hoje ? Gravaram tudo o que estavam perguntando e
todas as minhas respostas. Isso durou seis horas. Queriam que eu fizesse uma
canção louvando a Transamazônica. Disseram: “Alguns colegas seus estão colaborando
conosco, fazendo músicas”… Pensei: “Voltei ao Brasil para ser preso de novo!
Quase morro”.
As
exigências apresentadas a Caetano Veloso: neste mês de permanência no Brasil,
ele não deveria cortar o cabelo ou tirar a barba, para dar uma aparência de
“normalidade”; não deveria sair da cidade de Salvador; ficaria sob a vigilância
permanente de dois agentes; deveria fazer duas apresentações na TV. As
exigências foram cumpridas.
Comando
Militar do Leste informa : não há registros do “evento citado”
PS: Tentei, junto ao atual Comando Militar do Leste, obter alguma
informação sobre o paradeiro das tais fitas que registraram o interrogatório de
Caetano. A resposta que me foi enviada é um primor de concisão: “Prezado
jornalista: Em atenção à sua solicitação informamos que: não foram encontrados
registros sobre o evento citado em sua mensagem”.
Fica a dúvida no ar: as fitas foram preservadas ? Algum oficial teve o
cuidado de guardá-las? Como o interrogatório não foi “oficial” – até porque não
havia uma acvusação formal contra Caetano Veloso-, é improvável que um dia haja
uma palavra oficial sobre as gravações. Mas, como tanta coisa fica nas mãos do
acaso, pode ser que um dia, no fundo de uma gaveta, na prateleira empoeirada de
uma estante ou, quem sabe, na casa de um militar da reserva, estas fitas
apareçam.
Com certeza, seriam um documento precioso sobre aqueles tempos
conturbados: uma época em que um compositor popular, tido como ameaça ao bem
estar da República, era submetido a um interrogatório que teve momentos de
teatro do absurdo. Ou alguém imaginaria que, sob coação, o compositor fosse
criar um hino de louvação à rodovia Transamazônica, um dos símbolos do chamado
“Brasil Grande”?
Compositores lembram canções do exílio
Documentário de Geneton Moraes Neto traz depoimentos de Gilberto Gil, Caetano
Veloso, Jorge Mautner e Jards Macalé
Beto Feitosa
O jornalista Geneton Moraes Neto volta a sua juventude no documentário Canções do exílio - A labareda que lambeu tudo, que será exibido em três episódios (entre 8 e 10 de fevereiro, às 22h) pelo Canal Brasil. Na série, que depois será condensada em um filme, ele entrevista Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé reconstruindo um capítulo da história recente cultural e política do país.
O filme na verdade tem início em 1973 quando Geneton, aos 15 anos, entrevistou Caetano Veloso em sua volta de Londres. "Caetano reclamava que no exílio parecia que ele estava morto, que tinha virado uma entidade fora do mundo. Ficou no ar essa queixa", conta o jornalista em entrevista por telefone. "Ao longo dos anos fiz outras entrevistas com ele, mas quando resolvi fazer essa série era como se estivesse retomando, complementando uma frase que começou a ser dita há 38 anos", resume.
O filme costura depoimentos importantes dos artistas. Momentos de dúvida, de medo e também de muita criatividade. "É um período muito conturbado na história do país e também muito rico que eles viveram em Londres", resume. "Isso teve influência na vida cultural do país". A história é contada através de narração de Paulo Cesar Peréio, depoimentos recentes e trechos de entrevistas antigas.
Geneton diz que não acredita em assunto esgotado. "A história existe pra ser revirada e revisitada. A gente produziu um documento". Gilberto Gil surpreende com a lembrança de que fez um show para a tropa, e compôs quatro músicas com um violão emprestado por um sargento. "Eu considero uma cena surrealista que só poderia acontecer no Brasil, essa mistura de brutalidade com delicadeza. Se eu fosse sociólogo faria uma tese sobre o espírito brasileiro a partir dessas histórias", conta.
O documentário dialoga com um recente sucesso do cinema documental brasileiro, o longa Uma noite em 67 , de Ricardo Calil e Renato Terra, que mostra o festival que revelou o movimento tropicalista. "Dificilmente haverá uma noite igual a essa para a música brasileira", avalia. "A diferença é que eles tratam essencialmente do lado musical, e Canções do exílio fica na parte política. Talvez a gente até faça um episódio com a parte musical que ficou de fora", revela Geneton. "Mas os dois podem se complementar, falam sobre a mesma época. Canções do exílio mostra o que aconteceu com eles depois daquela noite", resume.
Atualmente apresentando o programa Dossiê Globo News, Geneton conta: "Como jornalista sempre procurei produzir documentos, recuperando assuntos esquecidos e revirar a história". "O que é um documentário se não um jornalismo no cinema?", indaga. Com olhar de repórter, o cineasta Geneton Moraes Neto monta o painel dessa história política e cultural do país.
O jornalista Geneton Moraes Neto volta a sua juventude no documentário Canções do exílio - A labareda que lambeu tudo, que será exibido em três episódios (entre 8 e 10 de fevereiro, às 22h) pelo Canal Brasil. Na série, que depois será condensada em um filme, ele entrevista Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé reconstruindo um capítulo da história recente cultural e política do país.
O filme na verdade tem início em 1973 quando Geneton, aos 15 anos, entrevistou Caetano Veloso em sua volta de Londres. "Caetano reclamava que no exílio parecia que ele estava morto, que tinha virado uma entidade fora do mundo. Ficou no ar essa queixa", conta o jornalista em entrevista por telefone. "Ao longo dos anos fiz outras entrevistas com ele, mas quando resolvi fazer essa série era como se estivesse retomando, complementando uma frase que começou a ser dita há 38 anos", resume.
O filme costura depoimentos importantes dos artistas. Momentos de dúvida, de medo e também de muita criatividade. "É um período muito conturbado na história do país e também muito rico que eles viveram em Londres", resume. "Isso teve influência na vida cultural do país". A história é contada através de narração de Paulo Cesar Peréio, depoimentos recentes e trechos de entrevistas antigas.
Geneton diz que não acredita em assunto esgotado. "A história existe pra ser revirada e revisitada. A gente produziu um documento". Gilberto Gil surpreende com a lembrança de que fez um show para a tropa, e compôs quatro músicas com um violão emprestado por um sargento. "Eu considero uma cena surrealista que só poderia acontecer no Brasil, essa mistura de brutalidade com delicadeza. Se eu fosse sociólogo faria uma tese sobre o espírito brasileiro a partir dessas histórias", conta.
O documentário dialoga com um recente sucesso do cinema documental brasileiro, o longa Uma noite em 67 , de Ricardo Calil e Renato Terra, que mostra o festival que revelou o movimento tropicalista. "Dificilmente haverá uma noite igual a essa para a música brasileira", avalia. "A diferença é que eles tratam essencialmente do lado musical, e Canções do exílio fica na parte política. Talvez a gente até faça um episódio com a parte musical que ficou de fora", revela Geneton. "Mas os dois podem se complementar, falam sobre a mesma época. Canções do exílio mostra o que aconteceu com eles depois daquela noite", resume.
Atualmente apresentando o programa Dossiê Globo News, Geneton conta: "Como jornalista sempre procurei produzir documentos, recuperando assuntos esquecidos e revirar a história". "O que é um documentário se não um jornalismo no cinema?", indaga. Com olhar de repórter, o cineasta Geneton Moraes Neto monta o painel dessa história política e cultural do país.
Excelente!!! Assisti agora no Canal Brasil!
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