José Ribamar Ferreira [10/9/1930 - 4/12/2016]
● ONDE ANDARÁS (Caetano
Veloso/Ferreira Gullar)
Caetano Veloso sobre Ferreira Gullar:
"Conheci Ferreira Gullar quando vim tomar conta de Bethânia
em seu começo de carreira nacional (e não apenas regional) no espetáculo
Opinião. Gullar era um cara de boa conversa e presença firme. Eu sabia de seu
prestígio por causa dos
poemas participantes da fase Violão de Rua. Na Bahia, líamos Drummond, Cecília,
Vinicius, Bandeira, Cabral. Mas eu nada sabia dos poetas concretos de São Paulo
e de A Luta Corporal. Vim a ler este impressionante livro depois do meu contato
com os irmãos Campos e Décio Pignatari. Tornei-me parceiro de Ferreira por
causa de um pedido de Bethânia: ela me deu os versos de "Onde
andarás" para que eu musicasse. Gullar conversava às vezes comigo e com
Dedé, junto a Paulo Pontes e, às vezes Vianinha. Muito presente, e pessoa
maravilhosa em quem sempre penso com admiração e saudade, estava Thereza
Aragão, à época sua mulher e mãe dos seus filhos. Ela foi a amiga mais
importante de Bethânia em sua vida no Rio de Janeiro. Era mais do que o irmão
eficaz que eu conseguiria ser.
A imagem mais forte de Ferreira, para mim, vem do meu período na prisão. Ele
estava, junto com Gil, Antonio Callado, Paulo Francis e outros, num xadrez ao
lado do meu. Sua lucidez e sua firmeza faziam dele o melhor companheiro
imaginável. Todos os jovens que estavam na mina cela eram gratos a ele pela
solidariedade e eficácia em ajudar. Recebi um bilhete de Francis através de um
dispositivo clandestino (e que funcionou até o fim sem ser flagrado pelos
milicos) imaginado e construído por ele: comunicação por escrito usando um
cordão que passava pequenos pedaços de papel por trás da caixa d'água que
servia aos dois xadrezes. Ele era assim: prático, destemido e calmo.
Recentemente estive com o grande maranhense em duas ocasiões: uma conversa
organizada pela Folha de São Paulo - em que ele falou com muito brilho e
arrancou aplausos (e eu comentei que ele tinha virado "um liberal
inglês", expressão que, para mim, contém muitos aspectos positivos, o que
fez poucas pessoas rirem na plateia mas que evidentemente não lhe pareceu -
porque não era - antipática). A segunda foi numa palestra de Antonio Cicero
sobre poesia. Em ambas as ocasiões ele foi muito afável e doce comigo. E eu com
ele. Hoje mesmo, antes de saber que ele tinha morrido, li seu artigo na Folha.
Era mais um explicando o abandono do marxismo diante do fracasso das
experiências de Estados comunistas. E saudando Bill Gates por sua opção pela
caridade. Diante de textos assim, inclusive aqueles em que ele mostrava
irritação com os caminhos atuais das artes plásticas, eu tendi sempre enfatizar
dentro de mim o orgulho que tenho de ser seu parceiro e a lembrança de quão
admirável me parecia sua figura, em vez de buscar na mente os pontos que me
parecessem discutíveis de seus argumentos."
Caetano Veloso
4/12/2016
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